Sobre o (des)equilíbrio financeiro da primeira década do Sporting, Sociedade
Desportiva de Futebol, SAD.
INTRODUÇÃO
Sobre a importância do futebol
O Futebol é indiscutivelmente a modalidade desportiva com mais adeptos em
Portugal. Os bons resultados obtidos pela selecção nacional e pelos três
principais clubes com impacto internacional constituem motivo de orgulho
nacional e de sentimento de união. Poucas são as actividades em que, como no
futebol, podemos encontrar um impacto tão positivo na promoção exterior da
imagem de Portugal.
A importância que o futebol tem para os portugueses já no passado levou a que
se sentisse um fenómeno de sentido inverso: quando em 1934, a selecção da
Federação Portuguesa de Futebol perdeu por 9-0, em Madrid, historiadores houve
que levantaram, indignados, as suas vozes, afirmando que o resultado era
indigno da Pátria a que pertenciam os descendentes dos heróicos vencedores de
Aljubarrota…E note-se que esses intelectuais de maneira nenhuma estavam ligados
ao movimento desportivo, e até o desmerecia
(3)
.
Uma actividade que tem um impacto tão relevante na sociedade não podia deixar
de se assumir como um poderoso foco de atracção para algumas pessoas que
encontram no dirigismo desportivo uma via para, independentemente de servirem
as organizações, se aproveitarem da posição que ocupam para retirar benefícios
pessoais que podem até apenas passar pelo protagonismo público que adquirem. O
poder dos dirigentes de futebol na sociedade portuguesa é realmente
surpreendente. Nesta matéria, lembremos as palavras proferidas pelo Professor
Manuel Sérgio quando assume que os clubes de maior nomeada funcionam, hoje,
como instrumentos de conservação do poder, por parte de grupos de interesses,
arredando os sócios das magnas decisões sobre a coisa desportiva
(9)
. Ironicamente, tal realidade é muitas vezes conseguida com os sócios
convencidos que até lhes coube o poder de decidir, tal a complexidade das
matérias que lhes são colocadas para análise… Um outro exemplo bem ilustrativo
desta situação é-nos recordado pelo Professor José Esteves: João Havelange, na
sua despedida da FIFA, o acto de maior e mediática repercussão foi uma longa
entrevista à BBC, também exibida em Portugal, onde respondeu à derradeira
questão, esta: “O que o moveu, o que o tem motivado, na sua longa vida, como
dirigente desportivo?” disse apenas isto, ”O Poder”(3).
Infelizmente a importância do futebol ultrapassa mesmo a fronteira do fenómeno
desportivo para se misturar na esfera da política. Uma vez mais o Professor
José Esteves alerta: para se alcançar o poder, e em particular o poder
autárquico, dentre as promessas a fazer, ou a dar a entender, mas tudo com
largas delapidações dos dinheiros públicos, sobressaem as correspondentes aos
futebóis locais. E são dezenas de milhões de contos que se despendem
anualmente, pelas autarquias, pequenas, médias e grandes, as de todas as
divisões, regionais e nacionais, que “o futebol é a distracção, a alegria, do
povo”(3).
Com um peso determinante na propagação e influência do futebol encontramos os
meios de comunicação social. Para lá de circularem em Portugal três jornais
desportivos diários dedicados quase em exclusivo ao futebol, é-nos também
fornecida informação diária em plenos telejornais, durante os horários mais
nobres, sobre os treinos dos três principais clubes portugueses. Encontramos
aqui uma importante ponte para a compreensão da ligação dos clubes de futebol
aos patrocinadores. Seguramente, não é irrelevante o facto de em períodos de
tão elevada audiência poderem ver as suas marcas expostas nos telejornais.
Sobre a gestão dos clubes
Debruçando-nos agora sobre a forma como os clubes são geridos, sobressai o
facto de existir uma gestão claramente direccionada para os sócios e adeptos,
cuja preocupação está quase em exclusividade centrada nos resultados
desportivos. A emoção da vitória ou da derrota consubstancia-se no estímulo
principal da sua reacção sobre a performance de dirigentes, técnicos e
jogadores. Numa actividade em que está presente uma tão importante carga
emocional, a gestão acaba inevitavelmente por ser norteada para a máxima
debilitação das reacções nos momentos negativos, bem como para um cuidado
enaltecimento dos bons resultados.
