Ser enfermeiro em Suporte Imediato de Vida: Significado das Experiências
Introdução
A emergência médica pré-hospitalar tem registado avanços significativos nestes
últimos anos, no que se refere à qualidade da assistência bem como à sua
rapidez, devido ao investimento que tem sido feito nesta área. Efetivamente,
tem-se notado uma crescente preocupação em levar a assistência médica aos
locais onde as vítimas sofrem um acidente ou uma doença súbita.
Actualmente existem equipas diferenciadas que, acompanhadas de equipamento
tecnológico avançado, podem estar presentes no local poucos minutos após a
ocorrência de uma situação de emergência. Em 2007, integrado no Processo de
Requalificação das Urgências, promovido pelo Ministério da Saúde, foi criado um
novo meio de assistência diferenciada em emergência pré-hospitalar, as
ambulâncias de Suporte Imediato de Vida (SIV), com o objetivo de melhorar os
cuidados de emergência pré-hospitalar prestados à população. As ambulâncias
SIV, tripuladas por um enfermeiro e um Técnico de Ambulância de Emergência
encontram-se equipadas com material de Suporte Básico de Vida (SBV) acrescido
de algum material de Suporte Avançado de Vida (SAV), nomeadamente alguns
fármacos utilizados em emergência e um monitor/desfibrilhador. Os recursos
técnicos e humanos destes meios de assistência pré-hospitalar diferenciados
garantem os cuidados de saúde capazes de resultar numa reanimação com sucesso,
ou na estabilização das pessoas em situações críticas enquanto não está
disponível uma equipa médica de suporte avançado de vida (INEM, 2011).
Com o objetivo geral de descrever as experiências vivenciadas pelos enfermeiros
no desempenho das suas competências em assistência pré-hospitalar, em contexto
de Suporte Imediato de Vida, foram definidos os seguintes objetivos
específicos: identificar o significado das experiências pessoais vivenciadas
pelos enfermeiros no exercício das suas funções em situações de emergência;
conhecer as dificuldades sentidas durante o exercício da sua atividade de
prestação de cuidados em situações de emergência; conhecer as experiências e
sentimentos pessoais positivos e negativos vivenciados pelos enfermeiros na
prestação de cuidados às pessoas assistidas por meios de Suporte Imediato de
Vida.
Para a concretização dos objetivos, este estudo foi desenvolvido com recurso à
metodologia qualitativa através de uma abordagem fenomenológica, tendo em conta
que a fenomenologia é a ciência cujo propósito é descrever um determinado
fenómeno ou a aparência das coisas enquanto experiências vividas (Streubert e
Carpenter, 2002). A elaboração do estudo baseou-se no contributo de alguns
enfermeiros a exercer funções em meios de emergência pré-hospitalar de Suporte
Imediato de Vida, uma vez que o que se pretende explorar são as experiências
vivenciadas, os sentimentos e as dificuldades destes profissionais no seu
contexto de trabalho.
Fenomenologia
A pesquisa fenomenológica continua a ser uma ciência em desenvolvimento na
Enfermagem enquanto método de investigação. É um método rigoroso, crítico e
sistemático de investigação (Cunha, 2007).
Uma análise fenomenológica empírico-descritiva das experiências humanas na
saúde e na doença pode fornecer uma descrição rica das experiências vividas e
dos significados a elas associados por uma pessoa. A exploração do conhecimento
das experiências pode levar a uma melhor compreensão do comportamento humano na
saúde e na doença e dos meios de explorar o processo humano do cuidar. Watson
(2002, p. 151) salienta que as experiências humanas não podem ser medidas ou
experimentadas com ' elas estão simplesmente lá e podem ser apenas explicadas
na sua disposição.
O método fenomenológico visa revelar e descrever estruturas de significado
interno da experiência vivida no sentido de compreender a forma como o fenómeno
se dá e é vivido por uma pessoa, os seus sentimentos, vivências, o que
experimenta, o que vive, o que sente ' é a investigação na primeira pessoa
(Loureiro, 2002).
A emergência médica pré-hospitalar e o Projeto de Suporte Imediato de Vida
As condições sociais atuais, em resultado da concentração populacional e do
grande desenvolvimento tecnológico, promoveram o aumento do número de acidentes
e doenças súbitas. Mateus (2007) salienta que nas últimas décadas se verificou
um avanço extraordinário da medicina hospitalar e, simultaneamente, percebeu-se
a necessidade de dar uma resposta pronta e eficaz em áreas extra hospitalares
como por exemplo, o socorro adequado no local da ocorrência.
