Avaliação clínica não-invasiva de disfagia no AVC: Revisão sistemática
Introdução
O processo normal de deglutição é fundamental para a manutenção da vida,
permite-nos garantir o transporte dos alimentos desde a sua ingestão até ao
esófago, iniciando o processo da digestão e a eliminação de saliva da cavidade
oral, evitando a sua passagem para as vias respiratórias. Assim, a passagem
suave e segura dos alimentos e saliva da cavidade oral até à orofaringe
acontece através de uma sequência coordenada de contrações musculares. Esta
atividade programada pode ser iniciada voluntariamente ou despertada por
movimentos reflexos desencadeados por impulsos sensoriais da faringe posterior
(Ropper e Brown, 2005). Todo este processo tem subjacentes mecanismos
neurofisiológicos complexos, podendo ser perturbado por diversos fenómenos
fisiopatológicos (Jacobi, Levy e Silva apud Marques, André e Rosso, 2008).
Segundo Cavalcanti (1999, p.8), a American Speech and Hearing Association
define a disfagia como uma desordem na deglutição, caracterizada por
dificuldades na preparação oral da deglutição ou no ato de levar o alimento ou
a saliva da boca até o estômago. Atualmente, define-se como sendo a
dificuldade em deglutir, podendo manifestar-se pelo aumento do tempo despendido
na refeição, por períodos de tosse durante as refeições, pela dificuldade em
deglutir a saliva, pelo excesso de secreções na traqueia, por pneumonias
recorrentes ou por perda de peso (Garcia e Coelho, 2009). Consequentemente,
pode ser causa de aspirações silenciosas não percebidas, ou seja, o alimento ou
saliva entra nas vias aéreas o que pode conduzir à ocorrência de edema pulmonar
ou pneumonia.
A disfagia está associada a um elevado número de patologias do foro
neurológico, nomeadamente, acidentes vasculares cerebrais (AVC), doença de
Parkinson (DP), esclerose múltipla, entre outras (Ventura, 2000). Para a World
Gastroenterology Organization (2004), a disfagia classifica-se em orofaríngea e
esofágica, podendo ocorrer dificuldade em iniciar a deglutição, regurgitação
nasal de líquidos (característica da miastenia gravis e das doenças
neuromusculares), tosse frequente, engasgamento após a deglutição, e por vezes,
a combinação destas manifestações (Ropper e Brown, 2005). A dificuldade em
iniciar a deglutição é frequentemente atribuída ao enfraquecimento muscular da
língua ou da face, e pode ser uma manifestação de miastenia gravis, doença do
neurónio motor ou, mais raramente, de doenças inflamatórias do músculo.
Assim, a disfagia de causa neurológica pode resultar numa disfunção na
preparação oral, na transferência oral e na motilidade faríngea. Dependendo da
patologia neurológica em causa, a cognição também pode encontrar-se
comprometida, como por exemplo na doença de Alzheimer onde a agnosia pode
contribuir para a não ingestão dos alimentos (Daniels, 2006).
A causa mais comum de disfagia e aspiração é o AVC, podendo ocorrer em cerca de
um terço dos doentes (Marques, André e Rosso, 2008), sendo mais evidente nos
primeiros dias após o AVC, independentemente do hemisfério afetado (Ropper e
Brown, 2005). Contudo, a incidência temporal dos sintomas varia, dependendo do
início da avaliação pós-AVC e do meio de diagnóstico utilizado (Hågg, 2007). A
literatura sugere que a incidência de disfagia pode variar entre 22% e 65%,
variando conforme os métodos de avaliação utilizados, e pode persistir durante
muitos meses ou ressurgir no contexto de comorbilidades futuras (Ramsey,
Smithard e Kalra, 2003).
