Portadores de VIH/SIDA e HCC: dar voz a relatos de sofrimento
1 Introdução
A infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (VIH) e a Hepatite C Crónica
(HCC) são duas doenças crónicas com diferentes impactos a nível social e
individual, apesar das suas características clínicas comuns: doenças
ameaçadoras de vida, que se torna-ram crónicas.
O diagnóstico e o tratamento médico da doença crónica produzem no paciente um
grande impacto emocional incluindo sérios problemas psicológicos (Coelho,
Freitas & Oliveira, 2002, p. 43), bem como implicações a todos os níveis da
vida de um indivíduo, pelo que é necessário aju-dar estes doentes a
adaptarem-se à sua nova condição e a continuarem a viver a sua vida de forma
mais adap-tativa e o menos afectada possível (Coelho, et al., 2002;
Miyazaki, Domingos, Valério, Souza & Silva, 2005).
Ao nos confrontarmos com cerca de 58 milhões de pessoas já infectadas pelo VIH/
SIDA, das quais já fale-ceram 25 milhões, numa doença com apenas cerca de
28 anos de história, sendo que em 2007, foi calculado que estavam 33 milhões de
pessoas vivas infectadas pelo VIH, não se pode considerar um exagero ser
refe-rida como a peste dos tempos modernos e realçar o impacto que esta
doença tem na sociedade, impacto este que supera o de qualquer outra doença da
actua-lidade. Em Portugal, de 1 de Janeiro de 1983 a 31 de Dezembro de
2008, foram notificados 34888 casos de infecção pelo VIH/SIDA nos diferentes
estádios da doença, dos quais já faleceram 8564 pessoas (Instituto Nacional de
Saúde Dr. Ricardo Jorge, 2009).
Nos países desenvolvidos, o VHC é responsável por 20% dos casos de hepatite
aguda, 70% dos casos de hepatite crónica, 40% dos casos de cirrose avançada,
60% dos casos de carcinoma hepatocelular e 30% dos transplantes hepáticos
(Moura, 1999, p. 86).
Foi calculado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que a infecção crónica
pelo VHC afecte, em Portugal 150 mil indivíduos, e 3% da população mundial, o
que equivale a cerca de 170 milhões de pessoas, estimando-se que a progressão
para VHC crónica seja de entre 55% a 85% destes números, dos quais 5% a 25%
evoluem para cirrose em cerca de 20 anos, e em que 30% destes, em 10 anos
avançam para doença hepática terminal. Enquanto, por ano, cerca de 1% a 4% dos
doentes desenvolvem carcinoma hepatocelular (CHC) (Vieira, freire, Mangualde,
Pinho, fernandes, Alves, Augusto, et al., 2007; Maddrey, 1998; Moura, 1999;
Marinho, Velosa & Moura, 2004; Roche, 2009).
Há ainda a ressaltar que cerca de 50% das mortes dos indivíduos coinfectados
depende da doença hepática (Andrade, 2004), mas apesar do peso clínico
(essen-cialmente de índole física) pouco se tem estudado sobre o impacto
psicológico destas duas doenças, com particular relevo para a menor produção de
literatura sobre a HCC.
2 Impacto psicológico e social do VIH/SIDA e da HCC
Douce e Teixeira (1993) referem que o VIH/SIDA é uma infecção que comporta uma
forte carga emocional principalmente por ser uma doença crónica, associada a
morte precoce e a experiências sexuais variadas (citados por Grilo, 2001), e
por isto é necessário que o bem-estar psicológico acompanhe o bem-estar físico
dos doentes portadores deste vírus (Cólon, 1992, citado por Grilo, 2001).
O VIH é ainda uma doença com um grande peso moral e social, que se desenvolveu
devido ao significado que lhe foi atribuído aquando da sua descoberta, pois foi
conotada como a doença dos homossexuais e dos toxicodependentes, significado
este que se mantém ao longo dos tempos, levando à discriminação e ao estigma
sobre esta doença (Guerra, 1998; Pimentel, 2004; Teva, Bermúdez, Hérnandez-
Quero & Buela-Casal, 2005). É devido a este peso moral e social que o
portador de VIH ao receber a notícia de que está infectado, pode ter uma forte
reacção emocional (Vieira, 2005), reacção esta que pode ir desde a denegação
inicial, ao medo, à culpa, ao desespero, a eventuais ideias suicidas, ou a uma
aceitação passiva de fatalidade, todo um turbi-lhão de ideias pode passar,
desordenado, pela mente (Vieira, 2005, p. 30), sendo o choque a reacção
inicial mais comum perante o diagnóstico (Guerra, 1998). Outros sintomas muito
frequentes são a depressão, ansiedade, a incerteza e a ira (Teva, et al.,
2005).
Esta incerteza poderá estar relacionada com a reacção ao diagnóstico, na fase
de negação, em que o indivíduo, como não tem sintomas, considera que poderá ter
havido um engano quanto ao diagnóstico. Pode também ser relativa à percepção do
tempo de vida que tem, visto que esta doença é ainda considerada mortal pela
maior parte das pessoas (Teva, et al., 2005).
Remor (1999) refere que quando um indivíduo espera pelo resultado do exame ao
VIH (sabendo haver a probabilidade de estar infectado) tem as seguintes
alterações emocionais: o choque, medo e ansiedade, a depressão, raiva e
frustração, sentimento de culpa e problemas obsessivos.
O choque relaciona-se com a possibilidade da seropositividade, bem como a
desesperança de boas notícias e a hipótese de morte; o medo e ansiedade por um
prognóstico incerto, pela possibilidade da perda da sua autonomia, medo do
isolamento, das mudanças nas relações interpessoais, da rejeição, de infectar
outros ou reinfectar-se e por todas as perdas sociais, cogni-tivas e
físicas relacionadas com o vírus (Remor, 1999; Neto, Aitken, & Paldrön,
2004).
A depressão, por todas as alterações vivenciais, por ser uma doença incurável e
pelas alterações nas expectativas e planos do futuro; raiva e frustração pela
falta de controlo do futuro e pela incapacidade de curar o vírus; o sentimento
de culpa por ter sido infectado, pelo seu passado e pela hipótese de ter
infectado alguém; e os problemas obsessivos vão dar origem a cuidados
exagerados com a saúde e preocupação também excessiva com doença e a morte
(Remor, 1999; Neto, et al., 2004).
