Adaptacao cultural e propriedades psicometricas da versao Portuguesa da escala
Behavioral Pain Scale: Intubated Patient (BPS-IP/PT)
Introdução
As fontes de dor numa Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) são inúmeras. Os
doentes aí internados sofrem pela gravidade do seu estado clínico, pela
quantidade de cuidados de enfermagem sistemáticos, procedimentos invasivos de
diagnóstico e tratamento, cirurgias e pela presença de dispositivos
terapêuticos (Li, Puntillo, Miaskowski, 2008; Pudas Tåhkå, et al., 2009).
Apesar da dor dos doentes internados em UCI ser um problema reconhecido, a sua
gravidade é subestimada. (Li, Puntillo, Miaskowski, 2008; Pudas Tåhkå et al.,
2009; Chen et al., 2011).
Vários são os estudos que ilustram esta problemática. Puntillo (1990) ao
entrevistar doentes cirúrgicos cinco dias após a alta de uma UCI, constatou que
63% referiram ter sofrido dor moderada a grave. Granja et al. (2005), num
trabalho que englobou 1433 doentes em dez UCI, verificou que 64% daqueles que
se recordavam do internamento, relataram a dor como a sua pior experieência
durante esse período. Mais recentemente, Gélinas e Johnston (2007) constataram
que em 93 doentes internados numa UCI, 77,4% afirmaram ter sofrido dor.
Avaliar a dor de doentes críticos, quase sempre sedados e incapazes de
verbalizarem as suas experiências dolorosas, é dos procedimentos mais
desafiadores e complexos que os profissionais de saúde têm de desenvolver
(Chanques et al., 2009). Por outro lado, e segundo um estudo desenvolvido
recentemente pela Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos, em Portugal
apenas 25% das UCI utilizam instrumentos de avaliação da dor adequados ao
doente crítico.
A dor, ao induzir no doente um estado catabólico generalizado, não é inócua
para a sua saúde e as suas repercussões são ainda mais graves nos doentes
críticos (Li, Puntillo, Miaskowski, 2008). Minorar o seu sofrimento e promover
a sua rápida recuperação exige uma avaliação valida, fidedigna e objetiva da
dor (Pudas-Tåhkå et al., 2009).
A escala Behavioral Pain Scale ' Intubated Patient (BPS-IP) foi a primeira a
ser concebida e a mais utilizada para avaliar a dor em doentes entubados,
ventilados mecanicamente e incapazes de se autoavaliarem.
Avaliar as propriedades psicométricas da versão Portuguesa da escala BPS-IP
(BPS-IP/PT) irá seguramente contribuir para esse desígnio.
Os objetivos deste estudo foram adaptar semântica e culturalmente para o
Português a BPS-IP/PT e avaliar suas propriedades psicométricas (validade e
fiabilidade) em doentes internados nos cuidados intensivos com patologia médica
e/ou cirúrgica, submetidos a ventilação mecânica e incapazes de autoavaliarem a
dor.
Quadro teórico
A gravidade da situação clínica dos doentes com diminuição do estado
consciência, em ventilação mecânica, sob efeito de fármacos analgésicos e/ou
sedativos e com dispositivos de contenção, para além de comprometerem o auto-
relato da dor, dificultam a sua avaliação (Pudas-Tåhkå et al., 2009; Chen et
al., 2011). Os indicadores de dor fisiológicos e comportamentais, por si só,
não são específicos de dor (Li, Puntillo, Miaskowski, 2008). A avaliação da dor
nos doentes que não comunicam verbalmente requer uma competência que tem de ser
treinada pela exigência de uma abordagem abrangente que incorpora, mesmo que de
forma subjetiva, a interferência dos fatores que podem intervir nas
manifestações comportamentais e fisiológicas associadas à dor (Pudas-Tåhkå et
al., 2009).
A investigação sobre a avaliação da dor em doentes internados em UCI começou há
cerca de 20 anos (Li, Puntillo, Miaskowski, 2008). Várias revisões sistemáticas
foram desenvolvidas para identificar e avaliar as propriedades psicométricas
das escalas de dor usadas em doentes internados em UCI, submetidos a ventilação
mecânica e incapazes de autoavaliarem a dor. Num desses primeiros trabalhos,
Herr et al. (2006) identificam as escalas Behavioral Pain Scale (Payen et al.,
2001) e a Critical-Care Pain Observation Tool (CPOT) (Gélinas et al., 2009),
referindo que são necessários mais estudos para avaliar as suas propriedades
psicométricas. Li, Puntillo e Miaskowski (2008), numa outra revisão,
identificam as escalas Behavioral Pain Rating Scale (BPRS), Pain Assessmentand
Intervention Notation Algorithm, Nonverbal Pain Scale (NVPS), Pain Behavior
Assessment Tool, BPS e a CPOT, e recomendam o uso das duas últimas escalas.