Apesar de alguns doentes recuperarem espontaneamente da disfagia alguns dias
após o AVC, a sua deteção precoce, ainda durante a fase aguda, evitando o risco
de aspiração associado, é de extrema importância. A disfagia isolada ou em
associação com outras incapacidades funcionais está relacionada com um pior
prognóstico, aumentando o risco de pneumonias (15 a 43% das causas de
reinternamento de doentes com AVC segundo Kind et al., 2007), desnutrição,
hospitalização prolongada, institucionalização pós-alta e taxa de mortalidade
(Marques, André e Rosso, 2008; Ramsey, Smithard e Kalra, 2003). Muitas destas
complicações podem ser prevenidas através de uma avaliação frequente da
disfagia e providenciando as intervenções mais apropriadas, o que permitirá a
alimentação por via oral atempada e segura ou a adoção de outras estratégias
adequadas para a minimização de riscos (Barros, Fabio e Furkim, 2006).
A abordagem da disfagia assume uma posição de destaque, principalmente pela
minimização do risco de aspiração e por servir de base à construção de
referenciais seguros para o diagnóstico e tratamento. Contudo, a história
clínica do doente não deve ser ignorada, pela relação evidente entre a disfagia
e o distúrbio neurológico em causa. O seu aparecimento súbito associa-se ao
AVC, enquanto que um agravamento progressivo é indicador de doença degenerativa
(World Gastroenterology Organization, 2004; Daniels, 2006). São muitos os
doentes que não se apercebem da presença da disfagia devido à diminuição da
sensibilidade, à ausência de reflexo da tosse perante a aspiração, ou pela não
perceção da retenção faríngea (Daniels, 2006). Isto leva a crer que, para além
da disfagia de etiologia neurológica, este é um problema também decorrente do
processo de envelhecimento fisiológico e estrutural pelo que é também
importante a sua avaliação na população idosa, nomeadamente na
institucionalizada (Sitoh et al., 2000).
Avaliação da disfagia
Existem várias formas de monitorizar os padrões de dismotilidade da orofaringe
secundários a doença neurológica. A avaliação clínica (invasiva ou não-
invasiva) tem sempre como objetivos detetar a presença de disfagia,
caracterizar a sua gravidade, determinar as causas, planear a reabilitação e
aferir os resultados do tratamento (Maccarini et al., 2007). Alguns testes,
ordenados em invasivos do mais para o menos frequente e não-invasivos, são
mencionados por Daniels (2006) e Dawodu (2008): estudo videofluoroscópico da
deglutição (VFE); avaliação da deglutição por videoendoscopia (VE);
esofagoscopia transnasal; ultrassonografia; eletromiografia; cintigrafia;
fluoroscopia manométrica.
Importa ter em conta que esta lista de testes disponíveis não é exaustiva, e
pode ser necessário o recurso a outros, especialmente se forem identificados
achados de relevo durante a avaliação inicial (Dawodu, 2008).
A avaliação clínica não-invasiva baseia-se na anamnese e exame físico dirigidos
aos problemas da deglutição, na avaliação da anatomia e na funcionalidade,
sensibilidade e reflexos e, por último, no teste da ingestão oral (Maccarini et
al., 2007).
Relativamente à anamnese e exame físico, sendo o primeiro passo da abordagem ao
doente, inclui, de acordo com a proposta de Maccarini et al. (2007, p. 299): a)
idade do doente; b) estado geral; c) diagnóstico neurológico; d)
características da respiração; e) estado de consciência e condições
neuropsicológicas; f) capacidade de comunicação; g) hábitos alimentares; h)
qualidade da fonação e da articulação do discurso; i) presença de
hipersalivação; j) duração da refeição; e k) condição social. (Os autores
abordam nesta ordem mas pode ser alterado).
O passo seguinte diz respeito à avaliação morfodinâmica (ou estrutural) e
engloba (idem): I) lábios (abertura, encerramento, insuflação, beijo); II)
língua (motilidade, protusão, e retração); III) mandíbula; IV) palato
(vocalização de ah); V) laringe (morfologia e movimentos das cordas vocais,
encerramento da glote, elevação da laringe); e VI) controlo muscular cefálico.
A sensibilidade é avaliada na região peri-bucal (superficial e profunda), nos
lábios, boca, língua palato (superficial, profunda e térmica), e avaliam-se os
reflexos (idem, p. 299,304): i) normal (reflexo de vómito, reflexo da tosse);
ii) patológico (dentada, pontos cardinais, sucção, deglutição); e iii) teste da
água (avalia as características da voz após a ingestão de alguma água ' uma voz
seca, húmida ou gorgolejante pode ocorrer ' e é possível avaliar se está
presente tosse causada por aspiração).