Mittag (1996, citado por Remor, 1999) afirma que quando é confirmada a
seropositividade quanto ao VIH, o indi-víduo vivencia diversas reacções
psicológicas que vão ao encontro das reacções que Kübler-Ross, em 1998,
descreve no seu modelo das fases vivenciadas por doentes terminais, pelo que,
investigadores e clínicos adaptaram estas fases ao problema em questão. As
fases são: Choque Emocional; Negação; Agressividade; Pacto; Depressão;
Aceitação (Horn, Payne, & Relf, 1999; Kübler-Ross, 1998; Remor, 1999).
Durante a progressão da doença, as oscilações de humor entre períodos de
negação e aceitação, esperança e desespero são comuns (Macmillan, Hopkinson,
Peden, & Hycha, 2006, p. 24).
Contudo, a depressão e ansiedade são as respostas mais usuais durante esta
evolução da doença, pois os indivíduos têm de responder às mudanças que ameaçam
o seu futuro e as suas crenças, tais como o facto de o VIH não ter cura, o
receio de ser discriminado e abandonado pelas pessoas significativas, o medo de
contagiar outra pessoa, a perda da vida social e profissional, medo de
alteração da imagem corporal, surgindo também sentimentos de baixa auto-estima
e de culpabilização de ter sido contaminado com o vírus (Remor, 1999).
Por vezes, o diagnóstico de depressão é difícil de ser feito nos indivíduos
portadores de VIH, porque existem sintomas da própria infecção que se podem
confundir com os da depressão (Maj, 1997): sintomas físicos (fadiga, diminuição
do apetite, insónia e perda de peso); sintomas cognitivos por infecção
cerebral pelo VIH (lentificação, diminuição na concentração e na memória);
sintomas comportamentais (perda de interesse em relações interpessoais,
sentimentos de culpa e pensamentos acerca da morte).
A hepatite crónica pode durar anos, até mesmo toda a vida, no entanto, não
raras vezes é esquecida pelos que a têm, talvez pelo desprezo ser a primeira
defesa que se activa. Existem extremos: tanto existem doentes para os quais os
maus prognósticos lhes são indiferen-tes, como os que os consideram uma
tragédia (Areias, Marcellin & Laurenceau, 2001; Marinho, et al., 2004).
Os indivíduos, quando sabem ser portadores do VHC, podem desenvolver diversas
emoções, tais como: negação do diagnóstico, até se mentalizarem que são
portadores deste vírus; raiva por terem sido contaminados com o vírus;
preocupação em perceber como foram contagiados; tristeza por terem agora uma
doença contagiosa e com possibilidade de se tornar crónica, a qual normalmente
se transforma em depressão; medo e ansiedade pelo seu futuro e por não saber o
que poderá acontecer: esta ansiedade terá de ser descarregada para o exterior,
por vezes tomando uma forma agressiva, ou para o interior, que pode levar a uma
depressão (Marinho, et al.,2004; United States Department of Veterans Affairs
[USDVA], s.d.).
A hepatite viral é uma doença que é considerada como predisponente para o
desenvolvimento de síndrome de fadiga crónica, com sintomas depressivos durante
o período de convalescença da mesma, existindo também evidências de alguma
relação entre depressão e cirrose. No entanto, é difícil fazer um diagnóstico
de depressão, visto que os seus sintomas são muito semelhantes aos efeitos
físicos da cirrose, que são, por exemplo, a fadiga, anorexia, perda de peso,
entre outros (Collis & Lloyd, 1992, citados por Lloyd, 1997).
Por outro lado, a presença de sintomas psicológicos enquanto efeitos
secundários do tratamento, podem ter um impacto negativo sobre o percurso da
doença, prejudicar a adesão, agravar a percepção dos sinto-mas, reduzir
mais a qualidade de vida, fazer surgir um maior número de queixas somáticas e
dificuldades de adaptação aos sintomas da doença e aos sintomas associados ao
tratamento e, em algumas situações levar ao suicídio, ou ao aumento da
mortalidade (Miyazaki, et al., 2005).
Após a revisão da literatura para o presente estudo, reforçou-se a constatação
de que estas doenças crónicas têm um peso considerável na vida dos seus
portadores e, por este motivo, torna-se pertinente compreender quais as suas
vivências emocionais e sociais, associadas ao seu estado de saúde, que serão
alvo de desenvolvimento no estudo empírico que passamos a apresentar.
3 Metodologia
3.1 Objectivo
Com o presente estudo foi nosso objectivo compreender as vivências emocionais e
sociais dos indivíduos portadores de VIH e de HCC, através da análise do seu
discurso. Desta forma, pretendemos aceder ao significado de se ser portador de
uma doença crónica e das vivências e experiências adjacentes a este
acontecimento de vida.
3.2 Método
Por se pretender compreender os fenómenos a partir da perspectiva do outro,
dando relevância à experiência subjectiva e à forma como os sujeitos vivenciam
e interpretam o mundo social (Almeida & freire, 2003), ou seja, estudando
as vivências emocionais e sociais de indivíduos portadores de doenças
infecciosas e crónicas, como o serem portadores de VIH e HCC, optou-se pela
metodologia qualitativa.
A análise qualitativa, subjacente a este estudo, teve por base a metodologia
grounded analysis. Esta metodologia consiste num conjunto de procedimentos que
permite elaborar teorias através da recolha de dados relativos ao fenómeno a
ser estudado, e que facilita que a recolha de dados e a análise estabeleçam uma
relação mútua entre si, contribuindo assim para o desenvolvimento de teoria
(Fernandes, 2001, Rennie, Phillips & Quartaro, 1988, citados por fonte,
2005; Strauss & Corbin, 1990, citados por fonte, 2005).
Para fazer uma análise qualitativa através da metodo-logia grounded
analysis, devem-se seguir as seguintes fases: Selecção do Material Relevante
para a Análise; Categorização Descritiva; Elaboração de Memorandos;
Categorização Conceptual; Categorização Central; Hie-rarquia de Categorias;
Clarificação Estrutural; Cons-trução do Discurso do Grupo (Fonte, 2005).
3.2.1 Participantes
A população alvo deste estudo é constituída por 17 adultos, portadores de
doenças crónicas (VIH e HCC), internados no Serviço de Infecciologia do
Hospital de Joaquim Urbano, no Porto.
Os critérios de inclusão na amostra foram: os sujeitos terem idade superior a
18 anos, terem diagnóstico de infecção pelo VIH, em qualquer estádio da doença,
e infecção pelo VHC em fase crónica. Todos os participantes deram o seu
consentimento informado. Podemos verificar pela análise do Quadro 1 que é uma
amostra heterogénea, com um intervalo de idades situado entre os 23 e os 56
anos, com uma média de 36,94 anos e um desvio-padrão de 8,355.
QUADRO 1 Características sociais dos sujeitos entrevistados
Quanto ao género, a população é composta por 6 mulheres e 11 homens.
