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EuPTCVHe0874-02832012000300016

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National varietyEu
Year2012
SourceScielo

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Estilos parentais, inteligência emocional e o enfant terrible: relações, implicações e reflexões

Introdução A envolvência e dinâmica familiar são determinantes em muitas problemáticas do indivíduo. Neste sentido, segundo Gfroerer et al. (2011), os estilos parentais encontram-se identificados como os principais determinantes do funcionamento familiar e do bem-estar dos adolescentes: a importância que esta temática tem para a Enfermagem reside no facto de que, segundo Groefer et al. (2011), os estilos parentais se encontram identificados como os principais determinantes do funcionamento familiar e do bem-estar dos adolescentes. Assim, o enfermeiro assume aqui um papel preponderante dada a sua proximidade com o contexto familiar. Os estilos parentais podem ser definidos como um corpus de atitudes e comportamentos baseados num sistema de crenças e valores que abarcam, em si mesmos, determinadas práticas, segundo as quais os pais educam, lato sensu, os seus filhos. Deste modo, com este artigo, objetiva-se responder à questão: De que forma influi o estilo/práticas parentais na aquisição de competências emocionais e sociais da criança/adolescente?

Metodologia Entre 25 de setembro e 15 de dezembro de 2011, procedeu-se a uma pesquisa bibliográfica nas bases de dados da Revista de Enfermagem Referência, Pubmed Central e Ebsco (Cinahl Plus Full Text; Medline Full Text; Academic Search Complete). Foi também consultada bibliografia ad hoc sobre o tema em análise.

Incluíram-se apenas artigos publicados em texto completo e nos idiomas português e inglês. Existiu uma clara preferência pela evidência mais recente à data (sete artigos de 2010, sete de 2009 e um de 2011). Para o efeito, na pesquisa em bases de dados, utilizaram-se os seguintes descritores e combinações entre estes: estilos, parentais, adolescência, hiperactividade, emoções, authoritative, parental, parenting, styles, spanking, injunctions, practices, emotional, intelligence, adolescent, adjustment, alcohol, parent- child, relationship, emotions, mindfulness, ADHD, monitoring, risk taking e substance use. Após a leitura dos resumos, excluíram-se grande parte dos artigos por efetivamente não versarem sobre a temática em questão, iniciarem uma abordagem à mesma de forma residual ou por não se enquadrarem no leitmotiv seguido no presente artigo. Deste modo, pretende-se com este artigo, uma reflexão crítica, expondo e explorando a mais recente evidência sobre um tema atual e controverso.

Parentalidade: modelos e consequências A literatura encontra uma relação estreita e sobejamente descrita, entre as influências dos estilos parentais e o desenvolvimento psicossocial de crianças e adolescentes. Conforme refere Prevatt (2003, p. 470), uma parentalidade ineficaz ou negligente é um forte preditor do insucesso na vida adulta numa grande variedade de áreas (tradução nossa). Baumrind (1966) foi pioneira neste tipo de estudos e desenhou um modelo que enuncia três tipos de estilos parentais: autoritário, permissivo e autoritativo. Não obstante existirem outras designações e subtipos de outros autores, este modelo tripartido constitui-se como basilar para todos eles, sendo também o mais escrutinado e corroborado. Quanto ao primeiro, os pais autoritários caracterizam-se como directivos e controladores, prezam a obediência e demonstram pouco envolvimento emocional. Constroem um sistema de regras e normas que acarretam punições se não cumpridas. Encontra-se descrita na literatura, a relação entre o estilo autoritário e a perceção dos filhos de uma dinâmica familiar negativa, assim como os estados depressivos em adultos (Gfroerer et al. 2011).

