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EuPTCVHe0873-21592010000100009

EuPTCVHe0873-21592010000100009

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0873-2159
Year2010
Issue0001
Article number00009

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Técnicas de dilatação broncoscópica e aplicação tópica de mitomicina C no tratamento da estenose traqueal pós-entubação - A propósito de dois casos clínicos

Introdução As causas benignas mais frequentes de estenose traqueal são as lesões da mucosa traqueal condicionadas maioritariamente por entubação orotraqueal (EOT) prolongada e traqueostomia1-4 ou outros traumatismos e doenças inflamatórias crónicas5.

As estenoses pós-entubação prolongada ocorrem em cerca de 1-4% de todos os doentes ventilados nas unidades de cuidados intensivos6, 7 . Estas estenoses traqueais sem tratamento apresentam uma morbilidade e mortalidade consideráveis, uma vez que pequenas alterações no diâmetro das vias aéreas principais podem condicionar alterações significativas no fluxo aéreo, com um compromisso importante da via aérea.

Esta patologia representa um desafio em termos terapêuticos, com necessidade de cirurgias de reconstrução, quando possível, ou tratamento endoscópico com dilatações sucessivas e outras terapêuticas complementares, com destaque para o laser.A formação de cicatrizes, tecido de granulação e reestenose são as principais causas de falência terapêutica.

A mitomicina C é um fármaco em crescente uso como adjuvante da broncoscopia rígida e laserno tratamento das estenoses traqueais pós-entubação.

Caso clínico 1 Doente de 55 anos, doméstica, com estenose traqueal grave, após EOT prolongada e traqueostomia durante um mês, na sequência de tiroidectomia total por carcinoma medular da tiróide em Junho de 2006.

Evoluiu com quadro de dificuldade respiratória progressiva, com estridor inspiratório marcado.

Referenciada para broncoscopia rígida de  intervenção, após a cirurgia torácica considerar não haver condições técnicas para correcção cirúrgica.

Na primeira broncoscopia rígida, realizada em Novembro de 2006, observada estenose traqueal complexa aproximadamente a 1 cm das cordas vocais, envolvendo a parede da traqueia e ocupando três anéis traqueais, com abundante tecido de granulação. O lúmen da traqueia apresentava-se reduzido a cerca de 25% do seu calibre normal (Fig. 1).

Fig. 1 Broncoscopia rígida (Novembro 2006) estenose traqueal, com marcada redução do lúmen a cerca de 25% do total, envolvendo a parede da traqueia e ocupando três anéis traqueais, com abundante tecido de granulação

Foi realizada dilatação mecânica com balão hidrostático e depois com os broncoscópios rígidos de calibre 7,5 e 8,5 mm (Fig. 2). Após a dilatação, observa-se duplicação do calibre da zona de estenose.

Fig. 2 Broncoscopia rígida (Novembro 2006) Estenose traqueal após dilatação mecânica com balão hidrostático e sucessivamente com o broncoscópio rígido de 7,5 e 8,5 mm e laser na zona com maior tecido de granulação. Após a dilatação, estenose traqueal com cerca de 50% do lúmen

A doente manteve necessidade de realização de dilatações frequentes (mensais) e terapêutica com laserNd YAG nas zonas com mais tecido de granulação, face à recorrência dos sintomas e reestenose. Nesta altura foi novamente proposta para cirurgia torácica, mas, perante a exuberância do envolvimento da traqueia e a proximidade das cordas vocais, não foi aceite, sendo decidido continuar com terapêutica endoscópica.

Em face das recidivas da estenose por extensa granulação, optou-se por efectuar terapêutica tópica com mitomicina C em Junho de 2007 (Fig. 3). Esta terapêutica foi aprovada pela comissão de ética da instituição.

Fig. 3 Broncoscopia rígida (Junho 2007): após dilatação com broncoscópio rígido 8,5mm e laser, franca melhoria do calibre traqueal (70% do normal).

Aplicação de mitomicina C tópica, com algodão em estilete metálico, na zona de estenose traqueal e tecido de granulação, seguida de lavagem com algodão embebido em sorofisiológico

Foi utilizada solução tópica de mitomicina C na concentração de 0,4mg/ml.

Efectuada aplicação tópica no local da estenose traqueal e tecido de granulação, com algodão envolvido em estilete metálico longo e embebido na solução de mitomicina C. A aplicação é feita com controlo visual de lupa terminal e durante 2 minutos.