Cade (2008) identificou as escalas BPS, CPOT e NVPS e recomenda a BPS,
argumentando que foi testada num grupo mais amplo de doentes e que mostrou
validade e fiabilidade em três estudos. No entanto, alerta para a necessidade
de mais trabalhos para avaliar as suas propriedades psicométricas. Pudas-Tåhkå
et al. (2009) identificam as escalas BPS, CPOT, NVPS, Pain Assessmentand
Intervention Notation Algorithm (PAIN) e a Pain Assessment Algorithm, e
aconselham igualmente a necessidade de mais estudos para avaliarem as suas
propriedades psicométricas e utilidade clínica.
Várias escalas foram já desenvolvidas para avaliar a dor em doentes internados
em UCI, submetidos a ventilação mecânica e incapazes de autoavaliarem a dor,
mas os seus estudos são ainda insuficientes para que se possa recomendar uma
delas. No entanto, a escala BPS parece ser a que reúne mais consenso para ser
utilizada na prática clínica (Puntillo et al., 2009).
Esta escala foi das primeiras a ser usada para medir as experiências de dor em
doentes incapazes de comunicar verbalmente e é atualmente uma das mais
estudadas (Cade, 2008; Chen et al., 2011). A BPS foi desenvolvida em 1997 no
Hospital Albert Michallon em Grenoble - França, com base no estudo de Puntillo
et al. (Puntillo et al.,1997). Este estudo destacou a relação entre a expressão
facial, movimento dos membros superiores e a adaptação ao ventilador com o
auto-relato de dor em doentes cirúrgicos. Com estes indicadores, Payen et al.
(2001) conceberam a BPS, em que cada indicador foi categorizado em 4 descrições
do comportamento, indicando ausência de dor (pontuação 1) a um máximo de dor
(pontuação 4). A pontuação total varia entre os 3 (sem dor) e os 12 pontos (dor
máxima) (Cade, 2008). O tempo estimado no seu preenchimento situa-se entre 2 a
5 minutos (Payen et al., 2001; Aïssaoui et al., 2005).
Apesar de válida e confiável, a BPS não é uma escala perfeita, pois não informa
sobre a qualidade, tipo ou localização da dor. A sua pontuação mínima começa em
três em vez de zero, como na maioria das outras escalas. Os fármacos sedativos
e/ou relaxantes musculares, a condição física (fraqueza) do doente, o uso de
contenção física para segurança (dispositivos terapêuticos, prevenção da
autoflagelação, estabilização de articulações) influenciam a capacidade do
doente exibir os movimentos dos membros (Li, Puntillo, Miaskowski, 2008). Por
outro lado, permanece alguma ambiguidade em relação aos itens do indicador
adaptação ao ventilador (Li, Puntillo, Miaskowski, 2008). Por estas razões,
vários autores defendem a necessidade de mais estudos para confirmar a sua
validade, fiabilidade e utilidade clínica (Herr et al.,2006; Li, Puntillo,
Miaskowski, 2008; Pudas-Tåhkå et al., 2009; Puntillo et al., 2009).
Numa pesquisa realizada no motor de busca EBSCO Host, em todas as suas bases de
dados, com as palavras Behavioral Pain Scale no título e sem qualquer outro
tipo de restrição, identificámos cinco estudos que avaliaram as propriedades
psicométricas da escala BPS. A escala foi estudada em doentes ventilados e
sedados, internados em UCI com diagnósticos médicos e cirúrgicos (Payen et al.,
2001; Young et al., 2006), com patologia respiratória (Aïssaoui et al., 2005;
Chen et al., 2011), intoxicações (Aïssaoui et al., 2005), infeção, trauma e
cirurgia cardíaca (Juarez et al., 2010). A análise de componentes principais da
escala revelou uma explicação da variância total a um fator que variou entre os
55% (Payen et al., 2001) e os 65% (Aïssaoui et al., 2005); diferenças nas
correlações das avaliações entre antes e depois de um procedimento (Payen et
al., 2001;Juarez et al., 2010; Chen et al., 2011); e correlações negativas
quando comparada com a escala de sedação Ramsay (Aïssaoui et al., 2005) e a
administração de doses de midazolam e fentanilo (Payen et al., 2001). Dois
estudos revelaram boas correlações com a autoavaliação do doente (Ahlers et
al., 2008; Ahlers, 2010). Os estudos demonstraram que a escala apresenta uma
consistência interna entre 0,64 (Young et al., 2006) e os 0,72 (Aïssaoui et
al., 2005) e uma concordância entre dois observadores para o total da escala
entre 0,68 (Juarez et al., 2010) e os 0,83 (Ahlers et al., et al), (Tabela_1).
