A influência da osteoartrose e da artroplastia da anca sobre a atividade
laboral em doentes em idade ativa
INTRODUÇÃO
A realização de prótese total da anca (PTA) é um procedimento eletivo comum nos
serviços de Ortopedia. Segundo o registo português de artroplastias no ano de
2010 foram realizadas em Portugal mais de 6000 PTA (número apenas suplantado
pela prótese total do joelho)[1].
Ao longo das últimas décadas a artroplastia total da anca tem demonstrado ser
uma solução muito eficaz no controlo dos sintomas associados à osteoartrose da
anca com um consequente aumento da qualidade de vida dos pacientes a qual se
aproxima cada vez mais da normalidade[2,3,4,5].
Nos últimos anos a evolução dos implantes e da técnica cirúrgica, promoveu a
evolução positiva do resultado funcional da PTA tanto no que respeita a
qualidade como à longevidade da solução terapêutica.
Circunstâncias impensáveis nas primeiras fase de evolução da PTA tais como a
prática desportiva ou de outras atividades físicas exigentes, passaram a ser
registadas e exibidas com orgulho por cirurgiões em todo o mundo.
Por outro lado são cada vez mais os estudos que demonstram a grande longevidade
da fixação biológica dos implantes, contrastando com a rápida degradação
observada nas primeiras séries de PTA que utilizavam a fixação cimentada
[6,7,8,9].
Na mesma linha a introdução nas superfícies articulares de materiais dotados de
baixo atrito e grande resistência ao desgaste, veio expandir a duração das
próteses da anca, mesmo em pessoas com elevado nível de atividade [10].
Apesar de ser uma cirurgia habitualmente realizada numa população idosa[6,11] e
já aposentada, os avanços recentes nos materiais, desenho dos implantes e
segurança nos procedimentos de revisão, têm ampliado as suas indicações para
incluir doentes cada vez mais jovens[12,13], os quais ainda se encontram numa
fase profissional ativa.
Os escassos estudos que se debruçaram sobre o problema laboral em doentes
submetidos a PTA, apontam taxas de retorno à atividade laboral muito díspares,
e que variam entre de 33% e 92%[9,10].
Deste modo, o objetivo deste trabalho foi analisar, na nossa região, o impacto
da coxartrose e da sua resolução pela artroplastia total da anca na atividade
produtiva e status laboral do doente em idade ativa.
MATERIAL E MÉTODOS
No sistema de segurança social Português a idade de aposentação está legalmente
fixada nos 65 anos, contudo estão previstas reformas antecipadas por motivos de
doença, para todos os cidadãos contribuintes que por motivos de saúde estejam
incapacitados para o seu trabalho habitual.
É nesta situação de reforma antecipada por incapacidade física que se encontram
muitos pacientes com condições patológicas das suas ancas, tanto antes como
depois da sua resolução através da PTA.
Para estudarmos a forma como a solução artroplastica influência a relação com o
mundo do trabalho, em pessoas com problema das ancas, selecionamos todos os 133
pacientes com idade atual ≤ 60 anos que realizaram artroplastia total da anca,
no CHP-HSA entre 01/01/2006 e 31/12/2010.
Destes 133 doentes (correspondentes a 158 artroplastias) foram excluídos: 5
doentes com PTA realizada após fratura do colo do fémur, 6 doentes que após a
artroplastia inicial foram novamente intervencionados (2 por infeção, 3 por
descelagem asséptica do componente acetabular e um por fratura peri-protésica)
e 3 doentes que faleceram.
Foram enviados questionários e revisto o processo clínico dos restantes 119
doentes (146 PTA). Foi incluída a análise de diversas variáveis (sexo, idade,
bilateralidade, tipo de artrose, tipo de prótese utilizada, tempo de paragem
prévio à cirurgia e tipo de trabalho desempenhado) numa perspetiva de retoma ou
manutenção da atividade laboral bem como ainda o tempo necessário para tal.
