Fractura da apófise coracoide associada a luxação acrómio-clavicular
INTRODUÇÃO
As fracturas isoladas da apófise coracoide são lesões pouco comuns. Quando
associadas a luxações acrómio-clavicular constituem lesões raras e são escassos
os casos publicados.
O objectivo do trabalho é apresentar um caso clínico e rever a literatura
publicada.
Da literatura revista constata-se que a luxação acrómio-clavicular com fractura
da apófise coracoide concomitante é um acontecimento pouco frequente. A maioria
dos artigos descreve um caso singular [1,2,3] , sendo que Bernard descreve uma
série de 4 casos clínicos a maioria deles em adolescentes[4].
Urist descreve numa série de 41 luxações acrómio-claviculares 2 fracturas da
coracoide associadas[5] e Jacobs noutra série de 116 luxações apenas uma
fractura da coracoide associada[6].
CASO CLÍNICO
Doente de 33 anos de idade do sexo masculino vitima de acidente de trabalho com
queda de cerca de 3 metros de altura com traumatismo do ombro direito do qual
resultou dor e edema sobre a região acrómio-clavicular ipsilateral.
Ao exame objectivo apresentava deformidade sobre a articulação acrómio-
clavicular com dor à palpação da articulação supra-citada e da apófise
coracoide.
Arco de mobilidade gleno-umeral com dor acima dos 90º de abdução e 60º de
elevação anterior.
Não apresentava alterações ao exame neuro-vascular do membro superior direito.
O estudo imagiológico realizado (Rx e TAC) revelou luxação acrómio-clavicular
(GIII na classificação de Rockwood [7]) com fractura concomitante da apófise
coracoide pela base da mesma (GIII na classificação de Eyres[8]) (Figura_1)
Figura_1
Realizada exploração cirúrgica com tenotomia do subescapular (Figura_2) o que
permitiu confirmar fractura com desvio da base da apófise coracoide (proximal
aos ligamentos coraco-claviculares e com integridade dos mesmos). Efectuou-se
redução aberta e fixação da coracoide com parafuso canulado 3.5 mm e
transfixação da articulação acrómio-clavicular com 2 fios de Kirschner (Figura
2).
Figura_2
Imobilizado com suspensor braquial durante 6 semanas (período em que foi
permitido o uso do cotovelo, punho e mão). Após as 6 semanas retirou os fios de
Kirschner e iniciou programa de reabilitação funcional para ganho de mobilidade
e reforço muscular.
Seis meses após a cirurgia apresenta bom resultado funcional, arco de
mobilidade gleno-umeral completo (com dor residual nos extremos de mobilidade),
sem dor à palpação da articulação acrómio-clavicular, apresentando apenas
deformidade discreta e bem tolerada, tendo retomado a actividade laboral.
O estudo imagiológico demonstra subluxação acrómio-clavicular e correcta
consolidação da fractura da coracoide (Figura_3).
Figura_3
DISCUSSÃO
Mecanismo de lesão
O mecanismo da lesão permanece sobre discussão sendo que na maioria dos casos
acontece após acidentes desportivos, motorizados ou traumatismos directos de
alta energia da região acrómio-clavicular [4]
A coracoide constitui ponto de ancoragem dos ligamentos estabilizadores da
clavícula (conoide e trapezóide). Nos adolescentes, os ligamentos coraco-
claviculares são mais resistentes que a placa epifisária não fundida (situada
junto da base da apófise e cujo encerramento se dá entre os 15 e os 18 anos de
idade) pelo que a fractura da apófise coracoide corresponde a uma avulsão
provocada pela luxação acrómio-clavicular com ligamentos conoide e trapezóide
intactos o que pode explicar a maior ocorrência desta lesão combinada nas
primeiras décadas de vida [4,9]
Nos adultos jovens (tal como no caso apresentado) a tracção súbita e intensa
exercida por esses mesmos ligamentos aquando da luxação acrómio-clavicular
concomitante associado às forças combinadas do tendão conjunto e do tendão do
peitoral minor, aquando de uma contracção simultânea súbita e violenta parecem
estar envolvidos no mecanismo de fractura da apófise coracoide [2]
Devido à protecção oferecida pela clavícula o trauma directo da apófise
coracoide é um mecanismo de lesão pouco comum.
Diagnóstico
Na presença de luxação acrómio-clavicular resultante de um traumatismo de alta
energia do ombro a fractura da apófise coracoide deve ser tida em consideração
(sobretudo em doentes nas entre a 2ª e a 4ª décadas de vida).
Sendo a luxação acrómio-clavicular mais frequente, a fractura da apófise
coracoide é subvalorizada e poderá ser negligenciada face à maior atenção dada
à articulação acrómio-clavicular.
A clínica sugestiva com deformidade sobre a articulação acrómio-clavicular
associada a dor sobre o ombro que limita as mobilidades da articulação gleno-
umeral deve ser complementada com Rx e TAC para correcta caracterização da
lesão, avaliação do desvio dos fragmentos ósseos e elaboração do plano
cirúrgico[10].
Tratamento
Estão descritas várias formas de tratamento cirúrgico sendo a mais consensual a
redução aberta da fractura da coracoide e sua fixação com parafuso associada ou
não a transfixação acrómio-clavicular. [2,3,11]
O tratamento cirúrgico produz bons resultados, no entanto a literatura
publicada revela que o tratamento conservador (que pode ser realizado com
suspensor braquial ou cruzado posterior entre 3 a 6 semanas) obtêm igualmente
bons resultados funcionais, sendo que esteticamente o resultado é inferior nos
casos tratados conservadoramente pela deformidade resultante da luxação
acrómio-clavicular [4,9].
No caso apresentado a existência de desvio da apófise coracoide obrigou ao
tratamento cirúrgico e simultâneo das duas lesões diagnosticadas.
A opção por uma abordagem cirúrgica com tenotomia do subescapular permitiu uma
correcta visualização e redução da fractura da apófise coracoide tendo
contribuído para o bom resultado funcional deste caso revestido de particular
interesse pela raridade clínica que representa.