Intervenção da fisioterapia respiratória na função pulmonar de indivíduos
obesos submetidos a cirurgia bariátrica. Uma revisão
Introdução
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a obesidade é caracterizada pelo
excesso de tecido adiposo, causadas pelo desequilíbrio entre a ingestão e o
gasto calórico, contribuindo para diversas doenças crónicas e aumento da
mortalidade. Actualmente, é considerada uma epidemia mundial, onde só no Brasil
se estima que mais de 70 milhões de habitantes estão acima do peso adequado
1
.
Nestes doentes, o frequente insucesso do tratamento clínico, geralmente
dietético e medicamentoso, proporciona impacto na esfera psicossocial e
favorece o aparecimento de novas doenças, estimulando assim o tratamento
cirúrgico
2
. O procedimento cirúrgico utilizado para o tratamento da obesidade mórbida
emprega duas principais técnicas na cirurgia bariátrica, as quais são
conhecidas como procedimentos malabsortivos e restritivos
1,3
.
O excesso de tecido adiposo promove uma compressão mecânica sobre os diafragma,
pulmões e caixa torácica, levando a uma insuficiência pulmonar restritiva
4,5
. Associada ao procedimento cirúrgico nesses doentes obesos, é recomenda a
fisioterapia respiratória, essencial na recuperação da função pulmonar e na
prevenção de complicações respiratórias, como infecções, atelectasias, entre
outras
6,7
.
A utilização de protocolos que empregam o uso da pressão positiva expiratória
nas vias aéreas (expiratory positive airway pressure' EPAP), a espirometria de
incentivo, pressão positiva contínua nas vias aéreas (continous positive airway
pressure' CPAP) e ainda a cinesioterapia activa e a deambulação são essenciais
na melhoria da ventilação alveolar, na restauração da capacidade residual
funcional (CRF) e na qualidade de vida
8,9,10
.
Diante do exposto, este estudo tem como objectivo realizar uma revisão da
literatura sobre as diversas intervenções utilizadas pela fisioterapia
respiratória no pós-operatório de cirurgia bariátrica, uma vez que a obesidade
está associada a anormalidades respiratórias e também ao alto risco de
desenvolver complicações e alterações na função pulmonar após o procedimento
cirúrgico.
Procedimentos para a busca de artigos
Foi realizada uma revisão de literatura nas bases de dados Medline, Pubmede
Scielo, com limites de data dos últimos 30 anos, sendo organizada no período de
Outubro/2008 a Junho/2009. Para tanto foram utilizados os termos: função
pulmonar, cirurgia bariátrica, obesidade e fisioterapia com as suas variações
na língua inglesa: lung function, bariatric surgery, obesity and physiotherapy.
O objectivo deste estudo foi verificar o efeito das intervenções
fisioterapêuticas sobre a função pulmonar de doentes obesos submetidos a
cirurgia bariátrica. Para se ter um bom entendimento dessas técnicas
fisioterapêuticas utilizadas no tratamento desses doentes, principalmente no
que diz respeito à melhoria da função respiratória, também foi inserido um
breve relato sobre os protocolos utilizados pela fisioterapia respiratória no
pós-operatório da cirurgia bariátrica.
Aspectos gerais sobre obesidade
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a obesidade é classificada
através do índice de massa corporal (IMC) e do risco de mortalidade associado a
esse índice. Este índice é obtido através da divisão do peso expresso em
quilogramas (kg) pelo quadrado da altura expressa em metros quadrados (m2)
11
. Um IMC inferior a 18,5 kg/m2 recebe a classificação de magreza, com obesidade
grau zero e risco aumentado de doenças, IMC entre 18,5 e 24,9 kg/m2 é
classificado como normalidade com obesidade grau zero e risco de doença normal,
quando setem um IMC entre 25 e 29,9 kg/m2 classifica-se como sobrepeso, com
obesidade grau um e risco elevado de doença, o IMC entre 30 e 39,9 kg/m2 recebe
classificação de obesidade com obesidade grau dois. Um IMC maior ou igual a 40
kg/m2 classifica-se como obesidade grave, severa ou mórbida, com obesidade grau
três e risco de doença extremamente elevada
12
.
A obesidade é considerada como uma das enfermidades colectivas próprias da
superalimentação e vem crescendo em níveis alarmantes tanto em países
desenvolvidos como em países em desenvolvimento, em crianças como em adultos
13,14
.
O prognóstico destes doentes está associado a uma série de distúrbios
fisiopatológicos causados pela obesidade
15,16
. Pode citar-se os distúrbios cardiovasculares (hipertensão arterial sistémica,
hipertrofia ventricular esquerda com ou sem insuficiência cardíaca, doença
cerebrovascular, trombose venosa profunda, entre outros) distúrbios endócrinos
(diabetes mellitustipo 2, dislipidemia, hipotiroidismo, infertilidade e outros)
distúrbios respiratórios (apneia obstrutiva do sono, síndroma da
hipoventilação, doença pulmonar restritiva) e ainda disfunções
gastrintestinais, como hérnia de hiato e colecistite, distúrbios
dermatológicos, como estrias e papilomas, distúrbios geniturinários, distúrbios
musculoesqueléticos, como osteoartrose, e defeitos posturais, neoplasias, como
cancros de mama ou da próstata, distúrbios psicossociais, e ainda outras
implicações, como aumento do risco cirúrgico e anestésico
17,18
.