Avalia-se ainda a função gustativa com estímulos específicos e, por último,
realiza-se o teste da ingestão oral (avaliação funcional) que avalia a fase
oral (sucção e mastigação) e a fase faríngea da deglutição, usando líquidos
(água), semi-líquidos (alimentos liquefeitos) e semissólidos (dieta pastosa)
(idem, p. 304). Existem inúmeras formas de avaliação de disfagia descritas na
literatura internacional, incluindo formas não-invasivas, com recurso a
diversas escalas, nomeadamente as descritas por Ramsey, Smithard e Kalra (2003)
e por Marques, André e Rosso (2008). Contudo, o número de estudos sobre a
validade e fiabilidade das mesmas é escasso, por vezes sem estudos
randomizados. Assim, foi desenvolvida uma revisão sistemática da literatura dos
últimos 5 anos, sobre estudos de avaliação clínica não-invasiva de disfagia, em
doentes com AVC, em algumas das principais bases de dados internacionais. Para
este efeito seguiu-se o método dos sete passos sugerido pelo Centro Cochrane:
formulação da pergunta; métodos de localização e seleção dos estudos;
avaliação crítica dos estudos; colheita de dados; interpretação dos resultados;
aperfeiçoamento e atualização (Higgins e Green, 2008). Esta pesquisa visa
identificar a existência de um método não-invasivo de avaliação da disfagia, de
aplicação fácil e rápida, que não induza stress no doente e produza resultados
fiáveis.
Formulação da questão
Como interesse de investigação, formulou-se a seguinte questão: que métodos de
avaliação não-invasiva de disfagia no doente com AVC existem publicados, com
validade e fiabilidade comprovadas?.
Métodos de localização, seleção e avaliação dos estudos
Realizou-se uma pesquisa da literatura com recurso às bases de dados
eletrónicas PubMed (Medline), Ebscohost, SpringerLink (Springer/ Kluwer),
Biblioteca Virtual em Saúde, Scielo, Elsevier-Science Direct e B-on (que
congrega, entre outras, as editoras Annual Reviews, Elsevier e Springer Wiley e
as bases de dados de texto integral da Ebsco: Academic Search Complete,
Biomedical Comprehensive, Business Source Complete, CINAHL, DYnamed, ERIC,
Health Business Elite, Nursing Allied Health e Psychology & Behavioral
Science). A pesquisa decorreu durante o mês de agosto de 2009, tendo sido
realizada com recurso às palavras-chave: dysphagia, deglutition, evaluation,
bedside dysphagia screening, bedside, dysphagia assessment e dysphagia
assessment.Utilizaram-se estas palavras-chave, para pesquisa em qualquer parte
do texto. Limitou-se a pesquisa a estudos escritos em Português, Inglês,
Francês e Espanhol, publicados entre 1 de janeiro de 2005 e 1 de outubro de
2009.
Foram definidos como critérios de inclusão os estudos específicos sobre a
avaliação clínica não-invasiva da disfagia, posteriores a 2005, e com
metodologia de investigação que cumprisse os pressupostos de validade
científica. Encontraram-se 2575 estudos na totalidade das bases de dados, dos
quais, a partir do resumo, se selecionaram 61 de interesse para uma avaliação
completa do artigo (Quadro 1).
QUADRO 1 ' Resultados da pesquisa por base de dados utilizada
Avaliação crítica dos estudos
Do grupo de 61 estudos selecionados para uma análise mais profunda, apenas dois
diziam respeito a estudos específicos sobre a avaliação clínica não-invasiva da
disfagia.
Não foram incluídos estudos que testavam a eficácia de instrumentos não-
invasivos para o diagnóstico de aspiração (em casos de suspeita de aspiração ou
de diagnóstico confirmado de pneumonia, por exemplo). Excluíram-se ainda
artigos de revisão sistemática sobre disfagia, apesar de alguns se terem
revelado úteis para a discussão dos resultados. No final da pesquisa o corpus
de análise constitui-se então por apenas dois estudos (Quadro 2).