Posteriormente, foram efectuadas lavagens com algodão humedecido em soro fisiológico aplicado no mesmo estilete, para remover os possíveis restos do fármaco no local da aplicação.

A doente teve redução franca do tecido de granulação e melhoria do grau de estenose traqueal, ficando com lúmen da traqueia a cerca de 60% do normal e com melhoria marcada dos sintomas de dificuldade respiratória, nomeadamente do estridor. Constatado ainda um alargamento do tempo livre de sintomas, com necessidade de nova broncoscopia em Novembro de 2007 (após 5 meses). Realizada nova aplicação de mitomicina C nessa data, de acordo com o protocolo descrito.

Desde essa altura, mantém-se em vigilância, realizando broncofibroscopias de revisão semestrais, sem novo agravamento de sintomas e mantendo o lúmen da traqueia com calibre de 60%, sem tecido de granulação (Fig. 4). Sem complicações decorrentes da aplicação de mitomicina C durante todo o período de 18 meses de vigilância.

Fig. 4 Broncovideoscopia (Maio de 2008): franca melhoria da estenose, lúmen da traqueia com cerca de 60% do total, sem tecido de granulação. Franca melhoria dos sintomas, apenas com estridor ligeiro com o esforço

Caso clínico 2 Doente de 81 anos, reformado de marceneiro, com estenose traqueal grave, após entubação orotraqueal durante cerca de um mês, na sequência de hemicolectomia por neoplasia do cólon em Agosto de 2006, complicada no pós-operatório por peritonite.

Após a alta hospitalar, no início de Outubro de 2006, evoluiu com um quadro de dificuldade respiratória progressiva, com estridor inspiratório, tendo sido reinternado através do serviço de urgência no final desse mês.

Na primeira broncoscopia rígida, realizada em Outubro de 2006, observada marcada estenose traqueal, com lúmen da traqueia reduzido a 30% do normal, localizada a 1 cm das cordas vocais, ocupando dois anéis traqueais e com abundante tecido de granulação (Fig. 5). Foi realizada dilatação mecânica com broncoscópio rígido de 6,5 mm e, posteriormente, de 7,5 e 8,5 mm. Efectuada terapêutica com laserna zona de maior granulação.

Fig. 5 Broncoscopia rígida (Outubro 2006) estenose traqueal em anel fibroso, com abundante tecido de granulação, com redução do lúmen a cerca de 30% do total, ocupando dois anéis traqueais

Após esta terapêutica, dilatação fácil com passagem sem dificuldade do broncoscópio rígido de 8,5 mm.

Após esta técnica, franca melhoria da dificuldade respiratória, sem estridor.

No entanto, o doente evoluiu com recorrência dos sintomas e em broncoscopias subsequentes foi constatada formação de abundante tecido de granulação e reestenose, mantendo necessidade de novas dilatações.

Efectuada broncoscopia rígida para nova dilatação e terapêutica com mitomicina C tópica em Março de 2008 (Fig. 6), de acordo com o protocolo descrito.

Fig. 6 Broncoscopia rígida (Março 2008): após dilatação mecânica com broncoscópio rígido 8,5mm, aplicação de mitomicina C, de acordo com a técnica descrita, na zona de estenose traqueal e tecido de granulação

Desde essa data, mantém-se em vigilância, sem novo agravamento de sintomas e mantendo o lúmen da traqueia com 70% do calibre normal, sem tecido de granulação (Fig. 7).

Fig. 7 Broncovideoscopia (Dezembro 2008): franca melhoria da estenose traqueal com calibre de 70% do lúmen normal da traqueia, sem tecido de granulação

Sem complicações decorrentes da aplicação de mitomicina C decorridos 10 meses.

Discussão O tratamento cirúrgico das estenoses traqueais graves após entubação traqueal continua a ser o tratamento de eleição.

Desde 1985, o tratamento broncoscópico das estenoses traqueais evoluiu de forma considerável, sendo frequentemente utilizado, mesmo nas estenoses severas, em substituição das cirurgias reconstrutivas, uma vez que apresenta menos complicações e menor morbilidade8. As técnicas endoscópicas permitem ainda, se necessário, procedimentos repetidos com uma maior tolerância do doente. Foram descritas várias técnicas endoscópicas, como dilatação mecânica, microcauterização, crioterapia, laserCO2 e Nd-YAG e colocação de próteses traqueais.

