Partilha de informação de enfermagem: dimensões do Papel de Prestador de
Cuidados
Introdução
A fragmentação de cuidados de saúde é um motivo de preocupação atual devido ao
uso crescente pelos cidadãos de diferentes recursos de saúde, originando a
vivência de transições entre os diferentes níveis de cuidados. A Organisation
For Economic Co-operation And Development (OECD, 2010) refere que o setor da
saúde enfrenta problemas significativos, devido à fragmentação do processo de
prestação de cuidados de saúde e a falhas na transferência de informação entre
as organizações intervenientes nesse processo. Em Portugal, o Observatório
Português dos Sistemas de Saúde (OPSS, 2010) aponta a integração dos cuidados
de saúde, como um dos desafios mais decisivos para garantir a própria
sustentabilidade do sistema de saúde e os sistemas de informação, como
ferramentas centrais para o desenvolvimento de mecanismos de integração de
cuidados, através da produção, modelação e garantia da coerência dos dados. É
hoje consensual que a prestação de cuidados seguros, fidedignos e confiáveis só
é possível a partir do suporte de um modelo de informação que permita aos
profissionais o acesso, de forma controlada, a informação de saúde relevante de
qualquer utente, independentemente do local e origem da prestação (Portugal,
ACSS - Administração Central do Sistema de Saúde, 2009).
Enquadramento
Portugal encontra-se entre os países da União Europeia com maior utilização de
sistemas de registos eletrónicos (ACSS, idem), nomeadamente no suporte ao
processo de conceção e registo dos cuidados de enfermagem, que utilizam
linguagem classificada (CIPE®). Os percursos desenvolvidos (Silva, 2001; Sousa,
2006; Pereira, 2009), assentes em processos de reflexão sobre a problemática da
informação inerente aos cuidados de enfermagem, ao envolverem diretamente os
utilizadores dos sistemas de informação, possibilitaram a apropriação dos
requisitos e conceitos essenciais à utilização de sistemas de informação
eletrónicos e a existência de um conjunto de dados, que torna possível
inferências sobre as práticas de cuidados e assim encetar programas de melhoria
contínua.
A necessidade de maior acessibilidade à informação e integração dos sistemas,
que pudesse fomentar a continuidade de cuidados entre os diferentes contextos
(hospital e centros de saúde), esteve na origem da construção de uma plataforma
de partilha de informação de enfermagem (Sousa, 2006), que possibilita o acesso
a informação constantemente atualizada e suscetível de auxiliar os enfermeiros
na interpretação e análise das situações que requerem cuidados de enfermagem em
cada contexto de cuidados de saúde.
A natureza dos cuidados de enfermagem, a sua riqueza informativa e as opções de
documentação dos enfermeiros nos contextos da prática justificam uma análise e
reflexão sobre a essência e valor da informação centrada no Papel de Prestador
de Cuidados (interagir de acordo com as responsabilidades de cuidar de alguém,
expressão de comportamentos de papel adequados ou inadequados de um prestador
de cuidados, ( ) em relação aos cuidados aos membros dependentes da família '
ICN, 2002), tendo como finalidade a melhoria da continuidade e qualidade de
cuidados e dos fluxos informacionais, que contribuam para uma melhor integração
e transição de cuidados entre diferentes contextos de cuidados de saúde.
O conceito de informação vem sendo objeto de estudo de diferentes disciplinas
do conhecimento, com ênfase para a sua importância na comunicação, emergindo em
simultâneo como um fenómeno social. Para Moresi (2000), na nova realidade
mundial e sociedade globalizada, a informação não é apenas um recurso, mas o
recurso pelo que a gestão de uma organização requer a perceção objetiva e
precisa do seu valor. Contudo, trata-se ainda de um conceito que necessita de
refinamento, uma vez que vão coexistindo diferentes interpretações, dependentes
da área do saber onde é utilizado.
Tratando-se de um conceito por vezes entendido de forma ambígua pelos
profissionais de saúde, Erdley (2005) tem vindo a desenvolver esforços no
sentido de encontrar uma definição orientadora sobre o conceito de informação
de enfermagem. Os resultados demonstram que apesar de se tratar de um conceito
complexo e multidimensional, que necessita de ser refinado, é essencial para a
prestação de cuidados (a informação disponível influencia as ações de
enfermagem) e é dependente do contexto em que estes ocorrem, o que influencia o
conteúdo e interpretação, que é de caráter individual.