QUADRO 2 ' Estudos analisados
Colheita de dados
O quadro 3 apresenta o resumo dos dados mais relevantes destes dois estudos,
onde é possível comparar as características da amostra, os objetivos do estudo,
bem como as técnicas de avaliação utilizadas, resultados e principais
conclusões.
QUADRO_3
' Dados dos estudos analisados
Apresentação e análise de dados
Analisando os dados apresentados, os estudos correspondem plenamente aos
critérios de inclusão definidos, apresentando amostras consideráveis (Fortin,
Côté e Filion, 2009), isto atendendo aos seus objetivos e ao facto de serem do
tipo quase-experimental no E1 (não existe nenhuma referência à distribuição
aleatória dos doentes pelos grupos), e experimental no E2, que englobam, nestes
casos, a realização de exames complementares de diagnóstico invasivos (VE a 19
doentes no E1; VFE a 59 doentes no E2).
Relativamente às características da amostra, ambas são uniformes e permitem a
extrapolação e replicação dos resultados com facilidade, com definição clara
dos critérios de inclusão e exclusão em ambos os estudos. Também a metodologia
seguida na avaliação, quer pelos enfermeiros quer pelos médicos, é bem descrita
em ambos os estudos, que pormenorizam de forma adequada as características dos
instrumentos utilizados.
Numa análise mais rigorosa de cada um destes instrumentos, verifica-se que o
teste GUSS é constituído por duas fases: uma avaliação inicial através de um
teste de deglutição indireto (com saliva ou spray substituto de saliva nos
doentes incapazes de a produzir) e um teste de deglutição direto
posteriormente. No teste de deglutição indireto, avalia-se a vigília, a tosse
voluntária, a deglutição da saliva, sialorreia e disfonia. Já o teste de
deglutição direto subdivide-se em três outros testes: em primeiro, com
semissólidos (água destilada e espessante até obter consistência de pudim), em
seguida líquidos (3, 5, 10, 20 e 50 ml de água destilada) e, por fim, sólidos
(5 pequenos pedaços de pão humidificado) que avaliam a deglutição, a tosse
involuntária, a sialorreia e a disfonia. A cada um é atribuído um máximo de
cinco pontos, sendo que quanto maior a pontuação, melhor a performance. De
referir que todos são desenvolvidos de uma forma sequencial, de acordo com
tempos limite específicos, passando ao teste seguinte se for obtida a pontuação
máxima no anterior. A cada item é atribuído 0 pontos (patológico) ou 1 ponto
(fisiológico). Quanto aos critérios de avaliação da deglutição no teste direto,
é classificada em: deglutição normal (dois pontos), deglutição prolongada (um
ponto) ou deglutição patológica (zero pontos). As pontuações finais são
categorizadas em: 0 a 9 (severa), 10 a 14 (moderada), 15 a 19 (fraca) e 20
(deglutição normal sem risco de aspiração).
Os participantes foram selecionados por amostragem não-probabilística
consecutiva e divididos em dois grupos. O primeiro, constituído por 20 doentes,
foi submetido a avaliação cega por 2 terapeutas, e os restantes 30 por 2
enfermeiros especialistas na área. Todos os doentes foram avaliados por 2
médicos através de VE, também com análises cegas separadas por um tempo
inferior a 2 horas, utilizando uma escala (PAS) para quantificar mais
precisamente o grau da disfagia e avaliar possíveis discrepâncias no processo.
Quanto ao teste TOR-BSST, este é constituído por cinco itens (voz prévia;
movimentos da língua; sensibilidade faríngea; deglutição da água ; voz
posterior), selecionados a partir de uma revisão sistemática realizada pelos
autores (sobretudo através de estudos anteriores), sendo que, o item
sensibilidade faríngea acabou por ser excluído, dada a dificuldade sentida
pelos profissionais em a diferenciar do reflexo de vómito. Na revisão
sistemática, construção e validação do referido instrumento, estiveram
envolvidos três terapeutas da fala, dois gastrenterologistas, um enfermeiro e
um neurologista, cuja prática diária envolve cuidados ao doente com disfagia.
Previamente à aplicação, todos os avaliadores (55 enfermeiros e restantes
técnicos de saúde) participaram numa sessão de quatro horas de formação e
treino. O teste é composto por três secções: dois testes orais breves e um
teste de deglutição de água.