No Brasil, as mudanças demográficas, socioeconómicas e epidemiológicas no
decorrer do tempo, permitiram a ocorrência da transição nos padrões
nutricionais, com a diminuição progressiva da desnutrição e o aumento da
obesidade
19
. A frequência da obesidade varia de acordo com o sexo, faixa etária, raça e
condições socioeconómicas
20,21
.
No Brasil, houve um crescimento da população de obesos em cerca de noventa por
cento (90%) nos últimos trinta anos; estimando-se que 26,5% das mulheres e 22%
dos homens tenham excesso de peso, 11,2% das mulheres e 4,7% dos homens possuam
obesidade leve e moderada e que 0,5% das mulheres e 0,1% dos homens apresentem
obesidade severa grau três
22
.
Os doentes são indicados para o tratamento cirúrgico quando possuem IMC
superior a 40 kg/m2 ou superior a 35 kg/m2 com comorbidades associadas como:
apneia do sono, diabetes mellitustipo 2, hipertensão arterial sistémica,
dislipidemias ou problemas osteomusculares dificultando a sua locomoção, entre
outras que podem ser curadas com o tratamento da obesidade
23
.
Apenas são seleccionados doentes que possuem obesidade em evolução no mínimo
durante cinco anos e fracasso nos outros métodos convencionais de tratamento
24
.
No pré-operatório são avaliados por uma equipa multidisciplinar composta por
endocrinologistas, cardiologistas, nutricionistas, psicólogos, pneumologistas,
psiquiatras, fisioterapeutas, anestesistas e cirurgiões
25
. As técnicas podem ser restritivas quando diminuem a capacidade do
reservatório estomacal, ou disabsortivas quando reduzem a absorção dos
alimentos, ou mistas, formadas por uma combinação das duas técnicas2. Segundo o
Consenso Latino Americano de Obesidade, três técnicas cirúrgicas são
reconhecidas: gastroplastia vertical com bandagem (GVB), lap bande
gastroplastia em Y de Roux
26
.
Função pulmonar na obesidade
Muitos factores interferem na mecânica respiratória do obeso, o que resulta em
diminuição dos volumes e capacidades pulmonares, principalmente o volume de
reserva expiratória (VRE) e a capacidade residual funcional (CRF)
27,28,29
. Ocorre uma compressão mecânica sobre o diafragma, pulmões e caixa torácica,
causado pelo excesso de tecido adiposo, o que leva a uma insuficiência pulmonar
restritiva
30,31,32,33
. Também se observa uma diminuição da complacência do sistema respiratório e um
aumento da resistência pulmonar na obesidade
34,35,36,37
.
Pela ineficácia dos músculos respiratórios, a força muscular e a endurancepodem
ser reduzidas, o que leva ao aumento do trabalho respiratório, do consumo de O2
e da energia gasta na respiração
38,39,40
.
Segundo Paisani, Chiavegato e Faresin
10
, nos indivíduos obesos a CRF declina exponencialmente com o aumento do IMC,
devido ao efeito de massa e pressão sobre o diafragma. A redução na CRF pode
ser tão grave a ponto de levar a uma oclusão das pequenas vias aéreas,
distúrbios de ventilação-perfusão, shuntingdireito-esquerdo e hipoxemia
arterial
41,42
. Na maioria dos obesos, a CRF está reduzida devido a uma redução no VRE, porém
estando o volume residual dentro dos padrões normais
43
.
Sabe-se que a distribuição da gordura corporal influencia as alterações da
função ventilatória e, quanto mais central o depósito de gordura, maior o
prejuízo da mesma
44
. Na obesidade observamos que a função dos músculos respiratórios e a
movimentação diafragmática estão prejudicadas, resultado da restrição da
expansão da caixa torácica e do pulmão
43,44
.
Segundo Mancini
45
, com o aumento do IMC, a complacência respiratória total declina
exponencialmente. A redução da complacência total deve-se principalmente a
diminuição da complacência pulmonar, que causa aumento no volume de sangue
pulmonar e reduz as trocas gasosas
28
. Porém, esta complacência também é afectada em menor escala pelo acúmulo de
gordura na região interna e na parede torácica
29
. Podem observar-se vários factores, como a compressão mecânica, o aumento na
demanda metabólica da musculatura respiratória e a redução na complacência
total, que promovem a ineficiência da musculatura e o aumento do trabalho
ventilatório, levando à ventilação superficial
30
.
