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EuPTCVHe0874-02832012000200012

EuPTCVHe0874-02832012000200012

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0874-0283
Year2012
Issue0002
Article number00012

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Partilha de informação de enfermagem: dimensões do Papel de Prestador de Cuidados

Introdução A fragmentação de cuidados de saúde é um motivo de preocupação atual devido ao uso crescente pelos cidadãos de diferentes recursos de saúde, originando a vivência de transições entre os diferentes níveis de cuidados. A Organisation For Economic Co-operation And Development (OECD, 2010) refere que o setor da saúde enfrenta problemas significativos, devido à fragmentação do processo de prestação de cuidados de saúde e a falhas na transferência de informação entre as organizações intervenientes nesse processo. Em Portugal, o Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS, 2010) aponta a integração dos cuidados de saúde, como um dos desafios mais decisivos para garantir a própria sustentabilidade do sistema de saúde e os sistemas de informação, como ferramentas centrais para o desenvolvimento de mecanismos de integração de cuidados, através da produção, modelação e garantia da coerência dos dados. É hoje consensual que a prestação de cuidados seguros, fidedignos e confiáveis é possível a partir do suporte de um modelo de informação que permita aos profissionais o acesso, de forma controlada, a informação de saúde relevante de qualquer utente, independentemente do local e origem da prestação (Portugal, ACSS - Administração Central do Sistema de Saúde, 2009).

Enquadramento Portugal encontra-se entre os países da União Europeia com maior utilização de sistemas de registos eletrónicos (ACSS, idem), nomeadamente no suporte ao processo de conceção e registo dos cuidados de enfermagem, que utilizam linguagem classificada (CIPE®). Os percursos desenvolvidos (Silva, 2001; Sousa, 2006; Pereira, 2009), assentes em processos de reflexão sobre a problemática da informação inerente aos cuidados de enfermagem, ao envolverem diretamente os utilizadores dos sistemas de informação, possibilitaram a apropriação dos requisitos e conceitos essenciais à utilização de sistemas de informação eletrónicos e a existência de um conjunto de dados, que torna possível inferências sobre as práticas de cuidados e assim encetar programas de melhoria contínua.

A necessidade de maior acessibilidade à informação e integração dos sistemas, que pudesse fomentar a continuidade de cuidados entre os diferentes contextos (hospital e centros de saúde), esteve na origem da construção de uma plataforma de partilha de informação de enfermagem (Sousa, 2006), que possibilita o acesso a informação constantemente atualizada e suscetível de auxiliar os enfermeiros na interpretação e análise das situações que requerem cuidados de enfermagem em cada contexto de cuidados de saúde.

A natureza dos cuidados de enfermagem, a sua riqueza informativa e as opções de documentação dos enfermeiros nos contextos da prática justificam uma análise e reflexão sobre a essência e valor da informação centrada no Papel de Prestador de Cuidados (interagir de acordo com as responsabilidades de cuidar de alguém, expressão de comportamentos de papel adequados ou inadequados de um prestador de cuidados, ( ) em relação aos cuidados aos membros dependentes da família ' ICN, 2002), tendo como finalidade a melhoria da continuidade e qualidade de cuidados e dos fluxos informacionais, que contribuam para uma melhor integração e transição de cuidados entre diferentes contextos de cuidados de saúde.

O conceito de informação vem sendo objeto de estudo de diferentes disciplinas do conhecimento, com ênfase para a sua importância na comunicação, emergindo em simultâneo como um fenómeno social. Para Moresi (2000), na nova realidade mundial e sociedade globalizada, a informação não é apenas um recurso, mas o recurso pelo que a gestão de uma organização requer a perceção objetiva e precisa do seu valor. Contudo, trata-se ainda de um conceito que necessita de refinamento, uma vez que vão coexistindo diferentes interpretações, dependentes da área do saber onde é utilizado.

