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EuPTCVHe0873-21592010000300003

EuPTCVHe0873-21592010000300003

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0873-2159
Year2010
Issue0003
Article number00003

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Características clínicas de doentes com neoplasia do pulmão e neoplasias primárias síncronas ou metácronas com outras localizações

Introdução O cancro do pulmão apresenta, actualmente, na União Europeia, uma incidência anual de 52,5/100 000 (82,5/100 000 no sexo masculino e 23,9/100 000 no sexo feminino) e uma mortalidade anual de 48,7/100 000 (77,0 no sexo masculino e 22,3 no sexo feminino), sendo a principal causa de morte por cancro 1-2 . É sabido que o número de sobreviventes de vários tipos de cancro nos Estados Unidos da América triplicou desde 1971, e está a crescer 2% ao ano 3 . No universo dos doentes com diagnóstico de neoplasia, a sobrevivência aos cinco anos é de 66%, enquanto nos doentes com cancro do pulmão é de 16%1-5.

Propiciado por este facto, a incidência de segundas neoplasias, síncronas ou metácronas, tem vindo a aumentar nas últimas décadas, o que se correlaciona com factores genéticos do hospedeiro, com factores ambientais em relação com exposição a factores de risco, com a terapêutica oncostática da primeira neoplasia e com a interacção de todos estes factores 6-9 . Neste domínio é interessante verificar que as segundas neoplasias são a primeira causa de morte entre algumas populações sobreviventes de cancro5.

Deste modo, o conhecimento das características da população que apresenta coexistência de neoplasias pode ser importante para o estabelecimento, no futuro, de programas especiais de follow-uppara determinados subgrupos identificados como tendo risco acrescido.

Neste contexto, realizamos um estudo retrospectivo em que avaliamos as características de doentes com o diagnóstico de neoplasia do pulmão que tinham paralelamente outra neoplasia, concomitante ou não.

Material e métodos Foi realizado um estudo retrospectivo, referente ao período de 2000-2007, no qual foram estudados 44 (4,2%) processos de um universo 1046 doentes da Unidade de Pneumologia Oncológica do nosso hospital, que foram identificados como tendo pelo menos duas neoplasias.

Nesta população avaliaram-se características demográficas, hábitos tabágicos, antecedentes familiares de relevância oncológica, localização da primeira e segunda neoplasias, histologia, estádio, terapêutica e sobrevivência.

As variáveis foram analisadas tendo-se utilizado métodos de estatística descritiva, nomeadamente tabelas de frequência e média, desvio-padrão, máximos (máx) e mínimos (mín) para variáveis continuas.

Resultados População No período estudado avaliaram-se 44 doentes que corresponderam a 4,2 % do total dos registos da unidade no período referido (n=1046). Oitenta e nove por cento (n=39) eram homens e 11% (n=5) mulheres. A idade média da população foi de 70,1±10 anos (máx: 85 anos; mín: 47anos) Quadro I.

Quadro I Sexo e idade da população estudada

Na população estudada, 86,3% (n=38) eram fumadores ou ex-fumadores, sendo todas as doentes do sexo feminino não fumadoras (Quadro II). Nos doentes com hábitos tabágicos, 42,1% (n=16) eram fumadores activos, a carga tabágica média foi de 66 ± 29,5 UMA (máx: 150, mín: 20). Em 40,9% (n=18) dos doentes não havia registo de história familiar e, naqueles em que tal ocorria, verificou-se que 65,4% (n=17) tinham história familiar de neoplasia relevante.

Quadro II Hábitos tabágicos (n=44)

Primeira neoplasia No sexo masculino, a doença oncológica manifestou-se em primeiro lugar como neoplasia da próstata (27%; n=11), do cólon (14%; n=6), da laringe (14%; n=6) e da bexiga (9%; n=4) Fig. 1.

Fig. 1 Localização da primeira neoplasia no sexo masculino

No sexo feminino (n=5), duas doentes tinham neoplasia do útero, uma neoplasia da mama, uma neoplasia do ovário e outra leucemia linfocítica crónica.