Vale ainda a pena considerar a noção anteriormente introduzida por Losee
(1997), que considera a informação como o resultado de um processo de
transformação de inputs em outputs e que informa sempre sobre alguma coisa.
Neste sentido, a qualidade da informação é dependente dos dados que lhe dão
origem (Pereira, 2009), pelo que a qualidade dos fluxos informacionais depende
também da qualidade dos dados de origem, com implicações no valor atribuído à
informação que é partilhada entre contextos de cuidados. No âmbito da partilha
de informação de enfermagem, o valor da informação reside não só nos dados
disponíveis, mas principalmente na sua interpretação (Sousa, 2006). Assim, é a
partir do timing de acesso, da disponibilização e da interpretação da
informação, que se pode perceber o seu valor para aspetos como a tomada de
decisão, a gestão de cuidados e a sua continuidade.
Sendo a continuidade de cuidados um dos propósitos dos sistemas de informação,
verifica-se, contudo, que o conceito de continuidade é entendido de forma
diversa pelos diferentes prestadores de cuidados de saúde. Com o intuito de
procurar um entendimento comum, a Canadian Health Services Research Foundation
(2002) refere a necessidade de se considerarem diferentes tipos de
continuidade: a continuidade informacional, a continuidade relacional e a
continuidade na administração dos cuidados, que se constituem como elementos
essenciais para a qualidade dos cuidados.
Para efeitos da discussão que se pretende com este artigo, interessa abordar a
continuidade informacional, que segundo Canadian Health Services Research
Foundation (idem) consiste na utilização de informação acerca de eventos e
circunstâncias anteriores, de forma a garantir cuidados apropriados à condição
individual dos clientes, constituindo o elo que promove a ligação da prestação
de cuidados entre os diferentes profissionais e a relação entre eventos de
saúde anteriores com os atuais, de forma a possibilitar a adaptação dos
cuidados às atuais necessidades dos clientes. Ainda segundo esta fonte, a
avaliação da continuidade informacional pode ser dividida em dois tipos. A
avaliação relativa à transferência de informação entre quem presta cuidados e a
que se refere à aquisição e utilização dessa informação para os cuidados
subsequentes.
No contexto da partilha de informação de enfermagem, interessa pois perceber
como podem a continuidade informacional e o conteúdo da informação contribuir
para a continuidade e transição de cuidados entre hospital e centros de saúde.
Considerando que a informação deve ser encarada como um recurso a ser gerido no
âmbito da promoção e introdução de programas de melhoria contínua dos cuidados
de saúde, nomeadamente os que se encontram na esfera da tomada de decisão em
enfermagem, a análise da informação referente aos modelos em uso, contrapondo-
a com os expostos (Silva, 2001), poderá contribuir para a obtenção de
orientações para a construção de caminhos de desenvolvimento.
Neste sentido, foi efetuada uma análise ao conteúdo da informação partilhada
entre diferentes contextos da prestação de cuidados, tomando como alvo de
estudo o foco de atenção do Papel de Prestador de Cuidados, aspeto dos cuidados
que se situa ainda no território do modelo exposto (Pereira, 2009), procurando
identificar aspetos a melhorar na qualidade informacional que favoreçam o seu
fluxo e a transição de cuidados.
Metodologia
Se até determinado momento a partilha de informação de enfermagem se revelou
como uma área problemática, a implementação de um sistema de informação que
facilita os fluxos de informação entre diferentes contextos de cuidados de
saúde constitui uma oportunidade para a melhoria da qualidade, quer desses
mesmos fluxos, quer dos conteúdos informacionais partilhados. A arquitetura de
partilha de informação em uso em algumas organizações (Sousa, 2006) permite a
obtenção automática de dados de enfermagem e a troca de informação em tempo
real, a partir da seleção efetuada, tendo como base um critério temporal ou o
conteúdo da informação pretendida (avaliação inicial, diagnósticos,
intervenções, ) em relação a determinado cliente inscrito nos sistemas
operacionais (SONHO, no hospital e SINUS no centro de saúde), privilegiando-se
os enunciados com termos definidos na Classificação Internacional para a
Prática de Enfermagem (CIPE®).
