A necessidade de parâmetros referenciais de cortisol em atletas: Uma revisão
sistemática
INTRODUÇÃO
Atletas de diferentes modalidades e níveis competitivos são constantemente
submetidos a um grande número de agentes estressores, cujas reações
psicofisiológicas resultam numa resposta específica do sistema nervoso central
e do sistema endócrino, particularmente, da glândula suprarrenal (Soares &
Alves, 2006).
Com o aumento nos níveis de estresse, seja de origem psicológica, física ou
ambiental, o sistema endócrino é ativado, resultando na maior liberação de
hormônios glucocorticoides, sendo o cortisol (hidrocortisona, composto F) o
mais importante dentre os glucocorticoides feitos pelo organismo humano, e
exercendo a maior parte da atividade metabólica (Wilmore & Costill, 2001).
Como sua produção e secreção aumentam durante e após a exposição a alguns
estressores, o cortisol é considerado o hormônio do estresse (Kim, Chung, Park
& Shin, 2009; Soares & Alves, 2006; Suay et al., 1999).
A produção e secreção desse hormônio varia de acordo com o ciclo circadiano,
atingindo picos máximos na segunda metade da manhã, seguidos por sucessíveis
declínios durante o dia. Continuamente, alcança valores mínimos no início da
noite (períodos noturnos de quiescência) e eleva-se suavemente na segunda
metade da noite, após, aproximadamente, 2 horas de iniciado o sono (Hofstra
& De Weerd, 2008). No entanto, ações estressoras e condições lesivas, tais
como infeções, traumatismo, calor ou frio intenso, presença de noradrenalina,
alterações no sono, horários de alimentação, cirurgias e exercícios físicos,
entre outros fatores, podem interferir no ritmo circadiano da secreção do
cortisol. Portanto, diante dos mais variados agentes estressores pode haver um
aumento repentino nas concentrações de cortisol (Brandão & Lachat, 1995).
Apesar de as concentrações de cortisol serem uma importante variável de
mensuração do estresse em diversos contextos (Soares & Alves, 2006), ainda
existem controvérsias sobre a real resposta desse hormônio ao exercício físico,
ao treino e à competição desportiva. Sabe-se que a continuidade das situações
de estresse libera hormônios glucocorticoides (cortisona, cortisol e
corticosterona), que em proporções apropriadas estimulam a aprendizagem e a
memória, mas, se forem crónicas e em grandes quantidades, diminuem a imunidade
do indivíduo, podendo ser prejudiciais à sua saúde (Nahas, 2001).
Estudos têm apontado importantes evidências do cortisol como medida
significativa do estresse competitivo e como indicador da síndrome do
sobretreino em atletas. Houston (2001) diagnosticou que o cortisol é liberado
durante o exercício físico prolongado. Aubets e Segura (1995) observaram que as
medidas de cortisol em atletas de alto nível são marcadores simples e sensíveis
do estresse competitivo e que mulheres apresentam maiores concentrações de
cortisol do que homens. Bullock, Cox, Martin e Marino (2009) verificaram que as
concentrações de cortisol salivar e plasmático sofreram alterações em atletas
de alta performance durante viagens internacionais, principalmente, em
decorrência do fuso horário, que causa alguma dessincronização do relógio
biológico do indivíduo. Kim, Chung, Park e Shin (2009), analisando o
comportamento do cortisol salivar em golfistas das categorias juniores e
profissionais, em repouso, antes, durante e após a competição, constataram que
as concentrações de cortisol dos atletas de ambas as categorias foram mais
elevadas antes de iniciar a competição. Resultados similares foram também
encontrados pelos autores com ciclistas, judocas, maratonistas e atletas de
parapente.
Embora vários estudos tenham apontado aumentos nas concentrações de cortisol em
decorrência dos mais diversos agentes estressores, muitas questões relacionadas
aos níveis de estresse em atletas, quando avaliados por meio do cortisol
salivar, sanguíneo ou urinário, requerem maior esclarecimento. Pouco se sabe
até que ponto um evento potencialmente estressante pode, de fato, gerar
elevados níveis de estresse em atletas, bem como em que medida o desporto
competitivo contribui para a transformação e o desenvolvimento do atleta ou se
constitui num terreno fértil para levá-lo a testar e transcender os seus
próprios limites.
