Insatisfação com a imagem corporal e relação com o nível de atividade física e
estado nutricional em universitários
Ao longo das últimas décadas, o crescente processo de modernização conduziu a
população a um estilo de vida inadequado, caracterizado pelo aumento do consumo
de alimentos com alto teor calórico e declínio no nível de atividade física
(NAF) (Frutuoso, Bismarck-Nasr, & Gambardella, 2003). Este padrão de
comportamento resulta em um aumento nas prevalências de sobrepeso e obesidade
em todos os estratos da população (Ribeiro et al., 2006).
O estilo de vida inadequado não implica somente em efeitos negativos sobre a
saúde física, mas também sobre a saúde mental, estimulando a ocorrência de
sintomas de estresse, ansiedade e depressão (Ferreira, Tufik, & Mello,
2001), podendo interferir, também na percepção corporal do indivíduo, tornando-
o insatisfeito com a imagem corporal (IC).
Estudos prévios relatam que a prática da atividade física está associada à
melhoras na IC (Vieira, 2004; Williams & Cash, 2001). Vieira (2004), ao
analisar o efeito da atividade física em academias na imagem corporal de
indivíduos obesos, identificou que após a intervenção, a prevalência de
insatisfação com a IC foi menor em comparação ao pré-teste. O mesmo foi
observado por Williams e Cash (2001), ao avaliar a eficiência de um programa de
treinamento com pesos em estudantes universitários. Contrariamente, em um
estudo com homens e mulheres fisicamente ativos, não foi encontrada associação
entre atividade física e IC (Davis & Cowles, 1991). O autor comenta que
esse resultado se deve à obsessão pelas formas corporais magras, o que leva os
indivíduos a permanecerem insatisfeitos com a IC. Assim, além da escassez de
estudos sobre a relação entre NAF e insatisfação com a IC, sobretudo, em
universitários, percebe-se uma falta de consenso na literatura a respeito dessa
questão.
Outro fator que pode influenciar a IC é o estado nutricional, devido à
imposição cultural de corpos extremamente magros para o sexo feminino (Schwartz
& Brownell, 2004) e musculosos para o masculino (Damasceno, Lima, Vianna,
Vianna, & Novaes, 2005), como forma subliminar de sucesso, felicidade,
dinamismo e bem-estar pessoal (Andrade & Bosi, 2003). Diante disso, aqueles
indivíduos que não conseguem atingir este padrão corporal estão propensos a
desenvolver uma percepção negativa da IC (Stipp & Marques de Oliveira,
2003).
Em uma pesquisa realizada com universitários (Kakeshita & Almeida, 2006),
os autores verificaram que aqueles com excesso de peso apresentaram maior
insatisfação com a IC. Entretanto, outro estudo realizado com essa população
evidenciou que mesmo os estudantes com o peso corporal adequado manifestavam um
nível elevado de insatisfação com a IC (Bosi, Uchimura, & Luiz, 2008).
Desta forma, evidencia-se a necessidade de verificar a relação entre
insatisfação com a IC e estado nutricional, para que este conhecimento possa
apontar a direção a ser seguida no sentido de promover melhoras na IC e na
aceitação do próprio corpo em indivíduos que estão em processo de formação
universitária.
O final da adolescência e o início da fase adulta caracterizam períodos em que
as modificações no estado nutricional, o NAF e a percepção da IC são muito
evidenciadas (França & Colares, 2008), assim como as relações entre estes
três fatores. Dentre os aspectos determinantes destas mudanças, destaca-se o
ingresso na universidade, período no qual o indivíduo adquire novas relações
sociais, que, somado às obrigações acadêmicas, pode levar a condutas de saúde
menos saudáveis. Assim, torna-se relevante a investigação dessas variáveis e
suas associações neste segmento da população, a fim de orientar o
desenvolvimento de programas de promoção da saúde, visando a aquisição e
manutenção de comportamentos saudáveis.
Desta forma, o objetivo do presente estudo foi verificar a associação da
insatisfação com a IC com o NAF e o estado nutricional em universitários recém-
ingressos em uma universidade pública brasileira.
MÉTODO
Amostra
Este estudo foi realizado com base no banco de dados do projeto de pesquisa
Avaliação da aptidão física relacionada à saúde de universitários da UFSC. O
protocolo do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Federal de Santa Catarina (Processo nº 096/2007).
A população de estudo foi composta por 2290 universitários ingressantes no
primeiro semestre do ano letivo de 2008 na Universidade Federal de Santa
Catarina. Para o cálculo do tamanho da amostra, foi utilizada a metodologia
recomendada por Thomas, Nelson, e Silverman (2007), considerando um nível de
confiança igual a 95% e um erro máximo permitido de três pontos percentuais. A
amostragem estratificada proporcional foi utilizada por centro de ensino e por
turno de estudo (diurno e noturno). Foi utilizado um procedimento randomizado
para o sorteio das turmas dentro de cada centro de ensino. Com base no cálculo
amostral, estimou-se que seria necessário avaliar 728 universitários, no
entanto, devido à coleta de dados ser realizada por conglomerado de turmas,
sendo convidados a participarem do estudo todos os estudantes presentes em sala
de aula, no dia da coleta, desta forma, responderam o questionário 921
indivíduos.
