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EuPTCVHe1646-107X2014000200011

EuPTCVHe1646-107X2014000200011

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN1646-107X
Year2014
Issue0002
Article number00011

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Percepção subjetiva de esforço como marcadora da duração tolerável de exercício

INTRODUÇÃO A escala de percepção subjetiva de esforço (PSE) criada por Gunnar Borg (Borg, 1982) foi sugerida como um instrumento para quantificar a sensação de esforço gerada numa determinada tarefa física. Embora as escalas mais tradicionais tenham sido criadas para quantificar a PSE durante a realização do exercício, atualmente elas são uma ferramenta importante também para prescrição e monitorização das cargas de treino em diferentes modalidades desportivas, tais como o Rugby (Elloumi et al. 2012; Eston, 2012; Lodo, et al. 2012).

Na interpretação mais tradicional a PSE responderia à intensidade do exercício, ou mais especificamente ao estresse que ocorre sobre os sistemas fisiológicos periféricos, tais como o sistema cardiopulmonar e o sistema muscular. As evidências da validade das escalas de PSE foram obtidas durante exercícios de potência mecânica incremental a partir de medidas de frequência cardíaca (FC) e concentrações de lactato sanguíneo (Lac) (Borg, 1982; Borg, Ljunggren, & Ceci, 1985). Nesses estudos, Borg (1982) e Borg et al. (1985) verificaram que a PSE respondia em função da intensidade do exercício, e que as alterações na FC e Lac conseguiam explicar grande parte da variância no aumento da PSE em testes incrementais. Tais resultados foram corroborados em estudos posteriores (Green et al., 2006; Robertson, 1982) e serviram de suporte para sugerir que a PSE responde, essencialmente, ao estresse fisiológico gerado pela intensidade do exercício. Deve ser ressaltado que nenhuma menção clara, sobre um provável envolvimento da atividade do sistema nervoso central (SNC) na geração da PSE, foi oferecida.

Contudo, um ponto de divergência nesta interpretação. Teoricamente, se a PSE responde ao estresse fisiológico periférico gerado pela intensidade do exercício físico, não apenas o seu comportamento durante exercícios de intensidade incremental, mas também durante exercícios de intensidade constante, deveria acompanhar as respostas de variáveis fisiológicas como a FC e o Lac. No caso de exercícios de intensidade constante, um aumento progressivo na PSE deveria ocorrer apenas quando a intensidade fosse elevada o suficiente para proporcionar um desequilíbrio nestas variáveis fisiológicas, ou seja, um aumento progressivo em variáveis como a FC e o Lac. Desta forma, seria observado aumento na PSE apenas em exercícios constantes realizados em intensidade severa, acima do limiar de Lac, uma vez que variáveis fisiológicas apresentam elevação progressiva em função da duração do exercício apenas em intensidades acima do limiar de Lac, frequentemente acima de 70% da potência mecânica máxima (WMAX) obtida em teste incremental (Poole et al., 1988; Wasserman et al., 1967).

Entretanto, a PSE parece apresentar um aumento progressivo em função da duração do exercício constante, independentemente da sua intensidade. Tal comportamento é observado em exercícios de intensidades moderadas e pesadas, inferiores à intensidade do limiar de Lac (< 70% da WMAX), assim como em intensidades severas (Pires et al., 2011). Resultados de diferentes grupos demonstram que a PSE aumenta progressivamente durante exercícios constantes até a exaustão, em intensidades compreendidas entre 53% e 94% WMAX (Green et al., 2005; Lima-Silva et al., 2011; Pires et al., 2011). Tais achados poderiam ser interpretados como um indicativo de que a PSE demarca, sobretudo, a duração tolerável do exercício, mais do que apenas a intensidade.

Considerando que a PSE é utilizada para diferentes propósitos, tais como para a avaliação física e prescrição de exercício físico em indivíduos de diferentes idades e sexo, faz-se necessária uma abordagem para uma melhor compreensão desse ponto de divergência. Neste caso, é possível que um melhor entendimento dos mecanismos geradores da PSE possa auxiliar na compreensão da resposta desta variável durante o exercício. Portanto, este artigo revisou, sistematicamente, os possíveis mecanismos da geração da PSE durante o exercício e suas relações com a intensidade e duração do exercício.

