Habilidades psicológicas de coping em atletas brasileiros
Atualmente, o tema de maior repercussão no esporte é o estresse e a maneira
como cada atleta lida com ele (Bebetsos & Antoniou, 2003; Cresswell &
Hodge, 2004; Miranda & Bara Filho, 2008; Nicholls & Polman, 2007;
Segato, Brandt, Liz, Vasconcellos, & Andrade, 2010; Weinberg & Gould,
2008). A este fenômeno de lidar com estresse denomina-se coping (enfrentar,
lidar, gerenciar), ainda pouco estudado pelos psicólogos do esporte do Brasil e
desconhecido da maioria dos atletas e treinadores (Gomes, Coimbra, Guillén,
Miranda, & Bara Filho, 2007). Lazarus e Folkman (1984) definem o coping
como a capacidade de gerenciar os esforços cognitivos e comportamentais que
estão constantemente modificando-se para administrar demandas psicofísicas
específicas internas ou externas que excedem aos recursos individuais. (Anshel,
2001; Crocker, Kowalski, & Graham, 1998).
Existem diferentes instrumentos que são utilizados para avaliar as habilidades
psicológicas de coping em atletas (Crocker et al., 1998; Nicholls & Polman,
2007). O Athletic Coping Skills Inventory-28 (ACSI-28) é um instrumento com 28
itens auto-preenchidos relacionados à percepção do atleta em situações típicas
dos treinamentos e competições. Utilizando da Análise Fatorial Confirmatória e
Exploratória, estabeleceram-se sete fatores (Lidar com Adversidades, Desempenho
sob Pressão, Metas/Preparação Mental, Concentração, Livre de Preocupação,
Confiança/Motivação, Treinabilidade). Cada um dos fatores é composto por quatro
itens em uma escala tipo Likert de 0 (quase nunca) a 3(quase sempre) e o escore
dos 28 itens é denominado de Índice de Recursos Pessoais de Coping (Bebetos
& Antoniou, 2003; Goudas, Theodorakis, & Karamousalidis, 1998; Smith
& Christensen, 1995; Smith, Schutz, Smoll, & Ptacek, 1995).
Neste sentido, diversos grupos de pesquisas têm investigado as diferenças nas
habilidades de coping medidas pelo ACSI-28 entre género, modalidade, nível
competitivo, idade, etc. (Bebetos & Antoniou, 2003; Coetzee, Grobbelaar,
& Gird, 2006; Cresswell & Hodge, 2004; Géczi et al., 2009; Goudas et
al., 1998; Heever, Grobbelaar, & Potgieter, 2007; Meyers, Stewarts,
Laurent, Leunes, & Bourgeois, 2008; Omar-Fauzee, Daud, Abdullah, &
Rashid, 2009). Smith, Schutz, Smoll, e Ptacek (1995) compararam atletas do
género masculino e feminino e observaram que os do género masculino obtiveram
maiores médias em cinco das sete dimensões (as mulheres obtiveram médias
maiores em Treinabilidade e Livre de Preocupação). Bebetos e Antoniou (2003)
abordaram as diferenças e semelhanças entre géneros e idades no preenchimento
do instrumento. A análise demonstrou que não havia diferenças entre atletas
homens e mulheres em nenhuma das dimensões. Goudas, Theodorakis, e
Karamousalidis (1998) não encontraram diferenças significativas entre géneros
em uma amostra de atletas de basquete masculino e feminino. Ambos apresentaram
médias moderadas em todas as sete dimensões. Com atletas de diferentes
modalidades e nível competitivo, Omar-Fauzee, Daud, Abdullah e Rashid (2009)
encontraram diferenças estatisticamente significativas (p < .05) entre os
géneros apenas na dimensão Lidar com Adversidades (atletas masculinos obtiveram
maior pontuação). No entanto, quando compararam atletas de diferentes níveis
competitivos (regional, estadual e nacional), encontraram diferenças ( p< .05)
nas sete dimensões do ACSI-28, sendo a média dos atletas nacionais maior em
todas as escalas.