Na dimensão diametralmente oposta, os pais permissivos não impõem uma regulação rígida e pautam-se por uma conduta pouco exigente e muito afectuosa. Preferem que a criança/adolescente se auto-regule e constituem, na perspectiva da criança, um recurso para esta alcançar os seus desejos e não um modelo a seguir (Baumrind,1966). A sua não-interferência aquando de um comportamento desadequado tende a funcionar como reforço positivo desse mesmo comportamento (Baumrind,1966). Por sua vez, no estilo autoritativo existe um equilíbrio, uma mescla das melhores características dos estilos autoritário e permissivo. Estes pais exercem uma disciplina moderada com o esclarecimento de normas e limites, um estímulo da autonomia, uma comunicação eficaz, otimista e positiva que se adequa à situação e maturidade da criança/adolescente. Existe na relação pais- filhos uma envolvência emocional adequada, sem tocar os extremos da permissividade ou do autoritarismo. Grosso modo, o estilo parental autoritativo tem estado associado a uma maior maturidade e competência social, assim como a maiores níveis de responsabilidade e sucesso académico em crianças e adolescentes (Gfroerer et al. 2011). É sobretudo este estilo parental e as práticas a ele associadas, que se revelam como mais adequados e conducentes a um desenvolvimento equilibrado e harmonioso, e por conseguinte aquele que irá ser discutido ao longo deste artigo. Neste sentido, dar-se-á ênfase a dimensões que se podem considerar de algum modo como inclusas e conexas com este modelo.

Assim, irá ser abordada a supervisão e superproteção parental, o papel das emoções na relação pais-filhos, e a eficácia dos métodos disciplinares na prevenção de alterações comportamentais.

Discussão Controlo e supervisão: quando, quanto e como? O controlo consiste na forma como os pais direcionam e modelam o comportamento dos filhos, através de exigências e restrições. Este apresenta duas dimensões: o controlo comportamental e psicológico. Podemos referir que o controlo comportamental comporta recompensas tais como o elogio ou, a contrário sensu, punições verbais ou físicas aquando de comportamentos que estão para além das regras estabelecidas. Por sua vez, o controlo psicológico refere-se à relação psicológica entre pais e filhos e consiste em expressões sentimentais negativas associadas a comportamentos não desejados pelos pais. Encontra-se ligado à indução de culpa e vergonha, inibe a expressão de emoções e assemelha-se a uma manipulação. Por exemplo, expressar desagrado, desapontamento ou enfatizar os sacrifícios que os pais fazem pelo filho (Manzeske e Stright, 2009). O controlo excessivo, nas suas duas vertentes, enquadrado no estilo autoritário, é contraproducente sobretudo nos jovens adultos, que acaba por interferir no seu processo de individuação e formação de identidade (Manzeske e Stright, 2009). Com efeito, a construção do eu revela-se para o adolescente um estádio crucial sendo norteado pelos vetores autonomia (face aos pais) e identidade (face a si próprio). Torna-se uma crise, seguindo a terminologia Ericksoniana, constituindo-se como determinante para o lifespan (no decurso da vida).

Deste modo, se o controlo psicológico for elevado poderá existir a interiorização de culpa e confusão o que interfere de modo negativo no desenvolvimento psicossocial das crianças e adolescentes. De facto, uma baixa auto-estima, elevados níveis de depressão, ansiedade, menores competências sociais e fenómenos de externalização comportamentais, encontram-se associados a um controlo psicológico elevado por parte dos pais (Manzeske e Stright, 2009). Particularmente o controlo psicológico maternal encontra-se associado a uma menor capacidade do jovem adulto para regular as emoções, com todas as consequências que daí advêm (Manzeske e Stright, 2009). Ao invés, deverá existir uma supervisão, por oposição a um controlo que apresenta uma índole diretiva mais exacerbada. A supervisão monitoriza sem ser intrusiva. Esta revela-se necessária em idades precoces, fornecendo orientação, feedback e segurança, mas deverá diminuir paulatinamente ao longo dos anos, sendo no menor grau possível no jovem adulto para não interferir/obstaculizar na sua auto- regulação e individuação.

A necessidade do risco O caso paradigmático talvez surja com a adolescência em que o controlo parental aparece como resposta a um receio dos pais que a procura de sensações novas, intrínseca ao adolescente, degenere em comportamentos de risco e/ou redunde em eventuais problemas de externalização ou internalização do comportamento. A externalização reflete conflitos com o ambiente, tais como comportamentos impulsivos e desviantes (delinquência), e à internalização subjaz um conflito interno traduzido em ansiedade, isolamento ou depressão. Não obstante, a procura do risco e a experimentação, dentro de certos limites, são necessárias para uma aprendizagem dos benefícios em retardar a satisfação imediata.

