Atitudes e barreiras à prática de enfermagem baseada na evidência em contexto
comunitário
Introdução
A prática baseada em evidência (PBE), afigura-se como uma forma coerente,
segura e organizada de estabelecer práticas profissionais que, em regra,
assumir-se-ão como as mais adequadas, com previsível garantia dos melhores
resultados e otimizando os recursos disponíveis, de acordo com a participação
ativa de todos os envolvidos nos complexos processos terapêuticos e de tomada
de decisão. Na perspetiva apontada por Rafael em 2000, referida por DiCenso,
Guyatt e Ciliska (2005), estabelecer uma enfermagem baseada em evidência e não
numa qualquer tradição é, por um lado, necessário para ir ao encontro da
obrigação e responsabilidade social da profissão, mas por outro lado mantém e
aumenta a credibilidade entre as outras disciplinas da saúde e através da
construção de uma enfermagem baseada no conhecimento, influencia as políticas
de saúde. Neste contexto, é importante assumir que: "baseado na
evidência" é um dos mais usados e, talvez, o menos compreendido adjetivo
dos cuidados de saúde de hoje. ( ) termos como "prática baseada em
evidência" estão a tornar-se cada vez mais generalizados ( ). Os
enfermeiros, o maior grupo profissional que presta cuidados de saúde, têm
estado na vanguarda ao reconhecer a necessidade de identificar, avaliar e
aplicar a melhor evidência na sua prática clínica (Craig e Smyth, 2004, p.
xv).
Diversos estudos e vários autores têm demonstrado uma série de barreiras para a
PBE (Chien, 2010; Kajermo et al., 2010; Moreno-Casbas et al., 2010; Brown et
al., 2009; Karkos e Peters, 2006; Fink, Thompson e Bonnes, 2005; Hutchinson e
Johnston, 2004), no entanto a maioria das investigações foram realizadas em
ambientes de cuidados agudos/diferenciados. Embora muitos dos resultados destes
estudos possam ser transpostos para os Cuidados de Saúde Primários (CSP), a
realidade é que a importância especial e crescente da PBE, justifica a este
nível o desenvolvimento de investigação destinada a identificar com maior
precisão a situação sobre o diagnóstico às atuais barreiras e atitudes face à
PBE em CSP, especialmente considerando a realidade portuguesa.
Concomitantemente, os objetivos definidos para esta pesquisa foram: a)
identificar barreiras percecionadas face à adoção de uma prática de enfermagem
baseada na evidência em contexto comunitário; b) descrever as atitudes dos
enfermeiros em relação à prática baseada em evidência.
Enquadramento teórico
A prática baseada na evidência poderá ser entendida como o processo através do
qual as enfermeiras tomam decisões clínicas usando a melhor evidência
científica, a sua experiência clínica e as preferências do paciente, no
contexto dos recursos disponíveis (DiCenso, Cullum e Ciliska, 1998, p. 38).
Para Pearson et al. (2010), os cuidados de saúde baseados na evidência resultam
de um processo contínuo que suscita interrogações, preocupações ou interesses a
partir da identificação das necessidades globais de cuidados de saúde quer por
técnicos, quer por clientes. Estas orientam-se de modo a gerar conhecimento e
evidência científica de qualidade que eficaz e adequadamente responda a essas
necessidades, de forma exequível e significativa para populações, culturas e
contextos. Posteriormente procede-se à avaliação, síntese e transferência/
implementação de cuidados (aqui entendidos como as melhores práticas) sendo
posteriormente avaliado o seu impacto nos resultados de saúde, sistemas de
saúde e prática clínica.
Em concreto, Craig e Smyth (2004) complementam que a tomada de decisão clínica
dos enfermeiros deveria ser suportada pela evidência da investigação
atualizada; competência clínica (educação formal, conhecimento acumulado,
experiência passada, experiência mais recente, nível de competência); crenças,
atitudes, valores, tradição; rotina, fatores relacionados com o doente/cliente
e família e fatores organizacionais. Para a sua maximização é essencial a
conjugação destes fatores, sendo que, cada um deles tem uma função marcante,
para que a tomada de decisão responda aos resultados previstos.
