Análise de jogo no Futebol: Métricas de avaliação do comportamento coletivo
INTRODUÇÃO
Os desportos de equipa caracterizam-se pela sua realidade dinâmica e complexa
resultante da interação permanente entre os seus constituintes (Gréhaigne,
Godbout, & Bouthier, 1999). Nessa perspetiva, uma das principais missões
dos técnicos desportivos relaciona-se com a capacidade de sistematizar a
dinâmica funcional da sua equipa, procurando potenciar as relações entre
jogadores no sentido de melhorar a performance coletiva (Davids, Button, &
Bennett, 2008). Assim, a análise de jogo tem vindo a desenvolver o seu
potencial integrador no sentido de dotar os treinadores de informações
pertinentes que fundamentem as opções de treino e adoção de estratégias de jogo
(Carling, Williams, & Reilly, 2005).
Comummente a análise de jogo tem vindo a basear-se na análise notacional de
jogo, registando as ações técnicas predominantes, bem como, na análise
sequencial procurando analisar os comportamentos táticos dos jogadores (Costa,
Garganta, Greco, Mesquita, & Seabra, 2010). Ambas as análises são
indubitavelmente pertinentes para a constituição de um entendimento holístico
sobre a realidade do jogo.
Complementarmente, novos sistemas de deteção automática de jogadores, que
identificam o posicionamento do jogador num plano cartesiano, têm possibilitado
a inspeção cinemática da ação dos jogadores (Carling, Bloomfield, Nelsen, &
Reilly, 2008). Apesar de todos os sistemas enunciados, novas métricas de
avaliação complementares aos registos observacionais têm surgido nos últimos
anos, recorrendo aos avanços na deteção automática de jogadores (Bartlett,
Button, Robins, Dutt-Mazumder, & Kennedy, 2012).
De entre as métricas baseadas no posicionamento cartesiano dos jogadores, as
mais utilizadas são: i) centroid (Frencken, Lemmink, Delleman, & Visscher,
2011); ii) índice de dispersão (Bourbousson, Sève, & McGarry, 2010); iii)
índice de extensão (Moura, Martins, Anido, Barros, & Cunha, 2012); iv) área
coberta (Okihara et al., 2004); v) área efetiva de jogo (Clemente, Couceiro,
& Martins, 2012).
O centroid baseia-se no cálculo do ponto médio ponderado relativamente à
distribuição de todos os jogadores da equipa (Frencken et al., 2011).
Recorrendo ao conceito de centroid, o índice de dispersão desenvolve-se a
partir da soma das distâncias dos jogadores em relação ao ponto médio da equipa
(Bourbousson et al., 2010). Semelhante conceito é apresentado por Moura et al
(2012) através da métrica de índice de extensão. Quanto à área coberta baseia-
se na determinação das triangulações dos jogadores da equipa (excluindo o
guarda-redes), computando a soma das áreas das mesmas (Frencken et al., 2011).
A área efetiva de jogo fundamenta-se na área coberta, mas determinando um
distanciamento máximo entre jogadores na fase defensiva para formar os
triângulos eficazes (Clemente et al., 2013). Refira-se que as métricas de
avaliação do comportamento coletivo não substituem a análise notacional e/ou
sequencial. No entanto, conseguem mensurar com elevado grau de validade e
fiabilidade o distanciamento dos jogadores no campo, determinando indiretamente
alguns comportamentos de auto-organização incorporados numa visão integrada dos
sistemas dinâmicos (Duarte, Araújo, Correia, & Davids, 2012).
No futebol, bem como, em modalidades coletivas existem fatores contextuais como
o resultado de jogo, o local de jogo, a classificação geral das equipas no
campeonato ou o estado de posse de bola que determinam a alteração de
comportamentos técnico-táticos (Lago & Martín, 2007). De entre todos os
fatores possíveis, o estado de posse de bola determina o comportamento entre
jogadores da própria equipa no sentido de se autorregularem em função de um
objetivo comum. No estado de não posse de bola o objetivo dos jogadores passa
por se auto-organizarem procurando reduzir espaços possíveis de penetração e
visando a recuperação da bola no menor período de tempo possível evitando o
ataque adversário (Costa, Garganta, Greco, & Mesquita, 2009). Pelo
contrário, no estado de posse de bola, o objetivo passa por facultar ao
portador de bola opções para prosseguir o processo ofensivo com eficácia,
objetivando a finalização (Castelo, 1996). Apesar da literatura no âmbito da
análise notacional e sequencial ter desenvolvido investigações no sentido de
identificar diferenças de comportamentos técnico-táticos a partir do estado de
posse de bola (Lago, 2009), o facto é que até agora nenhuma métrica de
avaliação espácio-temporal considerou este fator para a sua análise. De facto,
a maioria dos estudos reportados enfatizam o relacionamento espácio-temporal no
âmbito da análise sistémica, não considerando o estado de posse de bola.