Tratando-se de um conceito por vezes entendido de forma ambígua pelos profissionais de saúde, Erdley (2005) tem vindo a desenvolver esforços no sentido de encontrar uma definição orientadora sobre o conceito de informação de enfermagem. Os resultados demonstram que apesar de se tratar de um conceito complexo e multidimensional, que necessita de ser refinado, é essencial para a prestação de cuidados (a informação disponível influencia as ações de enfermagem) e é dependente do contexto em que estes ocorrem, o que influencia o conteúdo e interpretação, que é de caráter individual.

Vale ainda a pena considerar a noção anteriormente introduzida por Losee (1997), que considera a informação como o resultado de um processo de transformação de inputs em outputs e que informa sempre sobre alguma coisa.

Neste sentido, a qualidade da informação é dependente dos dados que lhe dão origem (Pereira, 2009), pelo que a qualidade dos fluxos informacionais depende também da qualidade dos dados de origem, com implicações no valor atribuído à informação que é partilhada entre contextos de cuidados. No âmbito da partilha de informação de enfermagem, o valor da informação reside não nos dados disponíveis, mas principalmente na sua interpretação (Sousa, 2006). Assim, é a partir do timing de acesso, da disponibilização e da interpretação da informação, que se pode perceber o seu valor para aspetos como a tomada de decisão, a gestão de cuidados e a sua continuidade.

Sendo a continuidade de cuidados um dos propósitos dos sistemas de informação, verifica-se, contudo, que o conceito de continuidade é entendido de forma diversa pelos diferentes prestadores de cuidados de saúde. Com o intuito de procurar um entendimento comum, a Canadian Health Services Research Foundation (2002) refere a necessidade de se considerarem diferentes tipos de continuidade: a continuidade informacional, a continuidade relacional e a continuidade na administração dos cuidados, que se constituem como elementos essenciais para a qualidade dos cuidados.

Para efeitos da discussão que se pretende com este artigo, interessa abordar a continuidade informacional, que segundo Canadian Health Services Research Foundation (idem) consiste na utilização de informação acerca de eventos e circunstâncias anteriores, de forma a garantir cuidados apropriados à condição individual dos clientes, constituindo o elo que promove a ligação da prestação de cuidados entre os diferentes profissionais e a relação entre eventos de saúde anteriores com os atuais, de forma a possibilitar a adaptação dos cuidados às atuais necessidades dos clientes. Ainda segundo esta fonte, a avaliação da continuidade informacional pode ser dividida em dois tipos. A avaliação relativa à transferência de informação entre quem presta cuidados e a que se refere à aquisição e utilização dessa informação para os cuidados subsequentes.

No contexto da partilha de informação de enfermagem, interessa pois perceber como podem a continuidade informacional e o conteúdo da informação contribuir para a continuidade e transição de cuidados entre hospital e centros de saúde.

Considerando que a informação deve ser encarada como um recurso a ser gerido no âmbito da promoção e introdução de programas de melhoria contínua dos cuidados de saúde, nomeadamente os que se encontram na esfera da tomada de decisão em enfermagem, a análise da informação referente aos modelos em uso, contrapondo- a com os expostos (Silva, 2001), poderá contribuir para a obtenção de orientações para a construção de caminhos de desenvolvimento.

Neste sentido, foi efetuada uma análise ao conteúdo da informação partilhada entre diferentes contextos da prestação de cuidados, tomando como alvo de estudo o foco de atenção do Papel de Prestador de Cuidados, aspeto dos cuidados que se situa ainda no território do modelo exposto (Pereira, 2009), procurando identificar aspetos a melhorar na qualidade informacional que favoreçam o seu fluxo e a transição de cuidados.

Metodologia Se até determinado momento a partilha de informação de enfermagem se revelou como uma área problemática, a implementação de um sistema de informação que facilita os fluxos de informação entre diferentes contextos de cuidados de saúde constitui uma oportunidade para a melhoria da qualidade, quer desses mesmos fluxos, quer dos conteúdos informacionais partilhados. A arquitetura de partilha de informação em uso em algumas organizações (Sousa, 2006) permite a obtenção automática de dados de enfermagem e a troca de informação em tempo real, a partir da seleção efetuada, tendo como base um critério temporal ou o conteúdo da informação pretendida (avaliação inicial, diagnósticos, intervenções, ) em relação a determinado cliente inscrito nos sistemas operacionais (SONHO, no hospital e SINUS no centro de saúde), privilegiando-se os enunciados com termos definidos na Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE®).