Na realidade, as barreiras à prática de enfermagem baseada em evidências,
sobretudo no que concerne à sua implementação efetiva, têm sido amplamente
descritas na literatura. Numa revisão sistemática, Eastbrooks, Winther e
Derksen (2004) identificaram 630 artigos publicados entre 1972 e 2001 sobre a
utilização de evidências resultantes de investigação sobre a prática de
enfermagem. Estes autores concluíram que, apesar do crescente interesse pelas
barreiras e facilitadores à utilização da pesquisa, a área em estudo era
relativamente subdesenvolvida, justificando o desenvolvimento adicional de
trabalho conceptual e suporte.
McCaughan et al. (2002) ao estudarem quais as barreiras que impedem os
enfermeiros de utilizar a informação proveniente da investigação na tomada de
decisão verificaram que esses obstáculos se deviam a questões do âmbito
individual ou organizacional e ainda pela natureza da informação e dos diversos
contextos de prática. No que se refere às questões individuais, estas
resultavam de problemas de interpretação e aplicação da evidência científica.
Quanto à organização, os enfermeiros sentiam que esta devia ter um papel mais
proativo, ou seja deveria existir uma cultura organizacional facilitadora do
processo. Alguns enfermeiros mencionaram ainda o excesso de trabalho e a
necessidade de um incremento da sua motivação. Estes eram de opinião que,
apesar da elevada produção de investigação, tinham necessidade da garantia da
credibilidade clínica da mesma, necessitando de uma orientação, quer no que se
refere à análise estatística efetuada, quer no que concerne à linguagem e
terminologia utilizada. Paralelamente, Grol e Grimshaw (2003) salientam que
presentemente é quase impossível conseguir acompanhar os avanços do
conhecimento na área da saúde. Para McCaughan et al. (2002), a tomada de
decisão em enfermagem não é predominantemente influenciada pela investigação em
si, mas sobretudo pelos meios utilizados para a aceder e divulgar. Thompson et
al. (2001) caraterizou e definiu quatro grupos de variáveis que produzem
impacto na relação de afinidade entre os enfermeiros e a evidência científica,
nomeadamente variáveis atinentes à cultura profissional, tais como, a
resistência a certas formas de investigação; variáveis relacionadas com o
ambiente, por exemplo, o impacto de especialidades clínicas; variáveis
individuais relacionadas com a tomada de decisão como a experiência clínica e o
conhecimento profissional e variáveis relacionadas com a informação e o modo de
apresentação da mesma.
Moreno-Casbas et al. (2010, p. 162) elaboraram uma revisão das barreiras mais
frequentes identificadas em 15 estudos diferentes, desenvolvidos em diversos
países, regiões e continentes e que decorreram no período compreendido entre
1991 e 2006. De entre estas, foram tidas como as mais referenciadas as
seguintes: i) não ter tempo para investigar; ii) incapacidade para avaliar a
qualidade dos estudos; iii) os médicos não cooperarem; iv) não ter autoridade
para implementar mudanças; v) incapacidade para investigar; vi) dificuldade em
compreender as análises estatísticas; vii) não ter tempo para ler literatura
científica; viii) falta de compilação de literatura; ix) dificuldade em
implementar resultados oriundos da investigação.
No que concerne à realidade verificada em Portugal face à PBE, pese embora esta
ainda seja pouco conhecida e insuficientemente caraterizada através de
investigação empírica, tomando como referência um estudo publicado por Ferrito
(2007), constatou-se que numa amostra de enfermeiros oriundos de quatro
hospitais em Lisboa, em relação ao termo "evidência em saúde", só
47% da amostra o conhecia e apenas 35,5% estava familiarizado com o termo
"enfermagem baseada em evidência". A maioria classificou a
experiência da prática como mais valiosa do que a evidência científica
publicada e que esta última tinha pouco peso na atividade diária dos
enfermeiros.
