Home   |   Structure   |   Research   |   Resources   |   Members   |   Training   |   Activities   |   Contact

EN | PT

EuPTCVHe0874-02832012000300015

EuPTCVHe0874-02832012000300015

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0874-0283
Year2012
Issue0003
Article number00015

Javascript seems to be turned off, or there was a communication error. Turn on Javascript for more display options.

A visão da família sobre a experiência de ter uma criança gastrostomizada

Introdução Os avanços médicos e tecnológicos aumentaram a expetativa de vida de crianças com necessidades de saúde complexas e, consequentemente, as demandas para a manutenção de uma adequada ingesta nutricional nesta população também cresceram (Rouse et al., 2002). Crianças que apresentam problemas para se alimentar por condições sérias e crónicas, tais como paralisia cerebral ou outras desordens neuromusculares e problemas cardíacos, podem necessitar de uma gastrostomia para terem assegurado o recebimento de uma nutrição adequada, visando ao crescimento e desenvolvimento ideais (Craig e Scambler, 2006).

A gastrostomia é um orifício criado na parede do estômago, dentro do qual um cateter é colocado para que as fórmulas alimentares sejam infundidas diretamente no estômago (Sleigh, 2005). O número de crianças que recebem alimentação por via enteral vem aumentando significativamente desde a década de 1990 (Rouse et al, 2002).

Considerando que doença é um assunto de família (Wright e Bell, 2009) e que a família é parte essencial para o cuidado de enfermagem (Angelo, 1999), infere- se que a família está intrinsecamente ligada a qualquer situação de doença que acometa algum de seus membros. Sendo assim, não como prestar uma adequada assistência de enfermagem sem incluí-la em todas as fases do processo.

Famílias que vivenciam a situação de doença crónica da criança passam por um processo de adaptação que não é estagnado, podendo passar de um período de controlo da situação para um de falta de controlo e, novamente, retornar para a fase em que consegue dominar a situação. Este processo está relacionado com diversas situações de controlo período inicial da doença, cuidado da criança, fornecimento de suporte para que a criança conviva com a doença, circunstância familiar e atual condição da doença (Damião e Angelo, 2001).

No que se refere à realização de gastrostomia, o contexto da doença e a história da trajetória da família dentro dele fazem com que o dilema de realizar ou não uma gastrostomia na criança tenha diferentes e complicados significados. Dependendo do significado que o procedimento representa para a família, a ideia desta tecnologia pode ser vista como favorável ou desfavorável. Cuidar de uma criança dependente de tecnologia em casa gera impacto em todo o sistema familiar, uma vez que a família enfrenta uma série de dificuldades causadas por esta nova condição da criança (Fracolli e Angelo, 2006).

Sabendo que toda a família é afetada por uma situação de doença na criança, torna-se necessário que a enfermagem conheça a experiência das famílias em diferentes contextos, a fim de oferecer uma atenção de ótima qualidade por meio de ações colaborativas em todo o processo, de acordo com a visão das necessidades levantadas na perspectiva das famílias.

Metodologia O objetivo deste estudo foi identificar as evidências científicas acerca da experiência da família que possui uma criança gastrostomizada. Trata-se de uma revisão integrativa da literatura que teve como ponto de partida a seguinte questão: Como é para a família ter uma criança gastrostomizada? Após a formulação da pergunta estabeleceram-se as bases de dados em que a seleção dos artigos seria realizada e os critérios de inclusão dos mesmos. A busca dos artigos foi realizada em diferentes bases de dados: Medical Literature Analysis and Retrieved System on-line (MEDLINE), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Cummulative Index for Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), Biblioteca Cochrane e Pubmed.

Os critérios de inclusão para a seleção dos artigos foram: artigos publicados em língua portuguesa, inglesa e espanhola, entre os anos de 2005 e 2011, com os resumos disponibilizados nas bases de dados selecionadas; que abordassem aspectos relacionados a fatores psicológicos, sociais, qualidade de vida e experiência das famílias que tivessem uma criança portadora de gastrostomia.