Experienciar é indispensável para uma interiorização e maturação do autocontrolo que permita ao adolescente não adotar comportamentos de risco, caracterizados pelo imediatismo (da satisfação) tais como o consumo de álcool, tabaco e drogas ilícitas (Romer et al., 2010). Ou seja, a evicção do risco e o hetero controlo coartam, em certa medida, uma aprendizagem necessária para um desenvolvimento do autocontrolo. A corroborar este ponto, Antunes (1998, p.33), ao explicar os comportamentos alcoólicos dos adolescentes, refere que os pais autoritários, mais propensos a formas de controlo mais rígidas e inflexíveis, dificultam aos filhos a realização de experiências que lhes permitam aprender a resolver os seus problemas.

Os efeitos nocivos da superproteção parental Spokas e Heimberg (2009), sugerem que a superproteção parental, aqui em linha com o conceito de controlo mencionado, contribui para uma maior ansiedade social e para o desenvolvimento no indivíduo de um estilo cognitivo em que este acredita que os resultados são essencialmente determinados por fatores externos. Por outras palavras, a superproteção reforça o locus de controlo externo. Este constructo, refere-se a esquemas cognitivos que podem assentar na externalidade ou na internalidade. Indivíduos com um elevado locus de controlo interno, acreditam que as circunstâncias e vicissitudes da vida, lato sensu, dependem deles próprios. Ao invés, pessoas com uma elevada externalidade não acreditam no seu agir modificador das circunstâncias. De facto, pais superprotetores ao resolverem todos os problemas dos seus filhos retiram obstáculos com que os filhos se deparam mas retiram também aquilo que são etapas cruciais do desenvolvimento psicossocial, diminuindo a sua capacidade resolutiva e de tolerância à frustração (Antunes,1998). Assim alguma experimentação e risco são necessários dado que é este tête-à-tête que irá permitir que se construa um locus de controlo interno que permita aprender a ultrapassar a adversidade. Se a supervisão é necessária, ultrapassada a linha para uma superproteção fará com que os esquemas cognitivos se mantenham incipientes e pouco hábeis perante a adversidade e o problema. Desta forma, os pais intrusivos acabam por fomentar uma relação de dependência dos filhos em relação a estes.

As emoções como eixo na relação pais-filhos A inteligência emocional, não obstante ser uma conceção relativamente recente, é cada vez mais sustentada por novos estudos e evidências acerca do seu papel.

Grosso modo, a inteligência emocional define-se como a capacidade de identificar, reconhecer e gerir sentimentos. Um primeiro impulso foi dado por Damásio (1994), que demonstrou não existir uma indissociabilidade da res extensa e da res cogitans. Não existe um corpo separado da mente, tal como não existe uma separação entre Emoção, Razão e Comportamento. Segundo este autor, um comportamento, um acto decisório, tem mais de emocional do que uma razão pura. Desta forma, se o comportamento é emocional, importará considerar esta dimensão na relação pais-filhos. Sobre a importância das emoções neste contexto, Barry e Kochanska (2010), referem: A resposta emocional dos pais às emoções expressas pelos filhos têm importantes consequências ao nível do desenvolvimento social e emocional, regulação psicofisiológica, coping, compreensão emocional e a qualidade das amizades que os filhos estabelecem (tradução nossa).

Nesta linha de pensamento, Alegre e Benson (2010) referem que os filhos de pais que ignoram sistematicamente os filhos (negligência), que exercem uma disciplina rigorosa e que não estabelecem uma boa relação comunicativa com os seus filhos, irão desenvolver menores índices de inteligência emocional. Ora, uma menor inteligência emocional implica uma menor eficácia ao nível das respostas às problemáticas quer do self, quer àquelas lhe são exteriores o que resultará, segundo os mesmos autores (2010), em fenómenos mal-adaptativos de internalização e externalização comportamentais dada essa falta de competências. Existe assim um fraco insight do adolescente, facto que tem na sua génese uma falta de envolvência emocional na relação entre este e os pais.

É necessário que os pais promovam a expressividade emocional na relação com os seus filhos, para que estes aprendam a reconhecer e a gerir estados emocionais.