Perante esta realidade é pertinente considerar, atendendo a um critério de
apreciação crítica da literatura relevante, uma série de resultados empíricos
cujos ganhos em saúde estão associados à prática de enfermagem baseada em
evidências. Concomitantemente, uma meta-análise que integrou 84 trabalhos de
investigação desenvolvidos por enfermeiros realizada por Heater e colaboradores
em 1988, referenciada por DiCenso, Guyatt e Ciliska (2005), demonstrou que as
pessoas que receberam cuidados de enfermagem baseadas na investigação e em
comparação com outros prestados por rotina/hábito apresentam "ganhos
consideráveis" ao nível dos conhecimentos (fisiológicos, psicossociais e
comportamentais). Também neste estudo se quantifica em 28% o ganho em
resultados positivos associados a uma prática profissional dos enfermeiros
cujas intervenções se baseiam em investigação, face aos demais, alicerçados
unicamente em "rotinas".
Complementarmente é de salientar que, também em Portugal, a relevância
profissional da PBE é enfatizada ao nível de diversas recomendações
institucionais. Entre estas, destaca-se a do Conselho Diretivo da Ordem dos
Enfermeiros que emanou uma Tomada de Posição sobre Investigação em Enfermagem,
a 26 de abril de 2006, defendendo que uma prática baseada em evidência
constitui um pré-requisito para a excelência e a segurança dos cuidados, assim
como para a otimização de resultados de enfermagem.
Metodologia
Desenvolveu-se um estudo transversal, exploratório e descritivo, cuja
finalidade foi responder à seguinte questão de investigação: quais as atitudes
e barreiras percecionadas pelos enfermeiros face à adoção de uma prática de
enfermagem baseada em evidência, em contexto comunitário? Este estudo decorreu
numa unidade local de saúde (ULS) do norte de Portugal, que presta cuidados a
uma população de cerca de 186.000 pessoas. A escolha por este contexto
organizacional esteve relacionada com a existência de critérios eficazes de
homogeneização e padronização das práticas, não só entre os diferentes níveis
de cuidados, mas também sobre a filosofia de trabalho, que é transversal a toda
a instituição. Em termos operativos, foram enviados os questionários aos
responsáveis de enfermagem das respetivas unidades de saúde da instituição,
utilizando o correio interno. Previamente, efetuou-se um telefonema a explicar
quais os objetivos do estudo. Após o envio, houve novo contato para relembrar e
clarificar sobre eventuais questões associadas ao seu preenchimento. Foram
incluídos todos os enfermeiros (N=129) a trabalhar em contexto comunitário:
Unidades de Saúde Familiar, Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados,
Unidades de Cuidados na Comunidade e Unidade de Saúde Pública. A colheita de
dados decorreu entre dezembro de 2010 e março de 2011, tendo-se obtido uma taxa
de resposta de 73,6% (n=95). Para o efeito, o instrumento utilizado foi a
versão teste do Questionário de Atitudes face à Prática Baseada em Evidência,
traduzido e adaptado do Evidence-Based Practice Questionnaire (Mckenna, Ashton
e Keeney, 2004). Trata-se de um questionário de autopreenchimento constituído
por 26 questões dirigidas às atitudes e barreiras face ao uso da prática
baseada em evidência, recursos da informação/investigação disponíveis nos CSP e
ainda, pelas variáveis sociodemográficas. O questionário é avaliado com recurso
a uma escala de Likert (Discordo totalmente=1, Discordo=2, Não tenho a
certeza=3, Concordo=4, Concordo totalmente=5). A justificação pela escolha
deste instrumento de recolha de dados obedeceu a três razões principais. Desde
logo, a não-existência de qualquer questionário validado para a população
