Tradução portuguesa, adaptação e validação da Perinatal Bereavement Grief Scale
(PBGS) em mulheres com perda de gravidez
Introdução
A perda faz parte da vida dos indivíduos e o conceito de luto descreve as
emoções e sentimentos que a acompanham.
De acordo com Jacob (1993), podemos dizer que o luto como fenómeno foi,
primeiramente, descrito por Freud como uma perda dolorosa, em que toda a
energia é direcionada para pensamentos, sentimentos e atividades que se
relacionam com o ser/objeto perdido, traduzido num processo gradual de
afastamento do indivíduo enlutado face ao objeto perdido ou desejado, revivendo
o passado e lidando com as recordações. Ainda de acordo com Jacob (1993), o
luto é o processo normal, dinâmico e individualizado que abrange os aspetos
físicos, emocional, social e espiritual das pessoas que experienciaram a perda
de alguém ou algo significante. Surge como uma resposta universal, inerente a
qualquer idade e cultura. É uma reação normal e esperada quando um vínculo é
rompido e a sua função é proporcionar a reconstrução de recursos e viabilizar
um processo de adaptação às mudanças ocorridas em consequência da perda
(Gesteira, Barbosa e Endo, 2006).
Se entendermos a transição para a parentalidade como a construção de uma
relação, imbuída de grandes esforços e expetativas, perceberemos melhor quão
frustrante pode ser se esse processo for interrompido de forma abrupta e
inesperada, como acontece quando uma gravidez é involuntariamente interrompida.
Como em qualquer luto, raramente fica claro, com exatidão, o que foi perdido
(Parkes, 1998). Não é só a perda da gravidez, mas também uma série de outras
perdas inerentes e com enorme significado: perda de uma pessoa amada, real ou
imaginária, perda de autoestima, perda de estatuto (maternidade, mulher), perda
existencial (projeto de vida, futuro).
A literatura sobre o luto após a perda de gravidez é escassa e, talvez por
isso, os resultados evidentes sejam pouco consistentes e claros.
A perda pré-natal foi reconhecida como um evento gerador de luto desde final
dos anos sessenta, início dos anos setenta, no entanto, os estudos sobre este
tema só surgem na literatura em meados dos anos oitenta (Beutal et al., 1995;
Hutti et al., 1998, cit in St John, Cooke e Goopy, 2006). Atualmente é vista
como um significativo stressor psicossocial, do qual resulta um elevado nível
de disforia e luto (Brier, 2004). Embora as reações afetivas e comportamentais
que normalmente ocorrem pareçam similares àquelas que acompanham qualquer outro
tipo de perda significativa, em alguns dos seus aspetos únicos necessitam de um
suporte emocional adicional (Adolfsson et al., 2004).
A perda precoce da gravidez tem sido vista como perda perinatal. No entanto,
fazer o luto deste tipo de perda pode ser complexo, tornando este processo mais
difícil por várias razões. Não existe, por exemplo, uma criança visível para
chorar, não há memórias nem experiências de vida partilhadas, a morte é
súbita, existe uma falta de reconhecimento pela sociedade. Nesta situação, o
trabalho de luto parece elaborar-se quase ao nível do imaginário. A supressão
de um apropriado trabalho de luto pelas inibições sociais pode levar a um
aumento do stress e a consequências emocionais a longo prazo (Lee e Slade,
1996).
Diversos estudos referem que as perdas gestacionais, embora o processo de luto
se afigure numa estrutura sequencial idêntica ao de outras perdas, apresentam
algumas especificidades (Kay et al., 1997, cit in Cabral, 2005, p. 74-75):
"Embotamento emocional, negação, choque ' o choque pode ser tanto maior
quanto mais avançada for a idade gestacional em que ocorre a perda.
Culpa e raiva ' sentimentos de culpa por de alguma forma ter causado ou
contribuído para a situação de perda (por exemplo: dieta imprópria, falta de
repouso, esforços, atividade sexual frequente, consumo de tabaco ou álcool).
Inveja e ciúmes ' direcionado a mulheres grávidas ou mães com bebés.
