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EuPTCVHe0874-02832013000200013

EuPTCVHe0874-02832013000200013

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN0874-0283
Year2013
Issue0002
Article number00013

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Qualidade de vida do utente com úlcera venosa crónica

Introdução A qualidade de vida (QV) é um tema recorrente em investigações de inúmeras áreas do conhecimento humano, em especial da saúde, e é considerada um dos termos mais interdisciplinares da atualidade. Envolve todos os componentes da condição humana: físicos, psicológicos, sociais, culturais e espirituais, que lhe conferem características de multidimensionalidade, subjetividade e polissemia (Yamada, 2006).

O estudo da QV entre indivíduos com doenças crónicas permite o conhecimento do impacto da doença sobre as atividades de vida diária, a identificação de problemas peculiares da doença, a avaliação dos tratamentos e a adesão a estes, além da obtenção de informações que permitam a comparação entre diferentes tratamentos.

Entre as situações crónicas que afetam o Ser Humano, destacam-se as úlceras venosas/ úlceras varicosas (UV) crónicas, que apesar de revelarem uma mortalidade praticamente nula, apresentam uma enorme morbilidade e elevada incidência na população, traduzindo inúmeros problemas de saúde, sociais e económicos, por vezes incontornáveis (Abbade e Lastória, 2006).

O cuidado à saúde dos indivíduos portadores deste tipo de feridas é um problema de grandes dimensões, representando um desafio a ser enfrentado quotidianamente, tanto por quem vivencia este problema, como pelos cuidadores e profissionais.

Neste contexto, o presente estudo tem como objetivo avaliar a QV do utente com UV crónica e repercute o interesse por nós observado em proporcionar, concomitantemente ao tratamento, melhoria nas condições gerais de vida e saúde daqueles que procuram os serviços assistenciais. O instrumento de colheita de dados utilizado foi o Esquema de Cardiff Wound Impact Schedule (CWIS) aplicado a uma amostra de 66 utentes com UV crónica, recorrendo a análise estatística descritiva e inferencial (teste de Mann-Whitney e teste de Kruskal-Wallis).

Quadro teórico O termo QV tem-se expandido cada vez mais nos cenários de saúde, nomeadamente no âmbito da Enfermagem, enquanto atributo importante e necessário para a investigação clínica e para a formulação de intervenções pertinentes no cuidado holístico (Cordeiro, 2006).

A QV está intensamente marcada pela subjetividade e envolve todos os componentes essenciais da condição humana: físico, psicológico, social, cultural e espiritual. O conceito é complexo, dinâmico, ambíguo, lato, volúvel e difere de cultura para cultura, de época para época, de indivíduo para indivíduo e até num mesmo indivíduo se modifica com o decorrer do tempo (Leal, 2008).

De facto, a QV pode ser determinada pelos valores e julgamentos que cada indivíduo à sua vida e, neste contexto, a individualidade de cada pessoa faz com que cada situação vivida produza impactos variados no seu bem-estar e na sua realidade social e simbólica (Cordeiro, 2006).

Campos e Neto (2008) identificam duas tendências na conceptualização do termo QV: um conceito genérico e outro ligado à saúde. No primeiro caso, a QV apresenta uma aceção mais ampla, aparentemente influenciada por estudos sociológicos, sem fazer referência a disfunções. No segundo caso, quando a QV é relacionada à saúde (QVRS), engloba dimensões específicas do estado de saúde do indivíduo. O primeiro dos constructos engloba todos os indivíduos, estejam ou não utentes, e caracteriza-se por abranger todos os domínios da vida. O segundo refere-se particularmente à QV das pessoas que, por qualquer razão, estão ligadas ao sistema de saúde, sendo o seu elemento central a saúde.

Assim, a avaliação da QVRS visa perceber de que forma os diferentes domínios são influenciados pelo estado de saúde do indivíduo (Silva, Meneses e Silveira, 2007); diz respeito à experiência subjetiva de como o impacto na saúde influencia a habilidade do ser humano para realizar e desfrutar das atividades de vida diária.