portuguesa que avaliasse barreiras à prática de enfermagem baseada em evidência
o que proporcionava liberdade de escolha. Neste sentido e considerando também,
tal como exposto anteriormente, que a maioria dos estudos efetuados a este
nível se realizaram em contextos de cuidados diferenciados, nomeadamente em
ambientes hospitalares e de cuidados a doentes agudos, optou-se por utilizar um
questionário cuja utilização inicial e respetiva validação para a população do
Reino Unido, incluindo a avaliação das respetivas propriedades psicométricas,
foi efetuada exclusivamente em contexto comunitário e no âmbito dos cuidados de
saúde primários, ou seja, em sobreposição com o ambiente de exercício
profissional dos enfermeiros que pretendemos estudar. Adicionalmente, a própria
comparação dos resultados obtidos com os dados resultantes da pesquisa
originalmente desenvolvida com base no questionário utilizado, tornou-se mais
acessível e operacional. Finalmente, esta opção foi também influenciada por se
tratar de um instrumento cronologicamente mais recente, face a outros, cuja
data de criação dista já mais de duas décadas (Kajermo et al., 2010), o que, em
termos de prática baseada em evidência, nomeadamente em relação ao acesso a
bases de dados na área da saúde e o desenvolvimento dos sistemas de informação
e enfermagem, certamente aportaria diferenças objetivas face à realidade
verificada atualmente. Foram garantidas todas as autorizações inerentes ao
desenvolvimento do estudo (autores do questionário original, comissão de ética
e conselho de administração da instituição envolvida e o consentimento
informado dos participantes). A informação recolhida foi processada através do
programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 19.0,
utilizando análise estatística descritiva univariada.
Resultados
Os participantes eram essencialmente do sexo feminino (82,1%), com idades entre
os 21-30 anos (51,6%), seguido de 31-40 anos (33,7%). Em termos profissionais,
classificaram-se como enfermeiros graduados 38,9% (37), generalistas 36,8%
(35), especialistas 22,1% (21) e enfermeiros chefes 2,1% (2). Em termos de
vínculo laboral, verificamos que 68,4% (65) dos enfermeiros detinham um
contrato de trabalho por tempo indeterminado.
Dos participantes, 80% concluíram um programa de graduação em enfermagem com a
duração de 4 anos letivos em tempo integral, 9,5% (9) possuíam formação
académica pós-graduada (mestrado ou doutoramento) e 14,7% (14) estavam a
frequentar uma pós-graduação em diversas áreas da saúde ou afins. Cerca de
43,2%, (41) detinham uma especialização em enfermagem e neste caso, verificou-
se a predominância da área de enfermagem comunitária, com 24,2% (23).
Globalmente, a maioria dos participantes manifestou satisfação com a formação
realizada. Paralelamente, constatamos que 28,4% (27) dos enfermeiros já
estiveram envolvidos em diferentes projetos de investigação.
Dos participantes, 97,9% (93) referiram ter acesso à internet, sendo que 26,3%
(25) podem fazê-lo no local de trabalho, contudo referem limitações de tempo,
enquanto 67,4% (64) podem fazê-lo sem restrição temporal. Dos enfermeiros,
73,7% (70) mencionaram ter acesso ilimitado no domicílio sendo que 77,9% (74)
acedem diariamente. Pesquisam sítios com base em evidências 37,9% (36), jornais
em linha 53,7% (51), sítios oficiais 36,8% (35) e bases de dados 45,3% (43).
No gráfico 1 estão descritas as principais fontes de informação/conhecimento
que os enfermeiros usam para apoiar a prática. Constatamos que as fontes mais
utilizadas são os protocolos; em contrapartida, a consulta em revistas
científicas surge de entre as estratégias menos utilizadas.