Diferenciadamente da análise notacional ou observacional, a maioria das
métricas desenvolvidas atualmente no âmbito da análise de jogo não consideram a
posse de bola, apenas consideram o posicionamento bidimensional dos jogadores e
analisam os golos sofridos ou marcados em função de uma análise fragmentada do
jogo e não contínua ao contrário do proposto no presente trabalho. Desta forma,
não considerando a posse de bola, o conhecimento sobre o relacionamento
espácio-temporal entre jogadores encontra-se ainda em fase de evolução pelo que
afigura-se pertinente atualizar algumas métricas computacionais de análise para
propiciar aos técnicos desportivos uma possibilidade de interpretação sobre as
diferenças de comportamento entre os estados de posse e sem posse de bola ao
longo do jogo e de forma contínua e não fragmentada. Este afigura-se portanto
como o caráter inovador do presente artigo, não se pretendo fazer uma
comparação com os resultados proveniente de outros métodos de análise, pois na
realidade, os mesmos não são passíveis de serem comparadas pelas suas
diferenças contextuais de base.
É a partir desta oportunidade que se pretende com o presente estudo analisar a
organização coletiva dos jogadores nos momentos com e sem posse de bola,
utilizando métricas de avaliação. Para o efeito utilizar-se-ão os métodos de
centroid ponderado para verificar a localização média no terreno de jogo, o
índice de dispersão ponderado e área coberta para análise da concentração
defensiva e espaço ofensivo, bem como, a área efetiva de jogo com o objetivo de
analisar a cobertura ofensiva e defensiva.
Para diferenciar o momento ofensivo e defensivo das equipas, considerar-se-á o
estado de posse de bola em cada instante. Será expectável, considerando os
pressupostos de cada princípio de jogo que, na fase defensiva (i.e., sem posse
de bola), a equipa se aproxime da sua baliza, reduzindo a dispersão no campo e
aumentando a proximidade entre jogadores. Inversamente, no processo ofensivo
(i.e., com posse de bola), será expectável a maior aproximação da equipa da
baliza adversária, aumentando a dispersão dos jogadores pelo terreno de jogo,
bem como, a área ocupada.
MÉTODO
Participantes
Analisou-se um jogo oficial de sub-14 referente à final da competição
distrital. Os jogadores das equipas A e B foram alvos de filmagem durante
todo o jogo para posterior rastreamento posicional. O estudo foi conduzido
cumprindo as normas éticas de tratamento de humanos e animais ao abrigo do
protocolo de Helsínquia.
Procedimentos de Recolha de Dados
A filmagem do jogo concretizou-se através da utilização da câmara de filmagem
Gopro Hero com resolução de 1280×960, com capacidade de processamento de imagem
em 30 Hz (30 frames por segundo). A câmara foi colocada num patamar superior,
de forma a abranger todo o campo sem necessidade de a movimentar. O campo foi
alvo de calibração, utilizando marcadores espaciais que possibilitassem a
compatibilização com métodos de conversão posicional.
O primeiro passo para a coleta dos dados consistiu na gravação do comportamento
dos jogadores usando a câmara de filmagem GoPro Hero (descrita anteriormente).
No estudo da situação de jogo de 7×7 a câmara de filmagem foi colocada numa
plataforma centrada e elevada 10 metros de altura e 5 metros de afastamento em
relação à linha de fundo do campo. Esta centralidade da câmara e considerando
que a mesma filma com uma angulação de 180º permitiu capturar todo o espaço de
prático sem necessidade de alterar o seu posicionamento ao longo do jogo. O
espaço de prática foi calibrado com 19 pontos de identificação nas linhas
conhecidas do campo regulamentar. Esses pontos de calibração foram
identificados metricamente a partir do ponto zero de referência que se
encontrava no centro do campo de jogo. Desta forma, valores positivos e
negativos foram considerados em função do posicionamento do referencial. No
presente estudo, os valores negativos no eixo longitudinal (x) referiam-se à
metade do campo de jogo mais próxima na filmagem, sendo que a metade oposta do
campo se referia a valores positivos. Quanto ao eixo lateral (y) os valores
negativos relacionavam-se com a metade do espaço do lado esquerdo do campo de
jogo e os valores positivos referiam-se ao lado direito do campo.