O estado da arte e a sistematização da revisão Os estudos utilizados para levantar o estado da arte do tema proposto nessa revisão sistemática foram selecionados intencionalmente, uma vez que a busca truncada por palavras-chave não acrescentaria estudos importantes para a discussão do tema, os quais foram desenhados para responder diferentes perguntas (Christensen et al., 2007; Craig, 2002). Desta forma, uma revisão dos estudos originais que propuseram as escalas de PSE (Borg, 1982; Borg et al., 1985) foi realizada inicialmente. Em seguida foi conduzida uma análise crítica dos principais estudos utilizados para embasar os diferentes pontos de vista a respeito dos mecanismos geradores da PSE, publicados em edição especial do The Journal of Applied Physiology (108: 452-468, 2010). A presente revisão analisou, sistematicamente, 30 estudos limitados à base de dados MEDLINE.

Após análise crítica dos estudos selecionados nessa revisão, entendemos que a comunidade científica aponta, com razoável consenso, para uma interpretação a qual considera que a PSE seja proveniente da ação de seus mecanismos geradores, localizados no SNC, integrada à ação moduladora exercida pelas respostas fisiológicas na periferia do corpo. Nesta interpretação, o esforço percebido durante o exercício poderia ser entendido como um marcador da duração tolerável do exercício para uma determinada intensidade. A seguir, apresentamos argumentos para esse provável mecanismo integrado entre SNC e sistemas fisiológicos periféricos, assim como algumas evidências de que a PSE possa indicar o limite tolerável da duração do exercício.

Integração entre sistema nervoso central e sistemas fisiológicos periféricos na geração da PSE Na perspetiva de um modelo psico­fisiológico (Lambert, St Clair Gibson, & Noakes, 2005; Noakes, St Clair Gibson, & Lambert, 2004), o qual defende que o exercício seja regulado pelo SNC, a PSE é interpretada num contexto diferente do originalmente sugerido (Borg, 1982; Borg et al., 1985), pois o esforço percebido no exercício seria gerado em estruturas cerebrais, e modulado por alterações fisiológicas na periferia do corpo. Nesta interpretação, o esforço percebido num determinado exercício seria o resultado das cópias do comando motor (cópia eferente sensorial) executado pelo córtex pré-motor e motor primário, as quais seriam enviadas às regiões do córtex somatosensorial, córtex cingulado anterior e o córtex insular anterior (Craig, 2003, 2009; Marcora, 2009). Esta hipótese ganhou força a partir de estudos como o de Christensen et al. (2007), o qual demonstrou, durante exercícios de flexão de tornozelo, uma preservação da atividade do córtex somatosensorial primário associada a um aumento da ativação do córtex pré-motor, mesmo quando vias aferentes, com informações periféricas, foram bloqueadas por oclusão vascular. Estes resultados poderiam fortalecer a sugestão de que a PSE é formada pela cópia do comando motor eferente, e parcialmente independente das alterações ocorridas na periferia do corpo (de Morree, Klein & Marcora, 2012; Marcora, 2009;).

Contudo, também tem sido sugerido que a PSE seja influenciada por alterações ocorridas na periferia do corpo. Utilizando informações aferentes providas pelo sistema nervoso periférico (Abbiss & Peiffer, 2010; Bishop, de Vrijer, & Mendez-Vilanueva, 2010; Gandevia, 2001; Marcora, 2011), regiões subcorticais e corticais do SNC seriam capazes de monitorar as alterações cardiopulmonares (VO2 e FC), musculares (lactato, pH, potássio, etc.), além de alterações na temperatura corporal, durante o exercício (Amann & Secher, 2010). Tais informações periféricas, incorporadas em regiões como o córtex cingulado anterior e o córtex insular anterior (Craig, 2003, 2009), seriam contrastadas com a cópia eferente sensorial, modulando a PSE momento a momento ao longo do exercício (Eston, 2012; Tucker & Noakes, 2009). Um ponto relevante é que essa modulação seria dependente da experiência prévia e conhecimento das características do exercício realizado (Tucker & Noakes, 2009).