Relativamente ao estado civil, verificamos que os sujeitos são maioritariamente
solteiros (n = 11), contudo, verifica-se que 2 são separados, 1 é casado, 1
vive em união de facto, 1 é divorciado e 1 é viúvo.
Verifica-se que o nível de escolaridade é baixo, -uma média de 6,41 e um
desvio-padrão de 1,906.
Quanto à profissão, não se encontra um padrão homogéneo. Quanto ao número de
pessoas com quem vive, encontra-se um maior número de sujeitos que vivem com
uma pessoa (n=6), seguido de 4 sujeitos que referem viver sozinhos.
No quadro que se segue faz-se uma síntese da infor-mação clínica dos
sujeitos entrevistados.
QUADRO 2 Características clínicas dos sujeitos entrevistados.
A doença oportunista com maior prevalência, em 11 dos sujeitos, é a
Tuberculose, sendo seguida da Pneumonia. Podemos verificar que 10 dos sujeitos
souberam ser portadores de VIH há menos de 9 anos, inclusive, e que 11 souberam
há menos de 9 anos, inclusive, serem portadores da HCC.
Quanto à via de contaminação, a mais referida foi a via sexual com 41,2% dos
sujeitos (n=7), seguida da transmissão através de material usado no consumo de
drogas (n=6) e 4 sujeitos relatam não saber como ficaram infectados, se por
relações sexuais ou pelo material usado no consumo de drogas.
3.2.2 Instrumentos
O primeiro instrumento utilizado foi um Questionário Sociodemográfico, composto
por 13 perguntas, de índole social e clínica.
O segundo instrumento, uma Entrevista Individual Semi-Estruturada era
constituída por 10 perguntas abertas. Optou-se pela entrevista qualitativa como
uma das formas de recolher dados, pois esta tem como objectivo obter
informação, sendo que permite que o indivíduo transmita oralmente ao
entrevistador a sua definição pessoal das questões colocadas (Olabuénaga,
1996, citado por fonte, 2005, p. 293).
3.2.3 Procedimento
A recolha de dados foi feita no Hospital de Joaquim Urbano após autorização do
seu director, considerando todos os procedimentos éticos adjacentes à
adminis-tração dos instrumentos (Ribeiro, 1999).
Esta administração foi realizada no internamento e de forma individual, com
duração aproximada de 40 minu-tos, após 3 consultas com o doente, e depois
de assina-do o seu consentimento informado (Ribeiro, 1999).
Todos os registos foram feitos por escrito pelo investigador devido às
condições físicas dos doentes, debilitados, com trémulo e dificuldade em
escrever por estarem deitados.
4 Apresentação dos resultados
Nota Prévia: Em todas as questões optamos por recor-rer a excertos do
discurso dos elementos da amostra para uma melhor explicitação dos conteúdos.
Questão 1 a) O que foi para si saber que era portador de uma doença
considerada grave? b) Foi Hepatite ou VIH?
Analisando a questão 1, que tem como objectivo per-cepcionar quais as
emoções sentidas pelos sujeitos aquando da recepção da notícia de ser portador
de uma doença crónica, com cariz social e moral de grande impacto negativo, tal
como o VIH e mesmo a HCC, surgem diversas emoções, no entanto, estas são
vivenciadas relativamente ao diagnóstico do VIH e não da HCC.
Os sentimentos expressos são maioritariamente emoções negativas, seguidas de
sensação de fim de uma ordem prévia com sentimentos de cariz negativo, choque e
trauma. Contudo, surge um sentimento de cariz menos negativo, o conformismo,
referido por 4 dos 17 entrevistados.
Pareceu que o mundo ia desabar e perguntei a Deus que mal é que eu tinha
feito.(S3)
Muito mau, ruim, parece que o mundo acaba naquele momento e para uma pessoa se
recompor outra vez é preciso muito esforço e há quem não consiga! É um choque
total, pensa-se que só acontece aos outros, mas não, a nós também!(S4)
TABELA 1 Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 1a).
1 O que foi para si saber que era portador de uma doença considerada grave?
Categorias de 1ª Categorias de 2ª ordem
ordem
Muito mau N=3
Fui-me abaixo N=2
Difícil N=1
Tristeza N=1
Choro N=1
Emoções negativas N=8 referências em 7
sujeitos
Fim do mundo N=2
Horror N=2
Desespero N=1
Suicídio N=1
ficar de rastos N=1
Fim de uma ordem prévia com sentimentos de cariz N=7 referências em 6
negativo sujeitos
Choque N=4
Traumático N=1
Choque e trauma N=5 referências em 5
sujeitos
Conformismo N=4
Conformismo N=4 referências em 4
sujeitos
Percebe-se também nas respostas à questão 1b) que o VIH é mais precocemente
diagnosticado que a HCC, sendo que mesmo alguns dos sujeitos que referem ter
sabido primeiro serem portadores do VIH e posteriormente da HCC, afirmam que já
seriam portadores da HCC no momento do diagnóstico do VIH, informação
transmitida pelos médicos, quando diagnosticaram a hepatite.
TABELA 2 Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 1b).
Foi Hepatite ou VIH?
Categorias de 1ª ordemCategorias de 2ª ordem
Primeiro VIH N=8
Primeiro VIH N= 8 referências em 8 sujeitos
Duas ao mesmo tempo N=6
Duas ao mesmo tempo N= 6 referências em 6 sujeitos
Primeiro VHC N=3
Primeiro VHC N= 3 referências em 3 sujeitos
Questão 2 a) Sentiu-se de forma diferente quando soube da Hepatite e quando
soube do VIH? b) Consegue descrever o que sentiu?
Nesta questão pretende-se perceber qual das duas infecções tem maior impacto e
os sentimentos referen-tes a cada uma delas (Tabelas 3, 4 e 5).
TABELA 3 Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 2a).
2 Sentiu-se de forma diferente quando soube da Hepatite e quando soube do
VIH? Consegue descrever o que sentiu?
Categorias de 1ª ordemCategorias de 2ª ordem
Qual teve mais impacto
Mais o VIH N=14
Mais o VIH N=14 referências em 14 sujeitos
Idêntico N=3
Idêntico N=3 referências em 3 sujeitos
TABELA 4 Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 2b).