A inteligência emocional, ao contrário do Q.I (quoficiente de inteligência), aprende-se e desenvolve-se, sobretudo, nas relações com os outros significantes. Duncan, Coatsworth e Greenberg (2009) apontam uma direção, uma nova praxis que podemos designar por parentalidade consciente (mindful parenting). Este modelo centra a relação pais-filhos numa escuta activa e aceitação do outro, sem julgamentos à priori e enfatiza a relação afetuosa entre pais e filhos. Trata-se de promover a não-reatividade a comportamentos, valorizando uma atenção consciente e presente aos atos e experiências que vivenciamos. O eixo seguido, objetiva um potenciar da inteligência emocional pelo reconhecer das emoções em pais e filhos e é pautado por atitudes tais como a afetuosidade, compaixão e uma comunicação plena e eficaz, sem renegar a uma disciplina moderada.

O enfant terrible e as práticas parentais: qual a ligação? Existem três dimensões que se constituem como relevantes para o despoletar e agravar de comportamentos anti-sociais em crianças do sexo masculino. A primeira diz respeito aos conflitos pais-criança, pautados por discussões, punições físicas severas e uma antipatia dos pais em relação à criança, num ambiente que se constitui como antítese das práticas autoritativas que temos vindo a descrever (Ehrensaft et al., 2003). A segunda refere-se a uma supervisão ténue ou ausente. A título de exemplo, é fundamental saber o paradeiro da criança e como e com quem o seu tempo é ocupado, dado que a desregulação ou permissividade, sobretudo em crianças, tem efeitos negativos (Ehrensaft et al., 2003). Por fim, segundo Ehrensaft et al., 2003, a falta de um envolvimento positivo, o que inclui um parco apoio emocional e pouca expressão de interesse nas atividades do filho. Ou seja, um contr olo elevado com práticas punitivas severas, uma ausência de supervisão ou da componente emocional estão na base de fenómenos de externalização: contribuem para o surgir do enfant terrible, aqui entendido como a criança problemática, lato sensu. Estas três dimensões, particularmente esta última, irão comprometer aprendizagem das emoções, o que se traduz num insight emocional mais reduzido e, consequentemente, em menores competências psicossociais. O enfant terrible tem, necessariamente, um défice de inteligência emocional.

Não obstante esta ser uma realidade em que vários factores influem, Hoeve et al. (2009), concluem existir uma relação significativa entre delinquência e o estilo/práticas parentais. Os mesmos autores (2009) referem a rejeição, hostilidade, negligência e o controlo psicológico como correlacionados de forma significativa com a delinquência. Se o controlo exagerado e inflexível é pernicioso, a supervisão parental e a existência de regras é essencial.

Neste sentido, Kiesner, Poulin e Dishion (2010) referem que o uso de substâncias ilícitas individualmente ou com os pares é significativamente mais elevado quando se verifica uma baixa ou inexistente supervisão parental. A supervisão encaixa-se no modelo autoritativo e no mesmo sentido, os adolescentes que caraterizam os seus pais como sendo autoritativos encontram-se mais protegidos no que diz respeito a comportamentos desviantes, mormente o (ab)uso de substâncias ilícitas (Gfroerer et al., 2011). Os pais, e em sentido lato a família, têm assim uma função de contenção e clarificação, caso contrário empurram o jovem para uma espiral negativista (Pinto, 2002). A criança/adolescente necessita de uma rede de segurança, uma teia de regras que balizem o seu comportamento, não muito apertada caindo no autoritarismo e no controlo rígido e exacerbado, mas também não muito larga sob pena de não supervisionar ou ser negligente. Numa verdadeira e genuína supervisão, os pais são o alicerce e a referência, sendo erróneo enveredarem por caminhos de excessiva amizade e permissividade com os filhos, numa quase inversão de papéis, quiçá na tentativa inconsciente de evitar o conflito ou sendo subjacente a um mecanismo compensatório. Tal provocará confusão e desestruturação no adolescente.

Paralelamente, Zwaluw et al. (2010) abordam também a forte ligação entre a parentalidade e aspectos comportamentais, sobretudo a relação entre esta e o abuso do álcool em jovens. Estes autores (2010) mencionam que tem existido uma associação entre o gene recetor da dopamina (DRD2) e o abuso do álcool. Todavia não poderá aqui existir uma relação direta, inequívoca e absoluta entre gene e comportamento, sendo que existem outros fatores que medeiam esta relação nomeadamente as práticas parentais. Com efeito, os autores (2010) supracitados referem que uma permissividade exacerbada, com a inexistência de regras na relação pais-filhos, aumenta o consumo de álcool ao longo do tempo. Esta ausência de regras e limites na relação pais-filhos, apanágio do estilo permissivo antedito, interage e potencia o risco que o gene DRD2 providencia.

