Padrões de atividade física em diferentes domínios e ausência de diabetes em
adultos
O diabetes é um grave problema de saúde pública e um dos importantes fatores de
risco para doenças cardiovasculares. Atualmente, observa-se aumento da sua
ocorrência em várias regiões do mundo com projeção de atingir 300 milhões de
pessoas no ano 2030 (Wlid, Roglic, Gree, Sicree, & King, 2004).
A atividade física definida como qualquer movimento corporal produzido pela
musculatura esquelética que resulte em gasto energético acima dos níveis de
repouso (Caspersen, Powell, & Christenson, 1985) é composta pelos domínios
das atividades de trabalho, deslocamentos, atividades domésticas e tempo livre.
As evidências da associação inversa entre atividade física e diabetes são
observadas em diversos estudos (Hu et al., 2001, 2003, 2004), porém o poder
preditivo e os pontos de corte dos padrões de atividade física (caminhada,
moderada e vigorosa) em seus diferentes domínios (trabalho, deslocamentos,
atividades domésticas e tempo livre) para prevenção do diabetes permanecem
especulativos.
A atividade física regular ajuda a diminuir e/ou manter o peso corporal, a
reduzir a necessidade de antidiabéticos orais, a diminuir a resistência à
insulina e contribui para melhora do controle glicêmico, o que, por sua vez,
reduz o risco das complicações associadas ao diabetes (Ford & Herman,
1995).
A identificação dos domínios e dos padrões de atividade física, mais adequados,
para a prevenção e o tratamento do diabetes melittus pode direcionar e otimizar
os benefícios dos programas de práticas corporais. Além disso, é necessário
também, conhecer os pontos de corte dos diferentes domínios e padrões da
atividade física, em minutos por semana, para que esses benefícios sejam
maximizados.
Assim, o objetivo desse estudo foi analisar o poder preditivo e identificar os
pontos de corte dos padrões de atividades físicas, em seus diferentes domínios,
para a ausência de diabetes em adultos de ambos os sexos.
MÉTODO
Trata-se de estudo de corte transversal realizado no município de Lauro de
Freitas situado no nordeste do estado da Bahia, região Metropolitana de
Salvador (Brasil). Com extensão territorial de 59 quilômetros quadrados, o
município de Lauro de Freitas possuía índice de desenvolvimento humano (IDH) de
0.771 e produto interno bruto (PIB) per capita R$ de 12046.00. De acordo com o
Censo Demográfico de 2005 sua população estimada era de 138240 habitantes
(Datasus, 2005).
Amostra
O cálculo da amostra foi baseado em Kish (1965) levando-se em consideração os
seguintes parâmetros: tamanho da população de 138240 habitantes, prevalência de
inatividade física de 50% tendo como base o estudo realizado no Estado de São
Paulo ' Brasil (Matsudo et al., 2002), bem como da maior prevalência entre as
variáveis analisados no estudo, nível de confiança de 95% de precisão e erro
assumido para a prevalência esperada de 5%.
A amostra estimada foi de 500 adultos com idade maior ou igual a 18 anos,
ampliada para 600, prevendo eventuais perdas e recusas.
A amostra foi probabilística, em múltiplos estágios e por conglomerados de
classes sociais informados pela Secretaria de Ação Social da Prefeitura da
cidade de Lauro de Freitas a partir do poder aquisitivo dos moradores dos
bairros. Considerou-se como classe A (alta e média alta), classe B (média),
classe C (média e baixa) e classe D (baixa e pobreza).
Inicialmente o mapa da cidade foi dividido em microrregiões de acordo com a
classe social predominante. Em seguida foram sorteadas 25 ruas da cidade de
Lauro de Freitas pertencentes aos quatro níveis sociais (Classe A, B, C, D). A
divisão das ruas foi proporcional ao nível sócio-econômico e obedeceu ao
seguinte quantitativo: seis ruas em cada um dos conglomerados A, B e C e sete
ruas na classe D. Em cada rua treze domicílios foram sorteados por amostra
sistemática. O intervalo entre as casas variou de acordo com a quantidade de
domicílios encontrados em cada rua. A cada residência visitada foram sorteados
dois indivíduos adultos (um do sexo masculino e outro do sexo feminino). Foram
excluídas as residências desabitadas, as pessoas que se recusaram a responder o
questionário e os indivíduos acamadas por problemas de saúde.
Apesar de a metodologia ter sido desenvolvida para obtenção de amostra com
igual número de homens e mulheres, isso não aconteceu, devido ao fato de que
nem sempre o homem estava presente no domicílio por motivos de trabalho e
atividades da vida diária.
Desta forma, ao final da coleta de dados a amostra ficou constituída de 522
pessoas, 220 do sexo masculino e 302 do sexo feminino.