A QVRS é, igualmente, um indicador competente do resultado dos serviços de saúde prestados ao utente, principalmente por ser determinado pelo processo da doença ou agravo em si, como pelos procedimentos utilizados para o tratamento e cuidado. Informações sobre o conceito têm sido incluídas tanto como indicadores para avaliação da eficácia, eficiência e impacto de determinados tratamentos para grupos de utentes diversos, tanto como para a comparação entre procedimentos para o controlo de problemas de saúde (Cordeiro, 2006).

Os instrumentos de avaliação da QV permitem explorar o impacto de uma doença sobre a vida dos utentes, avaliando aspetos como as disfunções e os desconfortos, sejam eles físicos ou emocionais, e identificando utentes que necessitam de cuidados particulares ou tratamento médico e de Enfermagem.

Enfim, ajudam na decisão, no planeamento e na avaliação de determinados cuidados e tratamentos (Leal, 2008), entre os quais se encontra a abordagem a estas feridas.

Desde os primórdios da humanidade até aos dias atuais, as feridas, nomeadamente as úlceras de perna, constituem um problema de saúde para o ser humano, pois têm repercussões físicas, associadas à dor, imobilidade e incapacidade; psicoemocionais, relacionadas com a auto-estima, auto-imagem e diminuição da qualidade de vida; e sociais, originadas por hospitalizações e afastamento do convívio social (Maciel, 2008).

A UV, também designada de úlcera de estase, flebostática ou varicosa, representa cerca de 70 a 90% dos casos de úlceras de perna e apresenta como principal causa a insuficiência venosa crónica, desencadeada pela hipertensão venosa. Essa inadequação do funcionamento do sistema venoso é comum na população adulta, sendo a frequência superior a 4% entre os idosos acima dos 65 anos (Carmo et al., 2007).

As UV estão invariavelmente incluídas no grupo de feridas crónicas, não devido à sua longa duração e difícil cicatrização, que pode variar entre um mês até 63 anos, como também devido à sua elevada recorrência num curto espaço de tempo (Furtado, 2003).

Este tipo de lesões cutâneas causa danos aos utentes porque afetam o seu estilo de vida devido à dor, depressão, perda da autoestima, isolamento social, inabilidade para o trabalho e, frequentemente, hospitalizações ou visitas clínicas ambulatórias (Borges, 2005, p.36).

As repercussões físicas, sociais, económicas e emocionais são significativas, seja pelo importante impacto nos sistemas de saúde e na QV do utente, seja pelos elevados custos com o tratamento ou pela possibilidade de faltas ao trabalho e perda do emprego, além da diminuição do prazer nas atividades quotidianas (Abbade e Lastória, 2006; Carmo et al., 2007).

Viver com a condição de ter uma ferida crónica traz uma série de mudanças na vida das pessoas e, por consequência, na dos seus familiares, surgindo dificuldades que, muitas vezes, nem a pessoa, nem a família, nem a equipa de saúde estão preparadas para ajudar e compreender todos os aspetos que envolvem este problema (Lucas, Martins e Robazzi, 2008), constituindo, por isso, um desafio entre os profissionais de saúde.

Metodologia O estudo realizado sobre a QV do utente com UV crónica é do tipo quantitativo, de carácter descritivo-correlacional e de natureza transversal. Procura descrever as características da população em estudo e relacionar a QV em geral e respetivas dimensões com as variáveis sociodemográficas e socioprofissionais que intervêm num dado momento.

A amostra não-probabilistica acidental foi constituída por 66 utentes com UV crónicas do Centro Hospitalar Cova da Beira (CHCB, EPE), do Centro de Saúde da Covilhã, do Fundão e do Belmonte.

O instrumento de colheita de dados utilizado foi um questionário, constituído por duas partes. A primeira parte foi elaborada com o intuito de caracterizar a amostra e a segunda é referente ao Esquema Cardiff de Impacto da Ferida, desenvolvido pela Unidade de Investigação da Cicatrização na Universidade de Wales College of Medicine, em 1997, com a designação de Cardiff Wound Impact Schedule (CWIS), e validado para a população portuguesa em 2003, pelo Centro de Estudos e Investigação em saúde da Universidade de Coimbra.