Todos os participantes selecionados (por amostragem não-probabilística
consecutiva) para participar no estudo foram submetidos a uma avaliação por
estes 55 enfermeiros. Após essa avaliação, através do programa estatístico
SPSS®,foram selecionados aleatoriamente um em cada cinco para realizar
videofluoroscopia, com análise cega por 2 médicos diferentes e, novamente por
2 enfermeiros (separadamente) num período inferior a 24 horas, sem que nenhum
profissional conhecesse as informações médicas dos doentes ou sequer os que
tinham sido selecionados para a VFE.
Resultados e discussão
A pesquisa efetuada resultou num número escasso de estudos referentes à
avaliação clínica não-invasiva de disfagia. Concretamente, verificou-se que a
literatura disponível é em grande parte fundamentada por estudos anteriores a
2005, nomeadamente alguns dos analisados por Marques, André e Rosso (2008).
Os estudos analisados monitorizaram a administração de líquidos, semissólidos e
sólidos para determinação do risco de aspiração e ambos demonstraram elevados
índices de validade e fidelidade dos instrumentos utilizados. De notar que uma
das vantagens da avaliação da capacidade de deglutição de substâncias de
diferentes consistências, se traduz numa aproximação dos hábitos alimentares do
quotidiano. No entanto, requer quantidades consideráveis de substâncias de
teste (tais como líquidos, semissólidos e sólidos diferentes), bem como
equipamentos para administração dos mesmos, o que dificulta a sua concretização
em oposição ao teste da água isolado. A utilização destes instrumentos permite
de forma segura adequar a dieta a cada doente. Verifica-se também que ainda não
existe consenso sobre com que tipo de consistência se deve iniciar o teste de
deglutição. Se por um lado a disfagia é maior nos líquidos, por outro a sua
aspiração tem efeitos menos nefastos em termos de infeção respiratória
(Marques, André e Rosso, 2008). Em nenhum dos estudos analisados se verificou
extrapolação dos dados para a população em causa pelo que se acresce o cuidado
na generalização dos resultados.
De realçar que ambos os instrumentos analisados revelaram elevados valores de
sensibilidade [96,3% para os doentes agudos e 80% para os doentes em
reabilitação (TOR-BSST); 100% para ambos os grupos na GUSS], ou seja nenhum
(GUSS) ou muito poucos (TOR-BSST) doentes com disfagia foram avaliados como não
a tendo. A falha mais verificada foi o diagnóstico de falsos positivos (50 e
31% GUSS; 36,4 e 32,0% TOR-BSST), com um valor preditivo positivo (VPP) de 81 e
74% para o GUSS e 76,5 e 50% para o TOR-BSST. O Valor Preditivo Negativo (VPN)
foi de 100% no GUSS para ambos os grupos e 93,3 e 89,5% no TOR-BSST. Perante
estes valores, a um doente com um resultado positivo pode, por vezes, ser
prescrito um plano alimentar mais complicado do que o necessário. No entanto, a
possibilidade de aplicação repetida do teste dada a sua não-invasividade poderá
corrigir esta decisão, embora este facto não tenha sido abordado
especificamente em nenhum dos estudos.
Com base na forma aleatória como os doentes foram selecionados para o exame
complementar de diagnóstico, como foi descrito o processo metodológico, pela
dimensão da amostra e pelos critérios de validade apresentados assim como pelos
resultados dos testes de concordância obtidos, o Teste de Toronto para a
avaliação da deglutição (TOR-BSST) é o que produz melhores resultados na
deteção de doentes com disfagia (QUADRO_3). Além disso, é preciso lembrar que
todo o processo de avaliação e monitorização requer um período de treino por
parte dos avaliadores, o que é, aliás, disponibilizado pelos autores, num curso
de treino de quatro horas através da internet. No entanto, a capacidade do
teste GUSS permitir uma avaliação de disfagia ' com diferentes graus de
severidade ' separada do risco de aspiração é um facto importante, e a ter em
consideração, sobretudo porque os seus resultados também se podem considerar
muito bons (QUADRO_3).
