Educação estética, dança e desporto na escola
La formación estética se explicita en el horizonte de lo humano,
connatural al evento estético vivido en la práctica de la convivencia cultural,
de la actitud receptora crítica y de la búsqueda expresivo-comunicativa.
Mario Gennari
(13)
INTRODUÇÃO
O valor pedagógico do desporto desde há muito se encontra firmado, achando-se a
actividade desportiva presente, sobre as suas múltiplas formas, nos currículos
nacionais desde o ensino básico até ao secundário (da actividade física mais
exploratória aos desportos mais estruturados). Também a dança regista presença
ao longo de todo o currículo escolar. Encontra-se situada na área da expressão
e educação físico-motora no 1º ciclo e, em relação aos 2º e 3º ciclos do ensino
básico, surge como uma extensão da educação física, constando da programação da
disciplina uma rubrica integrada no bloco das actividades rítmicas e
expressivas. Ao nível do 3º ciclo, a dança enquadra-se ainda na opção de
educação artística da escola, sendo que os alunos nos 7º e 8º anos, além da
frequência da disciplina de educação visual deverão prosseguir uma segunda
disciplina da área da educação artística (música, teatro, dança, ou outra). No
que se refere ao ensino secundário, aparece de novo integrada no currículo da
educação física. Por último, o ensino da dança está ainda contemplado nas
actividades do desporto escolar.
Sendo consensual que a dança é considerada uma forma de arte, na escola o
currículo posiciona-a muito próxima do desporto, numa zona de inter-face que,
se privilegiada, pode constituir-se num espaço de encontro e de coexistência de
desporto, estética e arte. A delimitação destes domínios é, de resto, cada vez
mais complexa e, porventura, mesmo indesejável. Quando os artistas praticam
tanto ou mais do que os desportistas, participam em concursos e competições dos
quais decorrem classificações e, por seu lado, existem cada vez mais
desportistas a evitarem a competição e os espaços formais de prática desportiva
(as actividades físicas de aventura na natureza são um exemplo bem expressivo),
torna-se problemático delimitar territórios. A estética pode, nos contextos da
arte e do desporto, traduzir-se numa categoria transdisciplinar que os
relaciona, que os liga e que denuncia a sua cumplicidade no interesse que ambos
investem no corpo em movimento. Se é certo que o desenvolvimento da educação
estética é viabilizado pelo contacto com os mais diversos objectos estéticos
(ocupando os objectos artísticos um espaço deveras significativo), certo é
também que o desporto pode, justamente, ser considerado um desses objectos
(5, 10, 18, 43, 44)
e, consequentemente, impulsionar e promover a educação estética.
O presente trabalho focaliza-se na importância em valorizar o potencial de
educação estética que a dança encerra, tomando por referência o contexto
escolar. Não nos parece no entanto despiciente que, sempre que tal se
justifique, se convoque o desporto para o diálogo.
Partindo do pressuposto enunciado por diversos autores
(6, 11, 13,23, 37, 40)
de que o contacto com a arte possibilita o desenvolvimento da sensibilidade e
da acuidade estéticas, realiza-se uma revisão da literatura (fundamentalmente
de línga portuguesa) acerca de educação estética e da sua relação com a dança,
evidenciando-se igualmente ao longo desse percurso a forte vinculação do
desporto a esta temática.
EDUCAÇÃO ESTÉTICA DE CRIANÇAS E JOVENS
Enquanto espaço para a expressão da subjectividade humana, a dança permite a
manifestação da singularidade de cada um, da sua forma única de ver, pensar,
inventar, constituindo-se, simultaneamente, meio e catalizador da criatividade
humana. Read(37) refere que na educação devemos encorajar o desenvolvimento
daquilo que é individual em cada ser humano, assumindo neste processo a
educação estética um papel fundamental. Luvisolo
(21)
ao mencionar diferentes vectores ou ideias dominantes das pedagogias
contemporâneas, destaca que uma pedagogia que reflicta preocupações com o
desenvolvimento do interior, da subjectividade de crianças e jovens, deve
orientar-se por um critério estético, sustentando que a estética possui uma
estreita vinculação com a formação de subjectividades. O autor faz notar,
contudo, que nas práticas escolares existe uma espécie de cisão entre práticas
universalizantes e singularizantes, sendo que na grande maioria das disciplinas
prevalece o domínio dos conteúdos universalizantes, parecendo que os núcleos
singularizantes se situam, talvez, ao nível daquilo que é residual dentro das
práticas escolares: a educação física e artística. Luvisolo sugere, deste modo,
que na prática educativa o modelo estético, embora fundamental, tem a sua
esfera de actuação reduzida. Ao referir-se à realidade brasileira afirma (pp.