Dadas as potencialidades que a estrutura de partilha de informação oferece e o
propósito de estudo de um foco de enfermagem que necessita de maior
clarificação nos contextos da prática clínica, o estudo foi orientado pelas
seguintes questões: que informação relativa ao desempenho do Papel de Prestador
de Cuidados, referente aos enunciados dos diagnósticos de enfermagem e suas
dimensões, é documentada e partilhada na transição de cuidados do hospital para
os cuidados de saúde comunitários? E que qualidade têm os fluxos informacionais
entre esses contextos?
Adotou-se uma abordagem qualitativa, alicerçada num paradigma interpretativo,
tendo-se procedido à análise documental e de conteúdo (Fortin, 1999) dos
enunciados dos diagnósticos de enfermagem relativos ao foco de atenção Papel de
Prestador de Cuidados. Trata-se de um estudo descritivo simples, em que se
procurou a descrição de um fenómeno de forma a estabelecer as características
de uma amostra relativa a esse fenómeno (Fortin, idem) e em que o investigador
se colocou como um "bricoleur" interpretativo, procurando construir
uma montagem reflexiva e descritiva de momentos significativos (Denzin e
Lincoln, 2006) e a criação de algo de novo, que permita uma visão diferente.
Para a realização deste artigo, foi utilizada uma parte dos dados extraídos de
uma estrutura de partilha de informação de enfermagem e que fazem parte de um
estudo mais alargado (Azevedo, 2010), realizado numa Unidade Local de Saúde,
garantindo-se o respeito pelos princípios éticos inerentes à realização de
trabalhos de investigação, nomeadamente no que se refere à salvaguarda do
anonimato e confidencialidade quanto à informação acedida. Foram apenas
considerados os dados respeitantes à análise da informação documentada pelos
enfermeiros, no momento da alta hospitalar e no momento do primeiro contacto
com os cuidados de saúde primários, referentes aos enunciados dos diagnósticos
de enfermagem e suas dimensões, relativos ao foco de atenção do Papel de
Prestador de Cuidados.
Os dados, respeitantes a um espaço temporal de 5 meses, são relativos a casos
em que foi identificado o foco de atenção Papel de Prestador de Cuidados dos
doentes que tiveram alta clínica dos serviços cirúrgicos e de medicina de um
hospital e que estão inscritos nos Centros de Saúde (CS) e Unidades de Saúde
Familiar (USF) da Unidade Local de Saúde onde se realizou o estudo, foram
extraídos a partir do sistema de informação em uso na estrutura de partilha de
informação e agrupados numa base de dados construída para o efeito. Foram
apenas considerados os casos em que o primeiro contacto com os cuidados de
saúde primários tivesse ocorrido até 15 dias após o momento da alta hospitalar.
Assim, dos 249 casos inicialmente identificados, aplicando-se os critérios de
inclusão/exclusão, foi considerada uma amostra final com dados referentes a 97
casos para análise.
Foi utilizada a análise documental e análise de conteúdo (Bardin, 2006), sendo
a informação tratada de forma sequencial, dando origem a uma organização final
dos dados que possibilitou a comparação da informação relativa ao Papel de
Prestador de Cuidados, considerando o contexto em que foi produzida (hospital
ou centro de saúde) e momento (alta e primeiro contacto com os cuidados de
saúde primários). Foi assim possível a comparação entre os enunciados dos
diagnósticos de enfermagem em cada um desses momentos e estabelecer a sua
relação com as áreas de cuidados que foram privilegiadas pelos enfermeiros, na
transição entre contextos de cuidados.
Em seguida, foi efetuada a análise do conteúdo, considerando quer a sua
vertente qualitativa, quer quantitativa, o que possibilitou a realização de um
trabalho interpretativo e de atribuição de significado, tanto a partir da
distribuição das frequências do conteúdo, como pela sua presença ou ausência. O
modelo de análise teve por base a CIPE®, versão beta 2, que é a versão que
continua a integrar os sistemas de informação em enfermagem informatizados em
uso. Os dados foram agrupados partindo da documentação relativa ao desempenho
do Papel de Prestador de Cuidados, chegando-se assim às áreas de atenção
privilegiadas pelos enfermeiros, quer no momento da alta, quer do primeiro
contacto no contexto dos CS e USF. Procedeu-se em seguida à análise de conteúdo
dessa informação, procurando verificar se existia continuidade no seu fluxo e
se poderia inferir-se a existência de continuidade informacional.