Tendo em conta a pesquisa efetuada, bem como os objetivos delineados, definiram-se as seguintes hipóteses: H1 ' As variáveis sociodemográficas relacionam-se com a QV dos utentes com UV crónica.

H2 ' As variáveis sociofamiliares relacionam-se com a QV dos utentes com UV crónica.

O tratamento dos dados foi efetuado com base no Statistical Package for the Social Sciences (SPSS 17.0), utilizando-se para o efeito a estatística descritiva e inferencial.

De forma a dar cumprimento a todos os preceitos éticos e formais, foi assegurado que os indivíduos da amostra participaram no estudo de forma voluntária após consentimento informado e garantido o anonimato e a completa confidencialidade dos resultados alcançados na pesquisa. Para além disso, assegurou-se que todos os procedimentos realizados no estudo, incluindo a análise, tratamento e discussão dos resultados, não oferecessem desconforto, riscos ou danos à saúde dos indivíduos integrantes da pesquisa. Desta forma, estamos convictos de que a nossa intervenção ao longo de todo o processo de investigação não provocou qualquer dano a todos os que participaram, quer direta quer indiretamente.

Resultados Dos utentes em estudo, 34,80% eram provenientes da Consulta Externa do CHCB EPE, 30,30% do Centro de Saúde da Covilhã, 15,20% da Consulta Externa do Hospital do Fundão, 12,10% do Centro de Saúde do Fundão e 7,60% do Centro de Saúde de Belmonte. 62,10% eram indivíduos do género masculino e 37,90% do género feminino.

A idade mínima foi de 37 anos e a máxima de 92 anos, sendo a média 72 anos com um desvio padrão de 12 anos. O grupo etário mais representativo foi o dos utentes com idades entre os 60 e os 83 anos, tanto para o género masculino como para o feminino (73,20% e 76,00%, respetivamente).

Relativamente ao estado civil, 69,70% eram casados, 22,70% viúvos e 6,10% solteiros. Relativamente à zona de residência, constatou-se que a maioria dos elementos do estudo vivia no meio rural (71,20%), com valores de 78,00% para o género masculino e 60,00% para o género feminino.

No que se refere à caracterização sociofamiliar, a maioria dos utentes vivia acompanhada (72,70%) e apenas 27,30% sós. Analisando a variação tendo em conta o género, verificou-se que em ambos os grupos predomina o viver acompanhado com valores mais expressivos para o género feminino comparativamente ao género masculino (76,00% e 70,70%, respetivamente).

Relativamente à frequência com que contactam com a família e amigos, salienta- se que a maioria (72,70%) tinha contacto diariamente, sendo esta representatividade maior no género feminino (76,00%) comparativamente ao masculino (70,70%). No entanto, 21,20% do total da amostra (24,40% dos homens e 16,00% das mulheres) contactavam com a família e amigos uma vez por semana e o grupo menos expressivo refere-se aos elementos que apenas tinham contacto sociofamiliar uma vez por mês (6,10% do total) com valores de 4,90% nos homens e 8,00% nas mulheres. Salienta-se que nenhum utente referiu ter contacto com a família e amigos menos de uma vez por mês.

No que se refere à QV em geral, os utentes classificaram a sua QV numa escala de 0 a 10, sendo que 0 corresponde à pior qualidade possível e 10 à melhor qualidade possível. Verificou-se que a média da amostra se situou em 4,68 (desvio padrão=2,23, mínimo=0,00, máximo=10,00) e a moda em 5,00, correspondendo a valores intermédios de qualidade de vida.

Os dados relativos à satisfação dos utentes com a sua QV em geral, sugeriram que a média foi de 4,79 (desvio padrão=2,57, mínimo=0,00, máximo=10,00). A moda desta variável situou-se em 5,00, correspondendo, de igual forma, a valores satisfatórios intermédios.

Tendo em conta que as variáveis em estudo não apresentam distribuição normal, foram utilizados testes não-paramétricos: teste de Mann-Whitney e teste de Kruskal-Wallis. Em ambos os testes foi adotado um nível de significância estatística com p< 0,05*.