Frequentemente evitam o contacto com mulheres nestas situações.
Retorno menstrual ' primeiramente pode ser encarado como positivo para a
evolução do trabalho de luto, uma vez que pode significar a manutenção da
funcionalidade do aparelho reprodutivo, reforçando a esperança de que uma nova
gravidez pode ser conseguida. No entanto, as menstruações seguintes podem
significar confirmações de insucesso se houver tentativas de engravidar,
podendo acentuar a dor da perda anterior.
O nascimento de um bebé saudável ' em muitas situações, é neste momento que a
mulher consegue, definitivamente, ultrapassar a perda da gravidez".
Para Worden (1982, cit in Bruce, 2007) o trabalho de luto ' adaptação à perda '
envolve quatro tarefas básicas, essenciais para que a pessoa/sistema familiar
recuperem o equilíbrio e completem o luto: aceitar a realidade da perda,
experienciar a dor da perda, ajustar-se/adaptar-se a um ambiente no qual a
pessoa/objeto desejado não existe, e transferir a energia emocional investindo-
a noutras relações.
De acordo com Prigerson e Jacobs (2001), os indicadores de uma adaptação normal
incluem: a capacidade de sentir que a vida ainda tem interesse, sentido de
segurança em si próprio, autoeficácia, capacidade de confiar nos outros e,
também, para reinvestir noutras relações interpessoais ou atividades.
Não existe um ponto final no luto que, considerando a maioria dos autores, pode
fazer-se em dois a quatro meses, ou prolongar-se por um a dois anos. Podemos
concluir que está terminado quando é integrado harmoniosamente na vivência do
presente.
Alguns estudos (Beutel et al., 1995; Deckhardt et al., 1994; Nickcevic et al.,
1999; Hutti et al., 1989, cit in Brier, 2008), que analisam as alterações na
intensidade do luto ao longo do tempo, têm tentado responder à questão sobre
qual a duração do luto após uma perda gestacional precoce. Todos eles sugerem
que há uma significativa redução na intensidade do luto aos seis/sete meses
pós-perda, induzindo que a duração do luto subsequente a uma perda gestacional
é similar à duração do luto após outros tipos de perdas significativas.
A assunção de que o luto é um processo que varia de indivíduo para indivíduo
sugere questões importantes sobre o que constitui um luto normal, complicado ou
patológico. Reações de luto normais são aquelas que, apesar de dolorosas, movem
o sujeito para a aceitação da perda e para a capacidade de continuar a sua vida
(Bonanno e Kaltman, 2001).
Melhorar os cuidados de enfermagem prestados a mulheres em situação de perda de
gravidez implica fazer uma avaliação precoce do processo de luto, no sentido de
se programarem as intervenções ajustadas a cada caso. Dado que são poucos os
instrumentos existentes para esta avaliação precoce, pretendeu-se neste estudo
traduzir, adaptar, validar e avaliar a aplicabilidade da PBGS em mulheres em
situação de perda involuntária da gravidez, analisando as suas capacidades de
mensuração.
Objetivo
Traduzir, adaptar culturalmente para a população portuguesa e validar a
Perinatal Bereavement Grief Scale (PBGS).
Metodologia
O processo de tradução, adaptação cultural e validação da PBGS desenvolveu-se
num conjunto de procedimentos de modo a garantir a equivalência linguística,
cultural e métrica dos conceitos em estudo.
Instrumento
Foram vários os instrumentos que analisámos e que encontrámos descritos na
literatura estrangeira. Sobre esta temática, partilhamos a opinião de Loureiro,
quando diz que "escasseiam os instrumentos, quer criados de raiz, quer os
traduzidos e adaptados de língua inglesa para português" (2010, p. 102).
De um modo geral, todos eles abrangem um leque variado de reações à perda
perinatal que incluem a depressão, a raiva, a culpa, o apelo à espiritualidade,
ou as respostas sociais. Por outro lado, todos nos pareceram muito direcionados
para as perdas perinatais, envolvendo as gravidezes tardias, os nados-mortos,
ou as mortes pós-nascimento.