40, 41): ``É sob o ponto de vista estético que o nosso futebol é nosso, isto é,
que constrói a sua personalidade, a sua singularidade e que pode, então, ser
considerado como expressão (constituída e constituinte) do nosso pertencimento,
da nossa autenticidade, da nossa identidade ou subjectividade´´(21).
O enfoque na singularidade é promovido pela educação estética que estimula para
o re-conhecimento, para a re-criação, procurando que os alunos aprendam novos
modos de ver, de pensar e de compreender o mundo. Nadal
(27)
sustenta que se entendermos a estética como reflexão sobre o belo e sobre a
experiência que ele suscita, percebemos que o seu campo é o da visão crítica,
que constantemente relaciona e compara cada coisa à sua expressão máxima de
perfeição, plenitude, realização e harmonia. Na opinião desta autora, a
educação estética ajuda a estabelecer aquela relação, desenvolvendo o sentido
crítico e estimulando osrgãos da percepção e a sensibilidade interior. É
necessário aqui evocar Schiller (1759-1805) e as suas Cartas sobre a educação
estética do ser humano
(41)
, que reflectem a ideia de que este domínio da educação tem por intenção formar
o todo das faculdades sensíveis e espirituais na maior harmonia possível. O
pensamento de Schiller manifesta uma grande contemporaneidade dado que a
educação estética se justifica não apenas por argumentos de natureza
filosófica, mas encontra também fundamentação em aspectos bioantropológicos(17)
1
. Para Shiller não se tratava apenas de uma educação artística, para a arte ou
pela arte, que vissasse exclusivamente o desenvolvimento e aperfeiçoamemto das
faculdades sensíveis ou o cultivo do gosto, mas que se propusesse
fundamentalmente como o desenvolvimento harmonioso de todas as faculdades
humanas. Nadal(27) percorre este entendimento ao reforçar que a finalidade da
educação estética não se circunscreve a promover o conhecimento e o gosto pelas
artes e pela cultura e a desenvolver as capacidades artísticas. Se nos
situarmos no domínio do desporto, apreciar o ritmo e a dinâmica de uma corrida
de barreiras, o desequilíbrio e a velocidade de um contra-ataque num jogo de
andebol ou a graciosidade e a harmonia de movimentos de uma exibição de natação
sincronizada, podem constituir-se como oportunidades para educar a
sensibilidade.
Arnold(1) chama a atenção para a importância que desempenha na educação
estética a possibilidade de desenvolver no indivíduo a capacidade de observação
(na qual se inclui a observação de si próprio), fazendo uso de um tipo
particular de atenção imaginativa (que pensamos poder qualificar como atitude
estética), tornando-se cada vez mais discriminante e criticamente reflexivo nas
suas reacções. A atenção imaginativa na observação, quando aplicada ao contexto
do desporto, permite melhor compreender a importância das mais recentes
tecnologias audiovisuais (nomeadamente ao nível da captação, registo e
tratamento de imagens) na instauração da experiência estética pelo desporto. A
possibilidade de aceder inúmeras vezes a imagens desportivas de elevada
qualidade técnica, pode comparar-se à possibilidade de ouvir repetidamente as
gravações mais cristalinas de uma sonata, o que permite a elaboração do juízo
estético, que contém uma actividade crítica e reflexiva. Nadal(27) é
exactamente da opinião que a educação estética tem por objectivo despertar a
percepção crítica, ao mesmo tempo que desenvolve a componente subjectiva que
existe em todo o processo de conhecimento.
Smith
(42)
argumenta que a educação estética é basicamente a educação da sensibilidade,
sobretudo no que respeita à imaginação e expressão, independentemente do
sujeito ou contexto. Assim, tanto a dança como o desporto podem constituir
domínios qualitativamente significativos para o desenvolvimento da educação
estética. Oliveira
(29)
entende esta esfera da educação como uma orientação da energia vital para a
qualidade, ao recriar ou apreciar forma, tratando-se de uma vivência necessária
a todo o crescimento humano.