A estratégia de captação e a seleção dos artigos foram norteadas pela pergunta do estudo e pelos critérios de inclusão. Foram empregadas na busca as seguintes palavras-chave: gastrostomia, criança, família, pais, percepção.

Foi encontrado um total de 162 artigos, sendo selecionados 31 estudos para leitura dos textos na íntegra. A maioria dos artigos foi excluída, que a temática centrava-se apenas nos aspetos técnicos da gastrostomia, tais como: causa, técnica cirúrgica, descrição e manejo de complicações mecânicas e clínicas, programas educativos para o cuidado com o estoma, dentre outros. Após a leitura integral dos 31 estudos pré-selecionados, a amostra final desta revisão foi constituída por 10 artigos que se relacionavam diretamente com os critérios de inclusão.

Cada artigo foi analisado individualmente e, para a construção da resposta à pergunta desta revisão, componentes semelhantes nos estudos analisados foram identificados, agrupados por similaridade e, em seguida, nomeados, dando origem a quatro temáticas distintas.

Resultados e discussão Os 10 artigos incluídos neste estudo distribuíram-se da seguinte maneira em relação aos países de origem: seis do Reino Unido, dois dos Estados Unidos da América, um da Austrália e um da Espanha. Quanto à tipologia: quatro eram qualitativos, três quantitativos e três de revisão da literatura.

Um importante aspecto revelado durante a análise dos estudos foi o fato de setenta por cento (70%) ter tido como participantes famílias de crianças que, além da gastrostomia, também eram portadoras de déficits neuromusculares, sobretudo decorrentes de paralisia cerebral, tendo a mãe como fornecedora principal dos dados nas pesquisas, por se tratar do principal cuidador. De acordo com a análise dos textos, os conteúdos das experiências similares encontradas foram agregados e, desta maneira, os resultados foram agrupados em quatro temáticas - o significado da alimentação para os pais, o desempenho do papel parental, a experiência da família na interação com a equipa de saúde e a vida após a gastrostomia - as quais direcionarão a discussão do conhecimento produzido.

O significado da alimentação para os pais Os estudos evidenciaram a percepção da alimentação oral e da gastrostomia em decorrência do significado sociocultural que os pais lhes atribuíram. O ato de comer faz parte da vida quotidiana e visto como uma atividade social (Hunt, 2007). Os pais dos estudos analisados viam a hora da refeição como um momento especial deles com os seus filhos, sendo fonte de vínculo familiar (Petersen et al., 2006).

O prazer de comer foi um tema comum entre as famílias. Experimentar diferentes gostos e texturas era importante na visão deles, uma vez que privar a criança desta gratificação chegou a ser verbalizado como uma crueldade (Morrow et al., 2008; Petersen et al., 2006; Rollins, 2006; Sleigh, 2005).

Experiências de famílias com crianças que têm paralisia cerebral ou outras desordens neuromusculares demonstraram a dificuldade das mães em oferecer a alimentação por via oral, referindo-se à hora da refeição como uma batalha ou uma guerra (Rollins, 2006). Nestes casos, a hora da refeição exigia uma grande quantidade de tempo, porque as crianças recusavam a comida, tinham dificuldade para sugar ou engolir, engasgavam e/ou vomitavam ou aspiravam com frequência (Craig e Scambler, 2006; Rollins, 2006; Sleigh, 2005). A exigência de tempo para a alimentação da criança que necessitava de cuidados especiais implicava menos tempo para outras atividades e para outros membros da família, inclusive para si mesmas (Morrow et al., 2008; Rollins, 2006). Isto era física e emocionalmente stressante para essas mães (Sleigh, 2005).

Observou-se que os discursos dos pais sobre alimentação são em alguns momentos ambivalentes, pois apesar do stress associado com a alimentação oral, fazendo dela uma hora difícil, também era experienciada como um momento especial e de brincadeira, que os pais ficavam mais próximos da criança e interagiam melhor com ela (Sleigh, 2005).