Consegue descrever o que sentiu? Reacções ao VIH
Categ. de 1ª ordem Categ. de 2ª ordem
Passou-me a vida N=2
toda à frente
Choque N=2
frustração grande N=1
Matou-me N=1
Tiraram-me o chão N=1
Muito mal N=1
Frio grande N=1
Bati mal N=1
Já é demais N=1
Mal N=1
Trauma N=1
Partiu-me todo N=1
Choque N=14 referências
em 10 sujeitos
Medo de morte precoce N=2
Medo de desprezo N=1
Assustada N=1
Medo N=4 referências
em 4 sujeitos
Vontade de desistir N=2
Ideias suicidas N=2
Impotência para N=4 referências
continuar em 4 sujeitos
TABELA 5 Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 2c).
Consegue descrever o que sentiu? Reacções ao HCC
Categ. de 1ª ordem Categ.de 2ª ordem
Não afectou N=3
Mal me lembro N=1
Nem me lembrava N=1
que tenho isso
Não ligo N=1
Normal N=1
Reacção sem N=7 referências
importância em 5 sujeitos
Menor impacto N=2
Não é nada compa- N=1
rado com o VIH
Recebi a notícia de N=1
outra maneira
Olha mais uma! N=1
Reacção de menor N=5 referências
intensidade comparativa em 5 sujeitos
com a do VIH
Susto N=1
Desânimo N=1
Tristeza N=1
Chocada N=1
Pancada momentânea N=1
Reacção com impacto N=5 referências
negativo em 4 sujeitos
As respostas dadas demonstram que o VIH é sentido com maior impacto, em 14 dos
17 sujeitos entrevistados, do que a HCC.
Do HIV senti trauma...(S13)
... a hepatite não me afectou,...(S4)
O VIH é o pior, a outra mal me lembro que tenho.(S6)
Da hepatite não senti nada...(S17)
É de realçar que nenhum refere a HCC com maior impacto, nem mesmo os sujeitos
que souberam pri-meiro da hepatite.
Os sentimentos descritos pelos sujeitos, quanto ao diagnóstico do VIH, são de
grande impacto negativo. Encontramos 14 referências ao choque (em 10 sujeitos
dos 17 entrevistados), seguido pelo medo e pela sen-sação de impotência
para continuar.
O que importa é que tenho o VIH, esse é que me cho-cou!(S8)
...às vezes tinha medo de ser desprezado, mas não digo a ninguém o que tenho.
(S2)
...pensava que ia morrer num instante...(S14)
Senti vontade de desistir, de ver a luz do dia, cheguei a escrever cartas a
dizer à família que os amava mas que não podia cá ficar.(S2)
...a minha vontade foi fazer asneiras e desaparecer...(S14)
Verifica-se assim uma grande frequência de sentimen-tos negativos em
relação ao VIH, o que não acontece com o conhecimento do diagnóstico da HCC, em
que um dos sujeitos refere:
Agora que fala, lembro-me que me disseram que tenho Hepatite C, mas na altura
que me disseram nem liguei a isso e não ligo.(S8)
Percebe-se que as reacções descritas em relação ao diagnóstico da HCC mostram
sentimentos sem rele-vância perante esta infecção, como se verifica nas 7
referências de reacção sem importância, reacção nunca descrita por nenhum
sujeito perante o diagnóstico do VIH. Mesmo nos sujeitos que demonstram que
sentiram a Hepatite C crónica de alguma forma negativa, estes sentimentos têm
menor impacto quando comparados com os suscitados pelo VIH.
Questão 3 a) Partilhou a notícia com alguém? b) Com quem? c) Qual foi a
reacção dessa(s) pessoa(s)? Ao analisar estas questões (Tabela 6), nas quais se
pre-tende saber se o sujeito contou a alguém a notícia da sua infecção, a
quem e qual a reacção dessa pessoa, percebe-se que todos os sujeitos
partilharam com alguém a notícia da sua doença, à excepção de um sujeito que só
contou da HCC e não contou do VIH pois, como refere:
Só partilhei da hepatite, com o tal amigo, reagiu bem e dá-me apoio. Do VIH
não tenho coragem de contar.(S10)
TABELA 6 Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 3a).
3 Partilhou a notícia com alguém?
Categorias de 1ª ordem Categorias de 2ª
ordem
Do VIH não, só do VHC, não tem N=1
coragem
Sim N=17
Sim N=17 referências em 17
sujeitos
Ao examinar as respostas obtidas na questão 3b), veri-ficamos que os
sujeitos partilharam o diagnóstico com as pessoas significativas, família,
amigos e a quem os contaminou, verificando-se que há um maior número de
sujeitos que contaram aos pais (Tabela 7).
TABELA 7 Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 3b).
Com quem?
Categorias de 1ª ordemCategorias de 2ª ordem
Pais N=6
Pais N=6 referências em 6 sujeitos
Irmãos N=5
Irmãos N=5 referências em 5 sujeitos
Mãe N=4
Mãe N=4 referências em 4 sujeitos
Amigos N=4
Amigos N=4 referências em 4 sujeitos
Quem me contaminou N=2
Quem o contaminou N=2 referências em 2 sujeitos
Encontramos, pois, apenas um sinal de tentativa de ocultação do VIH:
Sim, só com quem partilhava as seringas, um amigo, foi o que me passou.(S16)
No que se refere à tabela 8, verifica-se que perante a notícia, as pessoas
significativas a quem o sujeito contou, tiveram maioritariamente uma aceitação
pro-activa (aceitaram e desenvolveram algum tipo de acção de índole
positiva), seguida de respostas emocionais negativas contidas e de aceitação
passiva:
Só à minha irmã, ela considerou normal. Ela apoiou-me sempre, ajudou-me a
enfrentar.(S8)
TABELA 8 Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 3c).
Qual foi a reacção dessa(s) pessoa(s)?
Categorias Categorias
de 1ª ordem de 2ª ordem
Apoio N=6
Aconselhamento N=2
Deu informaçã N=1
Ajuda a N=1
enfrentar
Confortou N=1
Convenceram-se N=1
a ajudar-me
Aceitação N=12 referências
proactiva em 9 sujeitos
Choro N=2
Tristeza N=2
Desconforto N=1
total
Nada contente N=1
Revolta N=1
Resposta emocional N=7 referências
negativa contida em 5 sujeitos
Normal N=3
Aceitou N=2
Bem, dentro N=1
dos possíveis
Aceitação passiva N=6 referências em 6
sujeitos
Reclamaram N=1
Bateram-me N=1
Expulsão de N=1
casa
Má reacção N=1
Resposta emocional negativa acompanhada de comportamentos críticos/ N=4 referências em 3
agressivos sujeitos
Em oposição a estas reacções, surgem as reacções de resposta emocional negativa
acompanhada de compor-tamentos críticos/agressivos, que 3 sujeitos
referen-ciaram (Tabela 8):
O meu pai reagiu mal, tentou bater-me e disse que não me queria mais em casa,
a minha mãe não falou, só disse para ficar, ficar, mais nada, era inválida.
