Fratura proximal do fémur bilateral: Incidência e fatores de risco de fratura
contralateral
INTRODUÇÃO
As fraturas da extremidade proximal do fémur constituem um importante problema
de saúde pública[1]. O sucesso no tratamento cirúrgico destas fraturas permite
que muitos destes voltem a uma vida ativa, durante muitos anos[2].
O aumento da esperança de vida, a osteoporose já estabelecida, as alterações
neuro-cognitivas e as comorbilidades predispõem os doentes a outras fraturas
osteoporóticas. Dentro das mais frequentes, a fratura proximal do fémur é a que
tem maior morbimortalidade[3].
Cerca de 8% dos doentes que sofreu uma fratura proximal do fémur sofrerá uma
fratura semelhante contralateral[2]. Estes doentes têm um prognóstico de vida e
função francamente inferior ao observado nos doentes que sofreram apenas uma
fratura, como será discutido adiante.
Para melhor caracterização da nossa população, foi feito o levantamento de
todos os doentes operados por fratura proximal do fémur num intervalo de sete
anos, no nosso Serviço.
Foi feito o registo de todos os doentes com fratura contralateral. Foram
analisadas as comorbilidades médicas. Apresentamos aqui os dados desta revisão,
com ênfase nos dados estatisticamente relevantes que podem levar a uma melhoria
no acompanhamento deste tipo de doentes.
MATERIAL E MÉTODOS
População
Todos os doentes com fratura proximal do fémur tratados no Serviço de Ortopedia
e Traumatologia do Hospital de Curry Cabral entre janeiro de 2003 e dezembro de
2009. Foram excluídos os doentes com fraturas de alta energia (ou com história
de queda superior à própria altura), com fraturas patológicas por tumor
primário ósseo ou metástases, ou com idade inferior a 50 anos.
Métodos
Em cada um dos itens analisados, foi feita a comparação estatística entre o
grupo em que apenas ocorrem uma fratura (Grupo Unilateral) e o grupo em que
ocorreram duas fraturas não simultâneas (Grupo Bilateral).
Foi realizado um estudo retrospetivo, com análise do processo de internamento
informatizado, do Sistema de Apoio ao Médico (SAM). Foram visualizadas as
radiografias, para classificação e agrupamento dos doentes por tipo de fratura,
e para determinação do procedimento cirúrgico realizado. Os dados de follow-up,
das comorbilidades e diagnósticos secundários foram obtidos do processo
informatizado (SAM) de cada doente.
Na análise estatística foi utilizado o teste do Quiquadrado para estudo da
independência e o Método de Regressão Logística para avaliação da relação entre
a primeira e a segunda fratura, com o auxílio do programa informático SPSS.
Testaram-se ainda as diferenças entre as proporções das comorbilidades nos dois
grupos de doentes do estudo. As diferenças foram consideradas significativas se
p<0.05.
RESULTADOS
Incidência
Obtiveram-se 1911 doentes, e destes 3,24% (n=64) sofreram fratura bilateral da
extremidade proximal do fémur.
Género
No Grupo Unilateral apurámos 394 homens (26,7%) e 1460 mulheres. No Grupo
Bilateral apurámos 8 homens (14.3%) e 56 mulheres. No teste de comparação de
proporções não há diferença estatisticamente significativa (p=0.09).
Idade
A média de idades no Grupo Unilateral foi de 81 anos. No Grupo Bilateral, a
primeira fratura ocorreu, em média, aos 80 anos, e a segunda fratura ocorreu
aos 82 anos.
Tipo de fratura
A proporção entre fraturas intracapsulares e extracapsulares manteve-se
sensivelmente constante ao longo do período de 7 anos em que foi analisada a
nossa população (Figura_1). Totalizamos 45,3% (n=895) fraturas intracapsulares
e 54,7% (n=1080) de fraturas extracapsulares.