Assim, no que concerne às dimensões da QV estudadas constatou-se que a dimensão que obteve valores mais elevados foi a Vida Social seguida da dimensão Sintomas Físicos e Vida Diária e, por fim, a dimensão Bem-Estar. Os dados apresentados têm em conta a mediana (Md) como medida de tendência central e o espaço semi- interquartílico (ESIQ) como medida de dispersão de dados, assim como a média (X) e o desvio padrão (s) (Quadro_1).

Tendo em conta a soma dos valores concordantes das respostas dadas pelos sujeitos, na dimensão Bem-Estar os aspetos mais referidos foram: desânimo com o tempo de cicatrização da úlcera (87,90%); medo de se magoar no local da ferida (87,90%); preocupação com a ferida (81,80%); e preocupação em ter outra ferida no futuro (72,80%).

Na dimensão Sintomas Físicos e Vida Diária, os indicadores mais significativos foram: dor na ferida (53,00%); dificuldade em tomar banho (48,50%); problemas com o tempo necessário para tratar da ferida (45,50%); dormir mal (43,90%); e problemas com tarefas diárias (42,50%).

No que concerne à dimensão Vida Social, os indicadores mais expressivos corresponderam a: incapaz de gozar a vida social normal (34,90%); não sair devido ao medo de magoar a ferida (33,40%); e dificuldade em sair e conviver (31,80%).

Analisando a relação entre o género e a QV, constatou-se que apesar do valor médio da QV ser superior nos homens, comparativamente com as mulheres, as diferenças não são estatisticamente significativas (Quadro_2).

Relativamente à idade, também não se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre os vários grupos etários no que diz respeito à QV.

em relação ao estado civil observou-se que os casados obtêm valores estatisticamente significativos mais elevados em todas as dimensões consideradas: Bem-Estar; Sintomas Físicos e Vida Diária; e Vida Social, quando comparados com os restantes utentes (Quadro_3).

Quanto à zona de residência foram os utentes do meio urbano que obtiveram melhores índices de QV em geral, Sintomas Físicos, Vida Diária e Vida Social, em comparação com os que vivem em meio rural. Consideramos desta forma existir diferença significativa entre estas variáveis (Quadro_4).

Assim, relativamente às variáveis sociodemográficas, aceita-se que existe diferença entre o estado civil e as dimensões Bem-Estar, Sintomas Físicos, Vida Diária e Vida Social; e a zona de residência e a QV em geral e as dimensões Sintomas Físicos, Vida Diária e Vida Social.

Em relação à frequência com que os utentes estão com a família e amigos, verificou-se que apesar do valor médio da QV ser superior nos utentes que contactaram com a família e amigos todos os dias comparativamente com os restantes, as diferenças não são estatisticamente significativas.

Discussão As UV ocorrem com maior frequência em mulheres devido principalmente a distúrbios neuroendócrinos e tromboses venosas obstétricas, numa proporção que Baptista e Castilho (2006) revelam ser de 2,6:1. De facto, os resultados de estudos realizados em populações de utentes com UV revelam maior frequência em mulheres (Moffatt, 2006) ou prevalências semelhantes, como no estudo de Furtado (2003) que estima haver uma prevalência de 1,3 para homens e 1,46 para mulheres por cada 1000 habitantes portugueses. No entanto, tal facto não se configurou na nossa amostra, que se revelou maioritariamente do género masculino (62,10%), nem no estudo de Lucas, Martins e Robazzi (2008), onde 53,30% dos elementos da amostra eram homens.

A idade mínima dos utentes foi de 37 anos e a máxima de 92 anos, sendo a média de idade 72 anos. A nível etário consideramos ter acedido a um grupo heterogéneo de pessoas, uma vez que a amostra engloba adultos relativamente jovens, bem como idosos, o que, em nosso entender, poderá ter contribuído para tornar o trabalho mais rico e abrangente no que diz respeito à diversificação das vivências relatadas e à compreensão do fenómeno em estudo.