A PBGS, desenvolvida por Richard Neugebauer, do New York State Psychiatric
Institute and Columbia University, USA (Ritsher e Neugebauer, 2002), destina-se
a avaliar o luto e o anseio, ou saudade, pela gravidez e pelo bebé perdidos.
De acordo com os autores, esta escala já se encontra traduzida para Espanhol
(América Latina) e está em curso a sua tradução para Italiano e Chinês.
A nossa opção por esta escala prendeu-se com o facto de ela ser específica para
avaliar as reações de luto face às perdas envolvidas, bebé e gravidez,
valorizando ambas, e porque permite, igualmente, ser usada em situação de perda
de gravidez precoce.
A escala apresenta-se sob a forma de afirmações e pretende-se que as
participantes respondam sobre a frequência, e não a intensidade, em que
ocorreram na última semana, usando uma escala tipo Likert de 4 pontos, em que o
valor 1 corresponde a raramente ou nunca (menos de 1/ dia), o valor 2
corresponde a às vezes (1 a 2 dias), o valor 3 a muitas vezes (3 a 4 dias)
e o valor 4 a sempre ou quase sempre (5 a 7 dias).
Engloba 15 itens. Do item 1 ao 7, as afirmações relacionam-se com a perda da
gravidez, o item 8 pretende avaliar a resposta física à perda, os itens 9 e
seguintes, até ao 15, referem-se à perda do bebé.
O score da PBGS é uma soma aritmética simples dos scores individuais dos itens
e pode variar entre 15 e 60. Um score elevado representa uma manifestação mais
intensa de luto, ou seja, um luto menos resolvido.
Processo de tradução e adaptação cultural
Dado que este instrumento não se encontrava traduzido, adaptado culturalmente,
nem validado para a população portuguesa, propusemo-nos realizar esse trabalho.
De entre os vários autores que nos falam da metodologia a seguir na tradução e
adaptação cultural de instrumentos, optámos por seguir os princípios propostos
pela ISPOR (International Society for Pharmacoeconomics and Outcomes Research)
apresentados por Wild et al. (2005):
1) Preparação ' procedemos aos contactos necessários, junto do autor, no
sentido de obter permissão para a tradução e adaptação da escala.
Analisámos cuidadosamente a escala no sentido de percebermos todos os conceitos
envolvidos.
Contactámos tradutores experientes e com conhecimentos da área temática.
Escolhemos dois, pois de acordo com os princípios orientadores da ISPOR este é
o número considerado mínimo. Embora nenhum deles fosse nativo na língua
inglesa, um deles reside nos Estados Unidos, pelo que o seu domínio da
linguística e da cultura americana seria uma mais-valia, considerando a origem
do autor.
Clarificámos com os tradutores, individualmente, tudo o que pretendíamos,
explicando objetivos, analisando conceitos e esclarecendo dúvidas.
2) Tradução ' do inglês para a língua portuguesa.
3) Reconciliação ' com o intuito de se resolverem quaisquer discrepâncias, as
duas traduções foram, cuidadosamente, analisadas numa reunião por um painel de
peritos de que fazia parte a investigadora principal e cinco especialistas na
área da saúde materna e obstetrícia, todos conhecedores da língua inglesa.
Entre as duas propostas de tradução apresentadas foi escolhida aquela cujos
termos melhor se adaptavam culturalmente à população portuguesa. Selecionaram-
se alguns termos preferíveis, dado que há expressões idiomáticas que não têm
tradução direta em português. Para além da tradução dos termos, foi tida em
conta a sua representação, quer sob o ponto de vista científico, quer cultural.
Desta análise emergiu uma primeira versão em português da PBGS.
4) Retroversão ' de acordo com o princípio que seguimos para a tradução, também
aqui recorremos a dois outros tradutores, independentes, para fazerem a
retroversão. Não sendo nativos da língua inglesa, um deles reside no Reino
Unido, sendo ambos experientes neste domínio.
As duas retroversões apresentaram-se, na globalidade, muito próximas da versão
original.