No Grupo Unilateral (n=1854) houve 831 (44,8%) fraturas intracapsulares e 1023
fraturas extracapsulares. No Grupo Bilateral totalizamos 66 fraturas
intracapsulares (51,5%) e 62 fraturas extracapsulares. A distribuição das
mesmas está representada no Figura_2.
Foi feita a análise estatística da comparação entre a primeira e a segunda
fratura (Quadro_I), no Grupo Bilateral, pelo Teste de Qui-Quadrado e por
Regressão Logística.
Apurou-se que a localização da 2ª fratura é dependente da primeira. A
localização da 1ª fratura é significativa/determinante para a localização da
2ª, com p=0,03 na equação do modelo associado à regressão logística.
Não se apurou significado estatístico na localização da 2ª fratura em função do
tempo. Apesar de tudo, 70% das segundas fraturas ocorreram nos 3 primeiros anos
após a primeira (Figura_3).
Tipo de tratamento cirúrgico
Apesar de não ser este um dos objetivos do trabalho, registámos os tipos de
osteossíntese para averiguar se haveria mudança de atitude numa 2ª fratura
(eventual escolha por um método artroplástico, por exemplo). Como se constata
na Figura_4, a escolha do método foi quase sobreponível nos dois episódios de
fratura. Há, inclusive, uma pequena preponderância da osteossíntese sobre a
hemiartroplastia no tratamento da segunda fratura, mas sem significado
estatístico.
Comorbilidades médicas
Foram registadas as principais comorbilidades desta faixa etária, e analisadas
as suas proporções dentro de cada um dos Grupos. Testaram-se as hipóteses de
que não há diferenças estatisticamente significativas entre essas proporções.
No quadro_II estão agrupadas as comorbilidades dos doentes com fraturas da
extremidade proximal do fémur e verifica-se que com base nos valores das
estatísticas do teste obtidos que foram todos positivos, o que significa que no
grupo das pessoas com fraturas bilaterais a proporção de todas as doenças é
maior do que no grupo das pessoas com fraturas unilaterais.
Da análise do risco relativo de sofrer uma fratura contralateral da extremidade
proximal do fémur, tendo por base as comorbilidades, verificou-se que nos
doentes com doença de Parkinson, Hipertensão Arterial, doença Cardíaca, Anemia
e alterações da Visão, existe um aumento do risco de fratura, com significado
estatístico. De salientar ainda, que embora sem forte significado estatístico
(p=0,09), o risco relativo de sofrer uma segunda fratura da extremidade
proximal do fémur, está também aumentado nos doentes com demência[4;5].
DISCUSSÃO
Ao nosso estudo temos de apontar como limitações:
- O facto de ser um estudo retrospetivo, com análise do processo de
internamento hospitalar.
- O número de doentes em que foi perdido a follow-up, constitui o verdadeiro
viés deste estudo, pois não se conseguiu determinar a mortalidade após o
primeiro evento. E provavelmente pela falta de follow-up em muitos dos doentes
não se conseguiu verificar a ocorrência da segunda fratura. Uma provável razão
de discrepância entre este estudo, e outras séries internacionais[6,5] é a
mortalidade que não foi possível apurar após a primeira fratura. Uma vez que se
sabe que a mortalidade após fratura da extremidade proximal do fémur é muito
elevada, ao não se conseguir apurá-la após a primeira fratura, os doentes foram
incluídos no grupo de controlo (fraturas unilaterais), Como vantagens, devemos
assinalar que constitui um ponto de partida e um primeiro trabalho para uma
reflexão e avaliação mais rigorosa, de preferência multidisciplinar aos doentes
com osteoporose que sofrem uma fratura da extremidade proximal do fémur. Com a
continuação e novos estudos, permitirá a identificação de doentes em risco de
fratura contralateral da extremidade proximal do fémur e o estabelecimento de
normas de vigilância e medidas de prevenção de novas fraturas.