Admitindo um mecanismo integrado na geração da PSE, formado pela interação entre a cópia do comando motor eferente no SNC, e a modulação por meio da sinalização periférica aferente, ganha força a sugestão de que a PSE possa indicar o limite tolerável da duração do exercício numa dada intensidade. Neste caso, enquanto o mecanismo central da geração da PSE seria influenciado pela magnitude do comando motor efetor necessário para a execução da tarefa (Marcora, 2008, 2009), o sistema aferente proveria informações sobre as alterações periféricas causadas pela magnitude do comando efetor, tais como as alterações na taxa de elevação na temperatura corporal, na quantidade de reservas de substrato disponível, e a concentração muscular de metabólitos (Tucker & Noakes, 2009). Alguns resultados de estudos abordados a seguir podem servir de suporte para esta sugestão.

Evidências de que a PSE demarca a duração tolerável de exercício Assumindo que ambas as respostas centrais e periféricas sejam integradas para a geração da PSE no exercício, poderíamos propor que as informações periféricas aferentes sejam importantes moduladoras do limite tolerável de esforço para uma determinada cópia de comando motor efetor. Nesta sugestão, regiões do SNC integrariam informações sobre as alterações ocorridas na periferia (Craig, 2002, 2009), modulando, constantemente, o esforço percebido no exercício (Tucker & Noakes, 2009).

Um argumento chave para essa sugestão é o fato de que a PSE apresenta aumento progressivo durante exercícios constantes de diferentes intensidades, mesmo aqueles entre 50% e 80% WMAX (Pires et al., 2011), sob diferentes condições experimentais (Baldwin et al., 2003; Crewe, Tucker & Noakes 2008). Este fato poderia indicar que a PSE demarca o tempo tolerável de exercício para um dado comando motor efetor determinado pela intensidade do exercício. A PSE de um determinado momento do exercício demarcaria o tempo remanescente de exercício até o alcance do limite tolerável de trabalho físico, levando em consideração o estado metabólico e as reservas energéticas momentâneas, disponíveis para a realização do trabalho físico (Lambert et al., 2005; Noakes et al., 2004; Noakes & Marino, 2008).

A natureza linear da PSE durante exercício constante tem sido descrita em diferentes condições, tais como em exercícios realizados em diferentes temperaturas ambientes. Por exemplo, Crewe et al. (2008) submeteram 7 ciclistas a exercícios constantes em temperatura ambiente baixa (15º C) e elevada (35º C). Duas intensidades, 65% (C65) e 70% (C70) da WMAX, foram utilizadas na temperatura mais baixa, enquanto intensidades de 55% (H55), 60% (H60) e 65% (H65) da WMAX foram usadas na temperatura mais elevada. Em ambas as temperaturas o teste de ciclismo foi realizado até a exaustão. Os autores observaram que na condição H65 o tempo de exercício foi significativamente menor, quando comparado à condição C65. O menor tempo de exercício foi acompanhado por maiores valores de temperatura corporal, e maiores taxas de elevação na PSE. Contudo, quando expressa em percentual da duração total de exercício, o aumento na PSE apresentou taxa de aumento similar nas diferentes condições. O aumento linear da PSE em diferentes taxas foi interpretado como sendo um marcador da duração tolerável de exercício nas diferentes temperaturas ambientes, uma vez que as maiores taxas de elevação na PSE na condição H65 foram acompanhadas por menor tolerância (tempo de exaustão) ao exercício.

Outros estudos reforçam esta sugestão. Noakes (2004), analisando dados de Baldwin et al. (2003), verificou que a taxa de incremento na PSE em função da duração absoluta do exercício era maior quando as reservas musculares de glicogénio estavam previamente depletadas. Contudo, quando essa duração foi expressa pela percentagem da duração total de exercício, a taxa de elevação na PSE era similar em ambas condições experimentais, com reservas musculares depletadas ou repletadas. De maneira similar, Eston, Faulkner, St Clair Gibson, Noakes, e Parfitt (2007) propuseram que a PSE poderia ser alterada quando o exercício fosse precedido por um exercício fatigante. Avaliando dez ciclistas, os autores verificaram que a taxa de elevação da PSE durante exercício a 75% VO2pico foi alterada após a execução de um teste incremental máximo.