E o que dizer da criação de valor económico na organização? Será vista como um
objectivo para os sócios e adeptos?
O actual Presidente do Sporting Clube de Portugal admitiu recentemente que o
Sporting teve anos de má gestão desportiva, é preciso reconhecê-lo
(5)
. Dado o relevo que tem dado à difícil situação económica que o clube atravessa
ao longo do seu mandato, admitimos que tenha um entendimento da gestão
desportiva muito mais abrangente do que o respeitante à esfera da performance
competitiva. Não deixa, no entanto, de ser curioso que os elevadíssimos
prejuízos anuais não tenham merecido qualquer comentário específico a um
Presidente que tem dado tanta ênfase à situação económica e financeira do
clube.
Ora, o que é uma gestão competente?
Entronca aqui uma das vertentes principais do futebol, a quantidade de euros e
dólares que giram em torno desta modalidade. A perpetuidade do Clube é
garantida apenas pelos êxitos desportivos ou necessitam estes de ser
acompanhados por uma correcta gestão económica e financeira? Não deverá uma
gestão competente procurar alcançar equilíbrio económico e financeiro lutando
simultaneamente pela obtenção de bons resultados desportivos?
Recordemos Peter Drucker: as empresas têm de ter resultados financeiros
satisfatórios para viverem; sem eles não conseguem sobreviver e não podem, de
facto, fazer o seu trabalho. Contudo, elas não existem para ter resultados
financeiros. Os resultados financeiros, por si mesmo, não são adequados, não
são o propósito da empresa e não são a justificação e a razão da sua existência
(2)
. Sublinhemos portanto, algo que frequentemente parece arredado das mentes de
tantos dirigentes desportivos: sem resultados económicos positivos as
organizações não conseguem sobreviver. Então, justificar-se-á que nos
questionemos sobre a reacção de sócios e adeptos perante uma má gestão
económica. Sofre algum tipo de penalização? E o papel do Conselho Fiscal?
Alerta os sócios para uma eventual degradação da situação económica? E é a este
importante órgão alguma vez apontado o dedo, co-responsabilizando os seus
membros por não denunciarem a condução de um clube para uma situação de
falência? Nunca. Desde logo porque a maioria dos sócios não sabe interpretar os
dados fornecidos por um Balanço ou uma Demonstração de Resultados. E aqueles
que sabem não se preocupam em, ano após ano, analisar a sua evolução. É
portanto uma área que vai evoluindo sem grande controlo até que os sinais
vermelhos surjam bem acesos. Provavelmente, numa altura em que a autonomia
financeira já fica muita aquém do desejável, entregando-se o clube nas mãos de
terceiros, dos bancos. Como exemplo flagrante, mais uma vez, nas palavras do
actual Presidente do Sporting, SAD, tanto o BES como o BCP acham que têm uma
exposição muito elevada no Sporting cujo índice de solvabilidade é muito baixo.
Ou seja, querem que o clube diminua radicalmente o seu passivo bancário
(4)
.
Sobre os objectivos do trabalho
Com este trabalho vamos procurar dar uma maior visibilidade para a parte mais
oculta da gestão desportiva, a gestão económica e financeira dos clubes de
futebol. Com o advento das SAD’s procurou-se criar uma nova cultura, novas
metodologias de trabalho, trazendo para as organizações desportivas uma
indispensável componente empresarial, uma maior profissionalização da
estrutura. A sociedade que vamos analisar, a Sporting, Sociedade Desportiva de
Futebol, SAD foi constituída por escritura pública de 28 de Outubro de 1997,
com um capital de 7.000.000 contos, com apelo à subscrição pública, regendo-se
pelo regime jurídico especial estabelecido no Decreto-lei n.º 67/97, de 3 de
Abril. No prospecto de Subscrição Pública, em Agosto de 1997, pode-se ler que a
Vossa empresa é gerida de forma responsável e transparente na defesa do
património dos seus accionistas. Mas será que esta profunda transformação se
veio a reflectir em mudanças comportamentais dos dirigentes face à gestão e, em
particular, no que respeita à evolução do equilíbrio financeiro da organização
ao longo da primeira década da respectiva existência? Esta é uma das perguntas
a que iremos tentar responder com este trabalho.