(S5)
Questão 4 Que impacto é que teve na sua vida ser portador de uma doença deste
tipo?
Os resultados obtidos nas questões anteriores confirmam-se, ao analisar, na
questão 4, o impacto que os sujeitos sentiram na sua vida por serem portadores
de uma destas doenças, predominando o VIH e não dando relevância à HCC (Tabela
9).
TABELA 9 Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 4.
4 Que impacto é que teve na sua vida ser portador de uma doença deste tipo?
Categorias de 1ª ordem Categorias de 2ª ordem
Mudei maneira de ser N=3
Bastante impacto, em todos N=2
os meios
Acidente de avião N=1
Mundo ia acabar N=1
Não sou a mesma N=1
Momento de ruptura N=8 referências em 8 sujeitos
Vergonha N=2
Mau N=1
Tive inveja da saúde dos N=1
outros
Desesperança N=1
Revoltada comigo e com a N=1
vida
Emoções negativas N=8 referências em 7 sujeitos
Retraído com a vida N=2
Emoções negativas N=8 referências
em 7 sujeitos
Vida inconstante N=1
Vida piorou N=1
Afastamento N=1
da família
Abandono N=1
do trabalho
Reformulação N=6 referências
de vida negativa em 5 sujeitos
Mais uma vez, verificam-se sentimentos de grande cariz negativo, em relação ao
VIH, em que surgiram descrições que consideramos reflectirem um momento de
ruptura nas suas vidas, aquando do diagnóstico, em cerca de metade dos
sujeitos.
Destacam-se ainda referências a emoções negativas e a situações de reformulação
de vida de cariz negativo:
Acho que tipo acidente de avião, não consigo descrever melhor, deve ser o
mesmo tipo de sofrimento.(S1)
A minha vida piorou, nunca mais fui a mesma, antes era uma moça saudável,
cheia de energia e desde que soube da doença não sou a mesma.(S5)
Todos os aspectos negativos que a vida tem.(S3)
O impacto foi em tudo, pensar que ia morrer, vergonha, medo de ser
discriminado e todos esses sentimentos.(S15)
Questão 5 Que impacto é que teve nas suas relações sociais (família, amigos,
colegas)?
O impacto relatado na questão anterior parece não transparecer nas respostas a
esta questão, em que cerca de metade dos sujeitos refere que não houve qualquer
impacto a nível social (Tabela 10).
TABELA 10 Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 5.
5 Que impacto é que teve nas suas relações sociais (família, amigos)?
Categorias de 1ª ordem Categorias de 2ª ordem
Família manteve-se igual N=3
Amigos mantiveram-se iguais N=3
Família não mudou muito N=2
Não muito, poucas pessoas N=1
sabem
Não mudou nada N=1
Sem impacto N=10 referências em 8
sujeitos
Amigos afastaram-se N=4
Alguns amigos afastam-se N=2
Impacto negativo nos amigos N=6 referências em 5
sujeitos
Apoio da família N=5
Impacto positivo na famíliaN=5 referências em 5
sujeitos
Não mudou nada com ninguém, até passaram a ajudar-me mais, tanto a família e
amigos porque são mesmo amigos, mas só contei aos mais chegados, aos outros
não.(S13).
No entanto, não se pode inferir a inexistência de reflexos nas relações sociais
pois a informação de ser portador de VIH só foi contada a poucas pessoas e
significativas, pelo que não se pode ter noção da real dimensão que poderia ter
numa divulgação mais ampla, ou seja, se fosse contado a pessoas menos
significativas, como se comprova nas 6 referências sobre o impacto negativo nos
amigos:
...e amigos, começaram a afastar-se de mim, já não me ligavam, desprezavam-me.
(S5)
Amigos, alguns rejeitaram-me...(S10)
Em contrapartida, aparecem algumas referências de impacto positivo na família,
ou seja, a partilha do diag-nóstico originou uma postura de maior suporte
por parte da família:
...até passaram a ajudar-me mais, tanto a família e amigos porque são mesmo
amigos... Passaram-me a tratar melhor porque sabem que perdi muito a nível
social e porque fiquei traumatizado.(S13)
Na família, dão-me apoio e deram sempre...(S15)
Questão 6 E a nível afectivo, como foi viver e conviver com esta nova
condição? Que mudanças ocorreram no seu comportamento e nos seus afectos?
Nas respostas a esta questão verificam-se um grande número de referências
quanto a alterações adaptativas dos afectos (que reflectem um retraimento
quanto aos relacionamentos, principalmente por receio das reac-ções dos
outros), sendo estas maioritariamente negati-vas. Surgem 8 referências, em
7 sujeitos dos 17 entre-vistados, de cuidados de teor preventivo que
surgiram após o diagnóstico (Tabela 11).
TABELA 11 Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 6.
6 E a nível afectivo, como foi viver e conviver com esta nova condição? Que
mudanças ocorreram no seu comportamento e nos seus afectos?
Categorias de 1ª ordem Categorias de 2ª ordem
Não tenho relacionamentos longos para não ter de contar que tenho N=2
VIH
Afasto-me quando começo a gostar de alguém a sério N=2
Não quero sofrer N=1
Só tive um relacionamento (4 anos depois de saber) e casei-me N=1
Poucos relacionamentos N=1
Tive relacionamentos curtos para não me chatearem N=1
Medo relacionamentos N=1
Alterações adaptativas nos N=9 referências em 7
afectos sujeitos
Mais precauções N=3
Relações só com preservativo N=2
Mais preocupações N=2
Separo tudo o que é meu N=1
Cuidados N=8 referências em 7
sujeitos
É raro ter relações sexuais N=2
Durante algum tempo senti medo de ter relações N=1
Nos primeiros tempos não tive relações N=1
Medo de ter relações sexuais N=1
Afecta um bocado N=1
Nunca é como antes N=1
Alteração no relacionamento N=7 referências em 5
sexual sujeitos
Não quer contar a namorado(a) N=3
Medo de desprezo N=2
Medo que tenham pena N=1
Medo de coitadinho, mas longe de mim N=1
Medo de sentimentos negativos N=7 referências em 5
sujeitos
Aparecem também alterações no relacionamento sexual e medo de sentimentos
negativos, ambos com um impacto restritivo nos relacionamentos:
Mas não gosto de me apegar muito, para não sofrer... prefiro conhecer várias
raparigas diferentes e nunca contar, pois podem rejeitar-me, assim afasto-me eu
quando vejo que estou a gostar demais. Mas uso sempre protec-ção.(S4)
Fiquei com mais medo de ter relações, e de ter namo-rado porque vou ter de
dizer a verdade e quem é que vai querer? Vão desprezar-me...(S6)
Questão 7 Quando pensa no facto de ser portador de uma doença crónica, como é
que olha para o passado?