A realização da gastrostomia representava perda de normalidade para a criança pois, além de privá-la do prazer de comer, também a privava da socialização associada com a refeição (Craig e Scambler, 2006; Morrow et al., 2008; Petersen et al., 2006; Rollins, 2006; Sleigh, 2005). Portanto, a administração da comida por meio da gastrostomia era tida como impacto negativo na alimentação como atividade social. A gastrostomia é vista pela família como algo anormal ou antinatural em todos os estudos que abordaram a percepção familiar sobre essa tecnologia.

Para alguns pais cujas crianças usavam sonda nasogástrica, a visão de que a gastrostomia poderia ser escondida representava uma forma mais discreta de alimentação e, portanto, era vista como uma vantagem do procedimento (Craig e Scambler, 2006). Em contrapartida, para algumas famílias a sonda nasogástrica era vista como algo temporário, que poderia ser removida quando os pais desejassem, podendo normalizar a criança, enquanto a gastrostomia era vista como algo permanente, como um elemento transformador da criança, modificando a maneira como ela é reconhecida pelos outros e pelos próprios pais (Craig e Scambler, 2006; Petersen et al 2006), sendo percebida também como uma deficiência adicional na criança, que pode torná-la ainda mais dependente de outras pessoas (Petersen et al., 2006).

Os estudos evidenciaram a ansiedade que as mães têm em relação à transformação e às mudanças geradas pela gastrostomia (Craig e Scambler, 2006). Para determinadas famílias a gastrostomia significava que a criança nunca iria se alimentar adequadamente, era uma confirmação de que algo realmente estava errado e de que sua criança tinha uma grave deficiência (Petersen et al., 2006; Rollins, 2006;). Deste modo, o apego à alimentação oral, em decorrência do significado que ela e a gastrostomia têm para algumas famílias, pode explicar, em parte, a relutância deles em aceitar a sugestão da gastrostomia em algum momento da vida da criança (Rollins, 2006).

O desempenho do papel parental São relevantes os conflitos gerados na vida familiar e durante o processo de decisão em razão do significado simbólico da alimentação oral e da maternidade, em contraposição à gastrostomia como solução aos problemas alimentares da criança. Na revisão efetuada o papel parental relaciona-se a três domínios.

A maternidade: a decisão de amamentar geralmente é tomada antes do nascimento da criança (Nelas, Ferreira e Duarte, 2008), sendo assim, para as mães cujas crianças tinham dificuldade para comer desde o início, a maternidade envolvia o abandono de sonhos, como a amamentação (Brotherton, Abbott e Aggett, 2007; Sleigh, 2005). Antes da realização da gastrostomia, a vida das mães era consumida pela preocupação com o fornecimento de alimentação adequada para seus filhos, que se sentiam responsáveis pela saúde da criança, e ter um filho magro, com aspecto de doente, significava ser uma mãe negligente (Craig e Scambler, 2006). Elas descreveram um forte instinto maternal de alimentar a criança oralmente, e essa essência natural, de agir como uma mãe, fazia com que elas, apesar dos problemas associados com a alimentação oral, continuassem a alimentar a sua criança de uma maneira normal, pela boca (Petersen et al., 2006; Sleigh, 2005). As mães expressaram sentimento de culpa pelo crescimento insuficiente da criança e pela necessidade da cirurgia, por terem falhado ou não se esforçado para estabelecer a alimentação oral (Craig e Scambler, 2006; Morrow et al., 2008). Houve ainda relatos em que mães alegaram sentir-se escravizadas, presas em casa, com a privacidade invadida e não possuindo um momento para elas mesmas, pois também tinham de administrar as necessidades de outros membros da família (Sleigh, 2005). Algumas delas sentiam-se desconfortáveis em alimentar a criança em público, tendo medo de repressão. relatos demonstrando que consideram ser mais humilhante para elas alimentar a criança pela boca do que por uma sonda, uma vez que tinham de forçar a criança a comer. Para elas, uma mãe que tem de alimentar sua criança usando força é estigmatizada, criando um conflito no relacionamento idealizado entre mãe e filho (Craig e Scambler, 2006). Em alguns momentos as mães sentiam-se frustradas, cansadas e atravessavam sentimentos de culpa e tristeza, sentindo- se sós (Sleigh, 2005). Os problemas com a alimentação da criança, seja oralmente ou por um tubo, desafiam as narrativas culturais sobre a boa maternidade, ou seja, sobre o que é ser uma boa mãe (Craig e Scambler, 2006; Rollins, 2006). Quando uma mãe toma decisões a respeito da alimentação da criança, ela fá-lo num contexto que inclui o que pensa que a criança poderia aparentar, ou seja, a idealização da criança, e o que pensa que poderia ser como mãe, a idealização de mãe (Craig e Scambler, 2006).