O grupo histológico das primeiras neoplasias distribuía-se de acordo com a Fig.

2, sendo que eram essencialmente neoplasias epiteliais (93% de carcinomas).

Fig. 2 Histologia da primeira neoplasia

No que diz respeito à terapêutica efectuada, verificou-se que 56,8% (n=25) fizeram cirurgia, 40,1% (n=18) radioterapia (RT), desconhecendo-se doses e campos exactos de irradiação; no entanto, 55,6% (n=10) tiveram exposição do órgão da segunda neoplasia a radiação; 18,2% (n=8) fizeram quimioterapia (QT) e 18,2% (n=8) outras terapêuticas, nomeadamente hormonoterapia na neoplasia da próstata ou da mama ou quimioembolização no carcinoma hepatocelular.

Segundas neoplasias O intervalo de tempo médio entre a primeira e a segunda neoplasia foi de 61,0±64,9 meses (máx: 240 meses, mín: 0 meses), havendo registo de oito neoplasias íncronas. No grupo de doentes estudado, o cancro do pulmão foi em geral a segunda neoplasia (97,7%, n=43).

Noventa e cinco por cento (n=42) eram carcinomas do pulmão de não pequenas células (Fig. 3).

Fig. 3 Tipo histológico da segunda neoplasia (CPC carcinoma pavimentocelular; CPNPC carcinoma pulmonar de não pequenas células; CPPC carcinoma pulmão de pequenas células ; Carc carcinoma; dif diferenciado)

A maioria (82%, n=36) dos doentes tinham o diagnóstico de segunda neoplasia em estádios avançados da doença estádio IIIB/IV Fig 4.

Fig. 4 Distribuição da segunda neoplasia por estádio (TNM)

No que diz respeito à terapêutica da segunda neoplasia, foi realizada terapêutica com intenção curativa em 25% (n=11) dos doentes, sendo que para os restantes foi elaborado um plano de tratamento com intenção paliativa. Dos doentes tratados com intuitos curativos, três ( 27,3%) foram submetidos apenas a cirurgia, três (27,3%) realizaram terapêutica combinada (cirurgia + terapêutica complementar) e um fez RT torácica e quatro (36,4%) quimiorradioterapia.

Dos restantes 33 doentes tratados com intuitos paliativos, 14 (42,4%) apenas foram elegíveis para terapêutica de suporte (incluindo RT torácica paliativa, RT óssea e cranioencefálica); os restantes 19 fizeram quimioterapia, na maioria dos casos usando regimes combinados com platinos.

Dos dados de sobrevivência de que dispomos, salienta-se que quatro doentes permanecem vivos, sendo duas do sexo feminino, não fumadoras, uma com neoplasia da mama e outra com neoplasia do ovário anteriores, com tempo após o diagnóstico da segunda neoplasia superior a três anos, sem evidência de recidiva e sem terapêutica antineoplásica actual, e dois são doentes do sexo masculino, fumadores, um com o diagnóstico de neoplasia do cólon e outro da próstata com diagnóstico recente de neoplasia do pulmão.

Nos restantes, a sobrevivência média foi de 8,6 +/ 8,24 meses (máx: 32, mín: 1); o doente com sobrevivência máxima (32 meses) apresentava 85 anos, era ex- fumador e tinha um carcinoma do pulmão de não pequena células, estádio IB submetido a RT, tendo história de neoplasia do cólon operada quatro anos.

Nos dois doentes em que a neoplasia primária foi pulmonar (respectivamente, um adenocarcinoma e um carcinoma pavimentocelular), as segundas neoplasias (um carcinoma pavimento celular da laringe e um carcinoma do pulmão de pequenas células) apareceram após um intervalo superior a nove anos, apresentando-se ambas em estádio avançado; a sobrevivência foi de um e sete meses, respectivamente.

Discussão/Conclusões A cancro do pulmão é uma das neoplasias mais frequentes, sendo a principal causa de morte oncológica no mundo1-2.