Pretendemos assim, com o presente trabalho, focalizar a atenção para a
necessidade do adepto apaixonado passar a encarar como uma inevitabilidade a
gestão do clube de uma forma integrada, onde a componente desportiva nunca pode
desassociar-se da estratégia económica e financeira, de molde a poder estar
sempre garantida, num prazo mais ou menos longo, a obtenção do indispensável
equilíbrio económico e financeiro, essencial ao futuro da organização
desportiva e sustentáculo fundamental à tão desejada competitividade desportiva
a médio e longo prazo.
MATERIAL E MÉTODOS
Sobre o método aplicado
A verificação de equilíbrio financeiro é considerada fundamental para a análise
da estabilidade da organização. O estudo do equilíbrio financeiro visa a
certificação da existência, ou não, de um relacionamento equilibrado entre os
recursos e as aplicações existentes em qualquer organização
(6)
. As decisões de gestão sobre a estrutura financeira, ou sobre a forma através
da qual os elementos do activo (aplicações de fundos) são financiados, por
capitais alheios de curto ou médio e longo prazo (origens alheias de fundos) ou
por capitais próprios (origens próprias de fundos), devem garantir a existência
de equilíbrio financeiro na organização. Pelo exposto, são incontornáveis os
efeitos condicionantes de duplo sentido entre as políticas de investimentos e
financiamentos. Dito de outro modo, a política de investimentos é condicionada
pela política de financiamentos tal como, por seu turno, não se deverá conceber
uma política de financiamentos desintegrada da política de investimentos.
Para a aferição pretendida utilizámos a abordagem tradicional que assenta em
dois vectores elementares, a saber, a análise do Fundo de Maneio e a Teoria dos
Rácios
(1)
, no que respeita exclusivamente ao conjunto de rácios que apreciam aspectos de
índole financeira, denominados rácios de liquidez e de financiamento.
Existem outras teorias de análise do equilíbrio financeiro, das quais
destacamos a Teoria Funcional, cuja preocupação reside no equilíbrio funcional
entre as origens e as aplicações de fundos, estudando a relação existente entre
si para cada ciclo financeiro da organização (ciclo de investimento, ciclo das
operações financeiras e ciclo das operações de exploração), a partir da
construção do balanço funcional(1, 6). Contudo, para que a sua aplicação seja
possível, é necessário ter-se um conhecimento detalhado sobre as componentes
das diversas rubricas que constituem as grandes classes de contas do Balanço. É
pois devido à carência de tal informação, bem como à opção dos autores em não
sustentar a aplicação da referida teoria em demasiados pressupostos, no sentido
de diminuir ao máximo o risco da subjectividade, que se optou por utilizar para
o presente trabalho uma teoria já há muito testada, garantindo assim um elevado
grau de fiabilidade quanto aos resultados alcançados.
Sobre a recolha de dados
Os dados recolhidos derivam dos documentos económico-financeiros e respectivos
anexos publicados nos Relatórios e Contas do SPORTING – Sociedade Desportiva de
Futebol, SAD., em especial, os dados incluídos nos Balanços e Demonstrações de
Resultados, relativos aos primeiros dez anos de existência da sociedade
desportiva em análise, designadamente, aos exercícios económicos de 1997/1998 a
2006/2007.
Sobre a explicação de alguns dados recolhidos
Algumas situações particulares referentes aos dados recolhidos merecem uma
explicação mais detalhada, a saber:
a) Na época 2003/2004 as demonstrações financeiras do exercício são de apenas
onze meses de actividade, pelo que não são directamente comparáveis com as dos
restantes exercícios
(7)
. Os resultados deste exercício foram, na nossa opinião, bastante beneficiados
devido a esta situação. Efectivamente, os principais centros de custos, custos
com o pessoal, amortizações, FSE e custos financeiros, terão sido positivamente
afectados em mais de 3 milhões de euros enquanto que, a nível de proveitos
operacionais, admitimos que o mês em falta tenha apenas deixado de contabilizar
cerca de 600.000 euros respeitantes a quotizações de sócios, patrocínios e
royalties.
