Fazer ciência para quê e para quem?
Fazer ciência para quê e para quem?
Do science for what and for whom?
José Vasconcelos-Raposo
Num período como o que atualmente vivemos, parece mais fácil responder a esta
perqunta que tende a persistir ao longo dos tempos. Um número muito elevado de
países, espalhados por todo o globo, vive tempos de degradação acentuada da
qualidade de vida dos seus cidadãos. As sociedades, independentemente da
ideologia que dizem defender, estão sugeitas de uma maneira mais ou menos
acentuada aos princípios democráticos alicerçados na economia de mercado.
O sucesso deste modelo é inquestionável para os que são detentores de capital,
porque estão mais ricos. A economia de mercado, que sempre foi defendida como o
pilar para uma verdadeira democracia, encontra nos dias de hoje as condições
ideais para a sua avaliação. A dinâmica inerente à movimentação de capital
conseguiu que uma percentagem muito pequena da população global seja dona da
vasta maioria do dinheiro disponível. Mas mais, a sua ética protestante,
centrada no direito individual, em detrimento das necessidades das maiorias,
traduziu-se numa prática cumulativa de tal forma cega que levou à falta de
capital por parte dessa maioria para fazer funcionar a economia. Sem dinheiro
não há compras, sem comprar as unidades fabris não conseguem escoar os seus
produtos, perde-se produção e por falta de escoamento dos bens produzidos o que
fica é excesso de mão de obra. Para os detentores do capital é tudo uma questão
contabilística: se estou a produzir em excesso tenho de reduzir, fazem-se parar
as partes responsáveis por esse gasto desnecessário: neste caso, o salário
dos trabalhadores.
Por que não há capital para adquirir bens e quem tem esse capital é em número
reduzido e na maioria dos casos até tem como complemento salarial o direito à
aquisição de alguns desses bens o que acontece é que diminui a circulação de
capital e, naturalmente, deixa de ser necessário imprimir ritmos de busca pela
inovação. Para quê criar e lançar no mercado novos produtos se não há o volme
necessário de consumidores que possam viabilizar o retorno, que se quer que
seja sempre rápido, para o investimento que foi feito. Consequentemente, o
investimento na criação de novos produtos tende a ser descontinuado. A
descontinuação, em termos claros e simples (sem ser simplista), consiste na
quebra de verbas para a investigação técnico-científica. E é nesta parte do
circuito produtivo, tal como concebido pela economia de mercado, que aqueles de
nós que se dedicam à ciência entram para o circo da atual economia de
mercado.
Mais do que nunca, talvez apenas por sermos mais a viver da ciência, parece ser
relevante assumir a necessidade de refletir sobre o que efetivamente fazemos
enquanto docentes e investigadores. Reconhecemos a existênicia de um número de
indivíduos que sendo intelectualmente fracos, e aparentemente despidos de
valores humanitários, chegam a cargos de poder. Mas quem os formou? Quem lhes
ensinou as técnicas necessárias para serem eficazes a vender meias ou até mesmo
falsas verdades?
Nos tempos que correm tudo indica que a ciência foi instrumentalizada. A
capacidade crítica relativamente aos fenómenos sociopoliticos parece ter sido
apoderada por aqueles que se dedicam às ciências políticas ou até a algumas
áreas científicas de entre as quais tendem a emergir os membos da classe
política. Os agentes dos restantes domínios científicos, nomeadamente aqueles
que tendem a estar mais representados nas publicações na Motricidade parece
confinar-se a algumas regras que, de forma muito subtil, lhes vão sendo
impostas. Por exemplo, aqueles de nós que se dedicam ao estudo da atividade
física e saúde, nos trabalhos que publicamos, muito raramente integramos na
discussão dos dados uma reflexão sobre a falta de políticas consistentes para
uma intervenção adequada na prevenção de doenças.
A investigação científica demonstra, de forma clara, que a adesão à prática de
exercício físico se faz sentir em ganhos de saúde inquestionáveis. A pergunta
que se coloca é: onde estão os investimentos na promoção do exercício físico
enquanto parte intgrante da Medicina dos Estilos de Vida. Fazemos ciência
para quê? Para nos asseguramos que progredimos na carreira docente. Fazemos
ciência para quem? Em alguns domínios para o sistema produtivo industrial, mas
a maioria de nós faz ciência para ninguém.
Parece-nos urgente que enquanto intelectuais e treinados para pensar tenhamos a
coragem de parar e procurar refletir coletivamente sobre o que fazemos e que
funções deverão ter no desenvolvimento e consolidação da condição humana. Não
podemos ficar indideferentes ao sistemático empobrecimento das sociedades e ao
regresso da exploração gananciosa do trabalho de outros seres humanos.
Enquanto HOMENS de ciência, devemos trabalhar em prol do bem-estar da
Humanidade. É, sem dúvida, uma ideia romântica, mas como outros já o disseram:
É o sonho que comanda a vida.