Relação da prática de exercícios físicos e fatores associados às regulações
motivacionais de adolescentes brasileiros
Relação da prática de exercícios físicos e fatores associados às regulações
motivacionais de adolescentes brasileirosRESUMO
Com base na Teoria da Autodeterminação (TAD; Deci & Ryan, 1985), o presente
estudo objetivou investigar as relações entre a prática de exercícios físicos e
suas regulações motivacionais, bem como os fatores associados a estas em
estudantes adolescentes. Realizou-se um estudo transversal com a participação
de 471 adolescentes de 14 a 18 anos de idade, estudantes de uma escola pública
estadual no município de Florianópolis/SC, Brasil. Questionários foram
utilizados para a realização da pesquisa e os dados foram tratados com
estatística descritiva e inferencial. Meninos foram mais ativos e mais
autodeterminados para a prática de exercícios físicos do que as meninas. Para
ambos os sexos as regulações motivacionais mais internas, bem como o índice de
autodeterminação, estiveram associados positivamente com a prática de
exercícios físicos. Meninas com maior idade e com presença de sobrepeso
apresentaram maior regulação identificada. Entre os meninos, os estudantes com
sobrepeso mostraram-se mais amotivados e menos motivados intrinsecamente. De
maneira geral, adolescentes que estudam no período vespertino apresentaram um
maior índice de autodeterminação. Conclui-se que adolescentes mais
autodeterminados praticam mais exercícios físicos regularmente. Destacam-se
ainda os fatores associados à motivação e a existência de diferenças entre
meninas e meninos nas relações entre as variáveis investigadas.
Palavras-chave: adolescente, atividade física, motivação, teoria da
autodeterminação
Relationship between physical exercise practice and associated factors to
motivational regulations of Brazilians adolescents
ABSTRACT
Based on Self-Determination Theory (SDT; Deci & Ryan, 1985), this study
investigated the relationship between physical exercise, motivational
regulations and associated factors in adolescents. We conducted a cross-
sectional study involving 471 adolescents aged 14 to 18 years old, students at
a public school in Florianópolis/SC, Brazil. Questionnaires were used to
conduct the survey and the data was analyzed by descriptive and inferential
statistics. Boys were more active and more self-determined for physical
exercise than girls. For both genders the internal motivations and the self-
determination were positively associated with physical exercise. The older and
overweight girls had higher identified regulation. Among boys, students who are
overweight were more amotivated and less intrinsically motivated. All students,
adolescents who are studying in the afternoon period showed a higher baseline
of self-determination. The study concluded that adolescents more self-
determined did more physical exercise regularly. Also the study showed that
there are factors associated with the motivational regulations and that there
are differences between girls and boys.
Keywords: adolescents, physical activity, motivation, self-determination theory
Dentre os fatores fundamentais para uma boa qualidade de vida e prevenção de
doenças, está a prática de atividades físicas (Alves, Montenegro, Oliveira, &
Alves, 2005). Nesse sentido, há evidências que o sedentarismo tem sido um dos
maiores problemas de saúde pública das sociedades modernas, atingindo cada vez
mais a população de adolescentes (Seabra, Mendonça, Thomis, Anjos, & Maia,
2008). Nessa fase do desenvolvimento a prática de atividades físico-esportivas
é fundamental, pois favorece a adoção de um estilo de vida ativo e saudável,
hábito este que tende a permanecer na vida adulta (Azevedo Júnior, Araújo,
Silva, & Hallal, 2007; Perkins, Jacobs, Barber, & Eccles, 2004).
Entretanto, estudos confirmam a tendência de redução nos níveis de atividade
física durante a adolescência, e que essa redução se deve tanto a fatores
biológicos (Sallis, 2000) quanto a fatores psicossociais (Seabra et al., 2008).
Tal problemática tem preocupado pesquisadores de diferentes áreas, que buscam
melhor compreender a aderência dos jovens às práticas de exercícios físicos e
desta forma intervir mais positivamente na busca de um estilo de vida mais
ativo para esta população.