É óbvio que a arte ocupa um espaço destacado na educação estética. De acordo
com Orey
(30)
as grandes obras de arte têm um papel decisivo na educação: exercitam o olhar
ou o ouvido, adestram a perspicácia e a sensibilidade, aumentam o nosso
reportório categorial. Segundo esta autora, com elas aprendemos a ver o que não
víamos, a ouvir o que não ouvíamos e a dar atenção a aspectos que nos passavam
despercebidos. Ao desenvolver contactos com a arte, um indivíduo torna as suas
relações com o mundo mais flexíveis, significativas e orientadas para o futuro
(20)
. O contacto com obras de arte que representam o desporto, traduz-se numa
possibilidade de fomentar o desenvolvimento de uma atitude estética em relação
à actividade desportiva, de lhe reconhecer qualidades estéticas e de viabilizar
experiências estéticas por seu intermédio.
Através da arte e das suas linguagens específicas, como sejam as formas, os
volumes, as cores, os ritmos, os sons, as palavras, os gestos, desafia-se a
inteligência, a sensibilidade e a imaginação. E, na verdade, como afirma
Beltrán
(4)
, não é necessário ser-se artista, como estatuto de vida e de ser, para se
poder sentir, fazer, criar e expressar arte já que, genericamente, todo o ser
humano contém em si o potencial do todo, logo o gérmen da arte e do artista
também.
Para Porcher
(34)
, o importante é aprender a ver, a ouvir, a saborear as formas sensíveis em si
mesmas, a perceber os objectos de acordo com sua estrutura e a sua forma e não
apenas segundo a sua utilizaço imediata. Trata-se, portanto, de atender não
apenas à funcionalidade prático-mecânica, à utilidade, mas de conceder espaço à
dimensão não utilitária. Kowalski
(15)
, considera que a literacia artística vai levando à construção de juízos, de
apreciações valorativas em que estão empenhados o sentir e o pensar, fazendo
parte do processo de educação estética numa perspectiva evolutiva. De igual
modo, Best(6) entende que as artes são, pelo menos, tão completamente
educacionais como qualquer outro aspecto do currículo, assim como Orey(30)
considera que a educação estética é acessível a todos, não sendo mais
misteriosa do que aprender a ler, a escrever e a contar ou mesmo inventar
conceitos e demonstrar teoremas. Para a autora, tal como as ciências, as artes
podem ser ensinadas. Porém, na opinião de Nadal(27) a sensibilidade e visão
estéticas são fenómenos individuais. Cada pessoa interpreta de forma autónoma e
irrepetível os dados que lhe são apresentados, pelo que uma correcta educação
estética é altamente personalizante, contribuindo decisivamente para a
afirmação da identidade. Por isso nas artes a educação do sentimento consiste
em dar razões e encorajar as pessoas a reconhecerem, por si próprias,
concepções diferentes de uma obra de arte.
Numa direcção análoga, Fróis, Marques e Gonçalves
(12)
consideram que uma das finalidades da arte é contribuir para o apuramento da
sensibilidade e desenvolver a criatividade dos indivíduos. Para os autores, na
educação, esta finalidade é uma dimensão de reconhecida importância na formação
do indivíduo, ampliando as possibilidades cognitivas, afectivas e expressivas.
A educação pela arte proporciona às crianças e aos jovens atitudes específicas
para realizações criativas, tais como apreciação estética e expressão estética
(39)
.
Também Neno
(28)
situa a formação estética como um vector de grande importância na formação
integral da criança e do jovem. Em seu entender, não há formação integral do
homem se no seu processo de educação não for contemplada a formação estética,
sendo os valores estéticos de extrema importância para a formação do indivíduo.
De forma semelhante, para Nadal(27) a educação estética, como componente
crítica e integradora do conhecimento, é fundamental e imprescindível num
projecto educativo que vise o desenvolvimento integral da pessoa e a sua
abertura aos valores éticos e culturais, o que é corroborado por Patrício
(32)
ao afirmar que ´´(...) uma educação que não inclua e assuma os valores
estéticos como sua componente essencial não se limita a mutilar gravemente a
cultura humana; na verdade, e mais seriamente porventura, mutila a própria
humanidade futura que se prepara pela educação de hoje.´´ (p. 157).