Pesquisas anteriores apontaram para a importância do coping no desempenho
esportivo (Coetzee et al., 2006; Cox, Shannon, McGuire, & McBride, 2010;
Gould, Eklund, & Jackson, 1993; Heever et al., 2007; Segato et al., 2010;
Smith & Christensen, 1995). Verificar o nível desta habilidade psicológica
em atletas brasileiros, almejando a melhora destas aptidões, é um fator
significativo para que o Brasil obtenha um bom desempenho em competições de
alto nível. No entanto, há ainda carência de estudos de análise das habilidades
psicológicas em atletas brasileiros. Os poucos já realizados encontraram
diferenças significativas entre atletas do género masculino e feminino, entre
modalidades e em diferentes níveis de desempenho na personalidade (Bara Filho,
Ribeiro, & Garcia, 2005) e nos motivos de início e abandono esportivo
(Carmo, Matos, Ribas, Miranda, & Bara Filho, 2009).
Pesquisas anteriores suportam a importância de verificar as diferenças nas
habilidades psicológicas entre atletas de género, modalidade e nível
competitivo distintos, a fim de traçar estratégias de intervenções para cada
grupo, respeitando suas características e necessidades. Neste sentido, o
objetivo do estudo foi analisar as habilidades de coping em atletas
brasileiros. Especificamente, verificar as possíveis diferenças entre os
géneros (masculino e feminino), modalidades (coletivas e individuais) e
diferentes níveis (regional, nacional e internacional).
MÉTODO
Amostra
As características da amostra estão descritas na Tabela 1. A amostra foi
composta de 375 atletas de diferentes níveis de desempenho, com idades entre 13
e 22 anos, tempo de prática entre um e 18 anos, sendo a maioria do género
masculino (74.7%), praticantes de diferentes esportes (ténis, judo, basquete,
volei, futebol, ginástica, etc.). As modalidades individuais representaram
31.7% da amostra (n= 119) e as modalidades coletivas 68.3% (n = 256). Quanto ao
Nível Competitivo, 124 atletas foram classificados como nível regional (33.1%),
72 como nível nacional (19.2%) e 171 de nível internacional (45.6%).
Tabela 1
Características gerais da amostra
Instrumentos
Após realizar todos os procedimentos de adaptação transcultural (Beaton,
Bombardier, Guillemin, & Ferraz, 2002), utilizou-se a versão brasileira do
Athletic Coping Skills Inventory-28 (ACSI-28BR). Cada uma das sete subscalas é
composta por quatro itens, pontuados em uma escala tipo Likert (0 = quase nunca
até 3 = quase sempre), variando de 0 até 12 pontos. A soma de todas as
subescalas é denominada Recurso Pessoal de Coping. As dimensões do ACSI-28BR
foram definidas da seguinte forma: Lidar com Adversidades (ex: Eu mantenho o
controle emocional, não importa como as coisas estão indo comigo), Desempenho
sob Pressão (ex: Minha tendência é jogar/competir melhor sob pressão, pois eu
penso mais claramente), Metas/Preparação Mental (ex: Eu tenho meu plano de
competição completamente estruturado na minha mente muito antes de o jogo/
competição começar), Concentração (ex: Para mim é fácil direcionar minha
atenção e focar em um único objeto ou pessoa), Livre de Preocupação (ex: Eu
me preocupo um pouco sobre o que as pessoas pensam sobre meu desempenho),
Confiança/Motivação (ex: Eu sinto confiante de que eu irei jogar/competir
bem), Treinabilidade (ex: Eu aperfeiçôo minhas habilidades escutando
cuidadosamente os conselhos e instruções dos técnicos e treinadores). A versão
brasileira do instrumento possui 28 itens e obteve Consistência Interna entre
0.54 (Treinabilidade) e 0.77 (Desempenho sob Pressão) e para a Escala Total o
Alpha de Cronbach foi de 0.81. O escore α para algumas dimensões foi moderado,
o que já era de se esperar, pois cada subescala possui apenas quatro itens e a
amostra é bem ampla. No entanto, os valores de Alpha apresentados se assemelham
com os reportados em outros estudos (Géczi et al., 2009; Goudas et al., 1998;
Smith et al., 1995).
Procedimentos
Após a autorização para a realização do estudo, pelo Comitê de Ética em
Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora (CEP-UFJF,
parecer: 223/2009), e estando de acordo com os padrões exigidos pela Declaração
de Helsinki (Resolução Conselho Nacional de Saúde 196/96) foi feito o contato
com um grande clube da capital do Estado de Minas Gerais, que aloca diferentes
modalidades. A coleta também foi realizada em competições regionais e
nacionais, consentidas pelos organizadores, além da aplicação do questionário
em diferentes equipes locais após a autorização do dirigente ou treinador.