Resultados
Os dados obtidos dizem respeito essencialmente a doentes internados em serviços
de medicina (62%) e cirurgia (33%), sendo os restantes 5% provenientes de
doentes internados em serviços de especialidade como urologia, ginecologia e
neurocirurgia. Os doentes aos quais se associou no processo de conceção de
cuidados o foco Papel de Prestador de Cuidados constituíam um grupo de pessoas
idosas, com uma média de idades de 72,5 anos, com mediana de 75 anos e moda de
79 anos.
A análise efetuada permitiu conhecer quais os focos de atenção associados à
condição de dependência do doente do exercício do Papel de Prestador de
Cuidados, que motivaram enunciados dos diagnósticos centrados no prestador de
cuidados, quer no momento da alta, quer no contacto com os CS e USF. Verificou-
se que essa dependência se centrou no momento da alta, face a um total de 200
enunciados diagnósticos identificados, no domínio do Auto cuidado, que
concentrou a maioria dos diagnósticos (68%), repartindo-se os restantes pelo
domínio da Função (27,5%), representando o subdomínio dos tegumentos mais de
metade das condições dos doentes que requeriam um cuidador. O domínio das
razões para a ação foi aquela que menor relevo teve (4,5%) na documentação
partilhada (quadro 1).
QUADRO 1 ' Domínios dos focos de atenção de enfermagem partilhados no momento
da alta hospitalar.
A análise comparativa entre os dados documentados no momento da alta hospitalar
e o primeiro contacto no CS permitiu verificar que no momento do contacto com
os CS e USF foram identificados um menor número de focos de atenção, com
enunciados diagnósticos identificados (n = 60), representando o domínio do Auto
cuidado uma menor percentagem dos focos associados às condições do doente que
exigiam um cuidador (51,7%). No domínio da Função verificou-se um aumento na
referenciação de focos de atenção (45%) com enunciados diagnósticos
identificados, verificando-se uma diminuição (3,3%) do domínio das Razões para
a ação (quadro 2).
QUADRO 2 ' Domínios dos focos de atenção de enfermagem partilhados no momento
do contacto após a alta hospitalar.
Os focos de atenção que constam nos quadros anteriores, que se associaram à
condição do doente que motivou a necessidade de que alguém assumisse o Papel de
Prestador de Cuidados, remetem para uma abordagem centrada nas competências
cognitivas e instrumentais para o desempenho do papel, nomeadamente nas
dimensões: conhecimento e aprendizagem de habilidades do prestador de cuidados.
No momento da alta hospitalar, fruto das estratégias desenvolvidas pelos
enfermeiros, centradas no Papel de Prestador de Cuidados, tendo por base a
preparação para o regresso a casa, os enunciados diagnósticos centraram-se
maioritariamente (75,4%) na dimensão "conhecimento". A dimensão da
aprendizagem de habilidades traduziu 24,6% dos enunciados dos diagnósticos de
enfermagem, incidindo essencialmente em como assistir a pessoa dependente no
Auto cuidado (tabela 1).
TABELA 1 ' Dimensões/Áreas temáticas dos enunciados dos diagnósticos de
enfermagem associados aos focos de atenção de enfermagem: momento da alta
hospitalar
No momento do contacto com os cuidados de saúde primários, verificou-se que o
âmbito do desenvolvimento das competências cognitivas continuava a traduzir a
maioria dos enunciados dos diagnósticos de enfermagem (82,7%), continuando a
dimensão da aprendizagem de habilidades a representar uma parcela pequena
(17,3%) dos diagnósticos, com ênfase na prevenção de complicações (tabela 2).