GRÁFICO 1 ' Fontes de informação utilizadas pelos enfermeiros
Complementarmente foi quantificada a percentagem estimada pelos inquiridos,
segundo os quais, a sua prática clínica diária é baseada em evidência, tendo-se
obtido, numa escala de 0 a 100%, uma média de 62,6%. No que se refere a este
achado em particular, é de destacar que, embora a amostra em estudo fosse
composta por um total de 95 enfermeiros, o número de respostas a esta questão
em concreto, apenas contemplou 82 participantes, registando a este nível, uma
taxa de resposta global de 86,3%. Perante este dado, poderão aventar-se algumas
justificações, nomeadamente a possível dificuldade em quantificar, com base em
percentagem, a média diária estimada de prática baseada em evidência
científica, porquanto assumimos que a mesma esteja associada a uma perspetiva
subjetiva, decorrente de um perceção estritamente individual, para a qual, nem
todos os enfermeiros que constituíram a amostra, poderiam estar totalmente
sensibilizados, facto este aliás sustentado na leitura empírica dos resultados
obtidos. Por fim, elencou-se um quadro de atitudes e barreiras à prática
baseada em evidência com base na pontuação agregada (tendo em conta as opções
de resposta possível: "Discordo Totalmente/Discordo; Não Tenho a Certeza;
Concordo Totalmente/Concordo") e considerando apenas as médias superiores
a 50%, (15 num total de 26 itens). Constatamos que os enfermeiros reconhecem a
importância de basear as suas práticas na evidência científica e identificam
como barreiras a falta de confiança e experiência na investigação, de formação,
limitação de tempo e também a adesão dos clientes (quadro 1).
QUADRO 1 ' Barreiras e atitudes face à prática baseada na evidência
Discussão
Os dados apresentados devem ser discutidos assumindo duas limitações major ao
estudo: o tamanho amostral que condiciona a extrapolação dos resultados obtidos
e a utilização de uma versão teste do questionário de recolha de dados, uma vez
que ainda não está disponível a versão final do mesmo devido a razões inerentes
ao processo de validação.
Reconhecendo a centralidade e importância atribuída à PBE é importante
caraterizar e conhecer a realidade atual de modo a definir estratégias e
sustentar intervenções que se traduzam na adoção das melhores práticas clínicas
com base na melhor evidência científica disponível.
Neste contexto a utilização de uma metodologia descritiva e exploratória,
apresentou-se-nos como a mais adequada para dar resposta à nossa questão de
partida.
Consideramos ter tido uma boa taxa de respostas (73,6%) mais elevada do que
noutros estudos (Cummings et al. 2010; McKenna, Ashton e Keeney, 2004). A
maioria dos participantes era do sexo feminino o que era previsível atendendo à
profissão. Situavam-se numa faixa etária predominantemente jovem, detendo
licenciatura em enfermagem. Constatou-se que havia um grupo de enfermeiros com
ou a frequentar uma pós-graduação, a um nível superior ao de outros estudos
(Cummings et al., 2010), sendo de realçar o número de enfermeiros que já
estiveram envolvidos em trabalhos de investigação.
No que concerne à procura de informação, praticamente todos os enfermeiros
disseram ter acesso à internet, sendo que a maioria o pode fazer no local de
trabalho sem tempo limitado, facto que nos parece importante pois facilita a
pesquisa no sentido de melhor basear a prática em evidência científica. No
estudo de McKenna, Ashton e Keeney (2004), o número de enfermeiros com acesso
ilimitado à internet era inferior ao verificado na atual investigação, no
entanto esta realidade deverá ser alvo de análise tendo presente que o estudo
foi submetido para publicação ainda em 2002, ou seja, há cerca de uma década
atrás.
A maior parte dos enfermeiros acede diariamente à internet, contudo verificamos
que as orientações emanadas pela instituição e até a opinião dos colegas surgem
como o meio mais utilizado como fontes de informação para a prática, ao
contrário da consulta de artigos em revistas científicas. Também Ferrito (2007)
no estudo que desenvolveu com o objetivo de perceber o conhecimento em relação
à prática baseada em evidência científica e à aplicação na prática constatou
que 99% dos enfermeiros em primeiro lugar solicitam a opinião dos colegas,
considerando a autora que esta se apresenta como uma forma simples e célere de
aceder ao conhecimento.