Embora a prática de exercícios físicos seja entendida pela população em geral
como um dos principais fatores para manutenção da saúde (Siqueira et al.,
2009), uma grande parcela não a pratica com a mínima frequência recomendada, o
que demonstra a complexidade dessa questão. Nos domínios da Psicologia do
Esporte e do Exercício a motivação tem sido um dos principais temas pesquisados
(Gomes, Coimbra, Garcia, Miranda, & Barra Filho, 2007), pois tem em sua
essência o estudo das regulações que impedem ou facilitam a prática de
comportamentos (Ryan & Deci, 2000). As investigações conduzidas nessa área
ao longo das últimas décadas têm como principal objetivo compreender os fatores
sociais e intra-individuais que inibem ou facilitam a motivação para a prática
de exercícios físicos (Blanchard, Mask, Vallerand, Sablonnière, &
Provencher, 2007).
Na atualidade, especialmente durante a última década, vem se destacando a
Teoria da Autodeterminação (TAD; Deci & Ryan, 1985) como uma possibilidade
mais detalhada para o estudo dos aspectos motivacionais que envolvem a prática
de exercícios físicos. Com a TAD, Deci e Ryan introduzem uma subteoria
denominada Teoria da Integração do Organismo, estabelecendo a motivação de
maneira contínua, caracterizada por diferentes níveis de autodeterminação
(regulações motivacionais). Este continuum inclui a motivação intrínseca, a
motivação extrínseca e suas diferentes regulações, e a amotivação,
respectivamente da mais para a menos autodeterminada (Figura 1).
Figura 1. Continuum da Autodeterminação mostrando os tipos de motivações com
seus tipos de regulação e os processos reguladores correspondentes (adaptado de
Decy & Ryan, 2000)
Esclarecendo a Figura 1, na extrema esquerda encontra-se a amotivação, que é um
estado caracterizado pela falta de intenção, se associando assim à ausência de
motivação. Nesse caso, a pessoa não percebe os motivos para o início ou
continuidade da atividade (Fernandes & Vasconcelos-Raposo, 2005). A seguir
no quadro, à direita da amotivação, está a mais externa das motivações
extrínsecas, a regulação externa. Esta é a regulação em que a pessoa é
influenciada por fatores externos, executando a ação para receber recompensas
ou evitar punições (Deci & Ryan, 2000). Na sequência, mais à direita,
encontra-se a regulação introjetada, onde a regulação envolve situações
conflituosas e os comportamentos são influenciados por pressões internas, como
a culpa e a ansiedade (Fernandes & Vasconcelos-Raposo, 2005). O próximo
estágio, mais interno, é a regulação identificada, onde o indivíduo considera a
atividade importante e aprecia os resultados e benefícios que ela pode lhe
proporcionar (Deci & Ryan, 2000). A forma mais autodeterminada da motivação
extrínseca é a regulação integrada, a qual não envolve só a identificação para
a importância da atividade, mas também a integração dessas identificações com
sua maneira de pensar, contendo assim algumas características da motivação
intrínseca (Ryan & Deci, 2000). Finalizando, na extrema direita do
continuum está a motivação intrínseca, onde a atividade é praticada por conta
do prazer, da satisfação e do divertimento que ela proporciona. Nesse caso, a
regulação é exclusivamente interna, sem qualquer tipo de influência externa
(Murcia & Coll, 2006).
Teoricamente, pessoas mais autodeterminadas estão mais propensas a se
envolverem em determinados comportamentos do que as com baixa autodeterminação
(Deci & Ryan, 2000). No campo da Psicologia do Esporte e do Exercício tais
pressupostos têm se confirmado, pois pesquisas verificam que quem é mais
autodeterminadas para a prática de exercícios físicos tem maior participação
nestas atividades (Fernandes, Vasconcelos-Raposo, Lázaro, & Dosil, 2004;
Brickell & Chatzisarantis, 2007; Edmunds, Ntoumanis, & Duda, 2006;
Ntoumanis, 2005). Sendo assim, conhecer a motivação dos adolescentes para a
prática de exercícios físicos é fundamental na tentativa de fundamentar o
estudo e a adaptação dos modelos de intervenção mencionados na literatura,
levando em consideração as características do contexto social brasileiro.