Dadas as potencialidades que a estrutura de partilha de informação oferece e o propósito de estudo de um foco de enfermagem que necessita de maior clarificação nos contextos da prática clínica, o estudo foi orientado pelas seguintes questões: que informação relativa ao desempenho do Papel de Prestador de Cuidados, referente aos enunciados dos diagnósticos de enfermagem e suas dimensões, é documentada e partilhada na transição de cuidados do hospital para os cuidados de saúde comunitários? E que qualidade têm os fluxos informacionais entre esses contextos? Adotou-se uma abordagem qualitativa, alicerçada num paradigma interpretativo, tendo-se procedido à análise documental e de conteúdo (Fortin, 1999) dos enunciados dos diagnósticos de enfermagem relativos ao foco de atenção Papel de Prestador de Cuidados. Trata-se de um estudo descritivo simples, em que se procurou a descrição de um fenómeno de forma a estabelecer as características de uma amostra relativa a esse fenómeno (Fortin, idem) e em que o investigador se colocou como um "bricoleur" interpretativo, procurando construir uma montagem reflexiva e descritiva de momentos significativos (Denzin e Lincoln, 2006) e a criação de algo de novo, que permita uma visão diferente.

Para a realização deste artigo, foi utilizada uma parte dos dados extraídos de uma estrutura de partilha de informação de enfermagem e que fazem parte de um estudo mais alargado (Azevedo, 2010), realizado numa Unidade Local de Saúde, garantindo-se o respeito pelos princípios éticos inerentes à realização de trabalhos de investigação, nomeadamente no que se refere à salvaguarda do anonimato e confidencialidade quanto à informação acedida. Foram apenas considerados os dados respeitantes à análise da informação documentada pelos enfermeiros, no momento da alta hospitalar e no momento do primeiro contacto com os cuidados de saúde primários, referentes aos enunciados dos diagnósticos de enfermagem e suas dimensões, relativos ao foco de atenção do Papel de Prestador de Cuidados.

Os dados, respeitantes a um espaço temporal de 5 meses, são relativos a casos em que foi identificado o foco de atenção Papel de Prestador de Cuidados dos doentes que tiveram alta clínica dos serviços cirúrgicos e de medicina de um hospital e que estão inscritos nos Centros de Saúde (CS) e Unidades de Saúde Familiar (USF) da Unidade Local de Saúde onde se realizou o estudo, foram extraídos a partir do sistema de informação em uso na estrutura de partilha de informação e agrupados numa base de dados construída para o efeito. Foram apenas considerados os casos em que o primeiro contacto com os cuidados de saúde primários tivesse ocorrido até 15 dias após o momento da alta hospitalar.

Assim, dos 249 casos inicialmente identificados, aplicando-se os critérios de inclusão/exclusão, foi considerada uma amostra final com dados referentes a 97 casos para análise.

Foi utilizada a análise documental e análise de conteúdo (Bardin, 2006), sendo a informação tratada de forma sequencial, dando origem a uma organização final dos dados que possibilitou a comparação da informação relativa ao Papel de Prestador de Cuidados, considerando o contexto em que foi produzida (hospital ou centro de saúde) e momento (alta e primeiro contacto com os cuidados de saúde primários). Foi assim possível a comparação entre os enunciados dos diagnósticos de enfermagem em cada um desses momentos e estabelecer a sua relação com as áreas de cuidados que foram privilegiadas pelos enfermeiros, na transição entre contextos de cuidados.

Em seguida, foi efetuada a análise do conteúdo, considerando quer a sua vertente qualitativa, quer quantitativa, o que possibilitou a realização de um trabalho interpretativo e de atribuição de significado, tanto a partir da distribuição das frequências do conteúdo, como pela sua presença ou ausência. O modelo de análise teve por base a CIPE®, versão beta 2, que é a versão que continua a integrar os sistemas de informação em enfermagem informatizados em uso. Os dados foram agrupados partindo da documentação relativa ao desempenho do Papel de Prestador de Cuidados, chegando-se assim às áreas de atenção privilegiadas pelos enfermeiros, quer no momento da alta, quer do primeiro contacto no contexto dos CS e USF. Procedeu-se em seguida à análise de conteúdo dessa informação, procurando verificar se existia continuidade no seu fluxo e se poderia inferir-se a existência de continuidade informacional.