Corroborando os nossos resultados, o estudo que validou o Esquema de Cardiff para a população portuguesa, realizado por Ferreira et al. (2007), obteve uma média de idade de 65 anos, com mínimo e máximo muito semelhantes, 34 e 85 anos respetivamente. O grupo etário mais representativo na nossa amostra diz respeito aos utentes com idades entre os 60 e os 83 anos. Também os resultados obtidos no estudo de Yamada (2001), Furtado (2003) e Baptista e Castilho (2006) corroboram os nossos dados que evidenciam maior incidência de UV na população idosa. A este propósito, Carmo et al. (2007) esclarecem que a inadequação do funcionamento do sistema venoso é comum na população adulta, sendo a frequência superior entre indivíduos acima dos 65 anos.

O estado civil predominante é o casado em ambos os sexos (69,70%), sendo esta diferença mais representativa no género masculino (73,20%) comparativamente ao género feminino (64,00%). Estes dados são similares aos descritos por outros autores como Yamada (2001) e Lucas, Martins e Robazzi (2008) e Sousa (2009).

Relativamente ao meio onde vivem, constata-se que a maioria dos elementos do estudo vivem em meio rural (71,20%) e apenas 28,80% da amostra total reside em meio urbano, sendo que 72,70% vivem acompanhados e apenas 27,30% vivem sós.

Quanto à frequência com que contactam com a família e amigos, salienta-se que a maioria (72,70%) tem contacto com a família e amigos diariamente, sendo esta representatividade maior no género feminino (76,00%) comparativamente ao masculino (70,70%). Estes dados são congruentes com os resultados obtidos no estudo de Ferreira et al. (2007) com 59 utentes com úlcera de perna. De forma semelhante, 23,70% viviam sozinhos e 72,90% afirmaram estar com a família e amigos uma vez por dia.

Quando solicitados a avaliarem a sua QV, verificou-se que a média da amostra se situa em 4,68, com um desvio padrão de 2,23, sendo a moda 5,00, correspondendo a valores intermédios de QV. Os dados relativos à satisfação dos utentes com a sua QV em geral, sugerem que a média se situa em 4,79 com um desvio padrão de 2,57. A moda desta variável situa-se em 5,00, correspondendo, de igual forma, a valores satisfatórios intermédios.

Em relação a este aspeto, não se configuram diferenças significativas com o estudo de Ferreira et al. (2007) que utilizou o mesmo instrumento de colheita de dados. De forma idêntica, estes utentes atribuíram valores médios de 5,80 e 5,50, respetivamente para a QV e a satisfação com a QV.

Ratificando o exposto, o estudo desenvolvido por Wongkomgkam (2006) para avaliar a QV de 90 indivíduos com UV, concluiu que o grupo mais representativo possuía moderada QV (67,80%), seguido dos que apresentavam boa QV (26,70%) e, minoritariamente, pelos que detinham pior QV (5,60%).

Porém, estes resultados contrariam as evidências da prática clínica, bem como a maioria das pesquisas divulgadas. Bastías (2008) num artigo acerca das UV dos membros inferiores, demonstra de forma semelhante a deterioração da QV destes utentes. Palfreyman (2008) também avaliou o impacto destas lesões na QV, numa amostra de 266 utentes e constatou que a UV pode ter um grave impacto sobre a QV e que a presença de úlcera se mostrou estatisticamente significativa na redução da QV e na satisfação com a vida.

Conclusões semelhantes foram obtidas no estudo de Junior et al. (2002), onde a QV é insatisfatória, tendo sido a capacidade física, os aspetos físicos, a dor, o estado geral da saúde, os aspetos emocionais e os aspetos sociais, os requisitos considerados insuficientes. No entanto, a vitalidade e a saúde mental foram consideradas satisfatórias.

De acordo com a literatura consultada, a idade e o género são variáveis a serem consideradas no impacto físico e emocional causado pelas feridas, nomeadamente pelas UV. No entanto, neste estudo não se obtiveram resultados estatisticamente significativos que nos permitissem aceitar com evidência essas relações.

Relativamente ao estado civil demonstrou-se existir relação significativa com as dimensões Bem-Estar, Sintomas Físicos e Vida Diária, e Vida Social, verificando-se que são os utentes casados aqueles que têm maiores índices de QV nestas dimensões. Estes resultados não corroboram o concluído por Yamada (2001), uma vez que no seu estudo o grupo de utentes que não possuem companheiro apresentou melhor QV que os grupos de utentes com companheiro.