Embora a TAD tenha sido publicada a mais de duas décadas e seja amplamente
estudada no campo dos esportes e exercícios físicos em pesquisas realizadas na
América do Norte, Europa e Oceania, só recentemente ela tem sido aplicada em
pesquisas com populações brasileiras (Viana, Andrade, & Matias, 2010,
Viana, 2009; Vissoci, Vieira, Oliveira, & Vieira, 2008), o que demonstra a
necessidade de novos estudos e justifica a realização de pesquisas nessa área.
Considerando a relevância do conhecimento da motivação de adolescentes para a
prática de exercícios físicos e a necessidade de estudos sobre a TAD aplicada a
outras realidades ainda pouco conhecidas, este estudo objetivou investigar as
relações entre a prática de exercícios físicos e suas regulações motivacionais,
bem como os fatores associados a estas em estudantes adolescentes brasileiros.
MÉTODO
Trata-se de uma pesquisa descritiva de campo, do tipo transversal e
correlacional (Thomas & Nelson, 2002).
Amostra
Participaram do estudo 471 adolescentes com idades entre 14 e 18 anos,
estudantes de uma escola pública estadual no município de Florianópolis/SC,
Brasil. A amostra foi do tipo nãoprobabilística intencional. A instituição de
ensino escolhida para a realização da pesquisa tem características especiais,
pois abriga um grande número de alunos de diversas classes sociais e de
diferentes cidades da região da Grande Florianópolis.
A maior parte da amostra é representada por estudantes do sexo feminino (n =
270, 57.7%), sendo que 3 adolescentes não informaram o sexo. A média de idade
dos participantes foi de 15.9 anos, tanto para as meninas (15.9 ± 0.9) quanto
para os meninos (15.9 ± 1.0). As classes socioeconômicas mais frequentes foram
B1 e B2 para ambos os sexos. Quanto à classificação do IMC, meninas e meninos
se diferenciaram, havendo maior prevalência de sobrepeso e obesidade entre os
meninos (Tabela 1).
Tabela 1
Frequência e percentual válido da classificação econômica (CE), classificação
do IMC, série e turno de estudo de estudantes adolescentes da amostra geral,
meninas e meninos
Quanto aos dados escolares, a maioria dos estudantes de ambos os sexos estavam
matriculados no período vespertino. Entre as meninas predominaram as estudantes
da segunda série, enquanto entre os meninos a primeira série do Ensino Médio
foi a mais frequente (Tabela 1).
Instrumentos
Para a caracterização sociodemográfica da amostra foi utilizado um questionário
baseado em Viana (2009). Foram investigadas informações referentes ao sexo,
idade, peso, altura, série e turno de estudo. Foi ainda verificado o índice de
massa corporal [IMC = massa (kg)/ altura2 (m)] dos adolescentes. Este índice
foi confrontado com os pontos de corte apresentados por Cole, Bellizzi, Flegal
e Dietz (2000) e os adolescentes foram agrupados em grupos sem sobrepeso
(eutróficos) e com sobrepeso (pré-obesidade e obesidade).
Para a classificação econômica foi utilizado o Critério Padrão de Classificação
Econômica Brasil/2008 da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa - ABEP
(2008). Esta tem como base os itens existentes na casa dos participantes (TV,
geladeira, rádio, etc.) e o nível de escolaridade do chefe da família. A
somatória dos pontos de cada questão resulta em um escore que representa as
classes, agrupadas em três estratos arbitrados para este estudo: classe alta
(A1, A2), classe média (B1 e B2) e classe baixa (C1, C2, D). Os resultados de
validação indicam que o questionário tem alta relação com a renda familiar (r =
.785 e r2 = 62%).
Prática de Exercícios Físicos
O Questionário de Avaliação da Atividade Física de Adolescentes" foi
desenvolvido e validado por Florindo, Romero, Peres, Silva e Slater (2006) e
escolhido por ser um instrumento desenvolvido para adolescentes brasileiros e
por priorizar em sua avaliação a prática de exercícios físicos. O questionário
tem 17 questões divididas em dois blocos: bloco 1) exercícios físicos (15
questões); e bloco 2) atividades físicas de locomoção à escola (2 questões).