b) A situação financeira da sociedade foi positivamente afectada a partir do
exercício de 2004/05 pelos motivos seguintes:
Por escritura pública realizada em 31 de Março de 2005 o capital social foi
elevado de m € 22 000 para m € 42 000. O aumento foi efectuado mediante a
emissão de 10 000 000 de novas acções escriturais nominativas, com o valor
nominal de € 2 e um ágio de € 0,65 cada uma. No âmbito do processo de
consolidação, reestruturação e reorganização económico-financeira a Sporting
SAD cedeu, em finais do mês de Março de 2005, à DE – Desporto e Espectáculo,
SA, sociedade na qual detinha 100% do seu capital: os direitos televisivos e os
direitos acessórios relativos às épocas desportivas de 2008/09 a 2018/19 e os
créditos do contrato celebrado com a TBZ Marketing – Acções Promocionais, SA.
Por contrato celebrado em finais de Março de 2005 a Sporting, SAD alienou a
participação financeira detida na DE – Desporto e Espectáculo, SA à Sporting
Comércio e Serviços, pelo montante de m€ 65000. Esta operação gerou uma mais
valia contabilística de m€ 64950, a qual se encontra relevada nas demonstrações
financeiras a 30 de Junho de 2005
(8)
.
c) No Relatório e Contas referente à época desportiva 2006/07 surge um montante
de proveitos com transferências de jogadores de € 25 456 000 devido
fundamentalmente à saída do jogador Nani.
Sobre a transferência de jogadores
A questão relativa à contabilização das mais-valias provenientes de
transferências de jogadores tem sido matéria de controvérsia entre várias
sociedades desportivas, podendo observar-se a dicotomia opcional “proveitos
operacionais versus proveitos extraordinários”. Não se trata apenas de uma mera
discussão académica: quando incorporados no balanço organizacional, os passes
dos jogadores são classificados como investimentos e, consequentemente,
contabilizados em imobilizado incorpóreo (Propriedade Industrial e Outros
Direitos), ficando assim, sujeitos a uma base anual de amortizações. O custo
anual que é portanto repercutido nas contas é o da amortização. Porém, quando
existe uma mais-valia proveniente de uma transferência de um jogador, deixando
de fazer parte do património da organização, deveria, segundo os mais básicos
pressupostos do método contabilístico, ser incorporado em proveitos
extraordinários.
A opção por considerar tais proveitos como operacionais pode originar erros
graves de análise para aqueles que não são conhecedores desta situação. Se as
sociedades estiverem cotadas na Bolsa de Valores, como é o caso da organização
em estudo, os accionistas acabam por poder ser induzidos em erro por deficiente
informação. As contas do Sporting SAD da época 2006/7 constituem um excelente
exemplo do risco de erro delineado, pois podem facilmente conduzir a uma
deficiente análise da evolução da situação económica e financeira da
organização. Em boa verdade, se os proveitos respeitantes às transferências
fossem imputados a proveitos extraordinários, obteríamos um resultado
operacional negativo superior a 8 milhões de euros.
Atendendo a que no caso em apreço, a sociedade só a partir da época de 2003/
2004 é que enveredou pelo critério de contabilizar em proveitos operacionais
tais mais-valias, foi opção dos autores corrigir as demonstrações de resultados
a partir dessa época, imputando os respectivos valores a proveitos
extraordinários.
DISCUSSÃO DE RESULTADOS
Sobre o Fundo de Maneio
Um elevado Fundo de Maneio (FM), expresso pelo excedente dos capitais
permanentes (capitais colocados à disposição da gestão por um período superior
a 1 ano) sobre o activo fixo (totalidade das imobilizações líquidas de
amortizações e das dívidas a receber num prazo superior a 1 ano), é, na
perspectiva desta teoria, um sinal de maior solidez financeira de uma
organização, garantindo que as fontes de financiamento permanentes cobrem não
só o activo fixo como ainda uma certa percentagem do activo circulante. Os
resultados da Sporting SAD (Quadro 1) revelam exactamente o contrário durante
os primeiros 7 anos, período durante o qual o FM se foi agravando
vertiginosamente, arrancando de um patamar negativo de 6 064 m€ (milhares de
euros) na época de 1997/98 até atingir, na época de 2003/04 um limiar negativo
de 63 334 m€. Durante este período, a organização viveu um claro desequilíbrio
financeiro, representando a parte de capitais exigíveis a curto prazo que
esteve a financiar a parte do activo cuja liquidez é mais reduzida. De
salientar, dada a ressalva anteriormente efectuada quanto à particularidade dos
valores envolvidos nas demonstrações financeiras do exercício referente à época
de 2003/04, um potencial agravamento do valor respeitante ao FM do mesmo ano,
caso tivesse sido contabilizado o mês em falta, uma vez que na presença de um
benefício dos custos contabilizados, não compensado por movimento inverso do
lado dos proveitos, muito provavelmente, iríamos alcançar um resultado líquido
do exercício ainda mais negativo do que o apresentado (9 222 m€), prejudicando
ainda mais o valor do capital próprio total já negativo em 47246 m€. Nos
últimos três anos em análise, isto é, a partir de 2004/05, a tendência até
então delineada é completamente alterada, na medida em que não só o FM
apresenta valores positivos como uma propensão de claro crescimento,
observando-se no último ano um montante positivo de 66 663 m€.