Os atletas (ou responsáveis em caso de menores de 18 anos) assinaram o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), informando-os a respeito dos
objetivos do estudo, da garantia de anonimato quanto à identidade dos atletas e
da participação voluntária na pesquisa. A duração para assinar o TCLE,
preencher o questionário geral e específico variou entre 10' a 15'. A coleta
foi realizada entre Novembro de 2009 e Abril de 2010.
Análise Estatística
Os dados foram analisados por meio da MANOVA 2x2x2, para investigar a relação
entre as habilidades psicológicas e o Nível Competitivo (regional x nacional/
internacional) com possíveis efeitos do tipo de esporte (individual x coletivo)
e género (masculino x feminino). Quando a análise multivariada detectou efeito
significativo, efetuou-se a análise univariada por meio da ANOVA separadamente
para cada variável dependente, ajustada pelo teste de Bonferroni. A análise da
estatística F foi feita a partir do Traço de Pillai. Quando o pressuposto de
esfericidade não foi assumido, foi usado o valor de ajuste fornecido pelo teste
Greenhouse-Geiser. O Nível Competitivo, o tipo de modalidade esportiva e o
género foram considerados as variáveis independentes, enquanto que as sete
categorias de habilidades psicológicas de coping, as variáveis dependentes.
Foram calculados os valores de cada uma das sete escalas (média ± dp). Para a
variável Coping Total foi realizada uma ANOVA 2x2x2 separadamente. As análises
não foram ajustadas para a idade, em razão da não diferença significativa entre
os grupos em função desta variável. Considerou-se um nível de significância α=
0.05 (Field, 2009).
RESULTADOS
A MANOVA 2x2x2 resultou em efeitos principais significativos para género [F
(7.366) = 8.31, p= .000; poder = 1.00], tipo de esporte [F (7.366) = 2.41, p=
.02; poder = 0.86] e nível competitivo [F (7.366) = 4.06, p= .000; poder =
0.98] bem como para as interações género*nível [F (7.366) = 3.13, p= .003;
poder = 0.94], modalidade*nível [F
(7.366) = 1.98, p= .05; poder = 0.77] e género*modalidade*nível [F (7.366) =
2.07, p= .04; poder = 0.79]. A Tabela 2 apresenta a média e o desvio-padrão das
habilidades psicológicas para as categorias de género, nível competitivo e tipo
de esporte. A Tabela 3 apresenta os valores da estatística F da análise
univariada para cada variável dependente.
Tabela_2
Média e desvio-padrão das habilidades psicológicas em função do Nível
Competitivo, modalidade e gênero
Tabela_3
Estatística F da análise univariada
Quanto ao Género
Em relação às habilidades psicológicas e o género das atletas, foram observados
efeitos principais significativos para Melhor Desempenho sob Pressão, Lidar com
Adversidades, Metas/Preparação Mental e Confiança/Motivação (Tabela 3).
Independentemente do tipo de esporte e do nível competitivo, os atletas
masculinos apresentaram maiores escores nestas habilidades psicológicas do que
as atletas. Para Lidar com Adversidades, os atletas masculinos apresentaram
ainda maiores valores tanto no nível regional quanto nacional (interação
género*nível competitivo). Por outro lado, em Treinabilidade, as atletas
apresentaram maiores valores no nível regional, ao passo que no nível nacional
foram observados resultados similares para ambos.
Foram também encontrados efeitos de interações significativas para Concentração
(género*tipo de esporte), Melhor Desempenho sob Pressão e Lidar com
Adversidades (género*tipo de esporte*nível competitivo). As atletas do género
feminino apresentaram maiores valores de Concentração nas modalidades
individuais, enquanto que os atletas masculinos obtiveram maiores valores de
Concentração nas modalidades coletivas. No nível regional, os atletas
masculinos apresentaram maiores valores de Melhor Desempenho sob Pressão tanto
nas modalidades individuais quanto nas coletivas quando comparados às atletas
do género feminino. Já no nível nacional, este resultado foi observado somente
nas modalidades coletivas, pois nas modalidades individuais, todos apresentaram
valores similares.
Quanto ao Tipo de Esporte
Em relação às habilidades psicológicas e o tipo de esporte, foi encontrado
efeito principal significante apenas para Treinabilidade (Tabela_3).