TABELA 2 ' Dimensões/Áreas temáticas dos enunciados dos diagnósticos de
enfermagem associados aos focos de atenção de enfermagem: momento do primeiro
contacto após a alta hospitalar
De realçar ainda que em 34% dos casos foi documentado, no momento da alta, que
o prestador de cuidados não demonstrava ter adquirido conhecimentos e/ou
habilidades para lidar com a condição de saúde do doente. Este facto só por si
justificaria a necessidade de avaliação no primeiro contacto, suscetível de
identificar (ou não) a necessidade de intervenções de enfermagem que
promovessem a continuidade de cuidados. A análise da informação referente a
estes casos, permitiu verificar que em mais de metade (57,6%) destas situações
não se verificou continuidade do fluxo de informação.
Foi também possível verificar qual o tempo decorrido entre o momento da alta
hospitalar e o primeiro contacto de enfermagem no contexto dos cuidados de
saúde primários. Para a totalidade dos casos, esse tempo foi em média de 4 dias
com desvio padrão de 2,9 dias. Verificou-se ainda que o tempo decorrido até ao
primeiro contacto com os prestadores de cuidados, que não tinham no momento da
alta, demonstrado aquisição de conhecimentos e/ou habilidades (34%), foi em
média de 4,8 dias, desvio padrão de 3,2 dias, enquanto para os restantes casos
(66%) foi em média de 3 dias, com um desvio padrão de 2,5 dias, sendo superior
o tempo decorrido até ao primeiro contacto, nos casos em que os prestadores de
cuidados apresentavam maiores dificuldades em lidar com a condição de saúde da
pessoa dependente.
A análise comparativa entre a informação documentada no momento da alta
hospitalar e a documentada no momento do primeiro contacto com os cuidados de
saúde primários permitiu constatar que em 50,5% dos casos não se pôde inferir
continuidade informacional, uma das dimensões da continuidade de cuidados.
Nestes casos, não se pode concluir que a informação documentada no momento da
alta tenha sido considerada para a prestação dos cuidados subsequentes.
Discussão
Com a realização deste estudo não se pode estabelecer uma relação linear entre
a não-documentação de determinados aspetos dos cuidados e a ausência da sua
prestação, uma vez que as inferências foram realizadas a partir da informação
documentada e não a partir da observação dos cuidados prestados. Contudo, os
resultados encontrados apresentam relevância para a prática clínica, no sentido
em que permitem constatar a necessidade de evolução na documentação dos aspetos
relacionados com o exercício do Papel de Prestador de Cuidados.
A análise da documentação existente no momento da alta e no momento do primeiro
contacto com os cuidados de saúde primários possibilitou a comparação entre os
enunciados dos diagnósticos de enfermagem associados ao foco de atenção em
estudo e a descrição das necessidades em cuidados das pessoas que assumiram o
desempenho do Papel de Prestador de Cuidados. Foi possível constatar que apenas
em metade da amostra se pôde concluir pela continuidade informacional, o que
remete para aspetos do processo de conceção de cuidados em uso e da importância
atribuída a quem exerce o papel de prestador de cuidados como um cliente e
parceiro do processo de cuidados, o que está de acordo com Pereira (2009), que
refere que este é ainda um aspeto dos cuidados na esfera do exposto e com
Araújo et al. (2008), que verificou a existência de uma maior preferência dos
enfermeiros pelos aspetos instrumentais dos cuidados centrados na pessoa
dependente, descurando o cuidador principal e a família. Configura-se portanto
neste domínio um amplo espaço de melhoria do exercício e da produção de
informação que lhe está associado. Apesar destas contingências, é possível
extrair do estudo dois aspetos que sustentam a necessidade de um maior
investimento na melhoria na articulação da continuidade de cuidados entre as
organizações de saúde.
O primeiro reside no número de pessoas inicialmente identificadas como
dependentes do exercício do Papel de Prestador de Cuidados (249), que permite
verificar que este é um contexto significativo e que necessita urgentemente de
maior atenção e de implementação de estratégias de apoio aos prestadores de
cuidados.