Atualmente a Emergência Médica encontra-se organizada em Portugal através do
Sistema Integrado de Emergência Médica que é, então, um conjunto de entidades
que cooperam com o objetivo de prestar assistência às vítimas de acidente ou
doença súbita. Para coordenar estas entidades envolvidas no socorro foi criado
o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) que é o organismo do
Ministério da Saúde ao qual cabe assegurar o funcionamento do Sistema Integrado
de Emergência Médica, de forma a garantir aos sinistrados ou vítimas de doença
súbita a pronta e correta prestação de cuidados de saúde. O INEM dispõe de
vários meios para responder a situações de emergência médica e as suas
principais tarefas são: a prestação de socorro no local da ocorrência; o
transporte assistido das vítimas para o hospital adequado; e a articulação
entre os vários estabelecimentos hospitalares.
As ambulâncias SIV constituem um meio de socorro diferenciado e foram
implementadas em diversas localidades de Portugal Continental, num processo que
teve início em 2007 e que tem evoluído significativamente. O conceito de SIV
baseou-se na necessidade de garantir os cuidados de saúde capazes de resultar
numa reanimação com sucesso enquanto não está disponível uma equipa médica,
dita de suporte avançado de vida. Este conceito é extensível às situações que
poderão evoluir para paragem cárdio-respiratória, caso não sejam imediatamente
tomadas as medidas necessárias (INEM, 2011). Outra dimensão importante das
ambulâncias SIV é assegurar um transporte mais seguro do doente crítico, área
também sensível aos enfermeiros e já objeto de estudo em diferentes contextos
(Martins e Martins, 2010; Rodrigues e Martins, 2012).
Metodologia
Trata-se de um estudo exploratório, de natureza qualitativa, com o foco nas
perceções e nas experiências dos participantes e na maneira como eles as vivem,
procurando entender como os factos ocorrem (Creswell, 2007).
Ribeiro (2008) define a investigação qualitativa como um conjunto de técnicas e
métodos de observação, documentação, análise e interpretação de atributos,
características e significados de fenómenos contextuais, que são estudados,
através de abordagens que procuram descobrir os pensamentos, perceções e
sentimentos experimentados pelos informantes.
Tipo de estudo
Optámos por uma abordagem fenomenológica, com vista à descrição das
experiências vivenciadas pelos enfermeiros a exercer funções em contexto de
Suporte Imediato de Vida, tendo por base os enunciados verbais dos
participantes. Como finalidade, pretendemos colocar em evidência as unidades de
significação dessa mesma experiência, no sentido de integrar e sintetizar a sua
compreensão numa estrutura descritiva do seu significado.
A orientação metodológica seguida foi a análise fenomenológica proposta por
Amadeo Giorgi, que engloba as seguintes fases apresentadas por Streubert e
Carpenter (2002, p. 56): 1. Ler a descrição inteira da experiência para obter
o sentido do todo; 2. Reler a descrição; 3. Identificar as unidades de
transição da experiência; 4. Clarificar e elaborar o significado relacionando
os constituintes uns com os outros e com o todo; 5. Refletir nos constituintes
segundo a linguagem concreta do participante; 6. Transformar a linguagem
concreta em linguagem ou conceitos científicos; 7. Integrar e sintetizar a
compreensão numa estrutura descritiva do significado da experiência.
Participantes/Informantes
Num estudo elaborado segundo uma abordagem qualitativa os indivíduos são
seleccionados para participar na investigação qualitativa de acordo com a sua
experiência, em primeira-mão, da cultura, interação social ou fenómeno de
interesse (Streubert e Carpenter, 2002, p. 25). Desejando conhecer a realidade
do ponto de vista de quem a vive, selecionámos 9 enfermeiros que trabalham em
ambulâncias de Suporte Imediato de Vida da Delegação do Centro do INEM.
Instrumentos de colheita de informação
O instrumento de colheita de dados deve permitir colher informação pertinente,
necessária e válida à realização do trabalho de investigação. Optou-se pela
entrevista semiestruturada, uma vez que o seu carácter flexível possibilita aos
participantes responderem de acordo com o seu ponto de vista pessoal,
permitindo uma maior riqueza de detalhes na descrição das experiências vividas
e relatadas.