Resultados Os dados obtidos dizem respeito essencialmente a doentes internados em serviços de medicina (62%) e cirurgia (33%), sendo os restantes 5% provenientes de doentes internados em serviços de especialidade como urologia, ginecologia e neurocirurgia. Os doentes aos quais se associou no processo de conceção de cuidados o foco Papel de Prestador de Cuidados constituíam um grupo de pessoas idosas, com uma média de idades de 72,5 anos, com mediana de 75 anos e moda de 79 anos.

A análise efetuada permitiu conhecer quais os focos de atenção associados à condição de dependência do doente do exercício do Papel de Prestador de Cuidados, que motivaram enunciados dos diagnósticos centrados no prestador de cuidados, quer no momento da alta, quer no contacto com os CS e USF. Verificou- se que essa dependência se centrou no momento da alta, face a um total de 200 enunciados diagnósticos identificados, no domínio do Auto cuidado, que concentrou a maioria dos diagnósticos (68%), repartindo-se os restantes pelo domínio da Função (27,5%), representando o subdomínio dos tegumentos mais de metade das condições dos doentes que requeriam um cuidador. O domínio das razões para a ação foi aquela que menor relevo teve (4,5%) na documentação partilhada (quadro 1).

QUADRO 1 ' Domínios dos focos de atenção de enfermagem partilhados no momento da alta hospitalar.

A análise comparativa entre os dados documentados no momento da alta hospitalar e o primeiro contacto no CS permitiu verificar que no momento do contacto com os CS e USF foram identificados um menor número de focos de atenção, com enunciados diagnósticos identificados (n = 60), representando o domínio do Auto cuidado uma menor percentagem dos focos associados às condições do doente que exigiam um cuidador (51,7%). No domínio da Função verificou-se um aumento na referenciação de focos de atenção (45%) com enunciados diagnósticos identificados, verificando-se uma diminuição (3,3%) do domínio das Razões para a ação (quadro 2).

QUADRO 2 ' Domínios dos focos de atenção de enfermagem partilhados no momento do contacto após a alta hospitalar.

Os focos de atenção que constam nos quadros anteriores, que se associaram à condição do doente que motivou a necessidade de que alguém assumisse o Papel de Prestador de Cuidados, remetem para uma abordagem centrada nas competências cognitivas e instrumentais para o desempenho do papel, nomeadamente nas dimensões: conhecimento e aprendizagem de habilidades do prestador de cuidados.

No momento da alta hospitalar, fruto das estratégias desenvolvidas pelos enfermeiros, centradas no Papel de Prestador de Cuidados, tendo por base a preparação para o regresso a casa, os enunciados diagnósticos centraram-se maioritariamente (75,4%) na dimensão "conhecimento". A dimensão da aprendizagem de habilidades traduziu 24,6% dos enunciados dos diagnósticos de enfermagem, incidindo essencialmente em como assistir a pessoa dependente no Auto cuidado (tabela 1).

TABELA 1 ' Dimensões/Áreas temáticas dos enunciados dos diagnósticos de enfermagem associados aos focos de atenção de enfermagem: momento da alta hospitalar

No momento do contacto com os cuidados de saúde primários, verificou-se que o âmbito do desenvolvimento das competências cognitivas continuava a traduzir a maioria dos enunciados dos diagnósticos de enfermagem (82,7%), continuando a dimensão da aprendizagem de habilidades a representar uma parcela pequena (17,3%) dos diagnósticos, com ênfase na prevenção de complicações (tabela 2).