Os relacionamentos: tanto para as mães quanto para os pais, os problemas alimentares limitavam a participação na vida social. Muitos referiram ter perdido os seus amigos depois de ter uma criança com deficiência e relataram que a sua criança era frequentemente excluída de eventos sociais ou atraía atenção negativa do público (Morrow et al., 2008). Os efeitos dos problemas alimentares da criança eram, portanto, sentidos por toda a família, com fatores emocionais adicionais para o casal. Pais e mães relataram impacto negativo nos seus casamentos decorrente do stress associado com a alimentação, além de uma tensão que se estendia aos outros membros da família em razão das diferenças de opiniões ou desaprovação sobre o manejo de algumas escolhas. Os irmãos também eram afetados pelas dificuldades envolvidas na alimentação, o que gerou problemas de comportamento entre os irmãos da criança doente (Morrow et al., 2008). A alimentação e a escolha do método alimentar afetam muitos aspectos da vida familiar. As mães apresentaram dificuldade em construir uma vida familiar normal. A vida tornava-se regrada às horas de alimentação, fazendo com que a família não pudesse relaxar nem mesmo durante um passeio (Sleigh, 2005). Logo, as rotinas de alimentação podem dominar a vida familiar e trazer isolamento social para a família.

O processo de decisão: estudos qualitativos descreveram o tumulto emocional pelo qual as famílias frequentemente passam quando se deparam com o momento de decidir se aceitarão ou não a gastrostomia na sua criança (Gunton- Bunn e McNee, 2009). Muitas são as preocupações e expetativas da família antes da realização do procedimento (Craig e Scambler, 2006; Morrow et al., 2008; Wilson et al., 2010), tornando a decisão sobre a inserção da gastrostomia complexa, difícil e carregada de emoções (Hunt, 2007; Rollins, 2006). Apesar dos esforços empreendidos com a alimentação oral dominarem a vida das crianças e das famílias, para os familiares este problema nunca foi motivo suficiente para justificar uma intervenção cirúrgica. A decisão de consentir a gastrostomia gerava nos pais sentimentos de desapontamento e incapacidade, pois significava admitirem para si mesmos e para os outros que haviam falhado no papel parental (Craig e Scambler, 2006; Gunton- Bunn e McNee, 2009). A maioria dos pais resistiu inicialmente a recorrer à alimentação pela gastrostomia, sobretudo porque significava que estavam desistindo da alimentação oral e aceitando uma solução anormal (Petersen et al., 2006). Os pais queriam proteger a criança de tratamentos e intervenções que não fossem realmente necessários (Morrow et al., 2008). Os pais sentiam uma grande responsabilidade ao ter de consentir a realização do procedimento (Craig e Scambler, 2006; Morrow et al., 2008), esperando ganhos e perdas com a introdução do dispositivo (Wilson et al., 2010). A falta de certeza sobre a efetividade da alimentação pela gastrostomia, ou seja, não saber se realmente se a criança beneficiaria com ela, era um dos fatores que dificultava o processo de decisão (Craig e Scambler, 2006). Em relação aos aspectos médico-cirúrgicos, os pais sentiam medo de que a criança sofresse e de que algo pudesse dar errado com o procedimento no que dizia respeito à anestesia, dor e aparência física do tubo (Morrow et al., 2008). No entanto, não foram relatadas preocupações apenas em relação ao procedimento técnico em si, mas também com o aspecto social, ou seja, como a gastrostomia se ajustaria no quotidiano da criança e da família, as mudanças no estilo de vida e as consequências emocionais associadas com a inserção do dispositivo (Sleigh, 2005). Pais que não suportavam a ideia de uma gastrostomia apresentavam subjacente a esta oposição medo do estigma associado à gastrostomia que, por consequência, poderia levar à marginalização, aumento de discriminação e isolamento da criança (Petersen et al., 2006; Sleigh, 2005). Discutiu-se também a preocupação da criança se tornar dependente da gastrostomia e perder, ou falhar em adquirir, habilidades para se alimentar oralmente. Isto demonstra a esperança da família de que em algum momento no futuro a criança pudesse alimentar-se normalmente, e que a gastrostomia fosse somente uma medida temporária (Craig e Scambler, 2006; Petersen et al., 2006). Muitos acreditavam que a alimentação oral seria proibida após aceitarem a gastrostomia (Rollins, 2006). Durante o processo de decisão alguns familiares sentiram que não participaram ativamente dessa etapa (Martínez-Costa et al., 2011), com mães referindo não terem sido apoiadas e sentindo-se pressionadas, tanto pelos membros da família como pelos próprios profissionais de saúde a aceitar o procedimento (Morrow et al., 2008). Para ajudar no processo de decisão, muitas famílias relataram necessidade de conversar com familiares de outras crianças que haviam passado pelo procedimento anteriormente, pois queriam saber de suas experiências positivas e negativas em relação à gastrostomia (Morrow et al., 2008).