Nesta questão, surge com grande destaque a categoria de arrependimento em
relação ao passado, com 17 refe-rências em 12 dos sujeitos entrevistados
(Tabela 12):
Se soubesse o que sei hoje não me tinha metido em certas coisas, gostava de
voltar atrás.(S14)
Com mágoa, arrependimento do passado que tive e do que fiz, de não o poder
corrigir e gostava de pensar como penso agora.(S16)
TABELA 12 Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 7.
7 Quando pensa no facto de ser portador de uma doença crónica, como é que
olha para o passado?
Categorias de 1ª ordem Categorias de 2ª ordem
Arrependimento N=9
Voltava atrás N=4
Medo de ter prejudicado N=1
alguém
Remorsos N=1
Culpa N=1
Não aproveitei a vida N=1
Arrependimento N=17 referências em 12
sujeitos
Quero deixar tudo o que está N=2
para trás
Vontade de recomeçar de novo N=1
Só olho para a frente N=1
As coisas acontecem e agora N=1
temos de lutar
Enfrentar o futuro N=5 referências em 3
sujeitos
Nostalgia N=1
Tristeza N=1
Mágoa N=1
Tristeza N=3 referências em 3
sujeitos
Revolta N=1
Inconformismo N=1
Revolta/Inconformismo N=2 referências em 2
sujeitos
No entanto, encontrámos um conjunto de referên-cias que se agregam na
categoria que denominamos enfrentar o futuro, que assume um carácter
positivo, mas com uma diferença muito grande em relação ao número de
referências verificada na categoria anterior:
Quero deixar tudo para trás e começar uma nova vida, para ter mais tempo de
vida.(S6)
Outras categorias que resultam da agregação das res-postas são a tristeza e
a revolta/inconformismo, que demonstram sentimentos negativos.
Por isto, pode-se concluir que os sujeitos entrevistados recordam o seu passado
de forma maioritariamente negativa.
Questão 8 Que peso tem a doença na forma como vê o seu futuro?
Confrontados com uma doença crónica, alguns dos sujeitos vivem com a visão de
futuro incerto, o que se comprova com as 7 referências, que levaram à
forma-ção da categoria Incerteza (Tabela 13).
TABELA 13 Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 8.
8 Que peso tem a doença na forma como vê o seu futuro?
Categorias de 1ª ordem Categorias de 2ª ordem
Mais precauções N=2
Vivo o dia-a-dia N=2
futuro incerto N=1
Não faço planos a longo N=1
prazo
Incógnito N=1
Incerteza N=7 referências em 6
sujeitos
Com esperança N=2
Refazer a vida para ter N=1
hipótese
Com expectativa N=1
Vontade de mudar N=1
Tento esquecer para ter uma N=1
vida melhor
Esperança N=6 referências em 5
sujeitos
Não há futuro N=4
Curva descendente, sempre em N=1
queda
Sem futuro N=5 referências em 5
sujeitos
Peso grande N=2
Revolta N=1
Emoções negativas N=3 referências em 3
sujeitos
Sinto-me conformado N=1
Conformado N=1 referência em 1 sujeito
Futuro não sei! Será que tenho? Sinto que estou farto de sofrer, de ser
internado e às vezes de viver!(S4)
No entanto, após a categoria Incerteza, encontra-mos dois extremos,
referências, por 5 sujeitos, de Esperança e outras referências, por também 5
sujei-tos, de percepção de Sem futuro:
... no futuro tenho muita esperança.(S10)
A direcção é a morte, devido à idade que tenho e ao tempo que tenho VIH, se
viver mais uns anos é sorte, mas não quero morrer. Futuro, que futuro? Não
tenho...(S3)
No discurso dos sujeitos perante esta questão, surge novamente uma categoria de
Emoções negativas, o que se encontra em conformidade com o discurso
encontrado em questões anteriores.
É de realçar que surge uma única referência ao conformismo perante o futuro:
Agora estou mais conformado.(S1)
Questão 9 Sendo uma doença crónica, implica diferentes níveis de sofrimento,
que variam de pessoa para pessoa. De que modo associa o sofrimento ao seu
presente e ao seu futuro? (Tabela 14).
TABELA 14 Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 9.
9 Sendo uma doença crónica, implica diferentes níveis de sofrimento, que
variam de pessoa para pessoa. De que modo associa o sofrimento ao seu presente
e ao seu futuro?
Categorias de 1ª ordem Categorias de 2ª
ordem
faço contas ao tempo que falta e já N=1
passou
Não quero morrer N=1
farto de sofrer N=1
farto de viver às vezes N=1
farto de ser internado N=1
Mal de todas as maneiras N=1
Preocupações com filhos N=1
Irritação N=1
Choro N=1
Evitação N=1
Medo de dependência de terceiros N=1
fragilidade psicológica N=1
Medo de meter nojo de magra N=1
Presente com N=13 referências em 9
sofrimento sujeitos
emocional
Estou mal N=1
Medo de ficar debilitado N=1
Medo de ficar muito mal N=1
Medo de doenças N=1
Medo das doenças oportunistas N=1
Sofro fisicamente N=1
Instabilidade física N=1
fisicamente mal N=1
Sofrimento físico/ N=8 referências em 7
Medo de sofrimento sujeitos
físico
Já aceitei N=2
Estou capacitado que tenho isto N=1
Mentalizado N=1
Cuido de mim N=1
Não ligo a ser seropositiva N=1
Aceitação da doen?=6 referências em 6
sujeitos
Incerteza do futuro N=3
Não sei como vou estar N=1
Não sei se tenho futuro N=1
Não sei o que me acontece daqui a meio N=1
ano
Incerteza do futuro N=6 referências em 5
sujeitos
A categoria com maior relevo, pelo número de referências é Presente com
sofrimento emocional, na qual encontramos 13 referência (em 9 sujeitos dos 17
entrevistados), que tem em comum com a categoria do Sofrimento físico/Medo de
sofrimento físico, o medo, que prevalece no discurso dos sujeitos:
Penso que o futuro vá ser pior, vou ter menos defesas, fica mais complicado,
podem aparecer novas doenças. Quando somos novos não nos acontece nada, a idade
vai avançando e elas começam a aparecer, como agora. Acho que vou ficar
dependente e vou ser mais frágil psicologicamente.(S16)
Agora estou a sofrer fisicamente, nunca sei como vou estar, se estou para
cima, para baixo, isto das defesas...(S6)
Contrapondo estas duas categorias surge a categoria Aceitação da doença, com
exactamente os mesmos números de sujeitos e de referências que a categoria
anterior (6 referências em 6 sujeitos):
Já aceitei bem, por isso não sofro. Agora tenho mais força de vontade.(S2)
Destaca-se, também, a categoria Incerteza do futu-ro, que se mantém em
conformidade com a questão anterior:
Ao futuro, não sei o que me pode acontecer daqui a meio ano!(S7)
Questão 10 E a morte, é um pensamento que o preocupa de forma diferente desde
que soube que era portador desta doença?