Entretanto, quando a PSE foi analisada pela percentagem da duração total de exercício, a taxa de incremento na PSE foi similar entre as condições. A explicação para estes achados foi que a execução prévia de um teste incremental máximo induziu um estado de fadiga geral nos sujeitos, diminuindo a tolerância destes ao exercício seguinte.

A elevação linear da PSE com diferentes taxas de incremento, em intensidades idênticas, poderia reforçar a suposição de que informações periféricas aferentes como a alteração na temperatura corporal, reservas de substrato energético e concentração muscular de metabólitos, sejam utilizadas pelo SNC para modular a PSE do exercício (Lambert et al., 2005; Noakes et al., 2004).

Neste caso, assumiríamos que mecanismos centrais envolvendo a cópia do comando motor eferente, a qual é determinada pela intensidade do exercício (Marcora, 2008, 2009), seriam os geradores iniciais da PSE. Em complemento, a PSE inicial seria modulada por alterações nas condições de sistemas fisiológicos periféricos, indicando a duração tolerável do exercício para aquela determinada intensidade de comando motor efetor.

Essa característica integrada na geração e modulação da PSE seria um importante mecanismo para garantir que o exercício seja executado dentro de limites seguros, sem a ocorrência de danos à integridade celular (Noakes et al., 2004).

Por exemplo, o aumento linear da PSE em exercício constante, mesmo na presença de equilíbrio em diversas variáveis fisiológicas (Pires et al., 2011), indicaria a duração tolerável de exercício antes da ocorrência de uma completa depleção de substrato energético ou excessiva elevação na temperatura corporal, entre outros (Tucker & Noakes, 2009). O aumento progressivo da PSE nesse tipo de exercício seria o resultado do esforço para manter a potência mecânica fixa em função do tempo tolerável de exercício, sem ultrapassar limites toleráveis à integridade celular (Lambert et al., 2005; Noakes et al., 2004; Noakes & Marino, 2008).

Diferentemente da interpretação tradicional sugerindo que a PSE responda apenas à intensidade de exercício, nesta interpretação a PSE responderia à duração tolerável de exercício para uma dada intensidade (Noakes & Marino, 2008).

Essa interpretação ainda necessita de estudos adicionais, com medidas experimentais mais diretas, tais como aqueles que envolvem medidas diretas do estado metabólico e de ativação cerebral durante o exercício. Porém, tal interpretação poderia justificar como atletas utilizam a PSE para regular e ajustar o ritmo adotado em provas de corrida ou ciclismo (Tucker & Noakes, 2009), e como a PSE tem-se tornado um importante instrumento para a determinação do desempenho físico em diferentes condições de exercício (Eston, 2012).

CONCLUSÕES A interpretação mais tradicional afirma que a PSE responde à intensidade de exercício, pois seria resultado das alterações ocorridas na periferia do corpo, principalmente as cardiopulmonares e as metabólicas. Contudo, esta interpretação não se alinha às respostas fisiológicas observadas durante o exercício realizado em intensidade constante, durante o qual as respostas (aumento ou estabilização) de variáveis fisiológicas dependem da intensidade do exercício. Ao contrário, a PSE aumenta progressivamente, e independentemente da intensidade adotada. Nesse artigo de revisão, sugerimos que este desalinhamento entre teoria e resultados experimentais possa estar ligado aos mecanismos de geração e modulação da PSE. Enquanto o mecanismo central de cópia do comando motor efetor poderia ser influenciado pela intensidade do exercício, informações aferentes da periferia contribuiriam para a modulação da PSE ao longo do exercício, assegurando que o exercício seja executado dentro de limites toleráveis. Contudo, é importante ressaltar que alguns estudos sugerem que a formação da PSE durante o exercício independe da incorporação de informações periféricas aferentes (Marcora, 2010), e a PSE resultaria apenas do comando motor efetor.


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