Após a filmagem, o espaço físico foi calibrado usando a técnica das
transformadas diretas lineares, Direct Linear Transformation (DLT), consistindo
na equivalência proporcional do espaço virtual para o espaço físico real
(Abdel-Aziz, & Karara, 1971). Esta calibração baseia-se na identificação
dos marcadores do campo (coordenadas reais) na imagem virtual (coordenadas
virtuais) (Fernandes et al., 2010). Para efetuar este procedimento recorreu-se
ao software informático MatLab. Numa primeira fase efetuou-se a calibração com
base na primeira frame de cada jogo. O processo de calibração inicial teve como
objetivo a extração dos coeficientes DLT[1] provenientes do mapeamento entre 19
pontos bidimensionais no espaço virtual (pixéis) para o espaço físico real
(metros) seguindo a correspondência entre a Figura_1 e a Tabela_1.
De seguida, desenvolveu-se um interface gráfico permitindo visualizar uma frame
do jogo a cada segundo. Durante cada frame era exigido ao utilizador
identificar as localizações de todos os jogadores e da bola seguindo a
abordagem típica do point and click. Essa identificação correspondia a um ponto
na imagem centrado com o posicionamento dos pés dos jogadores. Por sua vez,
cada ponto no espaço virtido algoritmicamente [2] em função da relação entre as
coordenadas virtuais e as coordenadas reais definidas na
Figura_1 e Tabela_1.
De forma a garantir a fiabilidade da conversão definiram-se testes de
experiência com pontos aleatórios no campo previamente recolhidos no campo com
coordenadas reais e medidos metricamente no espaço. Posteriormente, na
plataforma desenvolvida computacionalmente identificaram-se os pontos de teste
e os resultados permitiram identificar que o maior desvio de erro foi de 5 cm
em relação às coordenadas reais. Esta margem de 5 cm foi considerada viável
para efetuar o estudo, no sentido em que não comprometia o principal fundamento
do estudo, i.e., identificar o relacionamento espácio-temporal entre jogadores
nos momentos com e sem posse de bola. Para uma descrição detalhada da técnica
DLT sugere-se a consulta de Woltring e Huiskes (1990).
Desenvolvimento das Métricas de Avaliação Coletiva
Com a finalidade de desenvolver as métricas de análise, optou-se por adaptar
algumas particularidades dos métodos anteriormente estudados (e.g., centroid,
índice de dispersão, área coberta e área efetiva de jogo) visando ajustá-los
aos objetivos de avaliação coletiva.
Analisando a progressão no terreno de jogo
A noção de homogeneidade de relacionamento dos jogadores no que se refere ao
jogo e posicionamento da bola é substancialmente importante. Para o efeito,
considera-se pertinente analisar o centro médio dos jogadores o qual designar-
se-á por centroid ponderado (Clemente et al., 2013). Este método permite
verificar o centro de massa ponderado da equipa, i.e., ponderará o
posicionamento dos jogadores em função da bola e atribuirá pesos a cada um dos
jogadores, contribuindo assim para o cálculo do centroid da equipa (Figura_2).
A posição the ith jogador é definido por (xi, yi). A relevância de cada jogador
para o centroid da equipa será ponderado, i.e., wi ponderação, poderá basear-se
na distância euclidiana (Clemente et al., 2013):
onde (xb, yb) corresponde à posição da bola e dmax é a distância euclidiana do
jogador mais afastado em relação à bola, em cada iteração.