DANÇA E EDUCAÇÃO ESTÉTICA
A dança é controversa relativamente á sua natureza, tornando, por isso, difícil
uma definição (tal como o desporto). Constitui um processo de comunicação com
uma intenção específica e, na opinião de Manfrim e Volp
(22)
, através da dança o homem expressa-se e comunica algo do seu interior, tendo a
faculdade de tomar consciência dos padrões que os seus impulsos criam e de
aprender a desenvolvê-los, remodelá-los e usá-los, enriquecendo a imaginação e
aprimorando a expressão. De igual modo, também Batalha
(3)
considera que a dança ´´(...) reflecte uma forma de expressão, com propósitos
claros de comunicação, transmitidos essencialmente através do corpo.`` (p. 21).
Ao longo da história evolutiva do homem, a dança esteve sempre presente com o
objectivo de expressar diversos aspectos do seu quotidiano. Contemporaneamente
esta tendência persiste e, tomando em consideração a ontogénese do ser humano,
evidencia-se que desde muito cedo a criança sente necessidade de se mover e
expressar espontaneamente pelo movimento. A dança pode ser traduzida como um
comportamento humano que inclui movimentos e gestos corporais. Para Quadros et
al.
(36)
este tipo de manifestações ``(...) são organizadas culturalmente, atendem a
propósitos e intencionalidades dos bailarinos e têm valor inerentemente
estético.´´ (p. 53). Também Cunha e Silva
(9)
refere que ``O corpo que dança partilha com os outros corpos o movimento, e
isso confere-lhe uma identidade "movimentante", mas reivindica uma
semântica acrescentada, que tem que ver com o facto de se fundar sobre a
polissemia do material estético, o que lhe fornece a variabilidade
"dançante".´´ (p. 23).
O indivíduo ao dançar expressa sentimentos e emoções tendo uma excelente
oportunidade de, simultaneamente, desenvolver a sua criatividade. De facto,
Manfrim e Volp(22),entendem que a dança constitui um meio através do qual o
indivíduo tem a liberdade de se expressar e com isso exercitar, através de
movimentos, a sua criatividade. As mesmas autoras fazem referência a Rudolf
Laban (1879-1958) para quem, por meio da experimentação dos movimentos, ou
seja, de uma execução corporal, o indivíduo descobre que a sua imaginação é
estimulada pela actividade.Desta forma, pretende realçar-se a importância de em
dança se dar oportunidade para a produção de movimentações originais,
desenvolvendo-se a criatividade de movimentos. Batalha(3) é da opinião que no
processo criativo o que importa é o nascimento de uma gestualidade própria, que
seja o reinventar do corpo a partir não só da sensibilidade, mas do vivenciar
emoções e energias interiores.
A dança procura valorizar a criatividade em oposição à execução/reprodução,
dado que só se pode falar em arte quando existe um acto criador deliberado do
ser humano. Sendo assim, no ensino artístico o objectivo é desenvolver
competências criativas adquiridas através de momentos de exploração. No
entender de Batalha(3) ´´(...) as artes promovem um desenvolvimento humano
completo, permitem ampliar noções do real e criar uma identidade própria,
favorecem experiências criativas, estéticas e críticas variadas, respeitam a
individualidade de cada um e oferecem liberdade na solução dos problemas.`` (p.
20).
Robalo
(38)
evidencia que uma das principais dificuldades na defesa do valor da dança a
nível curricular e, especificamente, no ensino genérico, reside na confusão
entre o valor da arte e o valor do movimento na educação. Em seu entender, o
problema existe quando se reduz a dança a uma mera prática corporal, descurando
a capacidade e a qualidade de expressão que a corporalidade tanto evidencia na
dança. Assim, e ainda de acordo com a mesma autora, a dança não pode ser
considerada unicamente como uma actividade motora, centrada apenas na execução
de movimentos; procedendo desta forma está-se a valorizar somente o domínio
psicomotor, em detrimento de todas as dimensões que envolvem a sua natureza
artística em contexto escolar, na qual é igualmente importante a criação/
construção e a apreciação em dança. Em relação à criação, Marques
(24)
é um outro autor que evoca Laban, que considerava que a dança na educação
permitiria uma integração entre o conhecimento intelectual do aluno e as suas
habilidades criativas. Por outro lado, em relação à apreciação Coelho
(7)
enfatiza que ´´O objectivo da dança no ensino genérico situa-se na compreensão
geral da problemática desta disciplina, na capacidade e competência do aluno em
saber "ler" a obra artística, na sua formação enquanto espectador
capaz de fruir a obra artística e não nos domínios técnico e artístico
conducentes à especialização.``(pp. 18, 19). Deste modo, a dança na educação
deve permitir o desenvolvimento pleno do indivíduo, quer no seu processo de
formação quer na constituição de futuros apreciadores.