As entrevistas foram conduzidas com recurso a um guião e foram realizadas no
período entre 27 de setembro e 21 de outubro de 2010. Os entrevistados foram
informados dos objetivos do estudo, demonstrando a sua disponibilidade para
participarem. O tempo de duração das entrevistas variou entre 24 e 44 minutos.
Procedimentos formais e éticos
A investigação em Enfermagem deve respeitar os princípios éticos pelo que o
processo de recolha de informação foi realizado após autorização pelo
Departamento de Emergência Médica do INEM. Não existiu qualquer contrapartida
pela participação (ou não participação) no estudo, nem houve custos para os
participantes para além do tempo despendido na entrevista. Não existe
dependência hierárquica ou outra entre os investigadores e os participantes,
tratando-se assim de um grupo não vulnerável a qualquer tipo de pressão para
participar na investigação ou veicular determinado tipo de informações. Todos
foram devidamente informados sobre o tema e os objetivos do estudo e a sua
participação foi precedida de consentimento. Foi garantida a sua
confidencialidade e anonimato. As gravações foram destruídas após a transcrição
e análise das entrevistas.
Resultados e discussão
O processo de análise de dados consiste em extrair o seu sentido através de uma
interpretação do seu significado (Creswell, 2007), ou seja, é um processo de
interpretação e organização sistemático dos dados.
Através da análise dos discursos dos participantes foram identificados cinco
temas centrais: ser enfermeiro em Suporte Imediato de Vida; experiências
marcantes positivas; experiências marcantes negativas; desenvolvimento de
competências técnicas, científicas e humanas; e reconhecimento social, conforme
se encontram representados no diagrama que se segue.
Ser enfermeiro em Suporte Imediato de Vida
O enquadramento dos enfermeiros na emergência pré-hospitalar é reconhecido pela
Ordem dos Enfermeiros (2008), uma vez que neste contexto a sua intervenção
apresenta múltiplas vantagens que advêm da existência de profissionais
adequadamente formados, da racionalização dos recursos, da rapidez da
implementação da solução, da obtenção de sinergias com a formação inicial (de
nível superior) e o desenvolvimento nesta área específica, da maior facilidade
da interacção com os outros níveis de prestação de cuidados pré-hospitalares e
com as estruturas da rede de urgências do Serviço Nacional de Saúde e,
fundamentalmente, de uma maior segurança nos cuidados de emergência pré-
hospitalar a prestar aos cidadãos. É neste enquadramento que o enfermeiro se
torna o profissional adequado, possuindo as características inerentes à sua
formação e ao seu referencial de valores éticos e deontológicosnecessários à
prestação de cuidados em emergência pré-hospitalar.
O significado de Ser Enfermeiro em Suporte Imediato de Vida está intimamente
relacionado com as vivências individuais de cada um, sendo fortemente
influenciado pelas motivações e aspirações pessoais. Ser enfermeiro em Suporte
Imediato de Vida é definido pelos participantes como um desafio e um privilégio
pela possibilidade de concretização de um projeto de vida, proporcionando
sentimentos de satisfação pessoal e profissional. O trabalho neste contexto é
exigente, não só pela necessidade de aplicação de conhecimentos vastos e porque
implica trabalhar ao segundo, como também pela responsabilidade da atuação e
decisão. No entanto, é entendido como estimulante, proporcionando uma
proximidade com as pessoas e o meio onde se inserem, o que leva os enfermeiros
a assumir o compromisso de cuidar neste contexto com atenção, empenho e
respeito.
A visão que os enfermeiros participantes apresentam do seu desempenho está
relacionada com todos os aspetos objetivos e observáveis, que se podem
comprovar pelas suas ações específicas em cada atuação, e que representam uma
melhoria da assistência a pessoas em situações de emergência, mas também com os
ideais e aspirações pessoais, com o seu interesse e motivação, que se refletem
num esforço e empenho permanentes para a prestação de cuidados de qualidade.
