Osteocondroma do astrágalo
INTRODUÇÃO
O osteocondroma é o tumor benigno do osso mais frequente[1]. Geralmente está
localizado na proximidade das metáfises dos ossos longos. É constituido por uma
massa óssea, muitas vezes pediculada, produzida pela ossificação encondral
progressiva a partir da cápsula cartilagínea [1, 2, 3]. Apesar dos ossos longos
serem os locais de aparecimento preferencial, o tumor pode desenvolver-se em
qualquer osso originado da cartilagem. Os ossos do pé são raramente afectados e
no caso do astrágalo é especialmente raro[ 2, 3].
Existem muito poucos casos descritos e, até à data, nenhum descrito na
literatura portuguesa. Apresentamos um caso de osteocondroma com localização
neste osso do pé.
CASO CLÍNICO
Uma doente do sexo feminino, 41 anos, foi referenciada à nossa consulta de
Ortopedia por dor no dorso pé direito. A doente referia traumatismo antigo da
articulação tibiotársica.
À observação verificava-se tumefacção anterior e lateral à articulação tíbio-
társica, dolorosa à palpação (Figura_1).A mobilidade estava mantida. A doente
referia queixas mais marcadas quando usava calçado mais apertado.
Foi feita avaliação radiológica com radiografia simples e Tomografia
Computorizada (TC) (Figura_2).
A radiografia simples revelou exostose na região anteroexterna do astrágalo,
contígua com o córtex e medula deste osso.
A TC revelou acentuada irregularidade exostótica do dorso do astrágalo, de
predomínio lateral, com contorno irregular e em continuidade com a medular
óssea. Esta lesão foi interpretada pelo radiologista como sugestiva de
expressão variante da normalidade (osso acessório sinostosado) no contexto pós-
traumático.
O tratamento conservador consistiu na alteração do calçado, crioterapia nos
períodos de agudização de dor,
antiinflamatórios não esteróides e analgésicos. O sucesso desta terapêutica foi
insatisfatório.
A doente foi operada por apresentar quadro álgico recorrente (Figura_3).
Realizou-se a exérese da exostose (Figura_4), enviada para exame anatomo-
patológico, que foi compatível com osteocondroma (Figura_5),apresentando a
típica "cápsula" de cartilagem.
Verificou-se regressão completa das queixas anteriores.
Aos dois anos de pós-operatório a doente mantém-se assintomática e sem
evidência radiológica de recorrência.
DISCUSSÃO
O osteocondroma constitui a neoplasia benigna mais frequente do osso1, sendo
comum a sua localização no úmero, tíbia e rádio distal. O osteocondroma
solitário do pé geralmente localiza-se nos metatársicos ou nas falanges.
Osteocondromas originados no astrágalo são reportados muito raramente.
A primeira descrição de osteocondroma do astrágalo foi feita por Fuselier [3] e
tratava-se de um osteocondroma localizado na região antero-lateral do
astrágalo, numa mulher de 22 anos que se apresentou com sintomas de descorforto
ao nível do tornozelo.
Em 1987 Chioros et al [4] reportou um caso de osteocondroma com localização
atípica na região posterior do astrágalo numa doente de 34 anos.
Já em 2005 Keser2 descreveu outro caso de osteocondroma antero-lateral do
astrágalo, numa mulher de 45 anos.
Em 2008 Sung-Hun5 reportou dois casos de osteocondroma do astrágalo em
indíviduos coreanos do sexo masculino entre os 30 e os 40 anos de idade.
Em todos os casos e, tal como no descrito por nós, foi feita a exérese
cirúrgica e diagnóstico histológico confirmatório. Todos os doentes
apresentaram regressão das queixas prévias e não se encontram descritos casos
de recidiva.
Estamos na presença de uma neoplasia benigna que, apesar de ser mais frequente
junto das fises, pode surgir em qualquer osso que tenha origem em ossificação
encondral. Pensamos que o facto de o núcleo de ossificação deste osso se
localizar na zona do colo6, é o factor determinante na localização mais
frequente dos osteocondromas nesta zona do astrágalo.
Na maioria das localizações o osteocondroma não dá sintomatologia. Contudo,
quando localizada no astrágalo,
pode estar associada a sintomas como dor[4], edema e limitação da mobilidade do
tornozelo[3,4] ou massa indolor [2]. A dor é usualmente causada por irritação
nervosa pela pressão exercida nas estruturas adjacentes. Está também descrita a
manifestação pela presença de corpos livres intra-articulares[7].
Esta neoplasia tem baixo potencial de malignidade. Nos casos assintomáticos
defendemos a observação. Nos casos em que há sintomatologia, se se verificar
crescimento marcado em curto espaço de tempo ou se houver evidência radiológica
que sugira malignidade, deve ser feita a exérese da lesão.
Trata-se, portanto, de um diagnóstico a considerar no doente que se apresenta
com dor, edema e massa palpável na região do tornozelo.