Analisando o princípio da concentração defensiva e espaço ofensivo
Os princípios da concentração defensiva e espaço ofensivo definem-se
intrinsecamente como uma relação inversa em função do estado de posse de bola,
designando-se de relação expansão-contração (Bartlett et al., 2012). Uma
forma de analisar esta relação será através da mensuração da distância entre
jogadores da mesma equipa, bem como, da área abrangida coletivamente (Moura et
al., 2012). Assim, o índice de dispersão ponderado possibilita uma compreensão
da dispersão dos jogadores em torno do seu ponto médio coletivo ponderado
(i.e., centroid) (Clemente et al., 2013):
onde di é a distância euclidiana entre o jogador i e o centroid da equipa:
Através do índice de dispersão será possível verificar a maior ou menor
dispersão dos jogadores em função do seu centro, resultando assim, na
interpretação sobre a sua expansão ou contração em função dos momentos com e
sem posse de bola.
No entanto, poderá não ser suficiente a análise da dispersão. Assim, propõem-se
neste artigo a análise da área ocupada pelos jogadores (Figura_3).
A área coberta poderá ser computada através da soma das triangulações
existentes e analisadas na área efetiva, resultando assim, no valor da
cobertura total do polígono formado pela equipa (Moura et al., 2012).
Analisando o potencial de cobertura: Triangulações efetivas de jogo
A área efetiva de jogo constitui-se como um método de avaliação baseado nas
triangulações constituídas pelos jogadores da equipa (Clemente et al., 2012). O
futebol é composto por múltiplas triangulações que objetivam conferir apoio
ofensivo ou defensivo ao jogador que intervém de forma direta junto da bola,
tanto como portador da mesma, tanto como defensor direto (Lucchesi, 2001).
Assim, importa analisar as triangulações geradas nos momentos com e sem posse
de bola (Figura_4). No entanto, as triangulações apenas se tornam efetivas se
conferirem potencial à ação (Dooley & Titz, 2011).
Exemplificando, uma triangulação defensiva apenas se constituirá se os
jogadores se manterem próximos entre si, impedindo a reduzindo as
possibilidades de penetração adversária (Trapattoni, 1999). Importa salientar
que este distanciamento é variável em função das pretensões do treinador, no
entanto, alguma literatura aponta o perímetro máximo de 36 metros resultante da
soma de 12 metros entre cada membro (Dooley & Titz, 2011). Assim, nos
momentos em que triangulações ofensivas e defensivas se sobreponham, apenas
serão consideradas triangulações defensivas eficazes as que possuírem um
perímetro inferior a 36 metros (Clemente et al., 2012). No caso de não
interceção entre triangulações defensivas e ofensivas todas serão consideradas
eficazes. Para o efeito de análise serão considerados todos os segundos de jogo
útil, atendendo sempre à equipa com posse de bola.
Importa enaltecer que as triangulações, per se, não garantem a concretização
dos princípios táticos de cobertura ofensiva e defensiva. Permite sim, analisar
o potencial para o efeito, i.e., a proximidade entre jogadores na fase
defensiva permitirá uma maior possibilidade de apoiar o jogador em contenção.
Análise Estatística
Para a análise estatística dos momentos com e sem posse de bola, utilizou-se o
teste estatístico ANOVA one-way, cumpridos os pressupostos de normalidade e
homogeneidade da amostra (Maroco, 2010). Adicionalmente, verificou-se a
dimensão do efeito dos resultados estatísticos, bem como, o seu poder (Pallant,
2011). Todo o processo estatístico foi concretizado através do software
estatístico SPSS, para um nível de significância de 5%.
RESULTADOS
Os resultados obtidos comparam o estado com e sem posse de bola para cada
equipa (i.e., A e B). Através de tal procedimento será possível comparar os
valores entre os estados de posse de bola para cada equipa, i.e., preservando a
essência do modelo comportamental de jogo das mesmas (Tabela_2).
Centroid no eixo do x (baliza-a-baliza)
Existem diferenças estatisticamente significativas entre os estados de posse de
bola na equipa A (F(1, 1506)= 11.79, p= 0.001, η²= 0.008, Power= 0.93) e na
equipa B (F(1, 1506)= 9.43, p= 0.001, η²= 0.006; Power= 0.87). Em ambos os
casos aproximam-se da sua zona defensiva, no momento sem bola.
Centroid no eixo do y (lateral-a-lateral)
Existem diferenças estatisticamente significativas entre os estados de posse de
bola na equipa A (F(1, 1506)= 19.70, p= 0.001, η²= 0.013, Power= 0.99) e na
equipa B (F(1, 1506)= 25.11, p= 0.001, η²= 0.016, Power= 1.00).