Hiperatividade: parentalidade, controvérsias e ambiguidade Será legítimo então perguntar se o enfant terrible, muitas vezes diagnosticado e medicado, não tem na génese, manutenção e/ou agravamento da sua situação clínica, práticas parentais obnóxias. Segundo Ellis e Nigg (2009), embora exista uma suscetibilidade genética, a Perturbação de Hiperatividade com Défice de Atenção (PHDA) encontra-se associada, na sua exacerbação e manutenção, a um baixo envolvimento do pai com a criança em paralelo com uma disciplina ausente ou inconsistente. Controlo social do comportamento desviante e a excessiva medicalização da sociedade, sobre-diagnóstico, são algumas críticas que giram em torno desta questão. Parens e Johnston (2009) abordam algumas destas controvérsias, desde logo o facto do diagnóstico contemplar também alguma subjetividade. Estes autores (2009) referem ainda, entre vários outros considerandos, que o DSM IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fourth Edition), baseia o seu diagnóstico da PHDA em seis sintomas, ao passo que o ICD 10 (International Statistical Classification of Diseases and Related Health Problems, 10th Revision) pressupõe a existência de dez sintomas.

Consequentemente, os índices de diagnóstico da doença esperam-se mais altos dentro da moldura traçada pelo DSM IV. Dependerá então do sistema classificativo, do modo como se olha esta problemática. Ainda assim, seguindo alguns dos argumentos apresentados pelos autores (2009) supracitados, existe amplo consenso entre peritos no diagnóstico de formas severas e ligeiras da doença. Porém, existirá entre estas duas uma zona de ambiguidade sujeita a interpretações diferentes. Existem também diferentes expectativas dos pais e da sociedade no que se refere ao temperamento da criança, integradas culturalmente e por isso interpretadas à luz de sistemas de valores diferentes. Deste modo, sobretudo no enfant terrible enquadrado na zona de ambiguidade, o técnico de saúde deverá considerar todos os fatores que aqui concorrem, nomeadamente práticas parentais tais como um fraco envolvimento emocional e/ou uma disciplina inconsistente.

O mito do efeito contraproducente da palmada Assim, os pais não se deverão demitir da sua função supervisora e disciplinadora, sob pena de concorrer para o advir do enfant terrible (externalização) ou do enfant déprimé (internalização). A literatura é abundante em considerar a coercibilidade (punições físicas) ligada a comportamentos antissociais: o agredido torna-se agressor. Mas será daqui entendível que o recurso a qualquer medida disciplinar que envolva punição física não deva ser adoptada? Larzelere, Cox e Smith (2010) concluem que deverão ser utilizadas sempre medidas disciplinadoras moderadas tais como a explicação verbal do porquê de certo comportamento não ser tolerado, coadjuvada se necessário com a estratégia do time out (pausa), em que por um período limitado de tempo a criança é isolada, por norma no quarto, o que vai permitir que a criança acalme, apreenda estratégias de coping, além de desencorajar o comportamento desadequado. Segundo estes autores (2010), esta estratégia é o método disciplinador com a maior base científica para lidar com crianças com Transtornos de Oposição e Desafio, Transtornos de Conduta e PHDA, em alternativa a métodos que envolvam punições físicas. Além disso, depreende-se do estudo de Larzelere, Cox e Smith (2010), não existir um nexo de causalidade entre a palmada, usada com parcimónia e em último recurso, à posteriori das tácticas referidas, e o comportamento antissocial. No entanto, estas conclusões não deverão ser entendidas como uma base de legitimação da mesma, simplesmente não a deverão excluir. As estratégias disciplinadoras deverão ser moderadas, graduais e de índole ad hoc: o que se aplica a uma criança não é generalizável a todas as crianças.