TABELA 2 ' Dimensões/Áreas temáticas dos enunciados dos diagnósticos de enfermagem associados aos focos de atenção de enfermagem: momento do primeiro contacto após a alta hospitalar

De realçar ainda que em 34% dos casos foi documentado, no momento da alta, que o prestador de cuidados não demonstrava ter adquirido conhecimentos e/ou habilidades para lidar com a condição de saúde do doente. Este facto por si justificaria a necessidade de avaliação no primeiro contacto, suscetível de identificar (ou não) a necessidade de intervenções de enfermagem que promovessem a continuidade de cuidados. A análise da informação referente a estes casos, permitiu verificar que em mais de metade (57,6%) destas situações não se verificou continuidade do fluxo de informação.

Foi também possível verificar qual o tempo decorrido entre o momento da alta hospitalar e o primeiro contacto de enfermagem no contexto dos cuidados de saúde primários. Para a totalidade dos casos, esse tempo foi em média de 4 dias com desvio padrão de 2,9 dias. Verificou-se ainda que o tempo decorrido até ao primeiro contacto com os prestadores de cuidados, que não tinham no momento da alta, demonstrado aquisição de conhecimentos e/ou habilidades (34%), foi em média de 4,8 dias, desvio padrão de 3,2 dias, enquanto para os restantes casos (66%) foi em média de 3 dias, com um desvio padrão de 2,5 dias, sendo superior o tempo decorrido até ao primeiro contacto, nos casos em que os prestadores de cuidados apresentavam maiores dificuldades em lidar com a condição de saúde da pessoa dependente.

A análise comparativa entre a informação documentada no momento da alta hospitalar e a documentada no momento do primeiro contacto com os cuidados de saúde primários permitiu constatar que em 50,5% dos casos não se pôde inferir continuidade informacional, uma das dimensões da continuidade de cuidados.

Nestes casos, não se pode concluir que a informação documentada no momento da alta tenha sido considerada para a prestação dos cuidados subsequentes.

Discussão Com a realização deste estudo não se pode estabelecer uma relação linear entre a não-documentação de determinados aspetos dos cuidados e a ausência da sua prestação, uma vez que as inferências foram realizadas a partir da informação documentada e não a partir da observação dos cuidados prestados. Contudo, os resultados encontrados apresentam relevância para a prática clínica, no sentido em que permitem constatar a necessidade de evolução na documentação dos aspetos relacionados com o exercício do Papel de Prestador de Cuidados.

A análise da documentação existente no momento da alta e no momento do primeiro contacto com os cuidados de saúde primários possibilitou a comparação entre os enunciados dos diagnósticos de enfermagem associados ao foco de atenção em estudo e a descrição das necessidades em cuidados das pessoas que assumiram o desempenho do Papel de Prestador de Cuidados. Foi possível constatar que apenas em metade da amostra se pôde concluir pela continuidade informacional, o que remete para aspetos do processo de conceção de cuidados em uso e da importância atribuída a quem exerce o papel de prestador de cuidados como um cliente e parceiro do processo de cuidados, o que está de acordo com Pereira (2009), que refere que este é ainda um aspeto dos cuidados na esfera do exposto e com Araújo et al. (2008), que verificou a existência de uma maior preferência dos enfermeiros pelos aspetos instrumentais dos cuidados centrados na pessoa dependente, descurando o cuidador principal e a família. Configura-se portanto neste domínio um amplo espaço de melhoria do exercício e da produção de informação que lhe está associado. Apesar destas contingências, é possível extrair do estudo dois aspetos que sustentam a necessidade de um maior investimento na melhoria na articulação da continuidade de cuidados entre as organizações de saúde.

O primeiro reside no número de pessoas inicialmente identificadas como dependentes do exercício do Papel de Prestador de Cuidados (249), que permite verificar que este é um contexto significativo e que necessita urgentemente de maior atenção e de implementação de estratégias de apoio aos prestadores de cuidados.