Índice de Dispersão
Existem diferenças estatisticamente significativas entre os estados de posse de
bola na equipa B (F(1, 1506)= 22.78, p= 0.001, η²= 0.015, Power= 1.00). Não
existem diferenças estatisticamente significativas entre os estados de posse de
bola na equipa A (F(1, 1506)= 0.60, p= 0.441, η²= 0.001, Power= 0.12).
Área Coberta
Existem diferenças estatisticamente significativas entre momentos com e sem
posse de bola na equipa A (F(1, 1506)= 8.31, p= 0.004, η²= 0.005, Power= 0.82)
e equipa B (F(1, 1506)= 37.66, p= 0.001, η²= 0.024, Power= 1.00).
Área Efetiva de Jogo
Existem diferenças estatisticamente significativas entre momentos com e sem
posse de bola na equipa A (F(1, 1506)= 1343.89, p= 0.001, η²= 0.472, Power=
1.00) e B (F(1, 1506)= 968.50, p= 0.001, η²= 0.391, Power= 1.00).
DISCUSSÃO
O treinador necessita de uma interpretação da realidade da equipa e do seu
comportamento ao longo do jogo de forma a percecionar os pontos de organização
e necessidades de melhoria, permitindo transferir esta avaliação para o treino
e reduzir as desregulações comportamentais coletivas (Costa et al., 2010).
Desta forma, métricas de avaliação coletiva são uma ferramenta necessariamente
importante para o treinador, auxiliando na sua tomada de decisão ao longo do
jogo e, fundamentalmente, após o jogo (Clemente et al., 2013).
Assim, este trabalho propôs-se a apresentar métricas de avaliação do
comportamento coletivo baseadas no relacionamento espacial entre jogadores,
procurando através dos resultados providenciados, analisar diferenças entre os
momentos com e sem posse de bola. Considerando que o estado de posse de bola se
relaciona diretamente com os momentos defensivos e ofensivos (Lago-Peñas &
Dellal, 2010), foi objetivo do trabalho caracterizar os comportamentos
coletivos em ambos os momentos.
Utilizando a métrica da área efetiva de jogo, que analisa as triangulações
realizadas entre jogadores (Clemente et al., 2012), bem como o potencial para a
cobertura, foi possível constatar que no momento defensivo a equipa reduziu os
espaços interpessoais, ocupando uma área inferior efetiva. Este comportamento
poderá relacionar-se com a necessidade de reduzir os espaços possíveis de
penetração e, sobretudo, formar triangulações defensivas eficazes o que, ao
serem cumpridas, irá reduzir necessariamente o espaço ocupado (Dooley &
Titz, 2011). Inversamente, no momento ofensivo, o maior espaço ocupado poderá
relacionar-se com a possibilidade de as triangulações ofensivas serem mais
dispersas considerando o espaço existente em campo devido ao encurtamento de
distâncias da equipa adversária (Castelo, 1996).
Esta noção de afastamento ou redução dos espaços interpessoais poderão ser
interpretados considerando a relação contração-expansão entre as equipas ao
longo do jogo (Moura et al., 2012). Pressupondo que tal facto poderá ser
analisado através da dispersão dos jogadores em torno do seu ponto médio, o
índice de dispersão surge como métrica natural para avaliar o cumprimento do
princípio tático de concentração defensiva e espaço ofensivo (Bartlett et al.,
2012). Desta forma, através do presente trabalho foi possível verificar
diferenças estatisticamente significativas na equipa B, denotando-se uma maior
dispersão entre jogadores no momento defensivo e redução da mesma no momento
defensivo. No entanto, esta relação poderá encontrar-se dependente de
subprincípios da própria equipa, i.e., padrões de comportamento próprios e
específicos da equipa (Clemente et al., 2013). Tal facto poderá justificar a
não diferenciação significativa do índice de dispersão da equipa A nos momentos
defensivos e ofensivos. Assim, desta análise emerge uma margem de trabalho
futuro para que analistas interpretem os resultados atendendo às
especificidades próprias da equipa. Efetivamente, tal já acontece com a análise
notacional e sequencial, recorrendo a indicadores de posse de bola, número de
remates ou número de passes para relacioná-los com ações táticas da equipa
(Hughes & Franks, 2004).
