Artroplastia total invertida do ombro em doente com quisto acrómio-clavicular
INTRODUÇÃO
Os quistos acromioclaviculares (AC) são entidades clínicas pouco frequentes,
tendo, desde a sua descoberta por Craig em 1984, sido identificados cerca de 45
casos na literatura actual (tabela 1), estando muitas vezes associados a
patologia degenerativa do ombro[1].Clinicamente a forma mais frequente de
apresentação consiste no aparecimento de uma tumefacção indolor sobre a
articulação AC. O aumento de tamanho progressivo, por um lado, e a mobilidade
articular limitada e dolorosa, por outro, levam ao diagnóstico diferencial com
lesão neoplásica[2], e rotura da rotura da coifa dos rotadores,
respectivamente. Na artrografia por ressonância magnética (Artro RMN)
apresentam o típico sinal de Geyser (patognómico desta patologia), mas esta
técnica tem vindo a ser substituída pela RMN simples, sendo este o exame
complementar ideal para o diagnóstico[3].Saber a etiologia é fundamental para a
estratégia cirúrgica, podendo variar de uma simples ressecção cirúrgica do
quisto, para uma ressecção cirúrgica associado a tratamento da patologia de
base[4].
CASO CLÍNICO
Doente do sexo masculino, de 75 anos, com quadro de omalgia direita associado à
presença de tumefacção volumosa, de aparecimento progressivo, sobre a
articulação acrómio-clavicular, com cerca de 1 mês e meio de evolução. Ao exame
físico apresentava tumefacção volumosa, indolor e mole à palpação, não pulsátil
no ombro direito (Figura_1). A mobilidade articular do ombro era bastante
limitada e dolorosa, apresentando um score de Constant de 29. Ao Rx apresentava
diminuição do espaço sub-acromial, com migração cefálica da cabeça umeral e
evidência de omartrose (Figura_2_A). A ressonância magnética (RMN) realizada
demonstrou existência de um volumoso quisto AC degenerativo (6,5cm x 2,9cm),
notando-se também rotura maciça da coifa dos rotadores, com marcada
degenerescência gorda, elevação da cabeça umeral e alterações degenerativas da
articulação gleno-umeral, destacando-se um volumoso osteófito na margem
inferior da cabeça umeral (Figura_2_B_e_C).
Figura_2
Pelas queixas e quadro clínico apresentado, procedeu-se à exérese do quisto AC,
com ressecção cirúrgica da bursa sub-acromial e artroplastia total invertida do
ombro direito. Durante o período intra-operatório e internamento não se
verificou qualquer intercorrência, tendo o estudo anatomo-patológico confirmado
o diagnóstico de quisto sinovial (Figura_3).
Ao fim de 22 meses de follow up, o doente encontra-se sem queixas álgicas e com
mobilidade do ombro direito bastante satisfatória (flexão anterior 150-180º,
abducção > 90º) (Figura_4), com score de Constant actual de 68, apresentando no
controlo imagiológico, boa implementação da prótese, sem sinais de descelagem
ou desgaste (Figura_5).
Figura_4
DISCUSSÃO
Os quistos AC são entidades clínicas raras, estando definidos, etiologicamente,
2 tipos de quistos AC. O tipo 1, menos frequente, está associado à degeneração
isolada da articulação acromioclavicular. O tipo 2 encontra-se associado à
rotura da coifa dos rotadores (sobretudo à avulsão do supraespinhoso) e
consequente artropatia da coifa dos rotadores. A artropatia da coifa provocará
uma migração cefálica do úmero e instabilidade gleno-umeral com desgaste da
porção inferior da cápsula articular da AC. Posteriormente ocorrerá rotura da
cápsula e migração do líquido articular gleno-umeral para o interior da
articulação AC (sinal de Geyser) originando o quisto AC[5].
O tratamento dos quistos tanto pode ser conservador ou cirúrgico, dependendo a
escolha dos sintomas, idade do doente e da função articular do ombro. Doentes
com idade avançada, leve sintomatologia e boa função articular, o tratamento
conservador, com vigilância e, posterior, aspiração do quisto, produz
excelentes resultados, mesmo na presença de lesão da coifa dos rotadores[6,7].
De referir que a aspiração crónica do quisto AC encontra-se associada a uma
alta taxa de recorrência, havendo referência a um caso de fistulização
asséptica de quisto AC após múltiplas aspirações[8]. Em doentes com omalgia
crónica e compromisso de função do ombro devem ser submetidos a tratamento
cirúrgico, com excisão do quisto e tratamento da rotura da coifa[4]. Vários
tratamentos cirúrgicos têm sido propostos, sendo necessário ter em conta a
etiologia do quisto. Nos quistos simples ou tipo 1, a ressecção cirúrgica
simples produz bons resultados[9], mas é recomendado efetuar a ressecção
cirúrgica do quisto com excisão da extremidade distal da clavícula e da bursa
subacromial[10-11]. Nos quistos AC tipo 2, o tratamento ideal permanece
controverso. Para além da ressecção cirúrgica do quisto, o tramento a
artropatia da coifa dos rotadores inclui a ressecção da clavícula distal,
lavagem e desbridamento artroscópico, artrodese acromioclavicular,
hemiartroplastia, artroplastia total do ombro e artroplastia total invertida do
ombro[12].
Relativamente à artroplastia total invertida, Werner et al comparou doentes com
artropatia da coifa que foram submetidos a artroplastia total invertida do
ombro como opção primária versus os doentes que foram submetidos ao mesmo
procedimento como revisão de cirurgia prévia ao ombro. Ambos os
grupos apresentavam melhorias na mobilidade articular e nas queixas álgicas,
mas o 1º grupo apresentava mobilidade superior e valores maiores do score de
Constant[13].
O candidato ideal para artroplastia total invertida do ombro consiste num
doente com idade avançada (> 65 anos), pouco ativos com capacidade de aderirem
aos programas de reabilitação, pois apesar da prótese total invertida do ombro
melhorar a abducção e elevação, pode ocorrer limitações à mobilidade. Com o
aumento da força e mobilidade articular do ombro, os doentes podem esperar
regressar à sua atividade laboral e lúdica diária. É necessário contudo evitar
pegar em objetos pesados e esforços extenuantes de forma a prevenir desgaste,
descelagem e respetiva cirurgia de revisão protésica[14].
CONCLUSÃO
Os quistos acromio-claviculares constituem complicações raras de roturas
completas da coifa dos rotadores, ocorrendo geralmente em paciente idosos, não
sendo de esquecer que o quisto AC deve ser um diagnóstico de exclusão, sendo
necessário efectuar o diagnóstico diferencial de malignidade, fractura, artrite
inflamatória, infecção e aneurisma da artéria subclávia. No caso clínico
apresentado, verificava-se presença de artropatia da coifa dos rotadores
bastante avançada, com limitação marcada da mobilidade articular decidiu-se
pela artroplastia total invertida do ombro, tendo o doente apresentado
melhorias significativas da mobilidade e ausência de queixas álgicas,
encontrando-se muito satisfeito com a cirurgia efectuada, após 22 meses de
follow up.