A autonomia e a exigência no exercício das funções de Enfermagem neste contexto
advêm do facto de o enfermeiro trabalhar em equipa apenas com um Técnico de
Ambulância de Emergência, recaindo sobre si a responsabilidade da avaliação e
decisão no momento de cada ocorrência sobre as intervenções a realizar, uma vez
que é o elemento mais diferenciado. Trabalhar na rua como enfermeira, como
chefe de equipa, acho que exige de nós outro tipo de experiência e outro tipo
de trabalho. E 8
Experiências marcantes positivas
Da análise dos achados deste estudo constata-se que são muitas as experiências
vivenciadas pelos enfermeiros a trabalhar em Suporte Imediato de Vida, com
especial realce para as experiências positivas, nomeadamente a abrangência dos
cuidados, o enriquecimento pessoal e profissional, o sucesso das intervenções
realizadas às pessoas que necessitam de cuidados de emergência e a melhoria na
qualidade da assistência pré-hospitalar prestada pelos meios de socorro de
Suporte Imediato de Vida. É um balanço muito positivo, muito marcante, muito
enriquecedor, com várias experiências diferentes... E 2
O domínio dos cuidados, longe de ser uma série de tarefas, exige o
discernimento e a análise da razão de ser desses cuidados. Apela a uma grande
diversidade de conhecimentos e permite construir e alargar o domínio do saber
em Enfermagem (Collière, 2003). O trabalho de Enfermagem em contexto de Suporte
Imediato de Vida é abrangente, não se restringindo unicamente à prestação do
socorro imediato, no sentido de estabilizar as vítimas e tratar a
sintomatologia, mas também às múltiplas dimensões do cuidar.
Pereira (2009, p. 63) salienta que a melhoria da qualidade em saúde implica um
compromisso genuíno e persistente de cada profissional, baseada em valores de
natureza ético-deontológica. O projeto de Suporte Imediato de Vida é um
exemplo dos esforços e investimentos que o INEM tem vindo a desenvolver, no
sentido de responder às exigências sociais, no que se refere à prestação de
socorro pré-hospitalar de qualidade. Neste contexto específico, a melhoria dos
cuidados assenta no investimento e empenho demonstrados pelos enfermeiros,
centrando a sua atuação numa perspetiva técnica e científica, mas também numa
perspetiva humanista da essência dos cuidados de Enfermagem.
Intimamente associados a este tema, surgem dois subtemas que descrevemos de
seguida.
- Sentimentos associados às experiências positivas
O sentimento inerente aos cuidados é uma maneira de vivenciar uma situação em
que estamos presentes (Diogo, 2006). Quando o objeto das nossas perceções é
humano, todas as situações são geradoras de sentimentos relacionados com as
vivências e a forma como cada um as interpreta no seu íntimo. Os sentimentos
vivenciados de forma positiva pelos enfermeiros em Suporte Imediato de Vida
referem-se sobretudo à gratificação sentida pelo seu desempenho e à satisfação,
realização e crescimento pessoal e profissional que este contexto de trabalho
tem proporcionado. Todas as situações de uma forma geral são gratificantes
há sempre qualquer coisa que posso fazer de importante que eu possa ver, em
termos do meu desempenho Se não pela vítima, pelo menos no contexto familiar.
E 3
- Aspetos facilitadores do trabalho em Suporte Imediato de Vida
Foi possível identificar aspetos facilitadores do trabalho que apoiam as
intervenções dos profissionais. A orientação por protocolos e a orientação do
Centro de Orientação de Doentes Urgentes revelam-se uma ajuda preciosa que
permite fundamentar as ações em linhas orientadoras pré-estabelecidas e que
limitam o erro. O planeamento da ação e a avaliação do desempenho permitem a
reflexão sobre as intervenções a realizar e, à posteriori, sobre o trabalho
efetuado e os cuidados prestados, no sentido de identificar aspetos que possam
ser melhorados. A experiência prévia dos profissionais, adquirida em contexto
hospitalar, aumenta a segurança das suas ações. O trabalho em equipa é também
um aspeto facilitador, uma vez que existe um bom ambiente e as intervenções são
desenvolvidas num clima de colaboração, sendo o resultado entendido como o
trabalho de complementaridade de todos os intervenientes.
Experiências marcantes negativas
O trabalho dos enfermeiros em Suporte Imediato de Vida, apesar de ser
referenciado como gratificante e enriquecedor, está também associado a
experiências negativas, que são decorrentes da imprevisibilidade das situações
e do desgaste físico e emocional provocado pelo trabalho de assistência em
emergência a pessoas em situação crítica. Nem tudo o que nós encontramos é
simples e é fácil de gerir... E 6
As experiências negativas descritas pelos enfermeiros como mais marcantes neste
contexto referem-se ao desgaste físico, ao insucesso das intervenções e à
instabilidade laboral.