5) Revisão da retroversão ' as duas retroversões foram enviadas ao autor da
escala para que desse a sua opinião quanto à sua proximidade à escala original.
O autor mostrou grande apreço pelo trabalho efetuado, manifestando que a escala
podia perfeitamente ser usada como se apresentava. No entanto, evidenciou
interesse e solicitou alguns esclarecimentos sobre o uso de alguns verbos,
clarificando-se o sentido que tinham em português para se compreender o seu uso
em inglês. Clarificou um ou outro conceito, o que nos ajudou na escolha dos
termos mais adequados.
6) Harmonização ' a versão definitiva da escala foi elaborada pela
investigadora principal e, ainda, revista por um dos tradutores, conhecedor da
linguística americana. A troca de ideias com o autor foi importantíssima para
estabilizarmos esta versão, mantendo-nos fiéis, na essência, à versão original,
mas com as devidas adaptações à nossa língua e cultura.
Participantes
Para a validação da versão portuguesa da PBGS recorremos a uma amostra de
conveniência composta por mulheres que estivessem a passar por uma experiência
de perda involuntária da gravidez, independentemente da causa e com tempo de
gestação até 22 semanas, possuidoras de telefone fixo ou móvel e que, de forma
informada e livre, aceitassem participar no estudo.
Das 161 mulheres contactadas obtivemos uma amostra de 100. Embora todas,
inicialmente, tivessem concordado participar, algumas desistiram
posteriormente, e outras não atenderam nas várias tentativas de contacto
seguintes.
Com recurso à estatística descritiva (medidas de tendência central e de
dispersão) analisámos as caraterísticas da amostra. Assim, a média da idade das
participantes era de 31,59 anos (DP=5,96; intervalo 17- 44). Relativamente ao
estado civil 77% eram casadas, 17% viviam em união de facto, as restantes 6%
incluíam solteiras e separadas. A idade gestacional média em que ocorreu a
perda era de 10,37 semanas (DP=3,59; intervalo 4-22). Para 34% das mulheres
esta era a primeira gravidez. Quanto às 60% que responderam à questão sobre o
número de gestações anteriores, verificou-se uma média de 2,42 gestações
(DP=0,65; intervalo de 2-4). No que se refere aos filhos, o número médio era de
um filho para cada duas mulheres (DP=0,72; intervalo 0-2). Sobre o facto da
gravidez ter sido planeada, 75% responderam sim. Para 90% das inquiridas, esta
tinha sido uma gravidez aceite, enquanto para as restantes 10% que não a
aceitaram, especificam como causa: não ter sido aceite no início; nunca ter
sido aceite; só saberem da gravidez no momento do abortamento. Do total das
participantes, 61% passaram por um processo natural de expulsão do produto de
conceção, enquanto 39% necessitaram de algum tipo de ajuda cirúrgica.
Procedimentos
O nosso estudo decorreu em três instituições hospitalares públicas da zona
norte do país, após obtenção do parecer positivo das respetivas comissões de
ética, autorizações das direções de serviço, bem como dos respetivos conselhos
de administração.
As possíveis participantes foram contactadas pessoalmente, durante o curto
período de internamento por perda de gravidez, de forma a serem informadas
sobre os objetivos do estudo e convidadas a participar, respeitando-se todos os
procedimentos do consentimento informado, de acordo com a Declaração de
Helsínquia.
O segundo contacto foi efetuado entre as quatro e as seis semanas pós-perda da
gravidez para, através de entrevista telefónica, podermos avaliar a evolução do
processo de luto consequente à perda da gravidez e do bebé, aplicando-se a
versão portuguesa da PBGS.
Todos os contactos com as participantes foram feitos pela investigadora
principal.
Para o processamento estatístico dos dados obtidos utilizou-se o programa PASW
statistics 18.
Resultados
Com o intuito de se avaliarem as caraterísticas métricas da PBGS na versão
portuguesa, na amostra populacional do nosso estudo, efetuou-se a avaliação da
estrutura dimensional e da confiabilidade.