Estas técnicas apresentam algumas limitações e as taxas de sucesso referidas na literatura rondam os 50% 9 . A necessidade de dilatações frequentes aumenta o risco de complicações e a colocação de próteses traqueais no tratamento das estenoses também apresenta elevado número de complicações.

Qualquer que seja a técnica utilizada, a causa mais frequente de falência terapêutica é a formação de tecido de granulação e reestenose.

Para prevenir este fenómeno, foram testados vários agentes com capacidade de modular o processo cicatricial e inibir a formação de cicatrizes 10-12 .

Recentemente, a mitomicina C despertou atenção devido à sua potente acção como inibidora da proliferação de fibroblastos e na modulação do processo cicatricial 9 , 13 .

A mitomicina C é um antibiótico isolado de Streptomycescaespitosusque apresenta propriedades antineoplásicas (agente alquilante) e antiproliferativas, inibindo a proliferação dos fibroblastos, suprimindo a fibrose e a formação de cicatrizes 14 , 15 .

Utilizada desde a década de 60 como agente de quimioterapia nos adenocarcinomas gástricos, do pâncreas e da mama, entre outros 16 .

A sua primeira utilização como agente antiproliferativo foi na área da oftalmologia, no tratamento do pterygium 17 .

Existem vários estudos em animais que demonstraram os efeitos benéficos da mitomicina C no tratamento das estenoses das vias aéreas18-22. A primeira utilização em humanos na prevenção de cicatriz traqueal após reconstrução da traqueia foi descrita em 1998 23 . Actualmente existe experiência com a utilização da mitomicina C no tratamento das estenoses subglóticas, traqueais, brônquicas e esofágicas, entre outros 24 , 25 .

Existem vários relatos de casos clínicos, alguns estudos retrospectivos e outros prospectivos, mas poucos com grupos de controlo, a demonstrar os efeitos benéficos da mitomicina C nas estenoses das vias aéreas 9, 26-31 . As taxas de sucesso relatado variam entre 75 e 85% no tratamento das estenoses traqueais recidivantes, sem relato de efeitos secundários significativos9, 27 , 28 , 30 .

O mecanismo exacto através do qual a mitomicina C exerce a sua actividade antiproliferativa não está bem esclarecido, mas foi demonstrado em estudos invivoe invitro14,15.

Não existem actualmente dados consensuais no que respeita às doses ideais, duração ou frequência da aplicação. As doses utilizadas nas estenoses traqueais são equivalentes às utilizadas em oftalmologia (estudos randomizados em humanos), sendo muito inferiores às utilizadas em estudos animais (concentrações de 2-10 mg/ml). Relativamente à duração da aplicação, os estudos publicados variam entre 1 a 5 minutos.

Nos dois casos clínicos apresentados, a concentração utilizada (0,4mg/ml) e a duração da aplicação (2 minutos) foram escolhidas pelos relatos prévios na literatura9,13. Esta dose foi eficaz e não foram observados até à data efeitos secundários no seguimento dos doentes.

A maioria dos estudos não reportou efeitos secundários significativos com a aplicação tópica de mitomicina C, à excepção de um estudo que reportou obstrução da via aérea principal em 4 de 85 casos 32 . No entanto, este estudo apresenta algumas limitações. É um estudo retrospectivo, em dois dos doentes com complicações foram utilizadas doses muito elevadas de mitomicina C (10mg/ml) e um dos outros doentes apresentava insuficiência renal terminal, que poderia ter limitado a eliminação do fármaco e foi entubado orotraquealmente durante 2 horas após a aplicação da mitomicina C32.

É necessário, no entanto, ter em consideração os efeitos a longo prazo da utilização da mitomicina C, sendo necessários mais trabalhos que permitam compreender melhor o mecanismo de acção deste fármaco e a sua segurança a longo prazo.

Conclusão O tratamento cirúrgico das estenoses traqueais pós-entubação continua a ser a técnica de eleição. Contudo, nos casos em que esta não é possível ou é tecnicamente difícil, o recurso às técnicas de dilatação broncoscópicas tem tido, nalguns casos, boa resposta.

No entanto, pode por vezes induzir maior reacção cicatricial, formação de granulação e reestenose. A associação às técnicas de dilatação broncoscópica de um agente modulador do processo cicatricial, como a mitomicina C, parece ser eficaz e segura nos casos de estenoses traqueais de difícil resolução.


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