O Conselho Internacional de Enfermeiros (2007) refere que os profissionais de
cuidados de saúde, e os enfermeiros em particular, sofrem mais lesões músculo-
esqueléticas do que outros grupos ocupacionais. Neste contexto particular de
Suporte Imediato de Vida, o desgaste físico é ainda mais acentuado na medida em
que a equipa é apenas constituída por 2 elementos e a assistência em emergência
pré-hospitalar exige, em muitas situações, um grande esforço físico.
O insucesso das intervenções é, por vezes, vivenciado porque nem sempre é
possível reverter as situações e estabilizar os doentes por nada estar a ser
feito à pessoa a necessitar de assistência à chegada ao local, o que se deve à
falta de conhecimentos de noções básicas de primeiros socorros por parte da
população em geral.
A instabilidade laboral relaciona-se com a incerteza da permanência na
instituição, entretanto resolvida pela passagem dos enfermeiros para o mapa de
pessoal do INEM.
Associados a este tema surgem dois subtemas, que passamos a descrever.
- Sentimentos associados às experiências negativas
A estas experiências negativas associam-se sentimentos de medo, receio,
ansiedade, sensação de impotência, frustração e, até mesmo, insegurança.
Os enfermeiros a trabalhar em Suporte Imediato de Vida fazem referência a
alguns medos e receios vivenciados no seu quotidiano de trabalho relacionados
com a possibilidade de errar, ou de não conseguir responderem da forma mais
rápida e adequada às exigências das situações. Há sempre o receio de não
conseguir corresponder à emergência da situação com a devida eficiência e
eficácia. Esse é o maior medo de não conseguir fazer o que tenho a fazer de
forma mais eficaz e mais rápida. E 2
O medo e a ansiedade estão relacionados com a elevada carga emocional associada
à prestação de cuidados em emergência pré-hospitalar e são sentimentos que têm
vindo a ser atenuados pela experiência. A sensação de impotência e frustração
surge pela incapacidade de, em algumas situações, reverter o quadro clínico dos
doentes. A insegurança manifesta-se quando os profissionais sentem que podem
não corresponder da forma mais adequada às exigências da situação de
emergência, e foi referenciada a falta de formação contínua como uma lacuna que
os enfermeiros tentam colmatar com a autoformação.
- Aspetos que dificultam o trabalho em Suporte Imediato de Vida
O contexto de Suporte Imediato de Vida reveste-se de algumas particularidades
inerentes ao trabalho de assistência em emergência pré-hospitalar. Foram
identificados alguns fatores que dificultam o trabalho neste contexto e que
podem dizer respeito a aspetos práticos do trabalho, nomeadamente à dificuldade
em encontrar os locais das ocorrências, uma vez que não existe um sistema de
georeferenciação implementado, e também aos riscos associados às
características específicas da prestação de socorro em emergência pré-
hospitalar.
A emergência pré-hospitalar é um sistema complexo. O tipo de meios disponíveis
para viabilizar o tratamento dos doentes envolve fatores de risco acrescidos
para as equipas, tendo em conta a necessidade de deslocação em viatura
(ambulância) de emergência, sujeita às variações do tráfego e aos riscos
inerentes à velocidade e aos percursos percorridos, acrescido do motivo de
acionamento ser na maioria das ativações por situações que podem representar
risco de vida, bem como a necessidade de realizar trabalho em locais públicos
ou em ambientes tantas vezes hostis (Amaro, 2004).
Os riscos inerentes ao trabalho neste contexto de assistência pré-hospitalar em
situações de emergência é uma realidade e os enfermeiros têm a perceção e a
consciência desses riscos. Obviamente que nós também conhecemos os nossos
riscos, mas penso que podem ser controláveis, ou controlados. Agora, há fatores
externos que nos ultrapassam, e o facto de estar na rua aumenta muito mais as
hipóteses de termos fatores externos que interfiram connosco. E 9
A Ordem dos Enfermeiros (2010) refere que o desenvolvimento da segurança
envolve um conjunto de medidas com largo espetro de ação. A segurança deve ser
uma preocupação fundamental dos profissionais e das organizações de saúde, e o
exercício de cuidados seguros requer o cumprimento das regras profissionais,
técnicas e ético-deontológicas (legis artis), aplicáveis em qualquer contexto
de prestação de cuidados. A obrigação de respeitar todas as regras de segurança
e implementar todas as medidas necessárias à manutenção de um ambiente seguro,
bem como à prestação de cuidados seguros, é uma responsabilidade assumida pelos
enfermeiros, notando-se a preocupação em adotar comportamentos de controlo de
riscos e o cumprimento das normas de segurança.