Para Kunz
(16)
a dança é um objecto cultural indissociado de, pelo menos, três campos do
conhecimento e da actuação dos seres humanos: a arte, a cultura e a educação.
Em relação à arte, a dança afirma-se como formação estética que tem que atender
às aprendizagens de linguagens artísticas, sendo que no sistema educativo lhe
compete proporcionar uma formação básica que possibilite o emergir de escolhas
futuras e a competência para a apreciação. No que diz respeito à cultura, esta
autora considera que a dança é um dos ´´bens culturais`` mais valorizados
socialmente, pese embora o facto de grande parte das pessoas acederem a esta
forma artística apenas como apreciadores. Por outro lado, e de acordo com a sua
perspectiva, a dança compôe o elenco de domínios do movimento que são
património cultural (não apenas artístico) das sociedades. Por essa razão é da
opinião que todos deveriam ter acesso à dança na sua formação regular. No que
concerne à educação, Kunz(16) reafirma que não pode ser separada da sociedade,
o que significa que deve dar acesso com competência técnica e pedagógica a
todos os bens culturais, nos quais a dança obviamente se inclui.
De acordo com Porpino et al.
(35)
, a dança apresenta uma concepção de educação capaz de tocar o estético (estado
poético), permitindo uma linguagem que utiliza conotações, analogias e
metáforas. Em seu entender estes aspectos têm sido descurados na educação,
predominantemente marcada pelo estado prosaico, que privilegia a denotação, a
racionalidade e a precisão. As autoras esclarecem ainda que a vivência estética
é a experiência ´´(...) da sensibilidade, da descoberta do sentido.`` (p. 223).
Essa descoberta do sentido poderá radicar, em grande medida, no acesso a
práticas culturais (como a dança ou o desporto) fortemente marcadas pela
possibilidade de expressão da originalidade e da criatividade humanas. No
contexto escolar e a propósito do desporto, Cone e Cone
(8)
evidenciam o apelo e o gosto que o professor de educação física poderá ter em
criar novas possibilidades de movimento, desenvolvendo, por exemplo, uma nova
estratégia de jogo, a composição de um exercício de ginástica no solo ou uma
nova forma de lançamento no basquetebol. Realçam ainda que todos os dias os
especialistas, ao explorarem novas formas de movimento, concebem ideias
diferentes que resultam em movimentos desportivos inovadores. Sublinham também
que os alunos retiram um enorme prazer da criação de novas formas de movimento.
A ESCOLA COMO ESPAÇO PRIVILEGIADO PARA O DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO ESTÉTICA
A escola constitui um lugar favorável ao desenvolvimento da educação estética,
sendo fundamental que não se constitua num espaço reservado, predominantemente
centrado na aquisição de competências cognitivas, mas antes um espaço aberto,
atento às alterações e evoluções culturais e sociais, permeável a diferentes
formas significativas de representação do imaginário. Através do mediador
estético é possível estabelecer um diálogo privilegiado entre o mundo cognitivo
e o mundo afectivo. Neste sentido, cabe ao sistema educativo preocupar-se em
conceber um currículo equilibrado, aspecto que é defendido, desde há muito, por
alguns governantes e por professores. Batalha(3) evidencia uma atitude positiva
a este respeito, ao afirmar que, ´´(...) podemos falar hoje de uma filosofia
educativa que aponta para a integração das áreas artísticas no currículo
escolar.`` (p. 15). A mesma autora considera que formas de expressão como a
música, a pintura, a dança, entre outras, apresentam características únicas,
pelo que o valor destas artes no currículo assume uma importância
incomensurável. A este respeito, Gonçalves
(14)
evidencia que em Portugal a dança tem vindo a conquistar, progressivamente, um
lugar dentro do quadro educativo.
Também Nadal(27) expressa que a reforma educativa reconheceu explicitamente a
importância do desenvolvimento das capacidades de apreciação estética e de
expressão artística na formação integral da pessoa. A mesma autora refere que a
importância concedida pela reforma educativa à educação estético-artística,
leva a considerá-las como uma necessidade e não como um luxo.