Constatámos também que existe relação significativa entre a zona de residência e a QV em geral, assim como a dimensão Sintomas Físicos e Vida Diária e a dimensão Vida Social, havendo evidência estatística que os utentes do meio urbano têm melhor QV.

Estes dados são semelhantes aos encontrados por Yamada (2001). No seu estudo, o isolamento social, especificamente para o trabalho e lazer, que muitas vezes se associa ao meio rural, demonstrou ser um aspeto importante da dependência, desta vez social, que pode interferir também na esfera económica e que foi expresso por pior QV.

No que diz respeito à influência das variáveis sociofamiliares sobre a QV em geral e sobre as dimensões consideradas no Esquema Cardiff aplicado, os resultados sugerem não existir relação entre o facto de viver ou acompanhado, nem da frequência de contacto com a família e amigos, com a qualidade de vida e com as dimensões. Porém, destaca-se que o relacionamento familiar é apontado, em geral, como positivo na vida das pessoas. A família representa um suporte emocional para o utente, inclusive estimulando-o para o retorno às atividades que comprometem a sua autonomia. De facto, o principal fator determinante de um alto grau de QV é o convívio com a família e a vida social (Lucas, Martins e Robazzi, 2008). Na pesquisa acerca da QV em utentes com úlceras de perna efetuada por estes autores, todos os entrevistados apontaram a família como essencial para as suas vidas, tendo-se concluído que o núcleo familiar adquire uma importância fundamental para a QV do ser humano.

No que concerne às dimensões da qualidade de vida, salienta-se que as dimensões com scores médios compatíveis com melhor QV são a Vida Social e os Sintomas Físicos e a Vida Diária; e a dimensão Bem-Estar é a que apresenta um score médio mais próximo de 0, ou seja, de pior QV.

Os resultados alcançados num estudo qualitativo, de natureza exploratório- descritiva, com características fenomenológicas desenvolvidas por Sousa (2009), foram similares. Utentes com UV crónica destacam o mal-estar sentido pela vivência de um quotidiano marcado pela presença de uma ferida crónica como um aspeto relevante na sua QV. O bem-estar é comprometido pela sensação de incómodo, levando os participantes a caracterizarem a vida diária como algo incomodativo e fonte de martírio. As vivências descritas assumem a úlcera crónica como um evento gerador de mal-estar em múltiplos sentidos, levando a que as pessoas adjetivem a sua própria vida como não sendo uma vida de consolação, mas sim uma vida martirizada, marcada por uma série de incómodos.

Também para Yamada (2006), as lesões crónicas tegumentares ulcerativas, onde se inserem as UV, desencadeiam múltiplos problemas em todos os domínios da vida, em especial na esfera física, nomeadamente ao nível da sensação de bem-estar.

Uma ferida crónica permanece, por vezes, durante anos consecutivos de modo ininterrupto, podendo representar um forte impacto na autoestima e no autoconceito daqueles que as possuem, causando preocupações crescentes e desânimo. Deste modo, estamos convictos de que um esforço adicional deverá ser feito no sentido de proporcionar às pessoas que vivem com UV crónicas apoio e orientação que facilite a identificação dos aspetos problemáticos e a realização dos necessários ajustamentos para controlar e minimizar o impacto que a ferida comporta na vida quotidiana.

Concordamos com Walshe (1995), referido por Sousa (2009), ao considerar ser fundamental que os profissionais de saúde se mantenham atualizados em relação à evolução do tratamento das úlceras de perna, a fim de não defraudarem as expectativas, bem como a própria esperança no tratamento por parte das pessoas de quem cuidam.

No que diz respeito à dimensão Sintomas Físicos e Vida Diária, a vivência que se destaca amplamente neste estudo é a experiência intensa de viver com dor.