Validade de constructo
Com vista a melhor conhecermos a forma como os conteúdos da escala se
organizavam conceptualmente, procedemos à análise exploratória dos componentes
principais, tendo como critério único que os fatores extraídos apresentassem um
eighenvalue superior a 1. Selecionámos, ainda, a apresentação de itens com
carga fatorial igual ou superior a 0,30. Os resultados são apresentados no
quadro 1.
Quadro 1 ' Análise dos componentes principais da PBGS, valores próprios e
específicos e variância explicada
A solução fatorial resultante explica 41,68% da variância total, sendo o fator
1 o que melhor explica a variância da escala (32,44%). Todos os itens
apresentam uma carga fatorial elevada, sendo que, com exceção do item 8 Sentiu
que foi fácil pensar noutras coisas que não no bebé que perdeu, todos
apresentam maior carga no fator 1.
Verifica-se, assim, a organização unidimensional da escala, em consonância com
os resultados da análise fatorial realizada pelos autores com a versão
original.
Confiabilidade
De forma a percebermos se a variabilidade nas respostas depende da diferença de
opinião dos inquiridos, minimizando a possibilidade de erro aleatório,
começámos por testar a fidelidade da escala, através da análise da sua
consistência interna, resultando um valor de Alpha de Cronbach de a =0,81 na
escala global que, de acordo com Pestana e Gageiro (2008), se pode considerar
uma boa consistência interna por se situar entre 0,80 e 0,90. Em comparação com
os resultados obtidos nos estudos conduzidos pelos autores (Ritsher e
Neugebauer, 2002) na versão original em inglês (a=0,89) e em espanhol (a=0,85),
o valor de Alpha no nosso estudo é ligeiramente inferior, considerando-se, no
entanto, na mesma categoria.
No quadro 2 apresentamos os resultados por nós obtidos e os do autor.
Quadro 2 ' Fidelidade da PBGS nas versões em português, inglês e espanhol
De forma a avaliarmos a estabilidade temporal efetuámos o teste-reteste, sendo
a aplicação da escala repetida a uma amostra de 14 mulheres no espaço de uma
semana.
Através da correlação de Pearson obtivemos um valor de r = 0,98 para um nível
de significância de p <0,01, o que indica muito boa estabilidade temporal.
Em resultado da aplicação do instrumento em análise, e no sentido de
conhecermos sobre as manifestações/resolução de luto que as mulheres expressam
neste período pós-perda, calculámos a amplitude, média e desvio padrão na
escala global, como se pode analisar no quadro 3.
Quadro 3 ' Distribuição da amplitude, média e desvio padrão da PBGS (N=100)
Discussão
Pretendemos com este estudo traduzir, adaptar e analisar a equivalência de
mensuração da PBGS numa amostra de mulheres entre as quatro e as seis semanas
pós-perda involuntária de gravidez e do futuro bebé.
No que respeita à estrutura dimensional da escala para a nossa amostra e quanto
à validade de constructo, após a análise exploratória a dois fatores, resultou
uma estrutura, na qual os itens apresentaram o seu maior peso num único fator,
excetuando-se um item (Sentiu que foi fácil pensar noutras coisas que não no
bebé que perdeu), que se salientava com carga fatorial superior num fator
diferente.
De acordo com os autores, este item pretende avaliar a resposta física à perda,
enquanto os outros itens se direcionam para a dor e tristeza pela perda da
gravidez e do bebé. Colocou-se a hipótese de retirarmos o item da escala, mas
analisando o Alpha de Cronbach se ele fosse eliminado, mantinha-se o mesmo
valor, pelo que se decidiu a sua integração na escala total.
Desta forma, e tal como na versão original, considerámos a versão portuguesa da
PBGS constituída numa escala única, designada Escala de Luto Perinatal.
Podemos dizer que quanto à confiabilidade da escala, os resultados do nosso
estudo, embora um pouco inferiores aos dos autores nas versões em inglês e em
espanhol, traduzem, igualmente, uma boa consistência interna, expressa por um
valor de Alpha de Cronbach de 0,81.