Tabela_1
Metodologia
Desenho
Estudo de caráter metodológico, de tradução e análise de validade psicométrica,
que decorreu em duas fases: validação semântica e cultural da BPS-IP/PT (fase
I) e estudo das suas propriedades psicométricas (validade e fiabilidade) (fase
II).
Procedimentos
Fase I
Neste estudo foi utilizada a escala BPS-IP (Chanques et al., 2009) por
apresentar figuras ilustrativas dos seus itens. Após autorização dos autores,
procedeu-se à tradução por duas tradutoras (Português nativo) de forma
independente. Com base nestas duas traduções, um painel composto por cinco
elementos, três enfermeiros que trabalham numa UCI e com formação específica em
avaliação da dor, um professor de enfermagem perito em avaliação da dor e um
tradutor, validaram semântica e culturalmente uma versão de consenso. Esta
versão foi posteriormente retrovertida para o Inglês, de forma independente,
por duas tradutoras (Inglês nativo). O painel referido anteriormente concebeu
uma versão de consenso posteriormente comparada com a versão original para se
obter a equivalência. Nenhum dos tradutores tinha formação médica ou de
enfermagem.
Todas as frases ou palavras em que houve desacordo entre os tradutores foram
analisadas pelo painel e foi obtida uma solução de consenso para todos os
itens. A análise incidiu sobre a equivalência cultural e semântica dos
conceitos, sua relevância para os profissionais de saúde e sobre a coerência
gramatical. Houve dificuldade em gerar consenso em relação aos termos:
"fighting", traduzido por "reage" e "luta",
e "foldedcheek", traduzido por "bochechas pregueadas".
Com base na relevância para os profissionais de saúde, adotaram-se os termos
"luta" e "esgar facial", respetivamente, e que
retrovertidos revelaram equivalência (Figura_1).
Figura_1
Fase II
Nesta fase procedeu-se ao estudo das propriedades psicométricas da BPS-IP/PT.
Participaram na colheita dos dados três enfermeiros com idades entre os 28 e os
30 anos. Todos frequentaram e obtiveram aproveitamento numa formação sobre
avaliação da dor com duração de 60 horas e já utilizavam no serviço uma versão
traduzida da escala.
A recolha dos dados decorreu entre março de 2011 e fevereiro de 2012 e envolveu
60 doentes selecionados de modo acidental em função da disponibilidade dos
enfermeiros para a colheita dos dados. Foram excluídos os doentes sob efeito de
fármacos bloqueadores neuromusculares, com patologia neuromuscular,
tetraplégicos, com comportamentos de auto-agressão e com imobilização dos
membros superiores. O tamanho da amostra teve em conta as recomendações para a
prossecução da análise fatorial de componentes principais com um mínimo de 50
observações ou cinco vezes a quantidade de itens (Hair et al.,1998).
A aplicação da escala foi realizada de forma independente e em simultâneo por
dois enfermeiros, dos três que participaram na colheita dos dados, da qual
resultaram 120 observações. Em função da observação do doente e por um período
de dois a quatro minutos, pontuou-se cada um dos três indicadores da escala,
obtendo assim a pontuação total para a intensidade da dor.
Análise dos dados
Os dados obtidos foram processados e analisados pelo Software PASW Statistics
versão 18.0 for Windows®.
A análise descritiva das variáveis categóricas foi feita através das
frequências absolutas e relativas e as contínuas pelas medidas de localização
mínimo, máximo e mediana. A avaliação de construto foi feita pela análise
fatorial de componentes principais com rotação de Varimax. O teste Kaiser-
Meyer-Olkin (KMO) foi usado para aferir a adequação da amostra para prosseguir
a análise fatorial, tendo-se apurado um valor de 0,627 para o observador 1 e
0,558 para o observador 2 (Lohr, 2002).