Independentemente do género e do nível competitivo, atletas de esportes
individuais reportaram maiores valores de Treinabilidade do que atletas de
esportes coletivos. Observaram-se também efeitos de interações significativas
para Concentração (género*tipo de esporte; tipo de esporte*nível competitivo).
Os maiores valores de Concentração foram reportados por atletas de modalidades
individuais e de nível regional. No nível nacional, foram observados valores
similares para esportes individuais e coletivos. Houve interações
significativas para Desempenho sob Pressão e Lidar com Adversidades
(género*tipo de esporte*nível competitivo). Os maiores valores de Melhor
Desempenho sob Pressão foram observados em esportes coletivos masculinos de
nível nacional, ao passo que os menores valores foram para esportes individuais
femininos de nível regional. Quanto à variável Lidar com Adversidades, os
maiores valores foram observados em atletas masculinos, sendo que no nível
nacional, eles aparecem em esportes coletivos, ao passo que no nível regional
os maiores valores ocorrem em esportes individuais.
Quanto ao Nível de Competitivo
Em relação às habilidades psicológicas e o nível competitivo, foi encontrado
efeito principal significante para Lidar com Adversidades, Metas/Preparação
Mental, Livre de Preocupação, Treinabilidade e Confiança/Motivação (Tabela_2).
Foram encontradas também interações significativas para Lidar com Adversidades
e Treinabilidade (género*nível Competitivo) e Concentração (tipo de
esporte*nível competitivo) e Melhor Desempenho sob Pressão e Lidar com
Adversidades (género*tipo de esporte*nível competitivo).
Independentemente do género e do tipo de esporte, atletas de nível nacional
apresentam maiores valores para Lidar com Adversidades, Metas/Preparação
Mental, Livre de Preocupação e Confiança/Motivação, ao passo que atletas de
nível regional apresentaram maiores valores de Treinabilidade. Os atletas
masculinos reportaram valores similares de Lidar com Adversidades tanto os de
nível regional quanto nacional, ao passo que as atletas femininas de nível
nacional apresentaram maiores valores do que as de nível regional para esta
variável. Quanto a Treinabilidade, valores similares foram observados em
atletas masculinos de nível regional e nacional, sendo que nas atletas
femininas, maiores valores de Treinabilidade foram observados no nível
regional. Atletas de nível regional apresentaram maiores valores de
Concentração em esportes individuais, enquanto que atletas de nível nacional
apresentaram maior Concentração nos esportes coletivos. Maiores valores de
Melhor Desempenho sob Pressão e Lidar com Adversidades foram observados em
atletas de nível nacional, principalmente em atletas masculinos e de esportes
coletivos.
A Figura 1 e 2 ilustram graficamente as diferenças nas médias(± Erro Padrão),
nas habilidades de coping Lidar com Adversidades e Desempenho sob Pressão,
respectivamente. Foram as únicas que apresentaram interação significativa entre
as três variáveis dependentes analisadas: Género, modalidade e nível
competitivo.
Figura 1. Diferenças (M ± EP) na variável Desempenho sob Pressão
Figura 2. Diferenças (M ± EP) na variável Lidar com Adversidades
DISCUSSÃO
A proposta desta investigação foi verificar as habilidades psicológicas de
coping através do ACSI-28BR em atletas brasileiros, comparando as diferenças
entre atletas do género masculino e feminino de modalidades coletivas e
individuais e competindo em nível regional e nacional/internacional. Os
resultados obtidos apontaram uma interação significativa nas três variáveis
analisadas na dimensão Desempenho sob Pressão e Lidar com Adversidades.
Concentração apresentou interação entre duas variáveis: Género e tipo de
esporte e tipo de esporte e nível competitivo. Em Treinabilidade a interação
ocorreu entre género e nível competitivo. As habilidades Metas/Preparação
Mental (género e nível), Livre de Preocupação (nível) e Confiança/Motivação
(género e nível), apesar de apresentarem diferenças nas variáveis
individualmente, não mostraram interação.
Atletas masculinos de modalidades coletivas e nível nacional possuem os níveis
mais elevados de Desempenho sob Pressão, seguido pelos atletas de modalidades
individuais de nível regional e coletivo de nível regional, contrastando com as
do género feminino de modalidades individuais e coletivas de nível regional. Em
esportes coletivos, lidar com a pressão é uma tarefa equacionada por toda a
equipe, há a possibilidade de substituição do atleta, geralmente possui maior
duração e intervalos que servem para atenuar a situação, melhorando o
desempenho, mesmo em situações adversas. No entanto, o que parece influenciar
na habilidade de Desempenho sob Pressão é o género e não o esporte praticado.