Ele avalia a atividade física anual do bloco 1 e semanal dos blocos 1 e 2,
padronizando o questionário para gerar escores das atividades físicas em
minutos/semana e minutos/ano. Para a presente pesquisa foram utilizados os
escores anuais, por terem obtido melhores resultados em sua validação e
contabilizarem apenas os exercícios físicos e esportes, desconsiderando as
atividades de locomoção para a escola, pouco relevantes para esta pesquisa.
Motivação para a Prática de Exercícios Físicos
A motivação dos participantes para a prática de exercícios físicos foi avaliada
utilizando o Questionário de Regulação de Comportamento no Exercício Físico-2
(Behavioral Regulation in Exercise Questionnaire-2 - BREQ-2; Markland &
Tobin, 2004). Tal questionário é baseado na TAD e tem o objetivo de quantificar
as diferentes regulações motivacionais, interna e externas, bem como a
amotivação, relacionadas à prática de exercícios físicos.
O questionário é composto por 19 itens do tipo Likert com 5 opções de resposta
(0= não é verdade para mim a 4= muitas vezes é verdade para mim), separadas em
cinco diferentes construtos: amotivação (ex: "Acho que exercício é uma perda de
tempo"), regulação externa (ex: "Faço exercícios porque outras pessoas dizem
que devo fazer"), regulação introjetada (ex: "Sintome culpado/a quando não faço
exercícios"), regulação identificada (ex: "Dou valor aos benefícios/ vantagens
dos exercícios") e motivação intrínseca (ex: "Gosto das minhas sessões de
exercícios"). Utilizou-se também o índice de autodeterminação, que é o escore
obtido pela seguinte fórmula: (−3 × amotivação) + (−2 × regulação externa) +
(−1 × regulação introjetada) + (2 × regulação identifica) + (3 × regulação
intrínseca). O índice pode variar de &minus24 (menor autodeterminação) a 20
(maior autodeterminação).
Os testes de consistência interna da escala original obtiveram valores para o
alpha de Cronbach superiores a .73, o que demonstra boa consistência interna
para as diferentes sub-escalas do instrumento. Para este estudo foi utilizada a
versão brasileira do BREQ-2 apresentada por Viana (2009), o qual obteve índices
de confiabilidade variando entre .62 e .82.
Procedimentos
Este estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas em Seres
Humanos da Universidade do Estado de Santa Catarina (n.º do protocolo 134/09).
Considerando as normas éticas, os estudantes, ou seus responsáveis quando o
participante tinha menos de 18 anos, tiveram de assinar os Termos de
Consentimento Livre e Esclarecido para participação na pesquisa.
As coletas foram feitas no segundo semestre de 2009, em sala de aula, sempre
com a presença de dois pesquisadores responsáveis pela pesquisa. Como sugerido
pela direção da instituição de ensino, foram utilizados para a coleta dos dados
os horários das aulas de Educação Física. Os questionários foram entregues aos
alunos e uma explicação sobre o modo de respondê-los foi realizada. Durante o
preenchimento dos instrumentos os pesquisadores estiveram presentes para o
esclarecimento de possíveis dúvidas na interpretação das questões.
Análise Estatística
O tratamento dos dados foi realizado em duas etapas. Na primeira etapa foi
realizada a estatística descritiva, com verificação da distribuição dos dados,
por meio das curtoses, assimetrias e do teste de Kolmogorov-Smirnov (K-S), e
cálculos de frequências, percentuais, médias e desvios padrão.
Em seguida realizou-se a estatística inferencial, onde se optou por análises
não-paramétricas considerando a distribuição dos dados. Para as comparações de
amostras independentes foram utilizados os testes de Mann-Whitney para
comparação de dois grupos, e Kruskal-Wallis para comparação de mais de dois
grupos. Para correlação dos dados escalares foi utilizada correlação de
Spearman (?). O nível de significância estabelecido foi de ? = .05, para todas
as análises (p < .05).
Considerando que meninas e meninos se diferenciaram quanto às principais
variáveis em estudo, prática de exercícios físicos e regulações motivacionais,
as análises foram realizadas dividindo o banco de dados por sexo
RESULTADOS
A Tabela 2 apresenta os dados gerais relacionados à média, desvio padrão,
assimetria, curtose e resultado do teste de K-S das variáveis dependentes do
estudo. Em relação às regulações motivacionais, verificam-se médias mais
elevadas para as regulações internas, contrastando com os baixos níveis de
amotivação e regulação externa. Os dados de assimetria e curtose, elevados para
aproximadamente a metade das variáveis (≠ 0) sugeriram a utilização de
estatísticas não-paramétricas, confirmadas pelos resultados do K-S (p < .05).