Segundo Larzelere e Baumrind (2010), o estilo autoritativo não exclui a palmada, sendo que o como e o quando uma medida disciplinar usada determina a sua eficácia. De facto, a hostilidade verbal e o controlo psicológico são referidas por estes autores (2010) como mais nefastas ' numerosos estudos sustentam que a palmada tem efeitos adversos quando existe a percepção de rejeição pelos pais. Ademais, Larzeler e Baumrind (2010) referem também, no âmbito das estratégias a utilizar, para além da chamada de atenção, explicitação verbal, e da pausa, a remoção de privilégios, como sendo útil, vantajosa e sem efeitos perniciosos. Por exemplo, diminuir a semanada, as horas no computador, entre outras. Por fim, quando tudo isto é desprovido de eficácia, in extremis, uma palmada, no momento certo, nunca antes dos dezoito meses de idade é a posição advogada por estes autores (2010). Importa ressalvar que métodos que envolvam punições físicas, ainda que moderados, não têm sentido no adolescente, sendo neste caso a remoção de privilégios, entre outras, mais adequada a esta faixa etária. Infere-se, pois assim, que o proibicionismo da palmada deverá ser renegado, pois em certas situações é o garante da aplicabilidade da disciplina, não apresentando quaisquer efeitos nefastos. A diabolização deste método, em linha com posições próximas de um permissivismo educacional, em que os pais não funcionam como referência, não influenciam, não funcionam como refratário do que é desadequado, minando a aprendizagem e a segurança, põe em causa uma verdadeira autonomia ' uma liberdade com responsabilidade. Por fim, referir que a modelagem comportamental nunca poderá assentar somente em métodos de índole punitiva e negativa. Deverá existir um espaço, porventura até maior, para o reforço positivo como o elogio e a recompensa. Pela sua natureza, o estilo autoritativo inclina-se mais para este tipo de modelagem do que propriamente para a coerção, embora como foi referido, também não a oblitera.

Síntese O estilo autoritativo poderá contribuir significativamente para o desenvolvimento de um adulto emocionalmente competente, e pode evitar ou mitigar problemáticas comportamentais tais como a internalização e a externalização. Este modelo é conexo com práticas parentais que enfatizam uma supervisão adequada, providenciando segurança e orientação sem ser excessivamente intrusiva e controladora. Nunca poderão ser obliterados métodos disciplinares tais como a advertência verbal, o time-out (pausa) e não excluindo outros métodos coercivos, sempre como último recurso, nomeadamente a palmada. Esta dimensão inclui também uma parentalidade consciente (mindful parenting) que estimule o desenvolvimento da inteligência emocional nas crianças/adolescentes.

Esta vertente deverá emergir em detrimento de uma dimensão negativa, que comporta práticas como o controlo/superproteção dos pais, que potencia um locus de controlo externo, mormente o controlo psicológico e uma ausência ou inconsistência disciplinar. A inexistência de supervisão e métodos disciplinares adequados assim como a superproteção parental e/ou escasso envolvimento emocional, interferem com o processo de autonomia e individuação, resultam numa diminuta competência emocional e poderão degenerar em alterações comportamentais, particularmente no eclodir do enfant terrible.

Conclusão Muito do que foi exposto encontra um vasto leque de literatura científica a suporta-lo, tal como a superioridade do estilo autoritativo e algumas práticas com ele conexas. É fundamental a adopção de um perfil educacional correcto, assente no modelo autoritativo, que rejeita a superproteção parental e a ausência de disciplina, fenómenos por demais frequentes nas sociedades contemporâneas de pais que caem num permissivismo absoluto ou num controlo excessivo ' ambos com resultados negativos. Por outro lado, fomentar o desenvolvimento emocional na relação pais-filhos, orientar e supervisionar, não excluindo métodos disciplinares adequados, parece servir como fator protetor de inúmeras dinâmicas mal-adaptativas comportamentais que se traduzem em custos sociais e económicos incomensuráveis. Todavia, existem questões aqui subjacentes que devem ser alvo de mais investigação. Desde logo, a ligação entre práticas parentais e a criança hiperativa na chamada zona de ambiguidade, assim como uma parentalidade que assuma como eixo central a competência emocional entre pais e filhos, a par de métodos disciplinares adequados, e qual o seu real impacto na prevenção de alterações comportamentais.

O enfermeiro deverá estar atento a estas problemáticas ao lidar com o cliente e os seus familiares e encetar estratégias e intervenções, capacitando os pais (empowerment) para que se potencie o desenvolvimento de uma educação que propicie o harmonioso desenvolvimento do indivíduo. A educação para a saúde, incidindo na parentalidade e tudo o que lhe subjaz, assim como intervenções terapêuticas à posteriori são competências do enfermeiro pelo que conhecer e actuar nesta matéria assume-se como prioritário e essencial.


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