Incidência
A literatura aponta para uma incidência significativa de uma fratura
contralateral da extremidade proximal do fémur em diversas populações.
Nos EUA esta ocorre em 0,023 doentes / ano, o que corresponde a um risco 4
vezes superior ao constatado para a ocorrência de uma primeira fratura[7].
Na população oriental[5] este risco é de 0,043 doentes / ano.
Uma análise realizada na Dinamarca envolvendo 169000 doentes, mostrou que 27800
(16,4%) sofreu uma fratura contralateral da extremidade proximal do fémur[3].
Na nossa amostra obtivemos uma incidência global de 64 doentes com fraturas
bilaterais (3,24%), valores inferiores aos da literatura, que estão
relacionados com os vieses deste estudo.
Idade
A idade média de vários trabalhos aponta para os 83 anos, mas esta não parece
constituir um fator de risco específico para a fratura contralateral da
extremidade proximal do fémur[7], mas é provável que a sua ocorrência seja
estatisticamente inferior abaixo dos 71 anos.
No Reino Unido esta ocorre, em média, aos 79 anos quando a fratura
contralateral da extremidade proximal do fémur ocorre mais de dois anos após a
primeira; ocorre em média aos 83 anos quando a fratura contralateral da
extremidade proximal do fémur ocorre menos de dois anos após a primeira.
Na nossa amostra, a idade média do grupo das fraturas bilaterais aquando da
primeira fratura, foi ligeiramente menor que a do grupo unilateral.
Intervalo de tempo entre a primeira e a segunda fratura
Numa amostra Britânica[9] cerca de 48% da fratura contralateral da extremidade
proximal do fémur ocorre nos primeiros dois anos. Estes dados são ligeiramente
diferentes duma amostra japonesa, que regista que 41% da fratura contralateral
da extremidade proximal do fémur ocorre no primeiro ano, 67 % ocorrem nos
primeiros dois anos e 86% ocorrem nos três primeiros anos após a primeira
fratura.
Na nossa amostra apurámos que a fratura contralateral da extremidade proximal
do fémur tende a ocorrer de forma precoce, verificando-se que 70% ocorreu nos
primeiros 3 anos após o primeiro evento.
Tipo de fratura
Em vários trabalhos[5,9,3] parece haver uma elevada concordância entre o tipo
de fratura (intra vs extracapsular) entre a primeira e a segunda fratura.
Genericamente, em dois terços dos doentes a fratura contralateral da
extremidade proximal do fémur é igual à primeira.
Na nossa amostra, apurámos uma relação com significado estatístico entre a
primeira e a segunda fratura, em que a fratura contralateral da extremidade
proximal do fémur tende a ser do mesmo tipo que a primeira. Contudo, esta
relação tende a ser menos significativa quanto maior é o tempo de intervalo
entre as duas fraturas.
Como conclusão pretendemos salientar que a ocorrência de uma segunda fratura
osteoporótica do fémur é um dado para o qual a comunidade médica esta pouco
sensibilizada.
A sua etiologia, como todas as fraturas de fragilidade, é multifatorial, mas
acreditamos que deve haver um papel importante do ortopedista na sua prevenção
secundária.
Há forte evidência que a medicação anti osteoporótica reduz[10] o risco de
novas fraturas. Negligenciar esta medida é, portanto, ignorar o impacto desta
doença e um cuidado deficiente aos nossos doentes.
É necessário identificar nos doentes com fratura da extremidade proximal do
fémur, os que apresentam os fatores de risco (como a idade, doença de
Parkinson, Hipertensão Arterial, doença Cardíaca, Anemia e alterações da Visão)
para fratura contralateral. Estes doentes, devem ter um follow-up mais rigoroso
nos primeiros três anos após a fratura e devem ser estabelecidas melhores
formas de prevenção de fraturas e otimização das comorbilidades, por forma a
prevenir a fratura contralateral da extremidade proximal do fémur.