Foram excluídos do estudo 89 indivíduos por não informarem dados referentes às
variáveis analisadas (sexo, NAF, estatura, massa corporal e IC). Desta forma, a
amostra final foi composta por 832 universitários (485 do sexo masculino e 347
do sexo feminino), com média de idade de 20.1 (desvio padrão = 4.6) anos.
Instrumentos e Procedimentos
A massa corporal e a estatura foram obtidas através de medidas autorreferidas.
A validade destas medidas tem sido comprovada com a população adulta brasileira
(Coqueiro, Borges, Araújo, Pelegrini, & Rodrigues, 2009). Para
classificação do IMC utilizaram-se os seguintes pontos de corte: baixo peso (≤
18.5), peso normal (> 18.5 e ≤ 24.9) e excesso de peso (≥ 25) (sobrepeso +
obesidade) estabelecido pela Organização Mundial da Saúde (World Health
Organization [WHO], 1998). Os indivíduos com sobrepeso e obesidade foram
agrupados formando a categoria excesso de peso.
A insatisfação com a IC foi avaliada por meio do Body Shape Questionnaire (BSQ
' 34). Este instrumento foi traduzido e validado em universitários por Di
Pietro e Silveira (2009), apresentando uma consistência interna de 0.97 e uma
solução da escala fatorial de quatro dimensões, representando 66.4% da
variabilidade total dos dados. O BSQ-34 é um questionário autoaplicável do tipo
escala Likert, composto por 34 perguntas, com seis opções de resposta (nunca,
raramente, às vezes, frequentemente, muito frequentemente e sempre) que pontuam
de um a seis, sendo a maior pontuação conferida àquelas respostas que refletem
maior preocupação com a IC e maior autodepreciação devido à aparência física,
especialmente no sentido de sentir-se com excesso de peso. A partir da
pontuação obtida, os indivíduos foram classificados em satisfeitos (escore <
111) ou insatisfeitos (escore ≥ 111) (Alves, Vasconcelos, Calvo, & Neves,
2008).
O NAF foi mensurado através do Questionário Internacional de Atividade Física
(International Physical Activity Questionnaire ' IPAQ; versão 8, forma curta,
última semana). Para avaliar o NAF dos universitários, foi utilizada a
classificação desenvolvida pelo Comitê de Pesquisas sobre o IPAQ (IPAQ Research
Committee, 2005). O IPAQ foi validado para a população adulta brasileira por
Matsudo et al. (2001). Este método leva em consideração os critérios de
frequência e duração, dividindo os indivíduos em três categorias: inativo,
moderadamente ativo e muito ativo.
Análise Estatística
A estatística descritiva foi utilizada por meio da distribuição de frequências.
Para verificar as associações entre as variáveis estudadas utilizou-se o teste
exato de Fisher, com todas as análises controladas por sexo. Os dados foram
analisados no programa estatístico SPSS 15.0, adotando-se um nível de
significância de 5%.
RESULTADOS
A prevalência de insatisfação com a IC foi de 10.1%. Dos universitários
insatisfeitos, 90.1% foram do sexo feminino e 9.9% do sexo masculino.
Quanto à inatividade física, a prevalência foi de 14.5%, sendo que os homens
apresentaram menor prevalência (11.9%) em relação às mulheres (18.2%).
Na Quadro 1 verifica-se que tanto no sexo masculino quanto no feminino não foi
observada associação significativa entre IC e NAF (p > .05).
Quadro 1
Associação entre a IC e o NAF em universitários de acordo com o sexo.
Florianópolis, Santa Catarina, 2008.
Considerando a IC e o estado nutricional (Tabela 2), verificou-se uma
associação significativa tanto para o sexo masculino quanto para o feminino (p
< .05). Observa-se que, em ambos os sexos, houve uma maior proporção de
insatisfação com a IC nos indivíduos com excesso de peso.
Quadro 2
Associação entre a IC e o estado nutricional em universitários de acordo com o
sexo. Florianópolis, Santa Catarina, 2008.
DISCUSSÃO
De acordo com revisão prévia da literatura, nenhuma pesquisa foi encontrada,
considerando a associação da IC com o NAF e o estado nutricional em
universitários. Dessa forma, o presente estudo contribui para o corpo de
conhecimento neste domínio, demonstrando que universitários com excesso de peso
estão mais insatisfeitos com a IC, em relação àqueles com peso normal e baixo
peso. Além disso, percebe-se que a insatisfação com a IC não está relacionada
ao NAF nos universitários pesquisados.