O segundo aspeto relevante diz respeito às capacidades adquiridas pelo prestador de cuidados. Efetivamente, nem todas as pessoas conseguem adquirir a mestria necessária para executarem cuidados complexos, o que reforça a ideia da existência de uma rede de apoio onde a assistência domiciliária e a supervisão são essenciais. Da análise efetuada, constata-se que um número significativo dos prestadores de cuidados (34%), no momento da alta, não demonstrava ter adquirido conhecimentos e/ou habilidades para lidar com a condição de saúde da pessoa dependente. Nestes casos, foi também possível verificar que o tempo médio de demora no acesso ao primeiro contacto com os cuidados de saúde primários foi superior aos restantes casos. Se considerarmos ainda que no momento da alta os enunciados dos diagnósticos de enfermagem se centravam maioritariamente no desenvolvimento de competências cognitivas e menos no desenvolvimento de aprendizagem de habilidades, estes resultados apontam para a necessidade de reformulação das estratégias de preparação do regresso a casa, especialmente quando inseridas no âmbito da diminuição dos tempos de internamento, onde a alta acontece após os cuidados médicos deixarem de ser necessários em contexto hospitalar.

É evidente, através da análise aos enunciados dos diagnósticos de enfermagem, a preocupação em dotar de saberes os prestadores de cuidados, para que em seguida os possam colocar em prática (saber para depois fazer). Todavia, a avaliação da colocação em prática dos saberes, através do acompanhamento do desenvolvimento da aprendizagem de habilidades dos prestadores de cuidados encontra-se, muitas vezes, dificultada a nível hospitalar, entre outros aspetos, devido à tendência para a diminuição dos tempos de internamento. Daí que muitas das estratégias de instrução e treino do prestador de cuidados tenham que ser continuadas e adaptadas ao contexto domiciliário dos clientes, o que vem reforçar a necessidade da existência de fluxos de informação que suportem a continuidade de cuidados e a referenciação de casos.

A identificação do nível de preparação para o exercício do Papel de Prestador de Cuidados é um fator que influencia as estratégias de cuidados (Schumaker et al., 2008), que devem ir para além de breves períodos de instrução (Schumaker et al., 2000). Por outro lado, as necessidades dos cuidadores durante a transição dos cuidados hospitalares para os cuidados domiciliários sofrem modificações, nomeadamente nas famílias em que a pessoa doente apresenta um elevado nível de dependência funcional, ou em que existe menor experiência no exercício do papel (Shyu, 2000), pelo que é fundamental que se consiga traduzir o seu grau de envolvimento no processo, de forma a orientar a implementação de estratégias que incidam mais no treino ou na supervisão, em função da mestria que o cuidador consegue alcançar ao longo da trajetória de cuidados.

Neste estudo, as condições para a necessidade do exercício do Papel de Prestador de Cuidados, centraram-se essencialmente na dependência da pessoa para a realização das atividades inerentes ao Autocuidado, o que é demonstrativo da relevância deste domínio. As modificações na trajetória de saúde/doença dos indivíduos originam um processo de transição que pode despoletar modificações na interação de papéis. Neste sentido, os fenómenos inerentes ao Autocuidado da pessoa doente devem ser analisados conjuntamente com os que dizem respeito a quem exerce o papel de cuidador (Meleis et al., 2000), pelo que este é um aspeto que deve ser desenvolvido, no sentido de demonstrar qual o seu peso nos ganhos em independência da pessoa doente, nas atividades que o cuidador deve desempenhar e o que isso representa em termos de carga para quem exerce o Papel de Prestador de Cuidados.

Face aos focos de atenção apresentados, foram documentados enunciados dos diagnósticos centrados em duas dimensões: conhecimento e aprendizagem de habilidades do prestador de cuidados, tendo-se verificado que nos dois momentos (alta hospitalar e cuidados de saúde primários) incidiram maioritariamente no âmbito da aquisição de conhecimentos e depois na aprendizagem de habilidades, traduzindo uma visão centrada no domínio instrumental dos cuidados, em que o prestador de cuidados é encarado essencialmente como um meio para se atingirem os objetivos fixados para o doente e raramente como um cliente que também se encontra em processo de transição. A documentação do processo de cuidados deve poder traduzir os diferentes aspetos que caracterizam as respostas humanas e os processos de transição, numa lógica das dinâmicas familiares. Para Meleis (idem), a atenção da enfermagem deve considerar os padrões das transições significativas que afetam a vida de um indivíduo ou família e não apenas um tipo de transição. Verifica-se, pela documentação, que a atenção dos enfermeiros nesta área em estudo se centrou maioritariamente na transição saúde/doença, não tornando evidentes as necessidades em cuidados que resultam de outros tipos de transição como a situacional (Meleis, idem), na qual a reformulação da interação de papéis é um aspeto importante a considerar.