Para a análise da fiabilidade, recorreu-se ao cálculo da consistência interna e
concordância inter-avaliadores. Considerou-se a consistência interna aceitável
para um valor de α de Cronbach ≥ 0.7, boa ≥ 0.8 e excelente ≥ 0.9 (George e
Mallery, 2003). A concordância entre as duas observações (inter-avaliadores)
foi avaliada através do coeficiente de Kappa de Cohen para as variáveis
ordinais. Os valores entre 0.41 e 0.60 são considerados moderados, entre 0.61 e
0.80 substanciais e entre 0.81 e 1.0 excelentes (Landis e Koch, 1977). O
Coeficiente de Correlação Interclasse (ICC) foi usado para verificar a
concordância entre observações relativamente à pontuação total da escala.
Admitiu-se uma boa concordância para valores superiores a 0,75 (Kramer e
Feinstein, 1981).
Considerações éticas
Este estudo foi aprovado pelo Conselho de Administração do Hospital e Comissão
de Ética da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde - Enfermagem. Uma vez
que os dados recolhidos resultam da observação dos comportamentos de pessoas
incapazes de comunicar, sendo esta intervenção inócua e fazendo parte
integrante dos cuidados diários, atendeu-se à doutrina do consentimento
informado no que se refere ao consentimento presumido e aos princípios éticos e
deontológicos dos enfermeiros.
Resultados
Entre os 60 doentes que participaram no estudo, 18 (30,0%) eram do sexo
feminino com idades compreendidas entre os 21 e os 82 anos e com uma mediana de
57 anos. O principal motivo de internamento foram os politraumatismos 28
(46,7%). Submetidos a cirurgia 20 (33,3%) doentes, com uma mediana de 2,5 dias
de pós-operatório, variando entre 1 e 14 dias. O tempo de internamento variou
entre 1 e 28 dias, estando pelo menos metade internada há 5 dias.
No momento da avaliação, 37 (61,7%) dos doentes estava sob efeito de
analgésicos e sedativos e 12 (20,0%) apenas com sedativos.
A avaliação foi feita maioritariamente em doentes em repouso 51 (85,0%).
Subjetivamente os enfermeiros consideraram que no momento em que avaliaram a
dor 34 (56,7%) dos doentes estaria com dor (Tabela_2).
Validade de construto
Da análise fatorial de componentes principais emergiu a solução com um fator,
com valor próprio superior a 1 (valor próprio = 2,04), e que explica 67,96% da
variância para o observador 1 e 68,14% para o observador 2. Os movimentos dos
membros superiores foi o indicador da escala com maior peso fatorial (0,90 e
0,92) (Tabela_3).
Tabela_3
Consistência interna
A escala apresentou uma consistência interna com um α de Cronbach de 0,65 para
o observador 1 e de 0,73 para o observador 2. Para ambos os observadores, o
indicador movimentos dos membros superiores foi o que melhor se correlacionou
com o total da escala (0,66 e 0,78) e o que mais contribuiu para a sua
consistência interna (0,43 e 0,38) (Tabela_4).
Tabela_4
Concordância entre observações
A percentagem de acordos item a item entre as duas observações variou entre os
90% na expressão facial e na adaptação ao ventilador e 95% nos movimentos dos
membros superiores. O nível de concordância avaliado pelo coeficiente Kappa de
Cohen variou entre 0,20 na adaptação ao ventilador e os 0,66 na expressão
facial. Relativamente à concordância entre os scores totais obtidos nas duas
observações, o ICC foi de 0,79 (Int. Conf. 95%: 0,67 - 0,87) (Tabela_5).
Tabela_5
Discussão
O objetivo deste estudo foi adaptar semântica e culturalmente para o português
a escala de dor BPS-IP (Aïssaoui et al., 2005) e avaliar as suas propriedades
psicométricas (validade e fiabilidade) em doentes internados em UCI com
patologias médicas e cirúrgicas, submetidos a ventilação mecânica e incapazes
de autoavaliarem a dor.
O processo de validação semântica e cultural foi fácil de obter. Houve apenas
necessidade de gerar consenso em relação a dois termos que retrovertidos
revelaram equivalência com a escala original.
A escala BPS-IP/PT revelou-se válida ao apresentar um fator em ambos os
observadores e que explicam uma variância total entre 67,96% e os 68,14%, sendo
este resultado superior a outros estudos (Payen et al., 2001; Aïssaoui et al.,
2005). Todos os indicadores revelaram forte associação com o fator, com
especial destaque para os movimentos dos membros superiores, o que confirma a
sua importância na avaliação da dor destes doentes, como o já haviam constatado
outros autores (Payen et al., 2001; Herr et al., 2006). Teria sido importante a
inclusão, no painel de validação semântica e cultural da escala, outros
profissionais de saúde para além de enfermeiros. No entanto, pensamos que tal
limitação não compromete o processo de validação semântica e cultural da escala
dada a facilidade com que se encontraram consensos.