Diante dessas lacunas no conhecimento científico, o presente estudo de revisão
sistemática se propôs a analisar os objetivos, os procedimentos metodológicos e
os principais resultados das pesquisas que utilizaram o cortisol salivar,
sanguíneo e urinário como medida de análise do estresse desportivo para atletas
de diferentes modalidades, géneros e níveis competitivos.
MÉTODO
A revisão sistemática é uma forma de pesquisa que utiliza como fonte de dados a
literatura sobre determinado tema, disponibilizando um resumo das evidências
relacionadas a uma estratégia de intervenção específica, mediante a aplicação
de métodos explícitos e sistematizados de busca, apreciação crítica e síntese
da informação selecionada. Este tipo de estudo serve para nortear o
desenvolvimento de projetos, indicando novos rumos para futuras investigações e
identificando quais métodos de pesquisa foram utilizados em uma área (Sampaio
& Mancini, 2007).
A presente revisão seguiu os seguintes procedimentos: Inicialmente, procedeu-se
à busca, em inglês e português, dos descritores stress (estresse), cortisol
(cortisol) e athletes (atletas), nas bases de dados eletrónicas Lilacs,
Medline/Pubmed, Scielo e Science Direct. Essa primeira busca foi efetuada por
duas pesquisadoras, entre setembro a dezembro de 2011, de acordo com a
metodologia proposta por Sampaio e Mancini (2007), encontrando-se 1780 artigos.
Tendo em vista o avanço científico das pesquisas realizadas na área, delimitou-
se a inclusão de artigos originais realizados com humanos, publicados entre
2000 e 2011, para garantir a atualidade dos resultados encontrados, totalizando
632 artigos. Após essa etapa, excluíram-se artigos que não foram realizados com
atletas, que não utilizaram o cortisol para avaliação do estresse e que estavam
repetidos na mesma base de dados, restando um total de 139 artigos.
Na sequência, procedeu-se à leitura desses artigos na íntegra e, em uma reunião
de consenso, definiram-se critérios de inclusão e exclusão com base na
metodologia empregada pelos pesquisadores, obtendo-se 22 artigos. Como
critérios de inclusão consideram-se artigos em que o cortisol foi avaliado em
situações reais de treino ou competição e artigos em que foram realizadas
coletas de cortisol basal e/ou em condição de repouso, para possibilitar o
controle do ritmo circadiano dos atletas. Como critério de exclusão
estabeleceu-se o uso de suplementação e/ou estímulo ao estresse que pudesse
influenciar as concentrações de cortisol. Os procedimentos adotados em cada uma
das etapas anteriormente descritas são apresentados na Figura_1.
Os 22 artigos selecionados foram, então, analisados quanto à qualidade
metodológica, seguindo um protocolo elaborado para este estudo. Os critérios e
a pontuação referentes à qualidade dos artigos foram estabelecidos de forma
independente e depois analisados de forma conjunta pelas pesquisadoras. A
qualidade dos artigos (Tabela_1) foi verificada a partir dos seguintes
critérios: (1) aprovação em comité de ética; (2) metodologia adequada aos
objetivos propostos; (3) coletas de cortisol em repouso; (4) coleta de cortisol
basal (ao acordar) e (5) coleta de cortisol antes (pré) e após a situação
desportiva (treino/competição).
Pelo fato de os estudos analisados terem utilizado diferentes unidades de
medida do cortisol (ug/dl, ng/ml, nmol/l), para a análise realizada na presente
revisão, todas as medidas foram padronizadas para nmol/l (nanomol por litro),
seguindo o valor proposto pelo Manual de Ensaios do ADVIA Centaur e ADVIA
Centaur XP (Ensaio Cortisol ' Siemens Healthcare Diagnostics) e pelo Manual do
Kit DSL-10-671000 ACTIVE® Cortisol Enzima Imunoensaio (EIA), sendo considerado
1 ug/dL ou 1ng/ml= 27.6 nmol/L. Após essa padronização (valores corrigidos para
nmol/l) foram calculadas as diferenças percentuais nas concentrações de
cortisol entre as coletas obtidas nas condições basais/repouso e aquelas
aferidas nas situações de treino e/ou competição, a fim de viabilizar a análise
dos resultados.
RESULTADOS
Primeiramente são apresentados os objetivos e a metodologia dos estudos
selecionados e, posteriormente, seus principais resultados.
Objetivos e metodologia dos estudos
Do total de artigos analisados, 40.9% realizaram coletas durante o período de
treino, 36.4% em período de competição, 18.2% em períodos de treino e
competição e 4.5% em período pré-competitivo e competitivo.