Tabela 2
Média (M), desvio padrão (DP), assimetria, curtose e K-S da quantidade anual de
exercícios físicos, regulações motivacionais e índice de autodeterminação de
estudantes adolescentes
Verificaram-se diferenças entre meninas e meninos em relação à prática de
exercícios físicos e às regulações motivacionais (Tabela 3). Meninos praticaram
significativamente mais exercícios físicos do que as meninas, com
aproximadamente 8.000 minutos anuais a mais em média. Em relação às variáveis
motivacionais, meninas apresentaram maior regulação introjetada e menor
motivação intrínseca e índice de autodeterminação do que os meninos, resultados
que demonstram que estes são mais autodeterminados para a prática de exercícios
físicos do que aquelas.
Tabela 3
Média (M), desvio padrão (DP) da quantidade anual de exercícios físicos,
regulações motivacionais e índice de autodeterminação de meninas e meninos
estudantes adolescentes
A quantidade de exercícios físicos esteve relacionada às diferentes regulações
motivacionais e índice de autodeterminação (Tabela 4). Porém, é possível
perceber algumas diferenças entre os sexos. Enquanto para as meninas a
motivação intrínseca foi a variável mais fortemente relacionada à quantidade
anual de exercícios físicos, para os meninos esta esteve mais relacionada à
regulação identificada. Observa-se ainda, em relação ao sexo, que nas meninas a
prática de exercícios correlacionou-se negativamente com amotivação e
positivamente com a regulação introjetada. Nos meninos a prática de exercícios
físicos correlacionou-se negativamente com a regulação externa.
Tabela_4
Correlação (ρ) entre a quantidade anual de exercícios físicos, regulações
motivacionais e índice de autodeterminação de estudantes adolescentes
(resultados das meninas na diagonal inferior e dos meninos na diagonal
superior)
As regulações motivacionais se correlacionaram coerentemente, havendo poucas
diferenças entre as meninas e os meninos.
As regulações se relacionam positivamente com os construtos mais próximos, e
negativamente com os mais distantes, demonstrando a existência de um continuum.
Quanto à correlação das regulações motivacionais com o índice de
autodeterminação, conforme o esperado as regulações externas se relacionam
negativamente, e as mais internas positivamente com o índice (Tabela_4).
Quanto às variáveis associadas às regulações motivacionais das meninas (Tabela
5), verificou-se que as estudantes do grupo com maior idade e com presença de
sobrepeso apresentaram maior regulação identificada. Em relação ao turno, as
matriculadas no período matutino apresentaram maior regulação introjetada,
enquanto as do período vespertino foram mais motivadas intrinsecamente e
apresentaram um maior índice de autodeterminação. Classe econômica e série de
estudo não estiveram associadas às regulações motivacionais para as meninas.
Tabela 5
Regulações motivacionais e índice de autodeterminação (M ± DP) de meninas
estudantes adolescentes em função da faixa etária, classes econômicas (CE),
presença de sobrepeso, série e turno de estudo
Entre os meninos (Tabela 6), os estudantes com sobrepeso mostraram-se mais
amotivados e menos motivados intrinsecamente do que os sem sobrepeso. Turno de
estudo esteve associado ao índice de autodeterminação, sendo que os estudantes
do período vespertino foram mais autodeterminados. Idade, classe econômica e
série de estudo não estiveram associadas às regulações motivacionais para os
meninos.
Tabela 6
Regulações motivacionais e índice de autodeterminação (M ± DP) de meninos
estudantes adolescentes em função da faixa etária, classes econômicas (CE),
presença de sobrepeso, série e turno de estudo
DISCUSSÃO
Este estudo teve como principal objetivo investigar as relações entre a prática
de exercícios físicos e suas regulações motivacionais, bem como os fatores
associados a estas em estudantes adolescentes de uma escola pública do
município de Florianópolis/SC, Brasil. A motivação foi investigada com base na
TAD (Deci & Ryan, 1985), a qual para Ntoumanis (2001 como citado em
Fernandes & Vasconcelos-Raposo, 2005, p. 392) tem sido bem sucedida em sua
aplicação no contexto da Educação Física.