A experiência da família na interação com a equipa de saúde A qualidade do relacionamento que se estabelece com o sistema de saúde e os sentimentos e emoções que esta interação gera nos pais é outro aspeto do conhecimento disponível. Alguns pais mencionaram experiências positivas (Martínez-Costa et al., 2011), porém a maioria relatou experiências negativas na comunicação com a equipa (Morrow et al., 2008).

As conversas e interações de pais com os profissionais de saúde tinham prejudicado o senso de competência parental antes de o problema ser confirmado, levando-os a acreditar que os profissionais estavam a fazê-los sentir-se culpados e envergonhados pela condição nutricional da criança (Morrow et al., 2008). Além disso, em alguns casos, os profissionais não apreciavam o esforço dos pais em fornecer a alimentação oralmente (Sleigh, 2005).

As famílias descreveram que as suas opiniões não eram consideradas importantes pelos profissionais, com sentimentos de raiva, desmoralização e frustração emergindo dos encontros com aqueles, que não se sentiam ouvidos (Morrow et al., 2008; Sleigh, 2005).

Os pais identificaram a falta de informação por parte dos profissionais e julgaram que as informações dadas tinham sido inadequadas (Morrow et al., 2008).

Na percepção materna, aquelas que não estavam de acordo com a sugestão dos profissionais de aceitar o procedimento para a realização da gastrostomia, eram vistas como más mães, sendo marginalizadas por eles, ao passo que aquelas que aceitavam o procedimento eram vistas como mães civilizadas, pois estavam fazendo a escolha certa (Craig e Scambler, 2006). Para os pais, a equipa escolhia uma abordagem clínica sem considerar a experiência de vida das famílias (Morrow et al., 2008).

A vida após a gastrostomia As avaliações que a família faz da sua vida e da vida da criança após a realização da gastrostomia também compõem a experiência. As visões das famílias são bem diferentes. A percepção de que a cirurgia foi um sucesso depende das circunstâncias pessoais da família e da criança, incluindo o diagnóstico, o prognóstico e, ainda, o suporte disponível dos membros da família e do sistema de saúde.

Após a realização da gastrostomia, a maioria das mães sentiu alívio, visto que houve mudanças positivas na vida da criança e nas suas próprias vidas (Martínez-Costa et al., 2011). A melhora na qualidade de vida dos cuidadores de crianças com gastrostomia é explicada por: maior facilidade para administrar medicamentos, diminuição da preocupação referente à condição nutricional da criança e redução nas horas gastas com alimentação, significando mais tempo para outros membros da família (Martínez-Costa et al., 2011; Morrow et al., 2008; Petersen et al., 2006; Rollins, 2006; Sleigh, 2005; Wilson et al., 2010).