O segundo aspeto relevante diz respeito às capacidades adquiridas pelo
prestador de cuidados. Efetivamente, nem todas as pessoas conseguem adquirir a
mestria necessária para executarem cuidados complexos, o que reforça a ideia da
existência de uma rede de apoio onde a assistência domiciliária e a supervisão
são essenciais. Da análise efetuada, constata-se que um número significativo
dos prestadores de cuidados (34%), no momento da alta, não demonstrava ter
adquirido conhecimentos e/ou habilidades para lidar com a condição de saúde da
pessoa dependente. Nestes casos, foi também possível verificar que o tempo
médio de demora no acesso ao primeiro contacto com os cuidados de saúde
primários foi superior aos restantes casos. Se considerarmos ainda que no
momento da alta os enunciados dos diagnósticos de enfermagem se centravam
maioritariamente no desenvolvimento de competências cognitivas e menos no
desenvolvimento de aprendizagem de habilidades, estes resultados apontam para a
necessidade de reformulação das estratégias de preparação do regresso a casa,
especialmente quando inseridas no âmbito da diminuição dos tempos de
internamento, onde a alta acontece após os cuidados médicos deixarem de ser
necessários em contexto hospitalar.
É evidente, através da análise aos enunciados dos diagnósticos de enfermagem, a
preocupação em dotar de saberes os prestadores de cuidados, para que em seguida
os possam colocar em prática (saber para depois fazer). Todavia, a avaliação da
colocação em prática dos saberes, através do acompanhamento do desenvolvimento
da aprendizagem de habilidades dos prestadores de cuidados encontra-se, muitas
vezes, dificultada a nível hospitalar, entre outros aspetos, devido à tendência
para a diminuição dos tempos de internamento. Daí que muitas das estratégias de
instrução e treino do prestador de cuidados tenham que ser continuadas e
adaptadas ao contexto domiciliário dos clientes, o que vem reforçar a
necessidade da existência de fluxos de informação que suportem a continuidade
de cuidados e a referenciação de casos.
A identificação do nível de preparação para o exercício do Papel de Prestador
de Cuidados é um fator que influencia as estratégias de cuidados (Schumaker et
al., 2008), que devem ir para além de breves períodos de instrução (Schumaker
et al., 2000). Por outro lado, as necessidades dos cuidadores durante a
transição dos cuidados hospitalares para os cuidados domiciliários sofrem
modificações, nomeadamente nas famílias em que a pessoa doente apresenta um
elevado nível de dependência funcional, ou em que existe menor experiência no
exercício do papel (Shyu, 2000), pelo que é fundamental que se consiga traduzir
o seu grau de envolvimento no processo, de forma a orientar a implementação de
estratégias que incidam mais no treino ou na supervisão, em função da mestria
que o cuidador consegue alcançar ao longo da trajetória de cuidados.
Neste estudo, as condições para a necessidade do exercício do Papel de
Prestador de Cuidados, centraram-se essencialmente na dependência da pessoa
para a realização das atividades inerentes ao Autocuidado, o que é
demonstrativo da relevância deste domínio. As modificações na trajetória de
saúde/doença dos indivíduos originam um processo de transição que pode
despoletar modificações na interação de papéis. Neste sentido, os fenómenos
inerentes ao Autocuidado da pessoa doente devem ser analisados conjuntamente
com os que dizem respeito a quem exerce o papel de cuidador (Meleis et al.,
2000), pelo que este é um aspeto que deve ser desenvolvido, no sentido de
demonstrar qual o seu peso nos ganhos em independência da pessoa doente, nas
atividades que o cuidador deve desempenhar e o que isso representa em termos de
carga para quem exerce o Papel de Prestador de Cuidados.
Face aos focos de atenção apresentados, foram documentados enunciados dos
diagnósticos centrados em duas dimensões: conhecimento e aprendizagem de
habilidades do prestador de cuidados, tendo-se verificado que nos dois momentos
(alta hospitalar e cuidados de saúde primários) incidiram maioritariamente no
âmbito da aquisição de conhecimentos e depois na aprendizagem de habilidades,
traduzindo uma visão centrada no domínio instrumental dos cuidados, em que o
prestador de cuidados é encarado essencialmente como um meio para se atingirem
os objetivos fixados para o doente e raramente como um cliente que também se
encontra em processo de transição. A documentação do processo de cuidados deve
poder traduzir os diferentes aspetos que caracterizam as respostas humanas e os
processos de transição, numa lógica das dinâmicas familiares. Para Meleis
(idem), a atenção da enfermagem deve considerar os padrões das transições
significativas que afetam a vida de um indivíduo ou família e não apenas um
tipo de transição. Verifica-se, pela documentação, que a atenção dos
enfermeiros nesta área em estudo se centrou maioritariamente na transição
saúde/doença, não tornando evidentes as necessidades em cuidados que resultam
de outros tipos de transição como a situacional (Meleis, idem), na qual a
reformulação da interação de papéis é um aspeto importante a considerar.