Verifica-se que, maioritariamente após o diagnóstico, os sujeitos preocupam-se
de forma diferente com a morte (10 sujeitos) (Tabela 15).
TABELA 15 Categorias de 1ª e 2ª ordem obtidas na questão 10.
10 E a morte, é um pensamento que o preocupa de forma diferente desde que
soube ser portador desta doença?
Categorias de 1ª ordem Categorias de 2ª
ordem
Sim N=10
Sim N=10 referências em 10
sujeitos
Não N=7
Não N=7 referências em 7
sujeitos
Mais medo da morte porque pode ser a qualquer segundo N=3
Tem-se sempre medo da morte N=2
Penso mais na morte N=2
Encarar a morte de frente N=1
Tenho medo de viver, o que fará da morte! N=1
Não quero morrer, mas já posso ir, é melhor para todos N=1
Medo da morte N=10 referências em 6
sujeitos
Medo de sofrer N=2
Mais assustado N=1
Mais receio N=1
Temos mais medos pois no fundo estamos mais agarrados às N=1
pessoas
Não quero ser um peso para a família N=1
Não quero sofrer N=1
Tenho pavor de sofrer N=1
Medo N=8 referências em 6
sujeitos
Quero viver mais uns anos N=1
Quero é ter vida N=1
Vivo mais a vida N=1
Aproveito bem a vida N=1
Quero ver o meu filho crescer, saber que fica bem N=1
Peço todos os dias a Deus que me mantenha viva N=1
Vontade de viver N=6 referências em 4
sujeitos
A SIDA não mata N=1
Chega a todos, não a podemos evitar N=1
É igual. Este vírus não mata logo, há N=1
tratamento
Não é um buraco negro N=1
Só penso na morte quando ela estiver à N=1
porta
Conformismo N=5 referências em 5
sujeitos
Quero morrer sem sentir, logo N=2
Tenho medo de morrer N=1
Medo de sofrimento prolongado N=1
Não quero passar pela fase terminal N=1
Medo da forma N=5 referências em 3
como morre sujeitos
O Medo da morte surge referenciado dez vezes, e o medo no seu sentido mais
lato aparece em 8 referên-cias, bem como o Medo da forma como morre, que
teve 5 referências, o que demonstra que estes sujeitos vivenciam muito o medo:
Sim. Tenho medo de sofrer, preferia morrer depois de adormecer, tipo deitar-me
para dormir e não acordar. Não penso que vá morrer já, só tenho mesmo medo do
sofrimento prolongado.(S15)
Não tenho medo de morrer, tenho pavor de sofrer!
Não vou passar o período de sofrimento, Deus não pode permitir que passe uma
fase terminal, quero morrer logo, não ficar cadavérica, não quero!(S17)
Em antítese à questão 8, aqui verifica-se um maior número de sujeitos que
referem estar conformados com a morte, por ser algo inevitável:
Não. Quando vier a morte, o que é que a gente vai fazer? Chega a toda a gente,
não a podemos evitar.(S11)
4.1 Construção do discurso do grupo
Concluída a clarificação estrutural, passamos a fazer a construção do discurso
do grupo, sendo esta a última fase do processo da análise qualitativa.
De forma geral, podemos verificar que os sujeitos entrevistados encaram o VIH
não como um vírus que os pode fazer adoecer, mas sim como uma ameaça permanente
à sua vida, enquanto o diagnóstico de HCC não tem relevância para eles, embora
seja também uma doença que pode levar à morte, pelo que a maior parte dos
elementos inquiridos relata que este diagnóstico não teve qualquer impacto, e
os poucos sujeitos que o referem, descrevem-no como momentâneo e bastante
inferior ao do diagnóstico do VIH, pois agora não tem qualquer importância.
O VIH é vivido com uma ansiedade permanente, desde que os indivíduos sabem ser
portadores, até ao final das suas vidas, dado que, mesmo os que referem saber
há mais de 10 anos, continuam a evidenciar ansiedade, e dois dos sujeitos
entrevistados já morreram.
Os sujeitos relatam sentimentos de tristeza, choque, desespero, medo da morte
precoce, medo de desprezo, auto-isolamento e ideias suicidas no momento em que
o vírus lhes foi diagnosticado, mantendo estes sentimen-tos em relação a
tudo o que se relaciona com o VIH.
Verifica-se que todos os sujeitos contaram a alguém sobre o serem portadores de
uma doença crónica, sendo que só um dos sujeitos é que não contou ter VIH, mas
sim só ter HCC, exactamente pelo medo de desprezo pela parte dos outros que é,
aliás, comum a todos os sujeitos. Estes demonstram ter ainda receio de contar a
algumas pessoas, tais como namorados (as) ou a amigos (as), pelas reacções que
daí possam advir.
No entanto, as reacções que se encontram com mais frequência por parte das
pessoas a quem contaram são de aceitação proactiva, ou seja, para além de
aceitarem esta nova condição, também passaram a dar um maior apoio.
Os sujeitos entrevistados relatam que ao contarem a notícia, as suas relações
não sofreram grandes altera-ções, sendo que, ao nível familiar, a maior
parte melho-rou, mas alguns relatam que os amigos se afastaram. As piores
reacções das pessoas significativas a quem contaram foram uma resposta
emocional negativa com comportamentos críticos/agressivos, tais como, a
expul-são de casa, agressão física e desprezo.
Ao nível dos relacionamentos afectivos verificam-se várias modificações nos
comportamentos. Os partici-pantes referem terem mudado a forma como se
rela-cionam, pois não querem contar ao companheiro(a) por medo de desprezo
e abandono e, por isso, ou decidem ter vários relacionamentos sem que sejam
sérios, ou o seu interesse diminui e decidem não ter relacionamen-tos. Ao
nível sexual notam-se restrições em frequência e em qualidade, pois os sujeitos
relatam ter mais cui-dados, usando sempre preservativo e alguns diminuem a
frequência das relações sexuais.