Todos os participantes da pesquisa assinaram o Termo de Participação Livre e
Esclarecida e foram entrevistados em domicílio.
Coleta de dados
Cinco avaliadores foram devidamente preparados e treinados para todas as etapas
do trabalho. O índice de confiabilidade inter-avaliadores foi testado para
aplicação do IPAQ por meio do coeficiente Kappa, o qual apresentou bom índice
de concordância (0.61) (Pereira, 1995). O erro técnico de medidas para o peso e
a estatura foi considerado baixo (1.2%) (Gore et al., 2005).
Os dados sócio-demográficos e os fatores relacionados à saúde foram coletados
por meio de questionário. Para obtenção dos dados antropométricos utilizou-se
os seguintes protocolos: a estatura foi mensurada com uma trena antropométrica
em aço Sanny (Brasil), com os indivíduos descalços, em posição ereta, com pés e
calcanhares unidos e encostados na parede, braços estendidos ao longo do corpo,
respiração normal seguindo o Plano de Frankfurt (Pitanga, 2006).
O peso foi mensurado duas vezes utilizando-se balanças da marca Plenna com
precisão de 100 gramas, todas aferidas previamente pelo Instituto Nacional de
Metrologia (INMETRO). Ao entrevistado era solicitado que subisse na balança com
os pés descalços, com o mínimo de roupa possível (Pitanga, 2006).
Para identificar os padrões e domínios da atividade física o instrumento
utilizado foi o International Physical Activity Questionnary (IPAQ) versão
longa, constituído de questões relativas à frequência e duração de atividades
físicas (caminhada, moderada e vigorosa) desenvolvidas no trabalho, no
deslocamento, nas atividades domésticas e no tempo livre (Matsudo et al.,
2001).
Os valores de cada um dos padrões de atividades físicas, em seus diferentes
domínios, foram relatados em minutos/semana por meio da multiplicação da
frequência semanal pela duração de cada uma das atividades realizadas.
Análise estatística
A caracterização das variáveis foi apresentada em média, desvio padrão, valores
mínimos, máximos e frequências.
Para comparar a distribuição das variáveis segundo os sexos utilizou-se o teste
t de Student para amostras independentes (dados contínuos) e o teste qui-
quadrado (dados categóricos).
O poder preditivo e os pontos de corte dos diferentes padrões e domínios da
atividade física para ausência de diabetes foram identificados através das
curvas Receiver Operating Characteristic (ROC), frequentemente utilizadas para
determinação de pontos de corte em testes diagnósticos ou de triagem (Erdreich
& Lee, 1981).
Inicialmente foi identificada a área total sob a curva ROC entre os padrões de
atividade física (caminhada, moderada e vigorosa) em seus diferentes domínios
(trabalho, deslocamento, atividade doméstica, tempo livre) e atividade física
total (quatro domínios analisados conjuntamente) para a ausência de diabetes.
Quanto maior área sob a curva ROC, maior o poder discriminatório da atividade
física para ausência de diabetes.
Utilizou-se intervalo de confiança (IC) a 95%, o qual determina se a capacidade
preditiva dos padrões de atividade física em seus diferentes domínios não é
devido ao acaso, não devendo o seu limite inferior ser menor do que 0.50
(Schisterman, Faraggi, Reiser, & Trevisan, 2001).
Na sequência, foram calculadas a sensibilidade e especificidade, além dos
pontos de corte para os padrões de atividades físicas (caminhada, moderada e
vigorosa) em seus diferentes domínios (trabalho, deslocamento, atividade
doméstica, tempo livre) e atividade física total para a ausência de diabetes.
Valores identificados por intermédio da curva ROC constituem-se em pontos de
corte que deverão promover um mais adequado equilíbrio entre sensibilidade e
especificidade para atividade física como discriminador da ausência de
diabetes.
Os dados foram analisados através do programa estatístico STATA, versão 7.0.
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade Adventista de
Fisioterapia (FAFIS) localizada na cidade de Cachoeira, Bahia, Brasil segundo o
parecer número 0033/2007.
RESULTADOS
As características da amostra estão demonstradas na tabela 1. Observa-se que os
homens são mais pesados e mais altos do que as mulheres. Quanto à idade não
existem diferenças entre os sexos.
Tabela_1
Média, desvio padrão, valor mínimo, máximo e frequência das variáveis
analisadas no estudo
Com relação aos domínios da atividade física os homens são mais ativos no
trabalho e no tempo livre, enquanto as mulheres são mais ativas nas atividades
domésticas. No deslocamento e na atividade física total (considerando os quatro
domínios) não existem diferenças entre homens e mulheres. Quanto aos padrões de
atividades físicas (considerando-se os quatro domínios) observa-se que os
homens são mais ativos na caminhada enquanto as mulheres são mais ativas nas
atividades moderadas. Não existem diferenças entre homens e mulheres nas
atividades vigorosas. Observa-se, também, que não existem diferenças entre os
sexos quanto à presença ou ausência de diabetes.