Yamada (2001) refere que a dor é um dos aspetos mais explorados na literatura acerca das UV. Também Sousa (2009), citando Persoon et al. (2004), salienta que a totalidade dos estudos encontrados a propósito da UV fazia referência à dor como a primeira e mais dominante experiência relatada. Também Palfreyman (2008) realizou um estudo para avaliar o impacto das UV na QV, numa amostra de 266 utentes, e obteve resultados similares. Constatou que a dor foi o sintoma relatado com mais frequência (80,00% da amostra).

A dor física associada às feridas é, segundo Sousa (2009), por vezes, subvalorizada e até negligenciada pelos cuidadores formais e informais.

Centrando-nos numa das responsabilidades da Enfermagem ' avaliação da dor e alívio do sofrimento ' podemos constatar que a problemática da dor no contexto das feridas crónicas, e segundo os resultados obtidos nestes estudos, assume-se como um aspeto central que entendemos merecer um olhar mais cuidado sob uma perspetiva ética.

Tal como preconizado pela Ordem dos Enfermeiros, é fundamental um compromisso da equipa para a abordagem da dor, no que respeita à sua avaliação, diagnóstico, prevenção e tratamento, devendo incluir a participação da pessoa que a sente e dos seus cuidadores/ familiares enquanto parceiros de cuidados.

Deste modo, sempre que se evidencie ou preveja a ocorrência de dor, o enfermeiro tem o dever de agir na implementação de cuidados que a eliminem ou a reduzam para níveis considerados aceitáveis pela pessoa (Ordem dos Enfermeiros, 2008).

Para além da dor, a mobilidade prejudicada foi outra das vivências bastante valorizada pelos participantes do nosso estudo, destacando-se o comprometimento das atividades de vida diária, como a realização da higiene corporal, e a limitação de tarefas diárias, como o ir às compras.

Ratificando estes resultados, Sousa (2009) concluiu que nestes utentes a marcha se encontra dificultada pela dor sentida, o que leva as pessoas a apresentarem dificuldade em colocar o no chão e a adotarem uma marcha instável e claudicante. Deste modo, atividades banais e rotineiras como o simples subir ou descer uma escada, o deslocar-se até à casa de banho, ao quintal ou, simplesmente, o permanecer de sem apoio durante um curto período de tempo, o percorrer curtas distâncias e o levantar-se da cama, tornam-se tarefas difíceis de concretizar no dia-a-dia dos participantes.

Alterações dos hábitos de vestuário e calçado, interferência nos hábitos de sono, o odor e o exsudado proveniente da úlcera, constituem outros indicadores referidos nesta dimensão. Confirmando o nosso estudo, Sousa (2009) verificou interferência nos hábitos de sono, especificamente na capacidade de dormir adequada e repousadamente, assim como, um impacto emocional negativo causado pelos efeitos provocados pela presença do odor desagradável e do exsudado emanado pela ferida.

A dimensão Vida Social foi a que menos impacto teve nas vivências dos utentes, nomeadamente em: dificuldade em sair e conviver; incapacidade de gozar a sua vida social normal; limitação em estar com a família e amigos; não sair devido ao medo de magoar a ferida; e desejo de isolamento.

Apesar de estes indicadores terem sido referidos por alguns elementos do estudo, constatou-se que os valores mais expressivos se devem àqueles em que estas vivências são raras ou inexistentes.

Confirmando os nossos resultados, no estudo de Sousa (2009) um participante revela que o sair de casa e o realizar uma vida normal é sentido como uma realidade aceite e presente, fruto de um processo de adaptação desenvolvido, confirmando ser possível conviver com incapacidades e limitações e ter vida com qualidade no âmbito social.

Porém, estes resultados contrariam a maioria das evidências científicas, conforme se constata pelos estudos que se descrevem. Ferreira et al. (2007) ao determinarem a QV de utentes com úlceras de perna, através do Esquema Cardiff, obtiveram um impacto negativo mais expressivo na dimensão Vida Social. Também Bastías (2008) salienta a deterioração da QV destes utentes, por um lado devido à dor contínua e por outro devido à limitação significativa da mobilidade que condiciona as atividades recreativas e o trabalho.

Palfreyman (2008) após um estudo com 266 utentes com UV, refere que a presença de úlceras venosas crónicas acomete de forma significativa a mobilidade física e as atividades sociais, tornando as pessoas mais impotentes e isoladas.