Sabendo-se que a incidência de neoplasias coexistentes tem aumentado nas últimas décadas, o presente estudo pretendeu caracterizar a população de doentes com neoplasia de pulmão diagnosticada na nossa unidade que apresentaram em alguma altura da sua vida outra neoplasia 2 ,3.

No período estudado, constatámos que 4,2% dos doentes tinham neoplasias múltiplas, valor coincidente com o de outras séries (0,8-5,2 %)6, 7 , 10 .

A população analisada tinha uma média de idade elevada (70 anos) e uma alta percentagem de homens (88,6%, n=39), valor de magnitude semelhante à de estudos epidemiológicos de cancro do pulmão em Portugal, o que se correlaciona com o facto de os homens ainda estarem mais expostos ao factor de risco principal, no âmbito do cancro do pulmão, que é o tabaco 11 .

Na população geral, cerca de 85% dos doentes com neoplasia do pulmão têm hábitos tabágicos, sendo este também um factor de risco para o aparecimento de segundas neoplasias1, 12 . Na presente série, 86,3% dos doentes apresentavam hábitos tabágicos com carga tabágica média elevada. Curiosamente, nenhuma das mulheres do estudo tinha hábitos tabágicos; no entanto, na população feminina global este valor é da ordem dos 47%, podendo esta divergência ser justificada pelo número limitado de doentes do sexo feminino nesta amostra 13 . O controlo do tabagismo, como causa de cancro prevenível, é claramente uma prioridade na prevenção do cancro do pulmão e de outras neoplasias malignas 14 , 15 .

Em termos globais, a incidência da neoplasia do pulmão começou a decrescer nas últimas décadas, devido à diminuição dos hábitos tabágicos, relacionada com múltiplas campanhas antitabágicas e consultas de desabituação tabágica15. No entanto, verificamos que a percentagem de hábitos tabágicos na população analisada se mantém muito elevada, sendo ainda mais significativa se verificarmos que, dentro do universo de doentes com hábitos tabágicos, 42,1% (n=16) mantinham-se fumadores activos, apesar de um diagnóstico prévio de cancro. Este facto salienta a necessidade, na população em geral, e em especial na subpopulação com diagnóstico prévio de neoplasia, de incrementação de medidas de cessação tabágica, com o objectivo primário de prevenção do cancro.

Outro facto a realçar na presente série foi a grande percentagem de doentes com história familiar de neoplasia (65,4%, n=17). Seria importante analisar, em estudo posterior, se alguns destes doentes teriam síndromas de susceptibilidade familiar para neoplasia, ou algum marcador molecular e/ou genético que lhes confira susceptibilidade aumentada para virem a sofrer de cancro.

Como foi referido, as segundas neoplasias podem estar relacionadas com sequelas do tratamento da primeira neoplasia, nomeadamente com a radioterapia ou a quimioterapia6.

O cancro do pulmão, que foi primordialmente a nossa segunda neoplasia, tem risco estimado associado a radioterapia (risco relativo a 1Gy de 1,0-2,0/ano e risco excessivo x104 pessoa/ano/Gy 0-4,6) 8 , 9 ,16.

Nesta série, 18 doentes fizeram RT para a primeira neoplasia, sendo que dez tiveram exposição do órgão da segunda neoplasia, podendo-se especular relativamente à relação entre tratamento anterior e o segundo cancro.

Dezoito por cento (n=8) dos doentes fizeram quimioterapia; contudo, não é possível fazer qualquer tipo de análise neste ponto, dada a ausência de informação relativamente aos esquemas utilizados.

No que diz respeito à localização da doença oncológica, esta manifestou-se em primeiro lugar em locais cuja incidência global de neoplasia é elevada, como a neoplasia colorrectal e a neoplasia da próstata, e em localizações com factores de risco semelhantes aos do cancro do pulmão, como as neoplasias da cabeça e pescoço ou da bexiga, que estão associadas ao tabaco1-2,9. Verificou-se que o diagnóstico da segunda neoplasia foi em geral feito em estádio avançado da doença, com sobrevivência curta após segundo diagnóstico. Este facto provavelmente correlaciona-se com a constatação de que a segunda neoplasia apareceu após um intervalo longo livre de doença (62,9± 64,9 meses; máx: 240 meses), quando a vigilância era menos apertada.