A partir deste estudo tornou-se possível verificar que a plataforma de partilha de informação possibilita a existência de fluxos informacionais capazes de sustentar a partilha entre Hospital e Centro de Saúde de dados relativos à pessoa dependente e de quem exerce o Papel de Prestador de Cuidados. Contudo, percebe-se que esses fluxos podem ser melhorados, uma vez que numa percentagem significativa dos casos (50,5%) não se verifica continuidade informacional, o que influencia significativamente a referenciação de casos e na tomada de decisões. Partindo do princípio que a continuidade de cuidados prossegue a partir de algo iniciado, tal implica a existência de um plano que transcende o desempenho individual do enfermeiro e nos transporta para a valorização do trabalho em equipa, fundamentado num plano de cuidados, para o qual a informação partilhada e o seu fluxo é fundamental, no sentido de garantir a sequência e a sintonia dos cuidados.

Se o valor da informação advém da sua interpretação e não apenas na mera existência de dados (Sousa, 2006), este pode também ser aferido pelo contributo que pode dar aos diversos níveis (institucional, intermédio e operacional) para a tomada de decisão e gestão (Moresi, 2000), pelo que ao nível da implementação de estratégias assistenciais à pessoa dependente e a quem exerce o Papel de Prestador de Cuidados, é necessário considerar outro tipo de dados e melhorar a continuidade dos fluxos informacionais.

O conteúdo da informação partilhada na transição de cuidados é concordante com o que se conhecia no que diz respeito à documentação do exercício do Papel de Prestador de Cuidados e vem reforçar a afirmação de Pereira (2009) de que esta área se encontra ainda no âmbito do exposto, salientando-se que à semelhança do encontrado por este autor, também neste estudo a documentação ao nível dos centros de saúde é mais reduzida em comparação com o que é produzido ao nível hospitalar. Contudo, os resultados permitem uma reflexão sobre o contributo dos sistemas de informação para a melhoria da qualidade dos cuidados de enfermagem.

Conclusão A importância de uma prática reflexiva é unanimemente reconhecida como um contributo essencial à introdução de melhorias substantivas nas dinâmicas da prática de prestação de cuidados, fomentando simultaneamente o aperfeiçoamento do juízo profissional. É neste sentido que a informação relativa aos cuidados de enfermagem, resultante da documentação da prestação direta de cuidados, pode ser analisada numa lógica de aprendizagem em que a reflexão procura compreender os problemas e as suas causas, para que se introduzam mudanças que fomentem um exercício mais congruente com as teorias expostas.

A análise da informação documentada nos contextos da dinâmica de cuidados permite retirar contributos para a melhoria da continuidade e integração dos cuidados de enfermagem entre diferentes contextos. Da análise efetuada, percebe-se que o Papel de Prestador de Cuidados é exercido num número significativo de casos. Contudo, o fluxo informacional da documentação partilhada sobre estes casos é, em muitas situações, reduzida ou inexistente.

A melhoria do fluxo informacional, que possa sustentar a sequência e sintonia dos cuidados, passa pela adoção de uma visão assente nas dinâmicas familiares e de avaliação dos processos de transição, que enquadrem as necessidades e atividades da pessoa dependente e de quem exerce o Papel de Prestador de Cuidados. Paralelamente, emerge a necessidade de enquadrar o prestador de cuidados como um parceiro e cliente dos cuidados, o que apela à existência de informação que possa traduzir esse processo, o que vai para além da documentação observada.

A existência de informação que transmita a ideia de que o exercício do Papel de Prestador de Cuidados é mais do que um meio para atingir resultados relativos à pessoa dependente, irá contribuir para uma melhor caracterização das necessidades em cuidados e dos papéis que a enfermagem poderá desempenhar na obtenção em ganhos em saúde, a partir de uma melhor integração entre os diferentes níveis de cuidados.


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