Considerando os objetivos propostos, 31.8% dos estudos procuraram analisar os
efeitos da competição sobre as concentrações de cortisol; 45.5%, os efeitos das
cargas de treino sobre os níveis de cortisol dos atletas durante as temporadas
desportivas; 18.2%, as respostas psicológicas e fisiológicas antecipatórias do
cortisol em relação à competição e ao treino; e 4.5%, os efeitos longitudinais
do treino físico intenso sobre a capacidade antioxidante e os danos
lipoperoxidativo e muscular nos atletas.
De acordo com a classificação etária proposta por Havighurst e Levine (1979),
observa-se que 59% contemplou adultos jovens (19 a 29 anos); 4.5% adolescentes,
adultos jovens e médios (12 a 60 anos); 13.6% adolescentes (entre 13 a 18 anos)
e 22.7% adultos jovens e médios (19 e 60 anos). Quanto ao género, 59%
contemplaram atletas masculinos, 13.7%, atletas femininos e 23.3%, ambos.
No que se refere às modalidades, 72.8% dos estudos foram conduzidos com
modalidades individuais, 22.7% com modalidades coletivas e 4.5% não informaram.
Em 91% dos estudos, os atletas eram profissionais de alto rendimento e em 9%,
adolescentes que competiam em nível inter-regional.
Quanto aos procedimentos, a maioria dos estudos (54.6%) adotou o cortisol
salivar para avaliar os níveis de stress dos atletas. Em relação aos momentos
das coletas, observou-se que somente 13.6% estudos procuraram comparar as
concentrações de cortisol na condição basal (ao acordar) ou em condições de
repouso com os valores obtidos na competição (análises em repouso no mesmo
horário das competições). Nos estudos em que foram acompanhados temporadas/
campeonatos desportivos, somente 13.6% realizaram apenas coletas em repouso
(sempre no mesmo horário). Quando investigados os efeitos do treino (31.8% dos
estudos), foram comparadas as concentrações de cortisol basal antes e após o
período de treino (13.6%) e em apenas em 9.1% dos estudos revisados foram
analisadas as respostas antecipatórias do cortisol à competição. Os poucos
estudos que utilizaram o cortisol urinário (9.1% dos estudos revisados)
monitoraram as concentrações de cortisol durante 24 horas, com o objetivo de
comparar as medidas de repouso com diferentes momentos de uma temporada de
treino ou para analisar as variações nas concentrações de cortisol nos dias de
competição.
Tabela_2
Principais resultados encontrados nos estudos revisados
Apenas os resultados referentes às concentrações de cortisol que apresentaram
significância estatística foram analisados, o que correspondeu a 75% dos
artigos avaliados (Tabelas_3, 4 e 5).
De forma geral, dentre os estudos que compararam concentrações de cortisol em
repouso/basal com aquelas encontradas em situações desportivas (treino,
competição), 68.2% tiveram alterações significativas. Destes, 9.1% demonstraram
diminuição nas concentrações de cortisol em situações desportivas, enquanto
59.1% encontraram aumentos nas concentrações de cortisol, quando comparadas com
as coletas basais.
As Tabelas_3, 4 e 5 apresentam, respetivamente, as diferenças percentuais
encontradas nas concentrações de cortisol salivar, sanguíneo e urinário,
calculadas a partir dos resultados dos estudos revisados.
Os valores de cortisol encontrados em situações desportivas foram comparados
com as coletas basais/repouso em 27.7% dos artigos (Coutts, Wallace, &
Slattery, 2007; Filaire, Sangnol, Ferrand, Maso, & Lac, 2001; Garcia et
al., 2002; Georgopoulos et al., 2011; Minetto et al., 2008; Salvador, Ricarte,
González-Bono, & Moya-Albiol, 2001). As concentrações de cortisol em
condições de repouso fora da situação competitiva e de repouso em situação
competitiva foram analisadas em 36.5% dos estudos (Filaire et al, 2001;
Filaire, Alix, Ferrand & Verger, 2009; Filaire, Portier, Onen, &
Filaire, 2010; Kivlighan, Granger, & Booth, 2005; Maso et al., 2002;
Salvador, Suay, González-Bono, & Serrano, 2003; Strahler, Ehrlenspiel,
Heene, & Ralf, 2010; Teixeira et al., 2009). Análises basais em diferentes
momentos de treino (em vários dias da temporada de treino) foram encontradas em
27.7% dos estudos (Bought, Rouveix, Michaux, Pequignot & Filaire, 2006;
Coutts et al., 2007; Garcia et al., 2002; Maestu, Jurimae, & Jurimae, 2003;
Maso, Lac, Michaux & Robert, 2003; Silva, Papoti, Santhiago, Pauli &
Gobatto, 2011).