Reforçando este aspeto, também Carmo et al. (2007) destacam que a UV significa, para muitos indivíduos, isolamento social e efeito emocional negativo por desencadear no indivíduo constrangimento, tristeza, raiva e autoimagem negativa.

O exsudado intenso e o odor desagradável associados às úlceras assumem uma importância e uma influência extremas no quotidiano das pessoas, tendo implicações que se estendem ao domínio psicológico dos indivíduos, podendo interferir no modo como a pessoa se e avalia a si própria, bem como influenciar o modo como se relaciona com os outros por condicionar o normal desempenho dos papéis sociais.

Desta forma, é de extrema importância que os profissionais possam programar uma assistência individualizada e integral, estando atentos para a dimensão social da QV, não somente pelos aspetos financeiros, que podem estar inerentes à incapacidade de manter as atividades laborais, mas principalmente pela problemática envolvida, como o sentimento de inutilidade e desvalorização.

Conclusão No mundo em permanente transformação é necessário refletir sobre a direção dos caminhos profissionais que queremos percorrer no futuro. Na atualidade, cada vez mais a preocupação com a QV dos indivíduos submetidos a qualquer tratamento tem sido objeto da atenção dos enfermeiros, sendo considerada um dos principais objetivos terapêuticos nas doenças crónicas.

Nesta perspetiva, e com o intuito de avaliar a QV do utente com UV crónica, desenvolveu-se o presente estudo cujas principais conclusões se descrevem: a maioria dos utentes identifica-se com valores intermédios de QV;o estado civil relaciona-se com as dimensões Bem-Estar, Sintomas Físicos e Vida Diária e Vida Social; e a zona de residência relaciona-se com a QV em geral e as dimensões Sintomas Físicos e Vida Diária e Vida Social.

Considerando o exposto, achamos pertinente expor algumas sugestões, designadamente: organizar, periodicamente, sessões de educação para a saúde no sentido de otimizar o tratamento, esclarecer dúvidas, aliviar tensões e promover autonomia e bem-estar destes utentes e família; incentivar à elaboração de manuais de boas práticas que contemplem a definição de linhas orientadoras de atuação face aos utentes com UV, de modo a assegurar a coerência e a solidez por parte das equipas de saúde prestadoras de cuidados durante todo o processo de tratamento; desenvolver estudos de investigação no âmbito da dor, no sentido de averiguar a prevalência de dor durante o período do tratamento; aprofundar a discussão acerca dos tipos de dor experienciados pelas pessoas que possuem UV, bem como desenvolver estudos que permitam a exploração de meios mais eficazes para o controlo da dor; desenvolver trabalhos de investigação neste âmbito, tendo por base uma amostra aleatória e a entrevista enquanto instrumento de colheita de dados, que assegura com rigor a exatidão e a validade dos resultados recolhidos, permitindo ao investigador o registo de aspetos não percecionados por intermédio do questionário; fomentar a visita domiciliária (essencialmente na população mais idosa com esta condição de saúde) enquanto prática regular, utilizando-a como um instrumento que possibilita acompanhar in loco as dificuldades sentidas pelos utentes, bem como pelas pessoas que com eles convivem diariamente, sendo esta também uma forma de proporcionar apoio e de lutar contra o isolamento por vezes sentido; partindo da premissa e da convicção pessoal de que a investigação em Enfermagem faz sentido se contribuir para a melhoria da prática profissional, procuraremos divulgar o presente estudo e, essencialmente, os resultados obtidos no mesmo, de modo a possibilitar a reflexão acerca da temática abordada por parte dos enfermeiros em geral; consideramos, ainda, ser pertinente comparar as experiências das pessoas com este tipo de feridas com outras possuidoras de feridas de diferentes etiologias (úlceras de pressão, úlceras arteriais ou de origem neuropática) com o objetivo de aferir eventuais semelhanças e diferenças para uma intervenção mais focalizada consoante a realidade de cada pessoa; para finalizar, desejamos que de futuro possamos espelhar através dos cuidados que prestamos, os conhecimentos por nós adquiridos na realização deste trabalho.


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