Lidar com adversidades é uma habilidade melhor desenvolvida em atletas
masculinos de esportes individuais e nível regional, seguido pelos de
modalidades coletivas e nível nacional. Mas, novamente, o que mais contribuiu
para a diferença entre os grupos foi o género, embora a hipótese aqui seja de
que atletas de modalidades coletivas lidam melhor com adversidades, pois, por
serem esportes de confrontação direta e de habilidade motora aberta, ocorrem
mais adversidades, mais situações inesperadas do que em atletas de esportes
individuais, pois nestes geralmente não há a possibilidade de modificar um
trajeto (por exemplo, atletismo), ou sair do percurso (por exemplo, natação),
ou seja, são esportes mais previsíveis. Enfim, atletas de esportes coletivos
por vivenciarem mais adversidades, poderiam desenvolver mais habilidades de
enfrentá-las.
As diferenças encontradas entre os géneros nas habilidades de traçar metas e
preparar-se mentalmente e, ainda, na confiança e motivação já é bastante
difundida na literatura de psicologia do esporte (Weiberg & Gould, 2008).
Pesquisas anteriores apontam que atletas do género feminino possuem maiores
níveis de ansiedade cognitiva e somática e menor autoconfiança, comparando com
atletas do género masculino, bem como maior irritabilidade e emotividade, o que
pode também influenciar em sua habilidade de desempenhar bem sob pressão e
lidar com adversidades (Craft, Magyar, Becker, & Feltz, 2003).
Diversas áreas do conhecimento buscam diferenciar homens e mulheres sob vários
aspectos. No campo das ciências do esporte, encontrar essas diferenças entre o
género é fundamental para a aplicação de diferentes métodos e meios de
aplicação e avaliação para possibilitar o melhor rendimento individualizado
(Bara Filho et al., 2005). Muitas vezes, o género do indivíduo é uma variável
importante na relação entre habilidade psicológica e desempenho (Cox et al.,
2010; Elferink-Gemser, 2005; Sheldon & Eccles, 2005). No estudo de Bebetos
e Antoniou (2003) foram encontrados valores similares nas dimensões do ACSI-28
entre homens e mulheres. No entanto é importante destacar que os atletas
pesquisados eram de uma mesma equipe e treinadas pelo mesmo técnico, motivo
apontado pelos autores como principal causa da ausência de diferenças entre os
géneros. Smith et al. (1995) também não encontraram diferenças significativas
entre homens e mulheres, bem como Goudas et al. (1998) com atletas de basquete.
Ambos apresentaram médias moderadas em todas as sete dimensões e na escala
total. Omar-Fauzee et al. (2009) encontraram diferenças estatisticamente
significativas (p<0,05) entre os géneros apenas na dimensão Lidar com
Adversidades (atletas masculinos obtiveram maior pontuação), corroborando os
achados do presente estudo. Weiberg e Gould (2008) e Miranda e Bara Filho
(2008) sugerem diversos métodos que poderiam equacionar estas diferenças entre
os géneros. Por exemplo, o uso de feedback positivo para aumentar a confiança e
a motivação dos atletas, ou ainda, estratégias de ativação e desativação básica
para obter um melhor desempenho mesmo sob pressão ou frente às adversidades.
Traçar metas tangíveis a curto e médio prazo e o treinamento mental também são
estratégias possíveis de serem ensinadas para melhorar as habilidades de
preparação mental.
Sabendo das diferenças peculiares entre esportes coletivos e individuais, tanto
em exigência física, técnica e metodológica, quanto em estrutura e preparação
nos esportes (Bompa, 2002), características da personalidade (Bara Filho et
al., 2005) humor (Beedie, Terry, & Lane, 2000), habilidade psicológica (Cox
et al., 2010; Elferink-Gemser, 2005) e desempenho optou-se por verificar também
a diferença entre estas modalidades nas habilidades de coping. Atletas de
modalidades individuais possuem maiores níveis de Treinabilidade do que atletas
de esportes coletivos, independentemente de género e nível. Presume-se que esta
diferença encontrada seja devida a parte da amostra ser composta por atletas de
lutas. Notadamente nestes esportes há uma forte relação de subordinação ao
treinador, inerente as características da modalidade há um maior respeito à
experiência e ao conhecimento do mestre. Outro possível fator é que em esportes
coletivos o treinador precisa equacionar a atenção para todos da equipe,
diminuindo as chances de comunicação entre estes e todos os membros da equipe,
além do caso de uma crítica ou correção ser dada na frente do time pode ser
motivo para se envergonhar para alguns e sentir-se desafiados para outros.