Na tabela 2 pode-se observar as áreas sob as curvas ROC, com seus respectivos
intervalos de confiança, dos padrões de atividades físicas em seus diferentes
domínios como preditores da ausência de diabetes. Foram construídas curvas ROC
para o sexo masculino, feminino e para ambos os sexos. De modo geral, as
maiores áreas são observadas no domínio da atividade física de tempo livre.
Observa-se também que na caminhada as áreas sob as curvas ROC não foram
significativas em nenhum dos domínios analisados.
Tabela 2
Áreas sob a curva ROC e IC95% entre os padrões de atividades física em seus
diferentes domínios como preditores da ausência de diabetes em adultos de ambos
os sexos
Na tabela 3 e figura 1 observam-se as áreas sob as curvas ROC, com seus
respectivos intervalos de confiança, entre os padrões da atividade física total
(quatro domínios) como preditores da ausência de diabetes para homens, mulheres
e ambos os sexos. As maiores áreas são observadas quando homens e mulheres são
analisados conjuntamente. Mais uma vez observa-se que na caminhada as áreas sob
as curvas ROC não foram significativas.
Tabela 3
Áreas sob a curva ROC e IC95% entre os padrões de atividade física total como
preditores da ausência de diabetes em adultos
Figura 1. Áreas sob a curva ROC, com os seus respectivos pontos de corte para
atividade física moderada e total, entre os padrões e domínios da actividade
física total com preditores da ausência de diabetes em homens e mulheres
analisados conjuntamente
A tabela 4 apresenta os pontos de corte, com suas respectivas sensibilidades e
especificidades, dos padrões da atividade física total (trabalho,
deslocamentos, atividades domésticas e tempo livre) como preditores da ausência
de diabetes em homens e mulheres analisados conjuntamente. Os pontos de corte
foram determinados para a atividade física moderada (185 min/semana) e para o
total de atividade física (caminhada + moderada + vigorosa) (285 min/semana)
(figura 1). Considerando-se separadamente cada um dos domínios da atividade com
seus respectivos padrões, não foi possível a determinação dos pontos de corte
em virtude das áreas sob as curvas ROC não serem significativas e/ou os valores
de sensibilidade e especificidade não serem adequados.
Tabela 4
Pontos de corte, sensibilidade e especificidade dos padrões da atividade física
total como preditores da ausência de diabetes ' homens e mulheres analisados
conjuntamente
DISCUSSÃO
O estudo demonstra o poder preditivo dos padrões de atividades físicas
(caminhada, moderada e vigorosa) em seus diferentes domínios (trabalho,
deslocamento, atividades domésticas, tempo livre) e atividade física total para
a ausência de diabetes. Além disso, identifica os pontos de corte (minutos por
semana), da atividade física total (quatro domínios), por meio dos valores que
apresentam maior equilíbrio entre a sensibilidade e a especificidade para
discriminar a ausência de diabetes.
Uma possível limitação do estudo foi a determinação do diabetes autorreferido
que pode ter provocado subestimação na prevalência desta variável, considerando
que muitas pessoas podem desconhecer sua condição de diabético. Outra limitação
pode ser atribuída à dificuldade na coleta de dados nos bairros de classes C e
D por questões de focos de violência.
No presente estudo observou-se que os homens são mais ativos no trabalho e no
tempo livre enquanto as mulheres são mais ativas nas atividades domésticas. No
domínio deslocamento não observou-se diferenças entre os sexos, considerando
que os homens deslocam-se mais de bicicleta e as mulheres deslocam-se mais
caminhando fazendo com que nesse domínio a quantidade de atividade física
realizada seja similar. Resultados contrários foram observados em estudo
conduzido por Barengo, Kastarinen, Lakka, Nissinen e Tuomilehto (2006) quando
relataram níveis parecidos de atividade física entre homens e mulheres no tempo
livre e no trabalho. Com relação às atividades de deslocamento, os mesmos
autores observaram que apenas 27% dos homens e 42% das mulheres atingiram mais
de 15 minutos diários de deslocamento a pé ou de bicicleta.
Diversos autores têm demonstrado que a atividade física pode proporcionar
benefícios na prevenção e tratamento do diabetes (Sigal, Kenny, Wasserman,
& Castaneda-Sceppa, 2004; Hayes & Kriska, 2008), porém poucos trabalhos
tentaram identificar o poder preditivo dos padrões de atividades físicas em
seus diferentes domínios como discriminador da ausência de diabetes.