A partir deste estudo tornou-se possível verificar que a plataforma de partilha
de informação possibilita a existência de fluxos informacionais capazes de
sustentar a partilha entre Hospital e Centro de Saúde de dados relativos à
pessoa dependente e de quem exerce o Papel de Prestador de Cuidados. Contudo,
percebe-se que esses fluxos podem ser melhorados, uma vez que numa percentagem
significativa dos casos (50,5%) não se verifica continuidade informacional, o
que influencia significativamente a referenciação de casos e na tomada de
decisões. Partindo do princípio que a continuidade de cuidados prossegue a
partir de algo já iniciado, tal implica a existência de um plano que transcende
o desempenho individual do enfermeiro e nos transporta para a valorização do
trabalho em equipa, fundamentado num plano de cuidados, para o qual a
informação partilhada e o seu fluxo é fundamental, no sentido de garantir a
sequência e a sintonia dos cuidados.
Se o valor da informação advém da sua interpretação e não apenas na mera
existência de dados (Sousa, 2006), este pode também ser aferido pelo contributo
que pode dar aos diversos níveis (institucional, intermédio e operacional) para
a tomada de decisão e gestão (Moresi, 2000), pelo que ao nível da implementação
de estratégias assistenciais à pessoa dependente e a quem exerce o Papel de
Prestador de Cuidados, é necessário considerar outro tipo de dados e melhorar a
continuidade dos fluxos informacionais.
O conteúdo da informação partilhada na transição de cuidados é concordante com
o que já se conhecia no que diz respeito à documentação do exercício do Papel
de Prestador de Cuidados e vem reforçar a afirmação de Pereira (2009) de que
esta área se encontra ainda no âmbito do exposto, salientando-se que à
semelhança do encontrado por este autor, também neste estudo a documentação ao
nível dos centros de saúde é mais reduzida em comparação com o que é produzido
ao nível hospitalar. Contudo, os resultados permitem uma reflexão sobre o
contributo dos sistemas de informação para a melhoria da qualidade dos cuidados
de enfermagem.
Conclusão
A importância de uma prática reflexiva é unanimemente reconhecida como um
contributo essencial à introdução de melhorias substantivas nas dinâmicas da
prática de prestação de cuidados, fomentando simultaneamente o aperfeiçoamento
do juízo profissional. É neste sentido que a informação relativa aos cuidados
de enfermagem, resultante da documentação da prestação direta de cuidados, pode
ser analisada numa lógica de aprendizagem em que a reflexão procura compreender
os problemas e as suas causas, para que se introduzam mudanças que fomentem um
exercício mais congruente com as teorias expostas.
A análise da informação documentada nos contextos da dinâmica de cuidados
permite retirar contributos para a melhoria da continuidade e integração dos
cuidados de enfermagem entre diferentes contextos. Da análise efetuada,
percebe-se que o Papel de Prestador de Cuidados é exercido num número
significativo de casos. Contudo, o fluxo informacional da documentação
partilhada sobre estes casos é, em muitas situações, reduzida ou inexistente.
A melhoria do fluxo informacional, que possa sustentar a sequência e sintonia
dos cuidados, passa pela adoção de uma visão assente nas dinâmicas familiares e
de avaliação dos processos de transição, que enquadrem as necessidades e
atividades da pessoa dependente e de quem exerce o Papel de Prestador de
Cuidados. Paralelamente, emerge a necessidade de enquadrar o prestador de
cuidados como um parceiro e cliente dos cuidados, o que apela à existência de
informação que possa traduzir esse processo, o que vai para além da
documentação observada.
A existência de informação que transmita a ideia de que o exercício do Papel de
Prestador de Cuidados é mais do que um meio para atingir resultados relativos à
pessoa dependente, irá contribuir para uma melhor caracterização das
necessidades em cuidados e dos papéis que a enfermagem poderá desempenhar na
obtenção em ganhos em saúde, a partir de uma melhor integração entre os
diferentes níveis de cuidados.