Encontramos igualmente um valor sobreponível com o verificado no estudo de
McKenna, Ashton e Keeney (2004) em relação à média diária da prática baseada em
evidência. Sendo elevado o número de participantes detentor ou a frequentar
formação pós-graduada, seria expectável que este valor médio repercutisse esse
mesmo nível avançado de formação, no entanto tal não é corroborado pelos dados
empíricos. Apesar dos enfermeiros serem detentores de formação superior, poderá
verificar-se uma realidade sobreponível com a descrita no estudo de Moreno-
Casbas et al. (2010). Neste emergiu como relevante, que os enfermeiros da
prática não percecionem como barreiras importantes as dimensões relacionadas
com a qualidade da investigação e isto poderia ser explicado pelos seus
próprios hábitos reduzidos de leitura, o que poderá implicar um desconhecimento
das caraterísticas da investigação, verificando-se portanto dificuldade em
considerá-los como barreiras. Também se considerou a própria falta de uma
sólida formação em metodologias de investigação o que poderia capacitar os
enfermeiros para a utilização da mesma, bem como, para apreciar criticamente os
estudos e resultados de investigação disponíveis, de modo a poder decidir da
sua aplicabilidade na prática clínica diária.
Contudo, no nosso estudo, os enfermeiros demonstraram claramente a convicção de
que é positivo apoiar as práticas com base em investigação, acreditando que
este facto trará um melhor desenvolvimento para o seu futuro profissional. No
entanto, sentir-se-iam mais confiantes, se houvesse uma pessoa com experiência
em investigação que lhes facultassem informação relevante e pensam que seria
benéfico realizarem formação específica para ajudar na utilização efetiva de
pesquisas.
As principais barreiras relatadas neste estudo mostram consistência com os
obstáculos identificados noutros estudos (Fink, Thompson e Bonnes, 2005;
Glacken e Chaney 2004; Hutchinson e Johnston 2004; McCaughan et al. 2002). No
geral, as barreiras identificadas são de várias etiologias, contemplando
nomeadamente as seguintes dimensões: pessoal, organizacional, cultural e
científica. Os enfermeiros consideraram ser importante basear a prática na
investigação, não só para a pessoa/família mas também para uma maior
autoconfiança na prestação de cuidados. Apesar das mudanças no estatuto
profissional e formação dos enfermeiros ao longo dos tempos, os resultados
destacam que dimensões como o tempo, habilidades/capacidades e papel percebido
na pesquisa ainda são vistos como os principais constrangimentos na consecução
da prática baseada em evidências clínicas entre os enfermeiros. Chien (2010)
refere ainda que, embora os enfermeiros pareçam mais confiantes sobre a sua
capacidade de começar a implementar novas práticas, a falta de autoridade e de
apoio, bem como a cultura organizacional não-recetiva a mudanças, são vistas
como contrárias à implementação da prática baseada em evidências em enfermagem.
Apesar do processo da tomada de decisão ter vindo a ser estudado, há ainda
alguma escassez de investigação no que concerne à informação utilizada para a
tomada de decisão. Bakalis (2006) refere que para o desenvolvimento de uma
prática segura e profissional, os enfermeiros necessitam de ter mais
conhecimentos, de desenvolver habilidades e confiança efetiva na tomada de
decisões. Ao adquirir confiança e praticando em segurança, os enfermeiros ficam
a conhecer qual o seu papel, quais as limitações e qual a melhor forma de
utilizar o conhecimento da investigação na prática. O empowerment dos
enfermeiros é determinante para o desenvolvimento da profissão e consequente
obtenção de ganhos em saúde pela população.