A escala mostrou uma consistência interna aceitável (George e Mallery, 2003),
apesar de apresentar apenas cinco itens, o que faz baixar este valor. Os
resultados são superiores ou semelhantes a outros estudos (Aïssaoui et al.,
2010). Entre os indicadores da escala, o indicador movimentos dos membros
superiores foi o que melhor se correlacionou com o total da escala e o que
mais contribuiu para a sua consistência interna, o que demonstra a importância
deste indicador para avaliar a dor nestes doentes e que já havia sido
evidenciado por Payen et al. (2001) quando seleccionou este indicador para a
conceção desta escala.
Os níveis de concordância entre os observadores são considerados substanciais
para o indicador expressão facial e pobre para o indicador adaptação ao
ventilador (Landis e Koch, 1977). A expressão facial é, em regra, difícil de
interpretar. Todavia, os enfermeiros que participaram na colheita dos dados
tinham formação em avaliação de dor e experiência na aplicação de uma versão
traduzida desta escala. Por outro lado, a operacionalização deste indicador
nesta escala é feita de forma muito simples e com auxílio de figuras
exemplificativas, o que facilita a interpretação dos comportamentos de dor do
doente. Acresce que se valoriza apenas uma particularidade da expressão facial,
a contração facial e com particular referência para as sobrancelhas e
pálpebras, o que facilita o processo de interpretação. A menor concordância
verificou-se no indicador adaptação ao ventilador, apesar da percentagem de
acordos ser elevada. Isto sugere homogeneidade das situações observadas (pouca
variabilidade da dor), o que de facto aconteceu e se revela uma limitação deste
estudo, bem como a grande maioria dos doentes ter sido observada em situação de
repouso. Por outro lado, corroborando as afirmações de Li, Puntillo e
Miaskowski (2008), este indicador apresenta alguma ambiguidade nos seus itens,
o que pode comprometer a concordância inter-avaliadores. Os termos da escala
"tolera", "luta" e "a maior parte do tempo"
carecem de clarificação na sua operacionalização quanto à forma de medição. Por
exemplo, medir em relação a que intervalo de tempo? Dois minutos, quatro
minutos?! A experiência na aplicação de escalas e a formação escolar e em
serviço que confira competência na avaliação da dor são fundamentais para
ultrapassar estas dificuldades.
A concordância na pontuação total da escala foi boa (Kramer e Feinstein, 1981)
e de acordo com outros estudos (Juarez et al., 2010), embora inferior ao
trabalho de Aïssaoui et al. (2005), o que se explica pela baixa concordância no
indicador adaptação ao ventilador verificada no nosso estudo.
A escala BPS-IP/PT apesar de válida e reprodutível requer mais estudos. Os que
foram realizados utilizaram metodologias diversas, dificultando consensos nas
conclusões. Os estudos, de uma forma geral, foram realizados em amostras
reduzidas, em doentes com características clínicas muito homogéneas e sem
explicitação da formação de quem aplicou a escala. Este estudo apresenta
igualmente várias limitações. Houve um predomínio de doentes não submetidos a
intervenção cirúrgica; uma elevada percentagem de doentes sob efeito de
sedativos, o que pode ter comprometido os resultados com falsas concordâncias;
uma avaliação feita maioritariamente em doentes numa situação de repouso; e os
painéis não incluíram outros profissionais de saúde para além de enfermeiros.
Conclusão
A avaliação da dor é imprescindível para a melhoria da qualidade dos cuidados e
desenvolvimento de pesquisas futuras. O controlo efetivo da dor exige que esta
seja orientada por uma avaliação e reavaliação feita com recurso a escalas
válidas e precisas.
O processo de validação semântica e cultural da BPS-IP/PT foi fácil de obter e
revelou equivalência com a escala original quando retrovertida. A versão
Portuguesa apresentou boas propriedades psicométricas, sendo válida e fiável
para uso em doentes adultos submetidos a ventilação mecânica e incapazes de se
autoavaliarem. Porém, requerem-se outros estudos que avaliem a validade e
fiabilidade da escala numa população mais heterogénea e representativa das
situações mais comuns numa UCI, em amostras de maior dimensão e em doentes com
um maior intervalo de dor (com e sem dor).
O uso da escala requer formação em avaliação de dor e treino na sua aplicação,
particularmente no que se refere ao indicador adaptação ao ventilador.