Neno(28) é da opinião que a educação das crianças e dos jovens na escola deve
ser no sentido da integridade formativa, tornando-se imperioso que nos
programas e na prática educativa seja dado o mesmo realce a todos os planos da
formação: o ético, o científico, o tecnológico, o social, o religioso, o
estético, o artístico. Também Moura e Mendonça
(26)
, consideram que a escola deve preocupar-se com a eficaz preparação cognitiva
do aluno, não se esquecendo, no entanto, dos domínios cívico e artístico que
devem ser transversais á totalidade do currículo. A par do desenvolvimento das
capacidades específicas da disciplina, é necessário abrir tempos e espaços para
o tratamento das dimensões ética e estética de forma a garantir o
desenvolvimento global da personalidade do aluno. Neste contexto o desporto
reveste potencialidades, em termos de educação estética, que não podem ser
negligenciadas: quer se atenda à forma do movimento corporal (caso da ginástica
ou da patinagem artística), quer á suavidade, fluidez, ausência de esforço
visível e de movimentos supérfluos (na natação ou no atletismo), ou à
confrontação e cooperação entre jogadores de duas equipas (no basquetebol ou no
futebol), o que poderá estar em causa é a experiência estética. Para tal é
necessário que o desporto na escola valorize este domínio, quer do ponto de
vista do praticante quer do ponto de vista do observador, criando e cultivando
nos alunos a apetência para o prazer estético. A distância percorrida, o tempo
dispendido ou o número de pontos marcados, são aspectos que denunciam a
importância atribuída ao resultado final, ou seja, ao produto da actividade. No
entanto, quando a atenção se centra predominantemente no processo, abre-se
espaço para a experiência de criação e expressão no desporto que é,
essencialmente, uma experiência qualitativa. A racionalidade, a eficácia, a
competitividade no desporto podem e devem, em nosso entender, coexistir na
escola com a promoção da qualidade do sentir. Não se trata apenas de uma
reacção afectiva mas também de um envolvimento cognitivo. Trata-se de educação
estética, de desenvolver a sensibilidade, de aumentar a disponibilidade para
viver o gratuito, de melhorar a apetência para o fruir, através do desporto.
Sentir (na qualidade de praticante) e apreciar (enquanto observador) o ritmo, o
estilo ou o equilíbrio do movimento, a harmonia ou a criatividade da jogada,
são aspectos que remetem para a educação estética e que podem emergir a partir
de qualquer modalidade desportiva, dado que a experiência estética pelo
desporto não pode ser circunscrita a determinado grupo de actividades, o que se
justifica não ´´(...) com a universalidade do juízo de gosto, mas antes com o
que em cada modalidade desportiva é passível de pertencer a uma dimensão que
ultrapassa as questões de gosto.``
(19)
(p. 302).
Para Patrício
(33)
, não há nenhuma incompatibilidade entre a educação da sensibilidade e da
racionalidade. Também Kowalski(15) entende que tanto a cultura artística como a
cultura científica fazem parte do programa escolar, ambas incluídas no processo
de desenvolvimento global da criançaa. De igual modo, Nadal(27) afirma que ´´
(..) a visão estética não deve ser dissociada do conhecimento racional e ambos
são imprescindíveis na aquisição de conhecimentos e no processo de aprendizagem
.`` (p.19). Conclui, dessa forma, que ao quebrar um processo que é global,
privilegiando uma das componentes em detrimento da outra, se produz um
desequilíbrio que vai comprometer a correcta elaboração do pensamento crítico e
a própria aquisição de conhecimento. Sendo assim, a escola deve ser também um
espaço para a promoção da sensibilidade e criatividade dos alunos. É através do
espaço educativo que se pode dar acesso à arte (e ao desporto) a uma grande
maioria de crianças e jovens, uma vez que a escola constitui o primeiro espaço
formal onde se dá o desenvolvimento de cidadãos. Assim, é importante que nesse
espaço se dê o contacto sistematizado com o universo artístico e as suas
linguagens: artes visuais, teatro, dança, música e literatura. No entanto, Best
(6) considera que há atitudes contraditórias acerca das artes na medida em que
frequentemente são consideradas como periféricas e dispendiosas, de nenhuma
importância na educação e sem qualquer prioridade. De facto, segundo o mesmo
autor, muitas vezes o que se percebe é que o ensino das artes está votado ao
segundo plano, ou é encarado como mera actividade de lazer e recreação, através
da qual nada de significativo se pode aprender. Porém, é importante entender a
arte como um ramo do conhecimento a par das outras disciplinas dos currículos
escolares.