No nosso trabalho observou-se que a atividade física total, considerando-se os
quatro domínios, e o domínio tempo livre mostraram-se os melhores preditores da
ausência de diabetes. Os domínios das atividades físicas no trabalho e no
deslocamento apresentaram-se razoáveis, enquanto a atividade doméstica foi o
domínio menos adequado para proteção de diabetes. Resultados parecidos com
relação ao tempo livre e ao trabalho foram observados em recente publicação
(Fretts et al., 2009), quando foi analisada a associação entre atividade física
em 1651 índios americanos. Os resultados indicaram que a participação em
qualquer nível de atividade física seria fator de proteção para a diabetes.
Outro aspecto que chama atenção no presente estudo é o fato da caminhada não se
apresentar como preditora da ausência de diabetes em nenhum dos domínios de
atividade física analisados. Uma possível explicação para este achado seria a
utilização do IPAQ como instrumento de mensuração da atividade física, o qual
não identifica a intensidade da caminhada realizada. Resultados contrários
foram observados em 11.073 homens japoneses (Sato et al., 2007) onde a
caminhada para o trabalho, com duração maior do que 21 minutos por dia, reduziu
o risco de diabetes.
Por outro lado, as atividades moderadas e vigorosas nos diferentes domínios
apresentaram-se satisfatórias para discriminar a ausência de diabetes,
principalmente no domínio das atividades físicas de tempo livre. Concordando
com nossos resultados, Hu et al. (2004), após estudo com acompanhamento de 3316
finlandeses de ambos os sexos, portadores de diabetes tipo 2, observaram que a
atividade física moderada ou vigorosa reduz a mortalidade cardiovascular em
diabéticos. Deste modo, parece que realizar atividades físicas de intensidade
moderada à vigorosa reduz a incidência de diabetes e previne complicações
cardiovasculares associadas à diabetes.
Ainda na Filândia (Hu et al., 2003) foram acompanhados durante doze anos, 6898
homens e 7392 mulheres com objetivo de identificar qual dos padrões e domínios
da atividade física proporcionaria a redução do risco de diabetes. Como
resultado estes pesquisadores verificaram que as atividades físicas moderadas
ou vigorosas realizadas no trabalho, no deslocamento ou no tempo livre
reduziram de maneira significativa o risco de diabetes na população.
No presente estudo optou-se, também, por identificar os pontos de corte
(minutos por semana) dos padrões de atividades físicas nos seus diferentes
domínios para a ausência de diabetes. Observou-se que atividades físicas
acumuladas nos diferentes domínios realizadas por 185 minutos/semana em
intensidade moderada, ou ainda, realizadas por 285 minutos/semana em
intensidades de caminhada, moderada ou vigorosa foram os melhores pontos de
corte para predizer a ausência de diabetes. Quando os domínios da atividade
física foram analisados individualmente os pontos de corte não puderam ser
identificados porque as áreas sob as curvas ROC não foram significativas e/ou
os valores de sensibilidade e especificidade não foram adequados.
A preocupação dos pesquisadores em identificar a quantidade de atividade física
mais adequada para proporcionar benefícios à saúde não é recente. Blair, Kohl,
Gordon e Paffenbarger (1992) buscaram identificar a dose de atividade física
que proporcionaria efeitos mais significativos para proteção de diversos
agravos à saúde. Nessa época foi sugerido que indivíduos adultos deveriam
acumular pelo menos 30 minutos de caminhada por dia para obter benefícios mais
significativos à saúde.
Em 1995, duas instituições de renomada competência internacional, o Centers for
Disease Control and Prevention (CDC) e o American College of Sports Medicine
(ACSM) (Pate et al., 1995) recomendaram que para adquirir proteção para agravos
metabólicos e cardiovasculares, os adultos deveriam acumular trinta minutos de
atividades físicas em intensidade moderada na maioria dos dias da semana.
Em recente diretriz publicada no Canadá (Warburton, Katzmarzyk, Rhodes, &
Shephard, 2007) sobre atividade física para adultos sugeriu-se que para redução
do risco de diversas condições crônicas, particularmente doença arterial
coronariana, hipertensão arterial e diabetes é necessário atividade física de
intensidade moderada todos os dias da semana.
Os resultados deste estudo indicaram que a atividade física realizada no tempo
livre e a atividade física total (tempo livre, trabalho, doméstica e
deslocamento analisados conjuntamente) melhor predizem a ausência de diabetes.
Com relação à quantidade necessária sugere-se que, atividades físicas
acumuladas nos quatro domínios, e realizadas de 185 min/sem em intensidade
moderada ou 285 min/sem de caminhada, mais atividade física moderada e vigorosa
seriam as mais indicadas para previnir o diabetes. Observa-se também que,
provavelmente, a caminhada isoladamente não seria uma boa estratégia para
prevenção da diabetes. São necessários novos estudos que identifiquem a
intensidade e o volume de atividades físicas mais adequados para a proteção de
outros agravos metabólicos e cardiovasculares.