Deste modo, defendemos que se deve ter especial atenção ao rastreio de neoplasias frequentes e com factores de risco semelhantes em doentes com história prévia de doença maligna, mantendo-se um seguimento prolongado.

Apesar de a população analisada ser muito heterogénea, o que nos coloca dificuldades na obtenção de conclusões, este trabalho permite-nos especular, de acordo com outros autores, que a incidência de neoplasias síncronas ou metácronas aumenta com a idade e correlaciona-se com factores de risco tradicionalmente implicados na patogénese do cancro, como o tabaco e como o tratamento da primeira neoplasia5,6.

Deste modo, em doentes com diagnóstico prévio de cancro, parece-nos essencial: Manter vigilância e seguimento clínico apertado e prolongado; Identificar em cada doente factores de risco para cada neoplasia e tomar medidas preventivas. Assim, seria oportuno construir um algoritmo de risco personalizado que nos possibilitasse vigiar melhor estes doentes. Um exemplo de proposta seria: Fazer vigilância do tumor primário de acordo com o recomendado; Implementar hábitos saudáveis, ex: dieta, exercício físico Controlo de factores de risco: Cessação tabágica Cessação de hábitos alcoólicos Evitar a obesidade Rastreios de acordo com as normas internacionais: Cancro do colo do útero:se doente sexualmente activa, citologia anual, até três resultados negativos, e depois cada dois ou três anos; Cancro da mama: primeira mamografia entre 30-40 anos e depois cada um ou dois anos até esperança de vida ser inferior a 10 anos; Cancro da próstata:na raça negra, desde os 40-45 anos, e na raça caucasiana a partir dos 50 anos utilizando PSA com exame digital anual, até esperança de vida ser inferior a 10 anos; Cancro do pulmão:incluir em protocolos de rastreio investigacionais; Carcinoma hepatocelular:se doença hepática crónica com risco elevado de carcinoma hepatocelular realizar ecografia hepática, eventualmente com alfa fetoproteina bianualmente.

Cancro do colo-rectal (CCR): Se risco standard,iniciar rastreio aos 50 anos, por exemplo com colonoscopia cada 10 anos; Se história pessoal de pólipo adenomatoso, fazer vigilância de acordo com achados com colonoscopia; Se história familiar: PAF (polipose adenomatosa familiar) ou HNPCC (cancro colorrectal não polipósico hereditário): rastreio intensivo, aconselhamento e teste genético; CCR ou adenoma em um familiar directo com menos de 60 anos ou dois familiares directos: iniciar vigilância aos 40 anos ou com 10 anos menos em relação à idade em que ocorreu o diagnóstico no familiar com aquela patologia; Se síndroma de susceptibilidade identificada, vigiar de acordo com o recomendado.

Ter especial atenção ao risco particular de segundas neoplasias inerente aos regimes de quimioterapia e campos de irradiação realizados no tratamento da primeira neoplasia e monitorizar apertadamente sinais de alarme. Em alguns casos, antecipar os rastreios referidos, como em doentes com linfoma de Hodgkin submetidos a radioterapia torácica, em que se deverá iniciar rastreio com mamografias, cinco a oito anos após aquela terapêutica5-16 -23 .

Dado que a incidência de doentes com neoplasias múltiplas está a aumentar, o que tem relação directa com o número cada vez maior de sobreviventes de cancro, e uma vez que as segundas neoplasia poderão ser consequência de factores de risco ambientais, sequelas de tratamentos anteriores, características do hospedeiro e interacções entre ambos, é essencial que se identifiquem os doentes com diagnóstico de neoplasia em risco acrescido de uma segunda doença oncológica, havendo inclusivamente, neste âmbito, recomendações internacionais3-9, 6.

Neste sentido, seria importante a caracterização do ponto de vista molecular e genético deste grupo de doentes, nomeadamente a tentativa de identificação de mutações que eventualmente os possam predispor para a existência de neoplasias múltiplas.


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