Intervenção fisioterapêutica no pré e pós-operatório da cirurgia bariátrica
O objectivo da fisioterapia no pré'operatório é melhorar a capacidade
respiratória e função pulmonar, capacitando o doente para o procedimento
cirúrgico e prevenindo complicações pós-operatórias, como infecções,
atelectasias e outras
9
. Em relação ao tratamento destes doentes, não existe um protocolo fixo, sendo
que o fisioterapeuta pode aplicar técnicas distintas
9
.
A fisioterapia respiratória em pós'operatórios foi utilizada no começo do
século xx; o exercício de inspiração profunda foi um dos primeiros métodos. Em
seguida, uma variedade de tratamentos manuais, incluindo percussão, tapotagem e
vibração, foram desenvolvidas para aperfeiçoar a higiene brônquica
46
. Mais recentemente, dispositivos como expiratory positive airway
pressure'EPAP, a espirometria de incentivo, a pressão positiva contínua nas
vias aéreas (continous positive airway pressure' CPAP), foram introduzidas na
prática clínica
9,47
.
Ricksten et al
48
, em estudo controlado e randomizado, investigaram os efeitos da pressão
positiva na função pulmonar de doentes submetidos a cirurgia abdominal.
Estudaram 43 doentes distribuídos em três grupos: a) espirómetro de incentivo
associado à fisioterapia convencional; b) EPAP associado fisioterapia
convencional; e c) CPAP associado a fisioterapia convencional. Observaram que o
CPAP e o EPAP são superiores ao espirómetro de incentivo, quanto à melhora das
trocas gasosas, na preservação dos volumes e capacidades pulmonares e na
prevenção de atelectasia.
Christensen et al
49
avaliaram os efeitos de três recursos da fisioterapia respiratória nas
complicações pulmonares e função pulmonar em doentes submetidos a
gastroplastia. Cinquenta e um doentes foram randomizados em: 1) fisioterapia
respiratória convencional; 2) fisioterapia respiratória e pressão expiratória
positiva (PEP); e 3) fisioterapia respiratória com pressão expiratória positiva
e resistência inspiratória (RMT). Nenhum dos recursos utilizados pode ser
considerado satisfatório em relação à prevenção de complicações pulmonares, mas
o RMT pareceu ser o mais eficiente.
Joris et al
50
investigaram o efeito do BiPAP na função pulmonar em doentes submetidos a
gastroplastia. Trinta e um doentes foram estudados, convidados a utilizar uma
das seguintes técnicas nas primeiras vinte e quatro horas do pós-operatório: O2
via máscara facial, BiPAP com pressão inspiratória e expiratória em 8 e 4 cm
H2O e BiPAP com 12 e 4 cm H2O. Concluíram que o uso profiláctico o BiPAP 12/
4 durante as primeiras vinte do quatro horas reduziu significativamente
disfunções pulmonares em doentes obesos e acelerou a recuperação da função
pulmonar para valores pré-operatórios.
Fagevik Olse'n et al
51
,em estudo randomizado e controlado, avaliaram o efeito da fisioterapia
respiratória de forma profiláctica em 368 doentes submetidos a cirurgia
abdominal. Os mesmos foram divididos em três grupos: grupo de baixo risco,
realizando apenas huffinge tosse,padrão ventilatório e orientações sobre a
importância da mobilização precoce; grupo de alto risco, que fizeram uso do
EPAP com carga inspiratória de -5 cmH2O e carga expiratória de 10 cmH2O; e
grupo-controlo, composto por 194 doentes que não realizaram nenhuma intervenção
ou receberam qualquer informação. Foi observado que a fisioterapia respiratória
reduziu a incidência das complicações respiratórias no pós-operatório e
aperfeiçou a mobilização e a saturação de oxigénio após a cirurgia abdominal.
Ebeo et al
43
estudaram o efeito do BiPAP na função pulmonar em doentes submetidos a
cirurgia de bypassgástrico. Vinte e sete doentes foram divididos em dois
grupos, onde catorze receberam o BiPAP e treze tratamento convencional pós-
operatório. O uso do BiPAP de forma profiláctica durante as 12-24 horas do pós-
operatório resultou em valores significativamente maiores da função pulmonar em
obesos mórbidos submetidos a essa cirurgia.
Paisani et al
10
, num estudo com 21 doentes obesos, observaram o comportamento dos volumes e as
capacidades pulmonares advindas com a gastroplastia e concluíram que a
fisioterapia respiratória, independente da técnica utilizada, é importante, uma
vez que esse procedimento cirúrgico leva à significativa redução da função
pulmonar no pós-operatório.
Conclusões
O acompanhamento dos doentes submetidos a esta modalidade cirúrgica pela
fisioterapia no período do pré e pós-operatório é de fundamental importância
para prevenir complicações pulmonares inerentes ao processo cirúrgico e
possibilitar a recuperação da função pulmonar. Sugerimos, ainda, a realização
de novos estudos sobre a actuação da fisioterapia no pós-operatório da cirurgia
bariátrica, principalmente em fase de ambulatório com acompanhamento
sistemático.