Apenas 4.5% das investigações procederam à coleta de cortisol em repouso em
situação desportiva (França, Neto, Agresta, Lotufo & Kater, 2006) e 4.5%
realizou coleta basal apenas antes da situação desportiva (Jurimae, Maetsu,
Purge & Jurimae, 2004).
De entre os artigos que utilizaram o cortisol salivar como medida de análise, o
percentual de aumento na comparação dos valores de cortisol basal nas condições
pré e pós-treino (4.5% dos estudos) foi de 32%. Nos estudos que realizaram as
coletas em repouso no mesmo horário em que ocorreu a competição, o percentual
de aumento das concentrações de cortisol salivar variou de 73% a 163% ao
comparar a situação de repouso com as situações de competição. Nos estudos que
compararam os valores de cortisol basal com os valores de competição, o
percentual de aumento variou de 52% a 70%. Nos estudos que compararam valores
basais com valores pós-competição o percentual de aumento foi de 141% a 180%.
Nos estudos que realizaram coletas em situações de treino (no início, durante e
ao final do programa de treino), as concentrações de cortisol sanguíneo
diminuíram em um dos estudos (entre 12.2% e 15.7%) e aumentaram em outro (entre
10.4% e 38.2%).
Quando as concentrações de cortisol sanguíneo foram comparadas entre as
condições de repouso e as condições pré e pós-treino, foi observado um aumento
de 14% nas concentrações de cortisol pré e pós-treino para os homens e de 53%
para mulheres. Ao analisar os valores de cortisol basal com os valores pós-
treino, com diferentes intensidades (treino intenso e treino normal), foi
encontrado um reduzido aumento (0.3%) para o grupo de treino intenso e pequena
diminuição (4.4%) no grupo com treino normal. Quando as concentrações de
cortisol sanguíneo foram avaliadas na situação de competição, observou-se
aumento de 109% nas concentrações de cortisol quando foi comparado o valor
basal com o valor após a competição (França et al., 2006). Contrariamente,
quando foi avaliado um período competitivo (três semanas), constatou-se que os
valores de cortisol diminuíram em torno de 41% na primeira semana, 76% na
segunda semana e 97% na terceira semana, em relação aos valores encontrados no
período pré-competitivo (Garcia et al., 2002). No caso do cortisol urinário,
apenas um artigo (4.5% dos estudos) apresentou resultados significativos, com
aumento percentual de 46% entre os valores de repouso e após três meses de
treino e 38% entre os valores de repouso e após quatro meses de treino.
DISCUSSÃO
O presente estudo revelou a predominância do cortisol salivar como medida de
análise do estresse desportivo, possivelmente por este se constituir numa
medida de mensuração eficaz, acessível, rápida e não invasiva. Além disso, este
método possibilita que a coleta seja feita em qualquer situação, sem problemas
de reatividade, nem constrangimentos práticos ou éticos comuns aos métodos de
coleta de sangue e urina (Soares & Alves, 2006).
Nos artigos revisados houve predominância de atletas de alto rendimento e em
situações de competitividade. A competição tem sido caracterizada como uma
situação em que o atleta se confronta com uma série de pressões que, de acordo
com aspectos individuais e situacionais, podem gerar considerável fonte de
estresse (Brandão, 2000; De Rose Jr, 2002). Além disso, Leme, Barberi, Curiacos
e Rogatto (2008) mencionam que também a situação pré-competitiva é geradora de
estresse, podendo haver prejuízo no desempenho do atleta se não houver nenhuma
interferência. É importante ressaltar que a situação de competição envolve a
interação entre as demandas do meio (fatores de ordem externa relacionados ao
ambiente competitivo) e os recursos pessoais dos atletas (fatores de ordem
interna determinados pelo próprio indivíduo) (Brandão, 2000; De Rose Jr, 2002;
Castro, 2008; Samulski & Chagas, 1992). Assim, diante de qualquer estímulo
estressor (físico e/ou psicológico) poderá haver reações psicofisiológicas que
resultam em hiperfunção do sistema nervoso central e do sistema endócrino, mais
particularmente da glândula suprarrenal, resultando na maior liberação de
hormônios glucocorticoides como o cortisol (Brandão & Lachat, 1995).