Paralelamente foram estudados os níveis de satisfação destes doentes com a
cirurgia realizada.
Obtivemos respostas de 81 doentes (98 PTA), 52 do sexo masculino e 29 do sexo
feminino, com idade média na altura da cirurgia de 47,04 anos (máximo de 57
anos e mínimo de 23 anos).
O follow-up médio deste estudo foi de 38,89 meses (máximo de 72 meses e mínimo
de 13 meses).
As causas para realização da artroplastia foram: artrose idiopática em 38
doentes (44 ancas), artrose secundária a necrose avascular da cabeça do fémur
(NACF) em 26 doentes (32 ancas), artrose secundária a doença reumatoide em 8
doentes (13 ancas), artrose secundária a doença displásica da anca em 5 doentes
(5 ancas), artrose secundária a doença de Perthes em 3 doentes (3 ancas) e
artrose secundária a artrite séptica em 1 doente (1 anca).
Em 39 doentes (49 artroplastias) foi utilizado haste femoral não cimentada de
fixação meta-diafisários (Corail®, Cedior®, Versis®, Taperloc®), em 38 doentes
(45 artroplastias) haste femoral de apoio exclusivamente metafisário
(Próxima®), em 3 doentes (3 artroplastias) haste femoral não cimentada modular
(S-Rom®) e em um doente (1 artroplastia) haste femoral cimentada (Ultima®).
Num doente foi usado um implante acetabular cimentado, e nos restantes 80
doentes cúpulas hemisféricas não cimentadas. O par articular em 78 doentes foi
constituído por polietileno altamente reticulado contra metal, e nos 19
restantes metal contra metal.
Dividimos as profissões dos doentes em três grupos, de acordo com o seu grau de
exigência física (Quadro_I).
Quadro_I
Dos 81 doentes estudados, 64 foram intervencionados apenas a uma anca e os
restantes 17 realizaram artroplastia bilateral. No caso de doentes com PTA
bilateral considerou-se:
- tempo de paragem prévio a cirurgia: os meses entre o inicio da paragem e a
realização da 1ª artroplastia;
-tempo para retoma de atividade laboral: os meses que mediaram a 2ª cirurgia e
a retoma da atividade laboral.
RESULTADOS
Dos 81 doentes que responderam ao inquérito 27 (33, 33%) encontrava-se já
reformado antes da realização da artroplastia.
Dos 54 doentes (correspondendo a 63 PTA) que se encontravam empregados, 37
retomaram a atividade laboral após a realização da artroplastia.
Assim dos 81 doentes que completaram o estudo 37 encontram-se atualmente a
trabalhar (Figura_1).
A demora média de retorno ao trabalho depois da cirurgia foi de 6,67 meses,
variando entre um mínimo de 1 mês e um valor máximo de 27 meses.
A maioria dos doentes (32 dos 54 doentes) refere que este tempo de paragem foi
recomendado pelo seu médico, e todos os reformados passaram por juntas médicas
de qualificação de incapacidade (sendo que todos os doentes referem o seu
problema da anca como um dos motivos da sua reforma).
Apenas cinco dos 37 doentes (13,51%) que retomaram atividade laboral
modificaram as características do trabalho em função da cirurgia realizada.
Verificou-se que nenhum dos doentes reformados antes da cirurgia. retomou a
atividade laboral, e que no grupo de doentes aposentados apenas 10 (22,73%)
aceitaria retomar o emprego na condição de este ser fisicamente menos exigente.
Procuramos avaliar a forma como o sexo, a idade e a bilateralidade da doença
articular, influenciam a retoma profissional. Os dados dessa pesquisa estão
sumarizados na Quadro_II.
Quadro_II
Foi também avaliada a relação entre a origem da osteoartrose e a atividade
laboral assim como entre tipo de haste femoral utilizada e emprego (Quadro_III)
Quadro_III
O Quadro_IV apresenta os resultados da influência da paragem do trabalho, da
posição de chefia no emprego e do nível de exigência física do trabalho na
atividade laboral dos 54 doentes não reformados antes da cirurgia.