De igual modo, o teste-reteste mostra uma boa estabilidade temporal. O nosso
resultado foi superior àquele obtido pelo autor nas versões em inglês (r =0,69,
n = 112) e espanhol (r = 0,49, n = 29), mas isso pode ser explicado pelo menor
intervalo de tempo que utilizámos na aplicação do instrumento entre o teste e o
reteste. De acordo com alguns autores (Fortin, 2006; Ribeiro, 2010), este
intervalo entre as medições não deve ser tão curto que permita decorar as
respostas, nem muito longo se for esperado haver alterações na variável, como
era o caso do nosso estudo. A opção pelo intervalo de uma semana teve em conta
estes dois aspetos e, ainda, o facto de se tornar difícil para quem sofre este
tipo de perda, voltar a responder a estas questões numa fase mais tardia, em
que já está a tentar esquecer, preferindo guardar essas memórias, dificultando-
nos, assim, a obtenção da amostra necessária.
Tendo presente que o luto é um processo individual, com duração variável, de
acordo com os resultados observados na média, amplitude e desvio padrão
resultantes da aplicação da PBGS, podemos dizer que as mulheres do nosso estudo
apresentam reações de luto, pela gravidez e futuro bebé, normais, diríamos até
que, de acordo com os vários autores, evidenciam uma boa recuperação neste
período de seis semanas pós-perda (Beutel et al., 1995; Deckhardt et al., 1994;
Nickcevic et al., 1999; Hutti et al., 1989, cit in Brier, 2008). Embora este
evento nunca se esqueça e permaneça um sentimento de tristeza, tentam integrá-
lo nas suas vidas, readquirem confiança em si próprias e nos outros, apresentam
capacidade para reinvestir noutras atividades e, algumas, numa futura gravidez,
mostrando sentir que a vida tem sentido, factos estes que, de acordo com
Prigerson e Jacobs (2001), são indicadores de uma adaptação normal.
A maioria das mulheres do nosso estudo apresentava uma relação conjugal
estável, se considerarmos as que eram casadas e as que viviam em união de facto
e, para 75% delas, a gravidez tinha sido planeada, uma evidência do
envolvimento do casal. Estes fatores podem ter contribuído favoravelmente no
processo de luto, dado que o suporte social disponibilizado pelas pessoas
significativas, neste caso o suporte familiar, pode reduzir ou eliminar as
consequências adversas destes eventos, e uma relação afetiva, de confiança, é
um fator chave na redução da vulnerabilidade e na recuperação da sensação de
segurança e confiança. Podemos, ainda, acrescentar o facto de que nesta fase de
seis semanas pós-perda, a maioria destas mulheres havia retomado a atividade
profissional, algumas mais precocemente, como estratégia de coping, outras
porque a sua licença para tratamento e recuperação, considerada na nossa
legislação, para estas situações, é de um mês. Durante a entrevista telefónica,
todas elas referiram este fator como benéfico para a resolução do luto.
A Escala de Luto Perinatal (PBGS) mostrou ser uma medida fidedigna e válida,
podendo constituir uma ferramenta importante a utilizar pelos enfermeiros na
avaliação precoce de mulheres em risco de um luto mais prolongado, ou mais
complicado, após uma perda involuntária da gravidez.
Conclusão
De acordo com os resultados obtidos, podemos dizer que esta versão da PBGS
mostrou ser uma medida fidedigna e válida para a avaliação do luto face à perda
da gravidez e do futuro bebé.
Na prática clínica este instrumento apresenta-se fácil e de rápida
administração, podendo constituir uma ferramenta importante para distinguir
mulheres em risco de desenvolverem processos de luto mais complicados, ou como
indicador de uma maior necessidade de cuidados de suporte no período imediato à
perda.
Embora responder a estas questões possa parecer ter sido a revisão de um
processo doloroso, acabou por constituir um momento de abertura às suas
emoções, dúvidas e medos, pelo que as participantes acabaram por reconhecer que
este momento de interação lhes trouxe, de algum modo, um certo benefício
pessoal.