Incontornavelmente, a viragem verificada ao nível do valor do total do capital
próprio da época de 2003/04 para a de 2004/05, passando de um valor negativo de
47246 m€ para um valor positivo de 33924 m€, teve um peso inestimável na
reviravolta provocada ao nível do FM. Os factores já sublinhados anteriormente
relativamente à alteração do valor total do capital próprio ao longo da época
de 2004/05, induziram a tal melhoria tão significativa: por um lado, o aumento
de 20 000 m€ do capital social através da emissão de acções, e por outro, a
obtenção de um lucro de 54670 m€, decisivamente alicerçado pela cedência de
direitos televisivos, acessórios e créditos à DE – Desporto e Espectáculo, SA,
e alienação da participação na DE à Sporting Comércio e Serviços, SA, processo
que gerou uma mais-valia de 64950 m€. Por último, a mais-valia de 25456 m€
gerada pela venda do jogador Nani contribuiu para se atingir, em 2006/07, o
valor máximo do FM ao longo de toda a primeira década da Sporting, SAD.
Quadro 1- Fundo de Maneio
Sobre os Rácios de Liquidez
Os rácios de liquidez conferem a capacidade das organizações solverem os seus
compromissos de curto prazo. Como a Sporting, SAD não detém existências,
calculámos apenas os rácios de liquidez reduzida e imediata (Quadro 2). Segundo
este modelo, valores elevados demonstram que a organização tem uma liquidez do
activo suficiente para fazer face às obrigações inerentes ao passivo de curto
prazo. Assume-se como patamar mínimo de segurança financeira o valor de 1 para
a liquidez reduzida, enquanto que para a imediata o valor padrão é inexistente,
dependendo sobretudo das necessidades de tesouraria compatíveis com a natureza
da actividade desenvolvida pela organização. Os valores obtidos para os rácios
de liquidez da Sporting, SAD são, à excepção da liquidez reduzida ao longo dos
três últimos anos analisados, manifestamente insuficientes, revelando aos
respectivos credores um elevado risco, tanto no que respeita ao reembolso pelos
créditos concedidos, como no que concerne à concessão de novos créditos ou
empréstimos de curto prazo. Na época de 2004/05, a grande diminuição do passivo
de curto prazo, alavancado pelo aumento do activo de curto prazo (situações
que, no período em causa, em muito se sustentaram na variação positiva da conta
de accionistas), originaram a grande melhoria da liquidez reduzida, continuando
esta a incrementar-se até à época 2006/07. Gravíssimos são os resultados da
liquidez imediata, denotando-se uma quase nulidade dos meios mais líquidos para
fazer face às dívidas a pagar num período inferior a 1 ano.