Assim, é compreensível que o centroid no eixo do y (lateral-a-lateral)
apresente tendências diferentes para cada equipa (Frencken et al., 2011). Este
ponto médio ponderado dos jogadores da equipa (i.e., centroid) representa uma
possibilidade de identificar eventuais padrões para a equipa atacar com maior
regularidade numa das laterais. Tal facto poderá caracterizar a compreensão de
como a equipa se organiza para a construção ofensiva (Bourbousson et al.,
2010). A reduzida oscilação no eixo do x (baliza-a-baliza) em função dos
momentos ofensivos e defensivos, poderá indicar a capacidade de a equipa manter
uma preocupação permanente em preparar os estados de transição defensiva ou
ofensiva (Castelo, 1996). No entanto, tais evidências apenas poderão ser
confirmadas recorrendo a métodos complementares, tais como a análise sequencial
(Costa et al., 2010). No fundo, pretende-se enfatizar que apesar do grande
potencial das métricas de avaliação coletiva, o presente desenvolvimento
tecnológico ainda não possibilita identificar determinados comportamentos
específicos apenas analisados através de métodos observacionais. De facto,
estudos futuros deverão conciliar diferentes métodos de análise, possibilitando
um sistema integrado de informação quantitativa e qualitativa que potenciem a
interpretação dos comportamentos individuais e coletivos.
Apesar do exposto, poder-se-á enfatizar a pertinência das presentes métricas
para o conhecimento científico na análise de jogo. Comparativamente com outros
métodos de análise (notacional e sequencial), as métricas de avaliação coletiva
permitem uma identificação automática e exata da relação espácio-temporal entre
jogadores, garantindo, assim, um instrumento de análise direta ou pós-jogo
(dependente do tipo de tracking utilizado). No fundo, constitui-se como um
potencial de informação célere e fiável de interpretação da relação entre
jogadores ao longo do tempo. Adicionalmente, a conciliação das métricas com
indicadores diferenciadores (e.g., resultado do jogo, estado de posse de bola)
possibilitam uma identificação específica das relações entre membros da equipa
em função de constrangimentos distintos.
CONCLUSÕES
O presente trabalhou objetivou apresentar quatro métricas de avaliação coletiva
que visam analisar a relação espacial entre jogadores de futebol da mesma
equipa. As métricas coletivas delinearam-se para a identificação dos seguintes
comportamentos: progressão coletiva; relação expansão-contração; e
triangulações efetivas entre jogadores. Considerando os momentos com e sem
posse de bola, foi possível verificar que as equipas na fase ofensiva avançam o
seu centroid no campo, aproximando-se da baliza adversária. Foi igualmente
possível verificar que as equipas aumentaram a sua dispersão nos momentos
ofensivos e reduziram o espaço entre jogadores nos momentos sem posse de bola.
Quanto à área efetiva de jogo foi possível verificar uma maior ocupação nos
momentos com bola. Em suma, o presente trabalho demonstrou as potencialidades
das métricas de avaliação coletiva para a análise de jogo no futebol,
possibilitando um complemento à regular análise notacional e sequencial.
Implicações Práticas
As métricas analisadas no presente artigo poderão servir como um contributo de
informação para os técnicos desportivos, bem como, para o conhecimento
científico na área de estudo da análise de jogo (Clemente et al., 2013). De
facto, as limitações inerentes aos registos observacionais (e.g., análise
notacional e modelos observacionais), apesar de reconhecidamente úteis e
pertinentes para a análise de jogo, não possibilitam o reconhecimento
automatizado e computorizado de relações espácio-temporais entre jogadores.
Consequentemente, a adoção de métricas computacionais possibilitam um maior
contributo das Ciências Exatas no campo das Ciências do Desporto, conferindo-
lhe um valor acrescentado no âmbito científico e aplicado.
Face à complexidade e potencialidade das métricas apresentadas neste artigo
considera-se pertinente apresentar alguns exemplos práticos expostos na Figura
5. Nesta figura, os triângulos não preenchidos representam as triangulações
não-efetivas, os triângulos preenchidos com tonalidade cinza menos escura
representam as triangulações efetivas da equipa A (nesta situação em posse de
bola), sendo os mais escuros referentes à equipa B (nesta situação sem posse de
bola). Ainda na figura é possível verificar duas circunferências que
representam individualmente o centroid ponderado e o índice dispersão ponderado
sendo que, quanto maior a circunferência, maior será a dispersão da equipa.
Quanto ao centroid ponderado é representado pelo ponto central da
circunferência.