Nesta revisão, verificou-se que é positiva a utilização de métodos não-
invasivos de avaliação de disfagia e do risco de aspiração em doentes com AVC,
com elevada sensibilidade e especificidade quando comparados com métodos mais
invasivos. Estes métodos não-invasivos podem ser utilizados logo desde a fase
aguda, sendo os resultados da sua aplicação reprodutíveis entre profissionais
com a mesma ou diferentes especializações prévias (médicos, enfermeiros de
reabilitação ou terapeutas), desde que treinados no método.
Os resultados são satisfatórios, na medida em que podem protagonizar ganhos
importantes em saúde através da identificação precoce e intervenção ajustada às
dificuldades de deglutição, evitando as sequelas que, por norma, daí advém, bem
como contribuir para a redução dos custos decorrentes da realização de exames
invasivos ou tratamento de complicações pela não-identificação precoce. Além
dos custos, é preciso notar que muitas vezes os doentes nem sequer realizam
estes exames complementares (VE ou VFE), devido à sua pouca acessibilidade, uma
vez que nem sempre são prescritos após deteção da disfagia ou por dificuldades
em se deslocar pela instabilidade da sua situação clínica. Apesar da avaliação
da disfagia requerer uma abordagem interdisciplinar, os enfermeiros, com a
formação adequada, desempenham um papel de relevo na monitorização e observação
dos doentes, nomeadamente nos serviços de internamento em fase aguda, pelo seu
acompanhamento contínuo, necessitando somente dum método de avaliação que
traduza o grau e tipo de disfagia. O reduzido número de estudos alerta para a
importância de se desenvolverem investigações futuras nesta área, tanto na
validação de novos instrumentos, até de mais simples execução, bem como na
avaliação do impacto da monitorização da disfagia ao longo da fase aguda pós-
AVC em oposição a avaliações pontuais.
Conclusão
Durante a realização desta revisão, o problema metodológico mais premente foi a
escassez de literatura disponível para o período de tempo selecionado. Apesar
de se encontrar um número de estudos considerável, poucos são os referentes a
instrumentos de avaliação não-invasiva de disfagia, sendo que muitos se centram
em instrumentos de avaliação invasiva e outros na avaliação não-invasiva da
aspiração, ou seja, quando esta já está estabelecida e as suas consequências já
não são evitáveis na sua quantidade e gravidade. Quando se analisam as
referências bibliográficas dos mesmos, muitas reportam a anos anteriores a
2000.
Pelo facto de não se encontrarem disponíveis na literatura atual linhas
orientadoras para a avaliação do doente do foro neurológico com disfagia, estes
estudos necessitam ser replicados para que a evidência dos seus resultados
permita a extrapolação dos mesmos e propicie a aplicação de protocolos de
atuação rápida, eficazes e baratos nos diversos contextos hospitalares. Também
outras situações desencadeantes de disfagia, nomeadamente o processo de
degenerescência fisiológico, deverão merecer atenção de estudos futuros, em
unidades institucionais de acolhimento de pessoas idosas, onde o problema pode
afetar 60% dessa população (Sitoh et al., 2000).
Partilha-se ainda da opinião de Bsppath e Perry (2005) que consideram que a
disfagia acarreta uma importante alteração do bem-estar e das relações sociais
da pessoa, que também devem ser alvo da atenção dos profissionais de saúde,
focando-se na sua reabilitação, recorrendo a escalas para a sua mensuração.
Salienta-se também um aspeto da maior importância que é o facto de os
enfermeiros serem a classe profissional que, de acordo com o seu mandato social
e com as competências definidas pela Ordem dos Enfermeiros (2003) no domínio da
Prestação e Gestão dos Cuidados, é responsável pela supervisão das refeições
dos doentes internados e pela manutenção e promoção do seu bem-estar (corporal,
psicológico e relacional), o que também está definido no Artigo 9.º,alínea c)
do Regulamento do Exercício Profissional do Enfermeiro.
Por fim, importa referir que no seguimento desta revisão sistemática, foi
criada uma escala de identificação designada - teste rápido de identificação
de disfagia - Tridis®, de natureza não-invasiva, implementada no Centro
Hospitalar Entre Douro e Vouga, cujos resultados serão objeto duma avaliação e
publicação oportuna.