Moura e Mendonça(26) são da opinião que ´´(...) o professor é, sobretudo, um
educador e, como tal, deve abrir portas para a vida.`` (p. 67). Evidenciam que
é importante estimular os educandos a desenhar, representar, dançar, tocar,
escrever, pois trata-se de uma vivência, e não de uma competição. Para os
autores, é da responsabilidade de cada educador assumir não apenas o papel de
observador, mas sobretudo uma atitude muito mais activa, acompanhando e
alimentando a procura e as interrogações. Salientam a necessidade de criar um
ambiente que valorize o estar presente, disponível e gratuito, sendo esta
atitude essencial ao processo da educação estética ao longo da vida. No
entanto, Pais
(31)
entende que por vezes os professores têm um certo receio de apostar no ensino
artístico, até porque em muitas situações eles próprios não tiveram
oportunidade de experimentar. Considera, porém, que o mais importante é estar
disponível para aceitar desafios diferentes, apesar de ser necessário ter
formação técnica específica em função dos objectivos a atingir, pois é
fundamental que o professor tenha conhecimento profundo sobre o que está a
fazer para poder orientar a criança e o jovem de uma forma positiva. Refira-se
a este propósito a decisão da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto em
incluir no seu curso de mestrado em ensino da educação física e desporto, uma
unidade curricular de didáctica da dança, expressando deste modo o seu
entendimento relativamente à necessidade do professor de educação física
adquirir competências para o ensino dança. Pais(31) advoga ainda que os
professores têm que ter sensibilidade para estimular as sensações e a percepção
da criança, desenvolvendo as suas capacidades de criação e de experimentação.
Parece-nos de novo adequado convocar o desporto para a discussão: no meio
escolar (e não só) a formação em desporto descura muito frequentemente a
importância da exploração, da espontaneidade, da originalidade, da liberdade.
Para o praticante (aluno ou atleta), estes aspectos constituem um espaço de
alargamento, de expansão das experiências desportivas, que se deixam invadir
pelo domínio afectivo, emocional, impregnado, naturalmente, do domínio
cognitivo. Aspin
(2)
chama a atenção para a importância do trabalho criativo e do pensamento
criativo, afirmando que ter atletas e alunos capazes de os exibir é algo que
interessa à educação e ao desporto. O mesmo autor acentua que a criatividade e
a imaginação são premiadas e apreciadas tanto na participação como na
observação de desporto. O exemplo mais simples e mais eloquente a que podemos
recorrer para ilustrar esta ideia, é o do tão difundido desporto de massas, o
futebol – promover uma relação com a bola que não se esgote na resposta a
padrões técnicos de movimento, mas extrapole para o inusitado, o desconhecido,
o arriscado, certamente conduzirá a novas formas de inter-agir com aquele
objecto mágico, que se repercutirão em formas novas de jogar futebol. Estas
novas formas (no sentido estético), criativas, facilitam o processo de
comunicação entre quem pratica e o que é praticado, e entre quem pratica e quem
observa. Neste contexto, Moderno
(25)
afirma que ´´O belo futebol é o mais criativo (...)`` e ´´A bola é o canal da
expressão criativa do jogador (...)`` (p. 55). Ensinar a apreciar a
criatividade no desporto, promove, tal como em dança, a educação estética.
Aprender a adoptar uma atitude estética na observação de desporto desenvolve
igualmente a educação estética. Proporcionar experiências estéticas (ao nível
da prática e da observação) por meio do desporto melhora a sua compreensão,
redimensiona as possibilidades de participação e de adesão e fomenta a educação
estética.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A importância da educação estética na formação plena do homem ficou
inequivocamente reforçada pelas ideias expressas ao longo deste trabalho.
Mostrou-se o tão difundido papel da arte, em particular da dança, neste
domínio, sublinhando-se o lugar que o desporto, enquanto objecto estético, pode
desempenhar no processo de educação estética.
A relevância social e cultural que o desporto adquiriu na contemporaneidade e
que tem suscitado que seja objecto de múltiplas abordagens, justifica que a
abordagem estética inclua o interesse pela educação estética através do
desporto. Enquanto dimensão eminentemente antropológica, a estética permite ao
ser humano ler o mundo através de um olhar que concilia a racionalidade com a
emocionalidade. Uma parte do mundo é o mundo do desporto, palpável e objectivo,
mas onde existe espaço para a emergência da subjectividade humana que
continuamente amplia o desporto e lhe concede pluralidade.