Uma possível interpretação das duas situações de jogo poderá relacionar-se
imediatamente com o alinhamento e proximidade dos centroids ponderados
(representados pelo ponto central das circunferências). De facto, é possível
identificar que na situação a), o centroid ponderado da equipa B (a defender a
baliza da direita na figura) encontra-se mais localizado no centro de terreno e
não orientado longitudinalmente em função do centroid ponderado adversário
(equipa A) com posse de bola. No entanto, existe um maior espaçamento
(distância longitudinal) entre centroids ponderados, i.e., indicando que a
equipa em fase ofensiva encontrar-se-ia em construção do momento ofensivo e com
o bloco ofensivo recuado. Na situação b) os centroids ponderados encontram-se
deslocados para a região direita da equipa B em fase defensiva. Neste caso, a
proximidade dos centroids ponderados das equipas poder-se-á associar à maior
proximidade entre os blocos ofensivo e defensivo. Ao longo do jogo, a
existência de situações de ultrapassagem regular do centroid ponderado atacante
sobre o defensivo poderá indiciar um nível elevado de perigo para a equipa em
fase defensiva. De facto, estudos recentes indicam que esta situação de
ultrapassagem do centroid ofensivo sobre o defensivo encontra-se
significativamente relacionado com os golos sofridos em jogadas corridas
(Frencken et al., 2011).
No que se refere à dispersão dos jogadores sobre o centroid ponderado é
possível identificar a relação expansão-contração relatada na literatura (e.g.,
Moura et al., 2012). De facto, identifica-se graficamente o aumento da
dispersão da equipa A em fase ofensiva relativamente à equipa em fase
defensiva. No entanto, eventuais dispersões exageradas em situações defensivas
poderão indiciar o incremento das possibilidades de penetração da equipa em
posse de bola. Assim, o índice de dispersão ponderado possibilitará, para além
da identificação da dispersão entre jogadores, a utilização de um identificador
automático da dispersão fora de parâmetro normais (próprios da equipa). Este
sistema de alerta informará os analistas sobre situações sucessivas de
dispersão exagerada na fase defensiva que poderá comprometer a concentração
defensiva e, por conseguinte, permitir penetrações ofensivas e exposição ao
perigo.
Culminando a análise das implicações práticas das presentes métricas é possível
identificar nas figuras_5 a) e b) que a equipa B (em estado defensivo) reduz o
número de triangulações defensivas efetivas na figura_5 b). Esta redução das
triangulações defensivas efetivas (e consequentemente da área efetiva) indica
um aumento do espaço entre jogadores que potenciará o aumento da exploração dos
seus espaços intersectoriais por parte da equipa adversária com bola. É baseado
no conceito da área efetiva (dependente das triangulações efetivas) que, à
semelhança do proposto para o índice de dispersão, se poderão desenvolver
sistemas automáticos de alarme, informando sobre a não constituição regular de
triangulações efetivas, principalmente, entre os jogadores com maior
preponderância na fase defensiva. Por exemplo, no caso da triangulação dos
jogadores do meio-campo, a não proximidade entre os jogadores poderá resultar
no não cumprimento de princípios de jogo como a cobertura defensiva, reduzindo
as possibilidades de eficácia da intervenção defensiva. Assim, esta métrica
possui o potencial de alertar os analistas para sucessivos afastamentos
interpessoais que possam comprometer o sucesso do bloco defensivo.
A análise das implicações práticas procura não só justificar a pertinência e
diferenciação das métricas propostas no presente artigo, mas também, enfatizar
o potencial prático das mesmas no âmbito do treino desportivo. Utilizando tais
ferramentas, serão possibilitados aos treinadores e analistas sistemas
inteligentes que reconhecem padrões de comportamentos desviantes em função do
comportamento tipo da própria equipa, alertando os observadores para eventuais
necessidades de correção. Adicionalmente, o facto de serem sistemas que apenas
dependem do rastreamento automático, poderão servir de plataformas online de
trabalho bastando para tal conectar as informações das coordenadas posicionais
dos jogadores com os algoritmos associados às métricas de avaliação coletiva.
Esta informação automática poderá ser vital para uma maior celeridade na
identificação de eventuais relacionamentos espácio-temporais entre jogadores,
nomeadamente, para observadores com menor experiência na perceção de
comportamentos coletivos.