Apesar da TAD ser bastante visada quando o assunto é motivação e prática de
exercícios físicos, no Brasil ela pouco foi aplicada no campo da Educação
Física e mais especificamente nas áreas da Psicologia do Esporte e do
Exercício. A maior parte dos estudos publicados no país, sobre a temática,
foram escritos por autores portugueses e espanhóis que investigaram populações
européias (Fernandes & Vasconcelos-Raposo, 2005; Murcia, Blanco, Galindo,
Vullodre, & Coll, 2007; Murcia & Coll, 2006). Especificamente com
adolescentes brasileiros, destacam-se três produções atuais. Duas que
investigaram as relações da TAD e seus fundamentos com a prática de exercícios
físicos na adolescência (Viana et al., 2010; Viana, 2009) e uma terceira que
relacionou os pressupostos da TAD com a prática de exercícios físicos e a
percepção de saúde mental dos adolescentes (Matias, 2010). Apesar das
iniciativas com populações de adolescentes brasileiros, salienta-se a
necessidade de diversificações das pesquisas, pois estas estão sendo conduzidas
pelos mesmos pesquisadores e equipes de pesquisa.
Quanto à prática de exercícios físicos, os dados corroboram com outros estudos
nacionais que apontam que a população de adolescentes do sexo masculino é mais
ativa fisicamente do que a do sexo feminino (Silva, Nahas, Hoefelmann, Lopes,
& Oliveira, 2008; Souza & Duarte, 2005; Vasques & Lopes, 2009).
Porém, é importante se considerar que pesquisas que diferenciam a prática de
exercícios físicos em diferentes domínios (lazer, deslocamento, trabalho,
doméstico, etc) podem apresentar resultados contrários a esta tendência em
adolescentes. Del Duca et al. (2009), por exemplo, verificaram que mulheres
eram mais sedentárias do que os homens nos ambientes de lazer e trabalho, mas
praticavam mais atividades físicas nas atividades domésticas.
As diferenças entre os sexos não são exclusivamente biológicas, mas também
influenciadas pelo contexto social. Há que se destacar ainda, como observado em
Seabra et al. (2008), que a concepção de corpo, a qual está associada à prática
de exercícios físicos muitas vezes não se enquadra no modelo de corpo feminino
entendido como ideal pela sociedade. Neste caso, Seabra et al. (2008) evidencia
as influências culturais, que privilegiam em muitos casos a prática de
exercícios físicos para os meninos. Reflete-se então, até que ponto as
interações culturais podem influenciar ou impedir na predisposição motivacional
de meninas para a prática de exercícios físicos. No presente estudo, meninas
apresentaram maior regulação introjetada, e menor motivação intrínseca e índice
de autodeterminação do que os meninos. A literatura sugere que os meninos têm
mais prazer ao praticar exercícios físicos, enquanto as meninas se pressionam
mais internamente para a realização destas atividades (Markland & Ingledew,
2007; Ntoumanis, 2005; Viana, 2009). Embora existam estudos que indicam o
contrário, como Murcia, Gimeno e Coll (2007), os estudos revisados acima têm
verificado que os meninos apresentam resultados superiores para as regulações
motivacionais mais internas.
Viana (2009), ao comparar estudos realizados com população de adolescentes e
adultos, observa que há uma tendência para que os meninos sejam mais
autodeterminados que as meninas durante a adolescência, enquanto na vida adulta
há evidências que as mulheres são mais autodeterminadas que os homens. Há que
se considerar o fato de serem ainda limitadas as pesquisas brasileiras
embasadas na TAD, e que a maior parte dos dados aqui discutidos são de
pesquisas internacionais, sendo importante a realização de novos estudos sobre
as diferenças na autodeterminação de adolescentes do sexo feminino e masculino.
É fundamental compreender tais diferenças, tendo em vista que o fato de meninas
e meninos terem um perfil motivacional diferente interfere sobre o modo com que
os profissionais de Educação Física devem atuar junto a estes dois grupos.