Desenvolvimento de competências técnicas, científicas e humanas
O trabalho de assistência pré-hospitalar a doentes em situações de emergência
requer a mobilização de competências nos vários domínios do saber
(conhecimentos) e do saber fazer (técnicas), complementando com o saber ser
enfermeiro na sua plenitude, um profissional de relação que privilegia o
respeito e a dignidade da pessoa que cuida.
Martins (2009) define competência como sendo a capacidade para realizar algo,
implicando mobilização, integração e aplicação de conhecimentos a uma situação
concreta, atuando com responsabilidade. Sá-Chaves (2000) reforça ainda que o
conceito de competência vai muito para além do desempenho técnico, englobando a
forma como cada indivíduo processa e tem em conta, para as suas tomadas de
decisão, as variáveis provindas quer dos referenciais teóricos que detém, quer
das variáveis situacionais dos problemas da prática para os quais procura
soluções.
O trabalho do enfermeiro, de forma geral, exige que cada profissional conduza
as suas ações e tome as suas decisões fundamentando-se em evidências
científicas, seguindo protocolos terapêuticos previamente delineados, tendo
sempre em conta a eficácia previsível da intervenção. O trabalho de Enfermagem
exige competência científica e técnica, saber e saber fazer, agilidade mental e
treino constante (Martins, 2009).
Em emergência pré-hospitalar os enfermeiros desenvolvem e aperfeiçoam estas
competências técnicas e científicas, porque, para além de destreza nos
procedimentos e técnicas realizadas, também é necessário um vasto conjunto de
conhecimentos científicos para as saber aplicar da forma correta e adequada,
contribuindo assim para uma diferenciação e melhoria dos cuidados de
assistência na prestação do socorro.
Para além das competências referenciadas anteriormente é também descrita a
aplicação e desenvolvimento de competências humanas, privilegiando a relação de
proximidade e de ajuda que se estabelece entre os profissionais e as pessoas
assistidas, através de uma abordagem não unicamente centrada na sintomatologia,
mas abrangendo as suas múltiplas dimensões.
Reconhecimento Social
A valorização e o reconhecimento dos cuidados de Enfermagem só são possíveis se
as práticas forem demonstradas publicamente (Benner, 2001). O contexto de
assistência em emergência pré-hospitalar permite que o trabalho do enfermeiro
seja testemunhado por várias pessoas em várias circunstâncias.
Da análise dos discursos dos enfermeiros é possível perceber que sentem que
existe, por parte da população, um reconhecimento efetivo da diferença do seu
trabalho, da atenção dispensada e da preocupação em explicar os procedimentos
realizados e os benefícios que podem trazer para a estabilização e recuperação
das pessoas assistidas pelos meios de Suporte Imediato de Vida. depois de nos
verem trabalhar, as pessoas vão acalmando e no final até nos pedem desculpa, e
até reconhecem que o trabalho foi diferente E 8
Os profissionais de saúde que recebem as pessoas assistidas nas unidades de
saúde também reconhecem a importância das intervenções de Enfermagem que
permitem a estabilização precoce e o transporte em melhores condições.
Existe também um reconhecimento do trabalho dos profissionais neste contexto
por parte de outras entidades envolvidas no socorro, trabalhando num clima de
respeito e complementaridade com outros intervenientes na emergência pré-
hospitalar.
Conclusão
Atualmente assiste-se a constantes progressos na assistência pré-hospitalar
através da implementação de meios de socorro diferenciados onde os enfermeiros
se integram e constituem, pela sua formação base, acrescida de competências
específicas, um recurso humano importante na área da prestação de socorro pré-
hospitalar.