O tipo de modalidade também influenciou na habilidade de concentração. Embora
os valores tenham-se mostrado próximos, aqueles de modalidade individual
possuem esta habilidade mais desenvolvida do que os de coletiva,
independentemente do género ou do nível competitivo. Ainda que em esportes como
futsal, voleibol, basquete, etc. a exigência de se manter concentrado seja
também elevada, nestas modalidades estímulos de distração são muito mais
corriqueiros. Além do que, nestes esportes é difícil se manter concentrado do
início ao fim de uma partida, pois como há a participação de todos da equipe,
momentos de queda na concentração podem ocorrer sem que isto prejudique a
equipe. No entanto, aquele atleta ou equipe que treina a concentração e mantém-
se mobilizado do início ao fim de um jogo, possui grandes chances de obter um
bom resultado (Miranda & Bara Filho, 2008). Esportes individuais favorecem
a concentração, pois durante uma competição o atleta necessita de concentrar em
poucos focos de atenção. Porém caso este não obtenha um bom nível nesta
habilidade, pode determinar a diferença entre o campeão e o último colocado.
A concentração também pareceu distinguir os atletas de modalidades coletivas e
individuais no estudo de Elferink-Gemser (2005). Assim como no presente estudo
atletas de esportes individuais apresentaram maiores níveis de concentração. As
distrações estão mais presentes nos esportes coletivos e um ambiente mais calmo
é esperado nos esportes individuais, embora ambos necessitem desenvolver bem
esta habilidade, seja nos treinos ou em competições (Elferink-Gemser, 2005;
Miranda & Bara Filho, 2008; Weiberg & Gould, 2008) para atingir um
desempenho mais satisfatório. Atletas de níveis mais elevados obtiveram valores
maiores de Concentração, amenizando inclusive a diferença entre os esportes. A
tarefa de concentrar é sofisticada, no entanto deve ser treinada. O atleta deve
ter em mente quais os focos de atenção ele necessita se concentrar, tanto em
treinamentos quanto em competições. Miranda e Bara Filho (2008) apontam algumas
diretrizes para melhorar o nível de concentração: Autoconhecimento, controlar
interferências do meio ambiente, detectar detalhes com o máximo de atenção,
táticas variadas de atuação, equacionar as emoções e estar bem condicionado
fisicamente são algumas estratégias que podem ser ensinadas e treinadas desde o
princípio.
Diversas pesquisas apontam para a importância das características psicológicas
para o sucesso no alto rendimento. Avaliar essa relação tem sido objeto de
diversos estudos na psicologia esportiva (Coetzee et al., 2006; Cox et al.,
2010; Elferink-Gemser, 2005; Goudas et al., 1998; Smith & Christensen,
1995). No presente estudo, o nível competitivo foi a variável onde mais
diferenças entre os grupos foram encontradas. Todas as sete habilidades do
ACSI-28BR, obtiveram diferenças estatísticas entre os níveis regional e
nacional/internacional, individualmente, em interação com o género, tipo de
modalidade ou ambos, corroborando com o estudo de Goudas et al. (1998) com
atletas gregos de basquete, atletas de nível nacional e internacional
apresentaram maiores valores em Lidar com Adversidades e Confiança/Motivação.
Cox et al. (2010) encontraram relação entre nível de desempenho e as
habilidades psicológicas do ACSI-28, particularmente Confiança/Motivação e
Livre de Preocupações. A relação entre a habilidade de traçar Metas/Preparação
Mental e nível de desempenho também foi encontrada em atletas holandeses,
corroborando o presente estudo, embora utilizasse instrumentos diferentes. Esta
habilidade psicológica demonstrou diferença para atletas homens e mulheres,
embora sem interação com o nível de desempenho (Elferink-Gemser, 2005).