Quadro 2- Rácios de Liquidez
Sobre os Rácios de Financiamento
No essencial, os rácios de financiamento estabelecem comparações entre os
capitais alheios, os capitais próprios e os capitais totais, permitindo uma
análise complementar aos rácios de liquidez, centrando a nossa atenção na
capacidade organizacional de solver os seus compromissos a médio/longo prazo
(Quadro 3). A expressão do peso dos capitais alheios no financiamento
organizacional é dada pelo Rácio de Endividamento, evidenciando a ideia geral
do risco financeiro, o qual cresce com a sua percentagem. A questão crucial da
autonomia financeira foi posta em causa desde a época 1999/00 até à de 2004/05,
ano em que foi recuperado o sinal positivo do total dos capitais próprios. Na
mesma linha de orientação, surge o Rácio de Solvabilidade, verificando em que
medida o passivo é coberto pelos capitais próprios. Os resultados revelam uma
nítida falta de independência financeira entre o período de 1999/00 até 2003/
04. No último ano, a proporção do capital próprio em relação ao passivo é
claramente confortável. Quanto ao grau de exigibilidade do passivo, dado tanto
pela Estrutura do Endividamento a Curto Prazo e como pelo Peso do Endividamento
a Médio/Longo Prazo, os resultados mostram-nos que só a partir da época de
2005/2006 é que se vislumbra uma pressão menos elevada de tesouraria, dado o
crescente peso do endividamento a médio/longo prazo face ao de curto prazo. Por
seu turno, o grau em que a exploração organizacional consegue gerar meios
suficientes para cobrir os respectivos encargos financeiros é dado pelo Rácio
de Cobertura dos Encargos Financeiros. Os valores negativos obtidos até à época
de 2003/04 denunciam graves problemas com o pagamento de juros, só ocorrendo
uma cobertura adequada no ano de 2005/06 e embora mantendo-se positivo no
último ano, decai para um limiar de segurança. O Rácio da Estrutura dos
Capitais Estáveis é indicador do peso do endividamento a longo prazo em relação
à totalidade dos capitais permanentes disponíveis na organização. É observado
um claro desequilíbrio no financiamento a longo prazo entre o endividamento
estável e os capitais próprios entre as épocas de 2001/02 e 2003/04, situação
que se restabelece a partir de 2004/05. A Margem de Auto-financiamento permite
analisar a capacidade da organização na geração de meios através das suas
operações. Entre as épocas de 2000/01 e 2002/03, a Sporting, SAD mostrou, nesse
âmbito, uma total incapacidade, verificando-se em 2004/05 uma inversão de tal
aptidão, fundamentando-se na obtenção de um lucro muito elevado nesse ano,
pelas razões que já alertámos anteriormente. Por último, o Período de Reembolso
expressa o número de períodos económicos necessários para que, com o nível de
auto-financiamento organizacional apurado, se consiga cobrir o total das
dívidas a médio/longo prazo contraídas. Neste âmbito, o período muito crítico
corresponde às épocas de 2000/01 a 2002/03, onde são verificados valores
negativos, impossibilitando a cobertura em análise. Nos últimos 4 anos, os
valores, embora muito irregulares, são todos inferiores aos quatro anos e meio,
e no último ano, o aumento do auto-financiamento verificado em muito pela venda
do jogador Nani, permite um período de reembolso inferior a um ano e meio.
Quadro 3- Rácios de Financiamento
CONCLUSÕES
A existência de estabilidade financeira tem de se constituir, definitivamente,
como um vector indispensável para a prossecução dos objectivos ligados à
competitividade desportiva numa organização como a Sporting, SAD, pelo que,
torna-se fundamental garantir aturadamente o equilíbrio financeiro de
organizações desta natureza.
Os resultados apurados evidenciam o desequilíbrio financeiro em que a Sporting,
SAD viveu ao longo da primeira década da sua existência, só ultrapassado nas
últimas três épocas, em muito propulsionado pelas decisões de engenharia
financeira tomadas durante a época de 2004/05. Não podemos deixar de sublinhar
que tais medidas podem acarretar graves riscos de encobrir a realidade muito
negativa dos resultados correntes da organização, os quais, não tendo em
consideração os proveitos decorrentes das mais-valias de transferência de
jogadores, atingiram o somatório exorbitante de quase 200 milhões de euros de
prejuízo ao longo dos primeiros dez anos que analisámos.
Esperamos, com o nosso trabalho, ter estimulado a atenção do adepto apaixonado
para uma das áreas mais importantes da gestão do desporto, a área financeira.
Desprezar esta área é um erro que pode trazer, num prazo mais ou menos lato,
consequências irreversíveis para o futuro dos clubes de futebol.
Em futuros trabalhos e na posse de informação contabilística mais detalhada, é
nosso propósito não só aprofundar a análise iniciada a esta sociedade
desportiva, adoptando metodologias alternativas, como também, utilizando
indicadores análogos, verificar e comparar o comportamento económico e
financeiro das SAD do Porto e do Benfica.