Constatou-se que a integração dos enfermeiros neste contexto específico de
Suporte Imediato de Vida é um enorme desafio pelas particularidades inerentes
às características do trabalho. Diariamente estes profissionais deparam-se com
as mais variadas situações de acidentes ou doenças, situações estas que, com
maior ou menor gravidade, exigem uma atuação rápida, adequada e eficiente. O
trabalho neste contexto confronta também os profissionais com situações de
elevada carga emocional, exigindo uma boa capacidade de gestão de
conhecimentos, procedimentos e emoções, pois é destas capacidades e
competências que vai depender a vida e a recuperação das pessoas de quem
cuidam.
A análise dos relatos permitiu a identificação das unidades de significação das
experiências e, dos achados apresentados, emergiram cinco temas essenciais: Ser
enfermeiro em Suporte Imediato de Vida; experiências marcantes positivas;
experiências marcantes negativas; desenvolvimento de competências técnicas,
científicas e humanas; e reconhecimento social.
Do tema central Ser enfermeiro em Suporte Imediato de Vida surgem vários
aspectos intimamente relacionados com o significado atribuído pelos
participantes ao seu papel neste contexto, e com as características do trabalho
nesta área que promovem experiências únicas e marcantes.
Das experiências marcantes positivas é possível concluir que este contexto de
trabalho promove uma riqueza de vivências, nomeadamente a abrangência dos
cuidados, o enriquecimento pessoal e profissional, o sucesso das intervenções e
a melhoria assistencial.
Os sentimentos de gratificação, satisfação, crescimento e realização pessoal e
profissional, associados a estas experiências, advêm da perceção da importância
das intervenções de Enfermagem que resultam na melhoria e estabilização dos
doentes ainda nos locais das ocorrências.
Neste contexto de trabalho, a orientação por protocolos e a do Centro de
Orientação de Doentes Urgentes, o planeamento e avaliação, o trabalho em equipa
e a experiência prévia dos enfermeiros foram aspetos identificados como
facilitadores do trabalho, na medida em que se constituem como apoio e permitem
um melhor desempenho.
Do trabalho do enfermeiro em Suporte Imediato de Vida emergem também algumas
experiências negativas que se relacionam com o desgaste físico, com o insucesso
das intervenções e com a instabilidade laboral entretanto resolvida pelo INEM.
Destas experiências emergem alguns sentimentos menos agradáveis de medo,
ansiedade, frustração e insegurança.
No que se refere aos fatores que dificultam o trabalho neste contexto foram
enumeradas algumas dificuldades na georeferenciação e os riscos inerentes ao
trabalho na rua que são minimizados com o cumprimento das normas de
segurança.
O trabalho em contexto de emergência pré-hospitalar promove a aplicação de um
conjunto abrangente de competências, uma vez que as intervenções de Enfermagem
vão muito para além do tratamento da sintomatologia do doente, promovendo a
vertente humana dos cuidados e a dimensão ética implícita no cuidar que
valoriza a dignidade humana de quem precisa, não apenas de tratamentos, mas
também de cuidados globais centrados na própria pessoa.
A diferenciação dos cuidados de Enfermagem prestados neste contexto é
reconhecida por quem deles beneficia, pelos colegas que recebem os doentes já
estabilizados nas unidades de saúde e ainda por outros profissionais
intervenientes no socorro que trabalham em complementaridade com a equipa de
Suporte Imediato de Vida.
Podemos constatar que o trabalho do enfermeiro neste contexto é estimulante e
proporciona experiências positivas gratificantes, no entanto, pensamos que
seria importante a implementação de um programa de formação contínua, que
permita a atualização de conhecimentos e o treino e simulação de procedimentos
para situações com menor casuística. Seria também desejável a promoção, por
parte do INEM, de programas de formação e informação para a população, em
suporte básico de vida e primeiros socorros, para tornar mais viável o trabalho
das equipas de suporte imediato e avançado de vida.
É importante salientar que este trabalho foi realizado com um grupo restrito de
enfermeiros e não se pretende generalizar os resultados. No entanto, pensamos
ter sido importante na medida em que permitiu conhecer as experiências dos
enfermeiros a trabalhar em Suporte Imediato de Vida e seria desejável que
outros trabalhos nesta área fossem desenvolvidos de forma a comprovar e
reforçar a importância do contributo social imprescindível e insubstituível dos
cuidados prestados pelos enfermeiros a trabalhar em emergência pré-hospitalar.