As relações positivas da quantidade de exercícios físicos com as regulações
mais internas sugerem que adolescentes mais auto-determinados praticam mais
exercícios físicos do que os com baixa autodeterminação. Esses resultados
corroboram com os pressupostos da TAD (Deci & Ryan, 1985; Ryan & Deci,
2000) e estudos recentes na área da Psicologia do Esporte e do Exercício com
populações diversas (Brickell & Chatzisarantis, 2007; Edmunds et al., 2006;
Ntoumanis, 2005; Wilson & Rodgers, 2004; Fernández et al., 2004). Vale
destacar a pesquisa de Fernández et al. (2004), a qual investigou modelos
teóricos da motivação para o contexto da Educação Física em adolescentes
escolares. O estudo observou relações entre as diferentes regulações
motivacionais e a intenção de praticar atividades físicas, porém a análise
multivariada indicou que somente a motivação intrínseca predisse
significativamente a intenção de se exercitar fora das aulas de Educação
Física. Ainda segundo os autores, a relação entre exercício físico e motivação
se mostra intimamente ligada a fatores sociais e a mediadores psicológicos. A
partir de seus resultados, os mesmos sugerem que os profissionais de Educação
Física devem centrar sua prática na promoção do aprendizado cooperativo, além
de não deixar de possibilitar aos seus alunos um espaço para a escolha das
atividades que mais lhe agrade.
Sob esses aspectos, é possível lançar mão dos conceitos relacionados às
necessidades psicológicas básicas, construtos também presentes na TAD (Ryan
& Deci, 2000). Estudos empíricos têm verificado relações entre as
necessidades psicológicas básicas, a motivação e os comportamentos frente aos
exercícios físicos (Edmunds et al., 2006), de modo que quando supridas tais
necessidades os indivíduos aumentam sua autodeterminação e consequentemente se
exercitam mais. Com base nesse pressuposto, professores de Educação Física
interessados em promover a prática de exercícios físicos entre seus alunos
devem considerar: a importância da autonomia na prática, que não deve ser
realizada como uma obrigação; a necessidade de os alunos se sintam competentes
para desempenhar a atividade; e que sejam valorizados por outras pessoas ou a
prática facilite a criação de vínculos sociais positivos. Uma abordagem que
leve em consideração esses aspectos tornará o adolescente mais motivado, e
consequentemente favorecerá a sua aderência aos exercícios físicos (Wilson,
Rodgers, Blancharad, & Gessel, 2003).
Meninas e meninos se diferenciaram em algumas das relações entre a prática de
exercícios físicos e as regulações motivacionais. Para as meninas, a regulação
introjetada se relacionou positivamente com a quantidade de exercícios físicos,
o que não aconteceu para os meninos. Deste modo, as pressões internas são
relevantes para as meninas e não para os meninos na aderência à prática de
exercícios físicos. Por outro lado, a regulação externa esteve relacionada
negativamente com a prática de exercícios físicos apenas entre os meninos,
demonstrando que para eles as interferências externas podem ser prejudiciais à
prática. Considerando o fato dos meninos serem mais autodeterminados, ou seja,
têm mais prazer pela prática de exercícios físicos, espera-se que para eles as
influências externas sejam mais prejudiciais, enquanto para as meninas o
sentimento de obrigação também é importante na decisão de se envolver em uma
prática, considerando que são menos autodeterminadas. Ressalta-se que estas
relações nas quais meninas e meninos se diferenciaram foram fracas e, portanto,
não conclusivas.
As meninas com idade superior apresentaram maior regulação identificada do que
as mais jovens, diferenças que não são observadas nas demais regulações
motivacionais e entre os meninos. Em estudos também realizados com
adolescentes, Murcia et al. (2007b) e Viana (2009) não verificaram relação
entre idade e autodeterminação. Por outro lado, estudando indivíduos de
diferentes faixas etárias, Murcia et al. (2007a) e Muyor, Águila, Silicia e
Orta (2009) verificaram que os com maior idade eram mais autodeterminados para
a prática de exercícios físicos do que os mais jovens. Esses resultados sugerem
que grupos de idades próximas, como os adolescentes aqui investigados, tendem a
não se diferenciar, ao contrário do que acontece quando comparados grupos de
idades mais distantes. A realização de estudos que compreendam idades mais
abrangentes podem melhor esclarecer essas diferenças, comparando jovens,
adultos e idosos, por exemplo.