A maioria dos artigos contemplou atletas entre 19 e 29 anos, considerados
adultos jovens (Havighurst & Levine 1979), possivelmente devido a esta
classificação etária ser dominante no âmbito desportivo, uma vez que a média de
idades em que ocorre a profissionalização de atletas é algo curta (18.22 ± 4.66
anos), assim como a duração da carreira desportiva (34.36 ± 4.42 anos)
(Agresta, 2006).
Constatou-se que a maioria dos artigos foi realizada com modalidades
individuais. Considerando que a preparação e adaptação de atletas de desportos
coletivos diferem muito daquelas executadas em modalidades individuais, Gamble
(2006) cita que um aspeto importante a ser levado em conta é a ampla
diversidade de habilidades técnicas e táticas que precisam ser trabalhadas,
somadas à preparação física que muitas vezes exige o treino de mais de uma
capacidade ao mesmo tempo (força máxima, potência, resistência, capacidade
aeróbia, agilidade, entre outras). Todos esses objetivos necessitam de uma
adaptação fisiológica específica que muitas vezes não são compatíveis entre os
atletas, causando conflitos. Nesse sentido, acredita-se que a maioria dos
estudos da presente revisão comtemplou modalidades individuais buscando excluir
estes conflitos dos seus resultados.
Verificou-se também maior incidência de estudos com atletas masculinos (59%),
em comparação aos femininos (13.7%), embora 27.3% dos artigos tenham
contemplado amostras mistas. Esta prevalência pode ser explicada pelo fato da
participação da mulher no desporto ser recente. Somente nos últimos anos, a
mulher passou a ser foco de pesquisas no cenário desportivo (Devide et al.,
2011). Além disso, as pesquisas envolvendo aspetos anatómicos, psicológicos e
hormonais, que comprometem a performance da mulher desportista, têm sido
restritas. Contudo, alguns estudos (Kivlighan, Douglas & Booth, 2005;
Segato, Brandt, Liz, Vasconcellos, & Andrade, 2010; Teixeira et al., 2009)
que compararam as concentrações de cortisol entre homens e mulheres não
evidenciaram diferenças nas variações de cortisol entre os géneros. Além disso,
não se têm encontrado diferenças nas concentrações de cortisol sanguíneo,
realizadas pela manhã a cada 2-3 dias, considerando o ciclo menstrual das
mulheres (Monti-Bloch, Jennings-White, & Berliner, 1998). Estes achados são
corroborados por Abplanalp, Livingston, Rose e Sandwisch (1977), que
evidenciaram que o cortisol não sofre mudanças significativas em função das
fases menstrual e intermenstrual.
Os artigos revisados que realizaram coletas em situação de repouso e/ou basais,
a fim de controlar o ciclo circadiano do cortisol, apresentaram grande
diversidade nos procedimentos para a análise do cortisol nos demais períodos de
coleta (durante e após o treino, antes e após a competição), demonstrando
ausência de um único protocolo para a avaliação do estresse desportivo.
Destaca-se, contudo, que o ciclo circadiano, presente em todos os seres
humanos, normalmente, é sincronizado com o dia solar, garantindo que vigilância
e pico de desempenho ocorram na vigília (durante o dia) e o sono durante a
noite (Gooley, 2008). Desse modo, a comparação das concentrações de cortisol em
condições basais/repouso com aquelas encontradas em situações desportivas foi
evidenciada em alguns dos estudos revisados, a fim de se reconhecer o efeito de
um evento potencialmente estressante sobre a secreção desse hormônio. Mesmo que
dois ou mais atletas apresentem valores similares de cortisol em situações
desportivas, não há como inferir que estes valores são, exclusivamente, devidos
ao estresse desportivo, se não forem controlados os valores basais/repouso.
Apesar de uma situação poder ser geradora de estresse para um atleta e não para
outro (dependendo da demanda física e psicológica), os estudos revisados nem
sempre descreveram as situações e/ou momentos da coleta de dados, o que
dificulta o entendimento dos resultados e a comparação entre eles.