Mesmo que os atletas de nível nacional tenham apresentado valores mais elevados
para todas as dimensões, não se pode afirmar que exista uma relação de causa e
efeito entre nível competitivo e habilidade psicológica. Ou seja, atletas de
nível nacional desenvolvem melhor essas habilidades ou atletas com melhores
habilidades alcançarão este nível competitivo. O que parece diferir atletas de
nível regional dos de nível nacional e internacional é a quantidade e a
qualidade das competições. Sabe-se que para um atleta desenvolver seu potencial
psicofísico ele deve competir regularmente. Atletas que só competem em nível
regional possuem menos chances de se aperfeiçoarem, pois enfrentam adversários
com habilidades compatíveis. Já atletas que competem em nível nacional e
internacional, além de participarem de mais competições, têm a possibilidade de
enfrentar adversários de níveis de desempenho mais elevados, com habilidades
distintas, levandos-o a desenvolver novas e aprimorar as suas capacidades
psicofísicas.
Na realidade atual do esporte brasileiro, muitas vezes constata-se também
atletas com potencial para competir em nível internacional, mas, devido à falta
de estrutura competitiva e apoio para custos com inscrição, viagens,
hospedagem, etc., estes atletas permanecem participando apenas de competições
regionais. Embora a literatura aponte certa influência, não foi encontrada
correlação com a idade nem com tempo de experiência em nenhuma das habilidades
psicológicas aferidas pelo ACSI-28BR.
Por outro lado, o treinamento das habilidades psicológicas é necessário para
qualquer género, esporte e nível competitivo, podendo ser aprendido ainda nos
primeiros anos de prática. Por exemplo, a Treinabilidade, (habilidade de lidar
bem com as exigências e orientações de treinadores), pode ser ensinada desde
tenra idade. De acordo com Miranda e Bara Filho (2008), o pré-requisito básico
para esta capacidade é a educação e boa comunicação entre técnicos e atletas,
ou seja, é o atleta conseguir entender (e o treinador conseguir passar essa
idéia) que, na maioria das vezes, uma orientação, uma cobrança, é feita no
sentido de melhorar as habilidades gerais do atleta e não para ofendê-lo ou
diminuí-lo. Apontam ainda, que os técnicos, principalmente os que lidam no
esporte infanto-juvenil, deveriam desenvolver diversas competências essenciais
para este trabalho, tais como: Conhecer aspectos específicos da modalidade,
transmitir valores educativos, morais, sociais e culturais, trabalhar para que
o atleta focalize o que fazer para vencer e não diretamente a vitória, ser bom
modelo de comportamento e liderança para os jovens atletas. Geralmente nos
esportes de rendimento, o atleta passa mais tempo com o treinador do que com a
própria família, pois além de treinarem durante horas, viajam para competições,
tornando uma relação muito próxima. Estudos que objetivam analisar a interação
de mais de duas variáveis dependentes, como o caso do presente estudo,
necessitam de um contingente amostral significativo para cada um dos subgrupos
formados. Por isso, para atender esta exigência incluiu-se esportes não
olímpicos, como futebol americano ejiu-jítsu. Do mesmo modo, atletas de nível
internacional compõem o grupo de nível nacional. Ainda assim, houve um subgrupo
com representação muito baixa: Atletas do género feminino de modalidades
individuais e nível regional (n=7). Por isso, os resultados deste grupo devem
ser visto com cautela. Por ser um instrumento auto-preenchido, com itens que
podem transmitir uma imagem projetada mais positiva do atleta, todas as
dimensões do ACSI-28BR mostraram-se positivamente correlacionadas com a Escala
de Desejo Social de Marlowe-Crowne (Smith et al., 1995). Todavia, esta relação
pode ser diminuída se não houver nenhum dado que identifique o atleta no
questionário, como foi o caso deste estudo. Por isso, é importante esclarecer
que o ACSI-28BR não deve ser utilizado para selecionar atletas ou tomar
qualquer outra decisão prática baseada no instrumento.
CONCLUSÕES
O estudo identificou que, de algum modo, diferentes contextos influenciam
diretamente a aquisição de habilidades de coping em atletas brasileiros. Lidar
com adversidades e ter um bom desempenho, mesmo em situação de pressão, são as
habilidades que melhor distinguem esses contextos. Saber como esses atletas
adquirem essas estratégias é fundamental para o esporte, no entanto, são
necessárias mais pesquisas englobando amostras específicas maiores com o ACSI-
28BR, para verificar como os atletas adquirem estas habilidades, a importância
destes para o desempenho e se possuem relação com outras habilidades
psicológicas.