Quadro_IV
Quando questionados sobre o nível de satisfação com a solução cirúrgica do seu
problema, 74 doentes (90,24%) respondeu estar satisfeito com a cirurgia
protésica e 79 doentes (97,53%) responde que repetiria o mesmo procedimento
cirúrgico para solucionar a patologia da sua anca.
Se pergunta é se considera que a PTA realizada satisfaz ou poderia satisfazer
para a atividade laboral que tem ou teve durante a sua vida apenas 37 doentes
respondem afirmativamente (Figura_2).
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
Verificou-se neste estudo que existe uma taxa muito alta de associação entre
osteoartrose da anca e reforma numa idade ativa, a qual não diminui e antes
pelo contrário tende a aumentar depois da cirurgia. Em contraste verificamos um
alto nível de satisfação com a cirurgia realizada.
Estamos pois perante um problema cuja discussão nos parece ser pertinente no
período atual, devido aos graves problemas sociais causados pelo desemprego e
empobrecimento nesta faixa etária.
A prestação profissional em condições de saúde física subótimas depende de
questões culturais, médicas, e da oferta de emprego que favoreça a mobilidade
laboral necessária para permitir o ajustamento do trabalho às limitações
físicas, mas parece ser licito questionar se na atualidade se deve aceitar uma
taxa tão alta de abandono da atividade laboral em doentes com artrose da anca.
Na atualidade esta reflexão impõe-se pelo aprimoramento das técnicas
cirúrgicas, pela introdução de novos implantes muito mais resistentes ao
desgaste e ao sucesso nas técnicas de revisão[6,7,8,9,10], obrigando à
necessidade de reformulação dos conceitos sobre a restrição à atividade
medicamente impostos aos doentes após PTA que contribui para um processo de
aposentação sem retorno.
Do mesmo modo que parece existir uma necessidade premente de modificar
mentalidades e atitudes médicas, a mesma deve refletir-se nos doentes e
entidades patronais de modo a modificaram a sua atividade produtiva após a
cirurgia protésica pois pouco mais de 10% dos doentes modificaram a sua
atividade produtiva após a cirurgia protésica e apenas cerca de 20% de todos os
doentes reformados respondem que se sentiria capaz de retomar atividade
laboral, mesmo que esta fosse fisicamente menos exigente.
Comparando os resultados obtidos com outros estudos realizados sobretudo dos
países escandinavos, do Reino Unido e do Canadá [15,16,17] verificamos que a
artroplastia realizada apresenta taxas semelhantes quanto à capacidade em
manter os doentes empregados.
O presente trabalho demonstra igualmente que, a resolução da osteoartrose da
anca através de PTA é compatível com empregos de baixa e moderada atividade
física, pelo que os responsáveis governamentais deveriam promover mais a
requalificação laboral dos trabalhadores através de empregos fisicamente menos
exigentes; evitando a reforma precoce onerosa para os fundos públicos e
prejudicial para as famílias.
Ao incidirmos a nossa análise sobre os 54 doentes empregados antes da
realização da artroplastia verificamos que o grupo de doentes que interrompe o
trabalho mais de 6 meses antes da cirurgia tende a não regressar ao emprego
(55,55% vs 19,44% no grupo de doentes que não pararam ou o fizeram por 5 ou
menos meses antes da cirurgia) e que demoram, em média, mais 10 meses a fazê-lo
quando comparados com o segundo grupo (14 vs 4,65 meses). Realçamos ainda a
existência de um importante número de doente[28] que pararam a sua atividade
produtiva antes da cirurgia e, em média, esta paragem prolongou-se por cerca de
11 meses. Também a prontidão na resposta terapêutica, evitando longos períodos
de absentismo laboral consumidos na espera pela cirurgia, parece ser influente
na taxa de aposentação.