As alterações nas concentrações de cortisol salivar encontradas nos artigos
revisados evidenciaram que muitas das situações desportivas estudadas
(competição e treino) podem ser consideradas potenciais fontes de estresse para
atletas de diferentes modalidades e níveis competitivos. Os mais elevados
percentuais de aumento nas concentrações de cortisol foram encontrados entre a
situação basal e a situação pós-competitiva (Filaire et al., 2010; França et
al., 2006), bem como entre as coletas realizadas no dia da competição e aquelas
mensuradas no mesmo horário em repouso (Maso et al., 2003). Uma das possíveis
explicações para esses achados é que a produção e a secreção do cortisol
aumentam durante e após a exposição do indivíduo às situações que sejam
consideradas estressoras, sejam estas de ordem física ou psicológica (Kim et
al., 2009; Soares & Alves, 2006). No caso dos artigos revisados, a demanda
física foi o fator que mais esteve associado com o aumento das concentrações de
cortisol. Alguns autores têm enfatizado que as variações nas concentrações de
cortisol são dependentes da ativação dos parâmetros fisiológicos, como a
intensidade e a duração dos exercícios (Filaire et al., 2001; Kanaley, Weltman,
Pieper, Weltman, & Hartman, 2001). Desse modo, parece plausível que
intensidades elevadas de esforço físico e psíquico sejam fundamentais para se
diagnosticarem elevações na secreção de cortisol (Acevedo et al., 2007).
No caso do cortisol sanguíneo, a diversidade metodológica dos estudos revisados
levou a resultados distintos, inviabilizando a comparação das concentrações de
cortisol encontradas. No artigo que buscou investigar os efeitos longitudinais
do treino físico intenso (Teixeira et al., 2009), destaca-se que houve
diminuição nas concentrações de cortisol obtidas entre as temporadas avaliadas,
o que pode ser atribuída à adaptação dos atletas às temporadas de treino, facto
este que também pôde ser observado em um período de três semanas de competição
(Fernández-Garcia et al., 2002).
Referente às limitações dos artigos revisados, destacam-se: (a) o reduzido
número de participantes que compuseram a amostra pesquisada (Filaire et al.,
2010; Salvador et al., 2003; Strahler et al., 2010), (b) a amostra ser composta
quase exclusivamente por homens; (c) a falta de utilização de outros marcadores
fisiológicos para avaliar o estresse (Mineto et al., 2008; Strahler et al.,
2010); (d) as análises hormonais terem sido restritas a um único período (manhã
ou tarde), não abrangendo todo o ciclo de 24 h, o que não permite estimar o
ciclo circadiano; e (e) o estado de saúde de todos os participantes ser
considerado apenas através de autorrelato (Strahler, 2010).
No presente estudo de revisão, a falta de padronização entre os procedimentos
de coleta para avaliar as concentrações de cortisol sanguíneo, urinário e
salivar foi a principal limitação encontrada entre os artigos revisados, o que
dificultou a comparação dos resultados obtidos.
CONCLUSÕES
No presente estudo de revisão, constatou-se grande diversidade de modalidades
desportivas, sendo a maioria dos estudos realizada com modalidades individuais,
com atletas do género masculino e com atletas profissionais de alto rendimento.
Observou-se também predominância de estudos que utilizaram o cortisol salivar
como medida de análise do estresse desportivo, possivelmente pelo fato do
cortisol salivar ser menos invasivo, em comparação com o sanguíneo e o
urinário.
A ausência de um único protocolo para a avaliação do estresse desportivo
dificulta a comparação dos resultados encontrados e a identificação de valores
de referência, ainda desconhecidos. No entanto, os percentuais mais elevados
foram encontrados quando se compararam as concentrações de cortisol na situação
basal com a situação pós-competitiva. Nos estudos que compararam valores basais
com valores pós-competição o percentual de aumento chegou a 180%. Da mesma
forma, quando confrontadas as medidas de cortisol realizadas no dia da
competição e aquelas mensuradas no mesmo horário em situação de repouso,
existiu uma variação percentual de 73% a 163%.
Além disso, os artigos revisados apontaram importantes variáveis associadas à
dinâmica desportiva que interferem na avaliação do estresse, tais como: período
das coletas nas situações de treino e competição (antes, durante e após); e,
variáveis psicológicas (ansiedade; autoconfiança), esforço físico despendido e
desempenho.
Nesse sentido, fica clara a necessidade de se ampliar as pesquisas com medidas
objetivas do estresse desportivo, que esclareçam os procedimentos utilizados
para a coleta de dados, bem como suas limitações, a fim de permitir a
padronização nos métodos de análise do cortisol em atletas e encontrar valores
referenciais.