Os participantes referem-se ao passado com arrepen-dimento, tristeza e
revolta. Contudo, alguns relatam que preferem não falar do passado mas sim no
futuro.
Em relação ao presente, este é vivenciado com sofri-mento emocional (como
por exemplo fazendo a conta-gem de tempo que já passou e que ainda falta
até morre-rem), com fragilidade psicológica e preocupações com o sofrimento
físico, medo de doenças oportunistas, e com instabilidade física, consequência
da evolução da carga vírica, também relatada como agente de incerteza.
Todos estes sentimentos acarretam uma sensação de incerteza perante o futuro,
de tal modo que alguns afirmam não terem futuro. Esta dúvida constante em que
vivem leva-os a pensar na morte com mais medo, pois sentem estar em perigo
iminente, têm medo de sofrer e da forma como vão morrer.
O VIH/SIDA abrange toda uma vivência geradora de elevados níveis de ansiedade
permanente, pela incer-teza e sentimentos negativos vividos pelos sujeitos
portadores do vírus e pelo peso que esta doença ainda tem na sociedade.
A HCC, como já foi referido anteriormente, tem um menor impacto.
5 Discussão dos resultados
Após a apresentação dos dados, podemos registar que os resultados vão ao
encontro da literatura consultada. Constatamos, então, que os sentimentos mais
comuns vivenciados pelo sujeito, após o diagnóstico de ser portador da infecção
por VIH, são a culpa, arrepen-dimento, sensação que a vida acabou, ideias
suicidas, medo, medo de discriminação, diminuição de relações sexuais e
isolamento social (Neto, et al., 2004; Ostrow, 1997; Remor, 1999; Teva, et al.,
2005).
O nível elevado de incerteza, que estes sujeitos vivem, provoca consequências a
nível emocional, tais como ansiedade, depressão e raiva, derivados do estigma
social da doença, do diagnóstico por si só, da dúvida a quem contar e o tentar
esconder, e da incerteza da forma como vai evoluir a doença (Ostrow, 1997;
Remor, 1999; Teva, et al., 2005).
Nota-se, no discurso dos sujeitos entrevistados, pre-ocupação em relação a
quem revelar a sua condição, pela possibilidade de discriminação e ruptura de
rela-cionamentos e, como consequência destes receios, estes sujeitos tendem
a isolar-se para não terem de revelar o diagnóstico (Herek, 1990, citado por
Grilo, 2001).
Verificaram-se alterações ao nível dos relacionamentos, em especial a nível
sexual, em que relatam uma diminuição desta actividade. Esta redução de
frequência da actividade sexual foi demonstrada em alguns estudos elaborados
sobre esta temática (Herek, 1990, citado por Grilo, 2001).
Nos estudos acima referidos, concluiu-se que, estes sujeitos, embora queiram
manter-se sexualmente acti-vos, apercebem-se que podem contagiar outra
pessoa com o vírus, e que mesmo tendo cuidados, continua a existir algum risco
de contágio. Por este motivo optam por procurar um companheiro(a) também
infectado com o vírus, o que faz com que não se sintam tão inse-guros
quanto a uma possível rejeição e a um possível contágio, embora estejam
conscientes de uma provável reinfecção, ou optam pela abstinência sexual,
(Neto, et al., 2004; Remor, 1999; Schonnesson & Clemente, 1995, citados por
Grilo, 2001).
Alguns dos sujeitos que foram infectados por via sexual, decidiram não voltar a
ter relações sexuais, pois esta actividade foi a responsável por serem agora
portadores desta doença (Ross & Ryan, 1995, citados por Grilo, 2001).
A incerteza perante o futuro, relacionada com esta temática, não tem sido muito
estudada, contudo, percebe-se que estes sujeitos, após receberem o
diag-nóstico, mesmo estando numa fase inicial da doença, repensam os seus
planos futuros e alguns desistem deles (Grilo, 2001). Como se verificou no
presente estu-do, a morte passa a ser um pensamento mais presente na vida
dos sujeitos e tem como origem esta incerteza perante o futuro, o facto da
doença não ter cura, o receio de morte precoce e todas as perdas que a morte
acarreta, tornando-se assim um agente ansiogénico (Grilo, 2001).
É de salientar que todos os sujeitos dirigiram a entrevista para a sua vivência
enquanto portadores de VIH/SIDA e não deram relevância à HCC.
6 Conclusão
O presente estudo confirma a existência de alterações emocionais e sociais na
vida dos indivíduos portadores das duas doenças crónicas aqui abordadas.
Surgiu como principal sintoma a ansiedade e foi confir-mada a experiência
do estigma social no discurso dos participantes, mas estes dois pontos surgiram
associa-dos ao VIH/SIDA e nunca à HCC.
Concluímos que o VIH/SIDA é, no grupo estudado, de entre as duas doenças
estudadas, a que acarreta consigo mais sentimentos negativos e uma menor
esperança quanto ao futuro.
Esta oportunidade de dar voz a indivíduos portadores de VIH/SIDA e HCC
contribui para uma melhor compre-ensão das suas vivências, e percebeu-se
que a ansie-dade e o estigma social são dois pontos fulcrais a serem
trabalhados, tanto com os próprios indivíduos, como com as pessoas para si
significativas e com a sociedade em geral.
A equipa multidisciplinar, neste contexto, tem um papel muito importante, pois
tem em vista atingir um objectivo comum, o bem-estar do indivíduo, permitindo
que lhe seja feita uma abordagem biopsicossocial, pelo que só um atendimento
colectivo e multidisciplinar por profissionais de diversas áreas é que pode
fazer frente às múltiplas necessidades destes indivíduos.
Deste modo, a equipa deverá dar maior relevo à infor-mação e ao apoio ao
indivíduo, como um elemento facilitador da adesão terapêutica, que depende da
percepção que este tem da doença e do benefício da terapêutica, principalmente
se for um doente assinto-mático. Deve ainda ajudar o indivíduo a
desenvolver competências de forma a facilitar a sua adaptação à doença e, para
tal, tem de intervir ao nível das crenças, cognições, expectativas e fontes de
suporte que pos-sam limitar a mesma.
Nos portadores do VIH/SIDA e da HCC deve-se dar especial atenção à adesão
terapêutica para a HCC e aos comportamentos de risco com os outros, com quem se
relacionam, visto terem uma importância diminuída para estes indivíduos.
Desta experiência retiramos a possibilidade de dar voz a indivíduos que vivem
de forma muito particular a dor de serem portadores de doenças atemorizantes do
ponto de vista psicológico, físico e social, bem como matéria de reflexão sobre
a necessidade de continuar a dar atenção a estas temáticas nos domínios da
saúde física, psicológica e social.