À semelhança dos estudos anteriores[16,18,19] a evidência de que os doentes que
estão mais tempo sem trabalhar antes da realização da cirurgia tendem a não
retomar atividade laboral ou a necessitar de muito mais tempo para voltar a uma
atividade produtiva, reforça a necessidade de realizar esta cirurgia antes que
a patologia da anca force os doentes a parar, para que a artroplastia realizada
seja uma importante arma terapêutica com impacto económico positivo na
sociedade.
O mesmo raciocínio pode ser feito para os doente com coxartrose bilateral onde
importa resolver com prontidão o problema no seu todo, de modo a contrariar as
altas taxas de doentes reformados antes e depois da artroplastia bem como a
maior demora a retomar o emprego verificada neste grupo de doentes.
À luz dos resultados obtidos, a alta taxa de reformas por incapacidade física
antes da implementação da terapêutica cirúrgica parece carecer de revisão
conceptual por parte das autoridades competentes.
Outro resultado importante retirado deste estudo foi que homens e mulheres
apresentam taxas de aposentação sobreponíveis mas as mulheres demoram mais
tempo a retomar o emprego.
De igual modo observou-se que o grupo de doentes com menos de 40 anos quando
comparado com os doentes com idade ≥40 anos apresenta maiores valores
percentuais na retoma do emprego (81,18% vs 65,12%) mas demoram mais tempo a
voltar à atividade laboral (7,88 meses vs 6,29 meses) e que quando comparados
os doentes com artrose de natureza idiopática vs doentes com artrose 2ª a NACF
verificamos que os primeiros têm menor número de doentes reformados antes da
cirurgia e que voltam em maior número à atividade laboral após a artroplastia.
Verificou-se ainda que os doentes com PTA com componente femoral de apoio
metafisário (Próxima®) quando comparados com os doentes com PTA com haste
femoral convencional não cimentada (Cedior® + Corail® + Versis ® + Taperloc®)
apresentam maior percentagem de doentes que retomam atividade laboral após a
artroplastia (75,86% vs 60,87%) e que o fazem em menor tempo (5,50 meses vs
8,71 meses). Estes números parecem refletir melhores resultados com a uso de
artroplastias com maior preservação do stock ósseo. Contudo podem apenas
significar que os doentes selecionados para este tipo de implante apresentam
maior nível de atividade prévio à cirurgia pelo que estudos posteriores
utilizando grupos mais homogéneos de doentes são necessários para confirmar, ou
não, estes resultados.
Já descrita como a cirurgia do século e com efeito positivo comprovado na
qualidade de vida de doentes com artrose da anca diversos estudos reportarem o
elevado nível de satisfação da PTA na população estudada[12,21,22]. Também
neste estudo verificam-se níveis elevados de satisfação geral com a cirurgia
protésica realizada, referindo a esmagadora maioria dos doentes que repetiria o
mesmo procedimento cirúrgico para solucionar a patologia da sua anca. Em
contraste com estes números, menos de metade desta população mostra-se
satisfeita quando a pergunta é se considera que a PTA realizada satisfaz ou
poderia satisfazer para a atividade laboral que tem ou teve durante a sua vida.
O facto de ser uma amostra numericamente limitada, e de um número importante de
doentes selecionados não ter respondido ao questionário, constituiem as
principais limitações deste trabalho.
Estudos longitudinais de acompanhamento destes doentes a longo prazo, são
necessários para determinar quanto tempo mais é que estes doentes trabalham com
a PTA implantada, como forma de um mais completo reconhecimento do problema
laboral neste tipo de patologia[23].
Ainda assim este trabalho constitui um estudo importante incidindo sobre um
tema poucas vezes relatado na literatura existente (e sem trabalhos descritos
em Portugal) permitindo um melhor e maior conhecimento sobre o impacto da
artroplastia da anca na atividade laboral desta população especial constituída
por doentes jovens com PTA, descrevendo a nossa realidade e desafiando outros
autores a realizarem estudos semelhantes de forma a poder ajuizar a nossa
realidade relativamente a padrões internacionais.