Conclusão
Uma prática baseada na evidência vai ao encontro da obrigação social da
enfermagem enquanto profissão e ciência, alicerçando a sua credibilidade entre
as áreas de conhecimento no contexto da saúde e sustentando eventuais mudanças
ao nível político no âmbito da saúde. Coerentemente é fundamental identificar,
em termos de práticas baseadas em evidências, barreiras e atitudes,
independentemente de terem uma origem pessoal, profissional, científica ou
organizacional.
Os resultados obtidos com este estudo permitiram identificarmos quais as
principais barreiras à prática baseada em evidência, num contexto comunitário,
as quais estão de acordo com as encontradas noutros estudos efetuados noutras
realidades. Os obstáculos encontrados têm várias etiologias, contudo a que mais
predomina é dimensão pessoal. Os enfermeiros demonstram claramente a
importância da prática baseada em evidência acreditando nos benefícios para o
futuro da profissão. Contudo sentir-se-iam mais seguros com alguém mais
experiente ou com formação adequada. Subscrevemos na íntegra a ideia defendida
por Kajermo et al.(2010), segundo os quais, sendo fundamental a identificação
de barreiras à PBE, esta mesma identificação, de modo a ser efetiva e
produtiva, deverá ser efetuada considerando em concreto os contextos
específicos de intervenção onde se queira implementar e/ou reforçar o uso de
evidências científicas na prática dos cuidados. Nesse sentido, registamos como
mais-valia a realização da investigação num ambiente delimitado e preciso em
termos do exercício profissional dos enfermeiros.
Em relação à atitude demonstrada pelos profissionais de enfermagem, destacamos
o elevado interesse e convicção demonstrados em assumir que uma PBE conduziria
a melhores cuidados e práticas clínicas, associando esta dimensão a um maior
desenvolvimento profissional. A este nível, conclui-se também, em sobreposição
com os resultados obtidos por outros autores (Brown et al., 2009) que a
avaliação das barreiras e atitudes face à PBE por parte dos enfermeiros
constitui-se, ela própria como um alicerce, baseado em evidência empírica, para
a dinamização de esforços de planeamento e estratégia organizacional, bem como
o desenvolvimento de iniciativas de suporte à PBE em termos de educação e
formação em enfermagem. Em síntese, os gestores precisam de caraterizar a
capacidade dos enfermeiros em implementar efetivamente uma PBE no seu ambiente
atual de prestação de cuidados, documentando a efetividade das iniciativas
futuras que visem promover uma prática de enfermagem baseada nas evidências
científicas.
Os resultados do estudo demonstram a necessidade de um melhor suporte para a
PBE por parte dos enfermeiros da prática. Para isso é essencial que as
organizações e as instituições governamentais ofereçam as condições necessárias
para apoiar e promover a PBE. Neste ponto, provavelmente, o principal papel da
organização neste processo deve ser a assunção pública da importância de uma
PBE por parte dos enfermeiros. Com esta declaração, as organizações devem
fornecer o estímulo obrigatório e necessário para a equipa de trabalho de
enfermagem.
É importante, igualmente, o desenvolvimento da tomada de decisão na educação
dos enfermeiros e que estes percebam o seu conhecimento quando agem na prática
clínica. A tomada de decisão pode e deve ser ensinada, sendo que o processo de
ensino/aprendizagem deve ser baseado no conhecimento da melhor evidência
científica. Consequentemente devem ser envidados todos os esforços e sinergias
que visem a criação de parcerias com as instituições de ensino (pré e pós-
graduado) bem como, uma política integrada de investigação clínica, envolvendo
a participação ativa dos enfermeiros que exercem a sua atividade profissional
em contextos de prática clínica e prestação direta de cuidados.
Em termos de investigações futuras, deverá ser prioritária a adaptação e
validação para a população portuguesa de instrumentos que possibilitem
monitorizar a evolução da realidade no que concerne a barreiras e atitudes e
conhecimentos face à PBE.