Em relação à insatisfação com a IC, a prevalência encontrada no presente estudo
foi inferior a apresentada por Luz (2003), o qual observou uma prevalência de
insatisfação com a IC de 15.3% em universitários de Belo Horizonte, MG. A baixa
prevalência encontrada na atual pesquisa pode estar relacionada à maior
proporção de indivíduos do sexo masculino que compõem a amostra, uma vez que os
homens tendem a apresentar maior insatisfação por magreza (Quadros et al.,
2010) e o questionário utilizado, o BSQ, avalia somente a insatisfação por
excesso de peso (Vieira, Sabadin, & Marques de Oliveira, 2008). Diante
disso, justifica-se, também, a menor prevalência de insatisfação com IC
verificada no sexo masculino, em relação ao feminino, no presente estudo.
A partir dos resultados obtidos, destaca-se que a prevalência de inatividade
física (14.5%) está abaixo da identificada em outras investigações que
utilizaram o IPAQ em universitários. Rodrigues, Cheik, e Mayer (2008)
encontraram prevalência de inatividade física de 29.9% em universitários de
Gurupi ' TO. Entre acadêmicos de uma universidade pública de João Pessoa - PB,
Fontes e Vianna (2009) identificaram uma prevalência de 31.2%. Apesar da
prevalência de inatividade física encontrada ser inferior a outras
investigações, a elaboração de ações voltadas para a motivação à prática de
atividade física torna-se necessária, a fim de que os universitários sejam
estimulados a se inserirem ou permanecerem em programas de atividade física.
Ao comparar as prevalências de inatividade física entre os sexos, observou-se
que a mesma foi superior no sexo feminino em relação ao masculino. Este
resultado converge com o de Silva et al. (2007) que, ao avaliarem o NAF de
estudantes universitários de Juiz de Fora ' MG, verificaram que 32% das
mulheres eram inativas, enquanto somente 6% dos homens apresentaram esta
condição. Uma possível explicação para essa constatação refere-se à
distribuição de papéis na sociedade. Entre as moças, parece existir menor
reforço social para a prática de exercícios físicos e maior dependência para
atividades vinculadas às artes e tarefas domésticas (Taylor et al., 1999).
No que se refere à associação entre IC e NAF, a atual investigação demonstrou
que, independente do sexo, a IC não está relacionada ao fato de o indivíduo ser
ativo ou inativo. Adami e Vasconcelos (2008) encontraram resultados semelhantes
em adolescentes de escolas públicas de Florianópolis ' SC. Desta forma, os
autores apontam que o NAF não influencia a insatisfação com a IC, indicando que
outros fatores, dentre eles, a internalização do ideal de beleza corporal,
influências do meio social e familiar e o IMC apresentam maior influência sobre
a IC do que o NAF.
Com relação à associação entre a IC e o estado nutricional verificou-se que os
universitários com excesso de peso foram os que apresentaram as maiores
prevalências de insatisfação com a IC. Estes achados corroboram estudos
realizados com universitários (Kakeshita & Almeida, 2006), os quais
aplicaram o mesmo instrumento para a avaliação da IC. Resultados semelhantes
têm sido observados já no ensino médio (Petroski & Glaner, 2009) e, de
acordo com o observado na presente investigação, a tendência parece manter-se
no ensino superior.
O resultado do presente estudo pode ser justificado devido a uma forte
tendência cultural em considerar a magreza como uma situação ideal de aceitação
social, sobretudo, no sexo feminino (Schwartz & Brownell, 2004). Desta
forma, o excesso de peso pode conduzir a um afastamento do ideal de beleza, o
que reflete percepção negativa da própria IC (Stipp & Marques de Oliveira,
2003).
Como principais limitações do estudo destacam-se: 1) o delineamento
transversal, o que impede o estabelecimento de inferência causal; 2) o uso do
BSQ-34 para verificar a insatisfação com a IC, pois este questionário só
permite avaliar a insatisfação pelo excesso de peso.
Os resultados observados no presente estudo permitem concluir que a
insatisfação com a IC está associada ao estado nutricional, sendo que os
universitários com excesso de peso foram os mais insatisfeitos, quando
comparados àqueles com baixo peso e peso normal. Diante disso, verifica-se que
a propagação de estereótipos magros, sobretudo, para o sexo feminino, tem
influenciado cada vez mais a busca por estes padrões, principalmente, entre os
indivíduos com excesso de peso. Desta forma, este fato deve ser utilizado como
indicação para a promoção de mudanças no estilo de vida que visem a adequação a
um estado nutricional mais saudável, provocando, também, mudanças positivas na
IC.
Ademais, sugere-se a realização de estudos experimentais que analisem a
influência da prática da atividade física na insatisfação com a IC em
estudantes universitários, uma vez que este assunto deve ser mais explorado
para o avanço do conhecimento relacionado a esta temática na área da saúde.