Em contrapartida, outros estudos demonstraram o impacto negativo que a gastrostomia trouxe para a vida familiar, como a alimentação pela gastrostomia continuar a consumir muito tempo do cuidador, resultando em cansaço e perturbação do sono (Brotherton, Abbott e Aggett, 2007).

Uma grande insatisfação estava relacionada com a anormalidade deste método de alimentação, levando a família a isolar-se para alimentar a criança quando se encontrava em locais públicos, visando evitar reações desagradáveis dos outros (Brotherton, Abbott e Aggett, 2007; Sleigh, 2005). Mães e pais falaram sobre as reações negativas do público percebidas por eles (Brotherton, Abbott e Aggett, 2007; Craig e Scambler, 2006), geralmente em forma de olhar hostil ou questionamentos desagradáveis ou inoportunos sobre a gastrostomia (Craig e Scambler, 2006).

Aqueles que tinham experiências negativas descreveram outras complicações que consideravam inaceitáveis, tais como acompanhamento profissional e recursos insuficientes, deterioração na saúde da criança e na socialização (Morrow et al., 2008). Muitos pais sentiam que o equipamento restringia a capacidade da criança de participar nas atividades em família, levando os pais a sentirem-se isolados de outros membros familiares, limitando a possibilidade de a família sair para passeios ou tirar férias. A gastrostomia também causou impacto negativo dentro do sistema familiar, interferindo no relacionamento do casal, com conflito entre os cônjuges, e no relacionamento dos pais com outros filhos (Brotherton, Abbott e Aggett, 2007).

Conclusão A revisão realizada indica que a experiência das famílias de crianças gastrostomizadas é composta por diversos desafios e transformações, que envolvem o manejo do dispositivo, o relacionamento com a criança, com os demais membros da família, profissionais de saúde e entre os próprios pais.

Antes e após a realização da gastrostomia na criança, as famílias vivenciam abalos na sua dinâmica. As repercussões geradas afetam o relacionamento entre os membros da família e da família com a sociedade. As alterações no funcionamento psicossocial vêm acompanhadas de intenso sofrimento, que a família nem sempre consegue manejá-las.

A análise realizada aponta para importantes implicações para a prática e a pesquisa em enfermagem em relação ao tema, sobretudo porque família e equipa de saúde possuem diferentes perceções sobre a realização de gastrostomia na criança. A família carece de apoio e informações por parte da equipa de saúde, necessitando também de um relacionamento em que os desafios, temores e inquietações sejam considerados em todo o curso da experiência.

Os enfermeiros encontram-se em posição privilegiada para o cuidado da família que vive a experiência de cuidar de uma criança com gastrostomia, e podem construir relacionamentos colaborativos, ultrapassando o treino para manejar o dispositivo da gastrostomia, e passando a considerar e incorporar a experiência vivida pela família à assistência de enfermagem.

As intervenções de enfermagem com famílias devem ser iniciadas nos primeiros contatos, ao procurar conhecer quem é a família e quais são as suas percepções sobre a experiência. Devem ser considerados pelo profissional, temas importantes nas interações com as famílias: dúvidas, temores, inseguranças em relação ao papel de pai e mãe, processo de tomada de decisão, no qual a família deve ser incluída, tendo em conta o ajustamento da nova condição da criança, gastrostomizada ao quotidiano da família.

Assim sendo, as evidências trazidas por esta revisão trazem implicações para a prática assistencial, direcionando as conversas e as intervenções de acordo com as ansiedades, angústias e necessidades referidas por elas. Isto, sem dúvida, proverá acolhimento e favorecerá não a relação entre a equipa e a família, como também ajudará a família a enfrentar esta situação de doença a curto e longo prazo.

Esta revisão de literatura indica a necessidade da realização de pesquisas destinadas à ampliação do conhecimento em diferentes contextos geográficos e culturais, incluindo o desenvolvimento de intervenções apropriadas aos problemas identificados. É o momento de procurar compreender a experiência de famílias que vivem em contextos socioeconómicos e culturais diferentes daquelas dos estudos analisados, para possibilitar comparações sistemáticas das experiências e o cuidado às famílias sustentado por evidências apropriadas à realidade vivida por elas.


Download text