Adolescentes de diferentes classes econômicas, tanto meninas quanto meninos,
apresentaram regulações motivacionais e índice de autodeterminação semelhantes.
São incomuns os estudos que investigam as características socioeconômicas e
suas relações com a auto-determinação para a prática de exercícios físicos.
Parece importante ser considerado tal fator em estudos que envolvam o tema
motivação, pois, como descrito na literatura, a motivação está diretamente
associada às necessidades das pessoas (Deci & Ryan, 2000; Feijó, 1998).
Embora, assim como no estudo de Viana (2009), não se tenha observado diferenças
na autodeterminação para a prática de exercícios físicos de estudantes de
diferentes classes econômicas, devido à escassez de estudos fica em aberto essa
área de investigação.
Apesar dos dados escolares também não receberem destaque na literatura da área,
buscou-se verificar se adolescentes de diferentes séries e turnos de estudo
apresentavam diferenças em suas regulações motivacionais. Adolescentes de
diferentes séries apresentaram regulações motivacionais semelhantes. Quanto ao
turno de estudo, os adolescentes matriculados no período vespertino estiveram
mais autodeterminados. Considerando esses resultados, especificamente em
relação ao turno e autodeterminação para a prática de exercícios físicos,
estudos futuros que investiguem com maior profundidade esta questão podem obter
resultados mais conclusivos, ainda não possíveis devido às poucas evidências
científicas disponíveis na literatura sobre o tema.
Meninas com sobrepeso apresentaram maior regulação identificada do que as
eutróficas, demonstrando estarem mais motivadas a praticar exercícios físicos
por conta de seus benefícios. Entre os meninos, os eutróficos são mais
motivados intrinsecamente e menos amotivados do que os com sobrepeso. No estudo
de Viana (2009), não foram verificadas relações entre IMC e as diferentes
regulações motivacionais. Por outro lado, em Markland e Ingledew (2007) a maior
autodeterminação esteve associada a um baixo IMC tanto para meninas quanto para
os meninos. Os resultados de Markland e Ingledew (2007) trazem ainda dados
coerentes com os verificados no presente estudo, ao observar que meninos mais
autodeterminados acreditavam ter proporções corporais abaixo de sua silhueta
esperada, enquanto as meninas mais autode-terminadas acreditavam estar acima da
sua silhueta ideal. Tais resultados sugerem uma relação complexa, onde mais do
que as questões físicas ligadas à eutrofia ou ao sobrepeso, a imagem corporal é
fundamental nessa relação com a autodeterminação para a prática de exercícios
físicos.
CONCLUSÕES
Considerando os resultados e a discussão realizada, considera-se que a pesquisa
obteve resultados que colaboram para o preenchimento de uma lacuna da
Psicologia do Esporte e do Exercício no Brasil. Considerando o objetivo
traçado, têm-se as seguintes conclusões: (i) Estudantes adolescentes mais
autodeterminados praticam mais exercícios físicos, pois as regulações
motivacionais mais externas se relacionam negativamente com a prática de
exercícios físicos, enquanto as regulações mais internas se relacionam
positivamente; (ii) As regulações motivacionais se relacionam positivamente com
as mais próximas e negativamente com as mais distantes, confirmando o continuum
da autodeterminação; (iii) Meninos são mais autodeterminados para a prática de
exercícios físicos do que as meninas, além de praticarem mais tais atividades;
e (iv) Faixa etária, sobrepeso e turno de estudo estão associados a algumas das
regulações motivacionais, porém existem diferenças entre meninas e meninos.
Finalizando, é importante reforçar a existência de diferenças entre meninas e
meninos nas relações entre as variáveis investigadas, o que não tem sido
considerado em grande parte dos estudos da área da motivação. Essas diferenças
devem ser levadas em consideração em estudos futuros que abordem o presente
tema, pois a análise de meninas e meninos em conjunto pode mascarar importantes
diferenças entre as duas populações.