Artroplastia total do joelho dolorosa
INTRODUÇÃO
A Artroplastia Total do Joelho (ATJ) é a opção cirúrgica mais frequente no
tratamento de doentes com alterações degenerativas da articulação do joelho
devido aos ótimos resultados funcionais e melhoria da dor, que se reflete na
satisfação de 82-90% dos doentes[1]. No entanto, a dor surge em cerca de 10-20%
dos doentes[2] após ATJ. As causas mais óbvias de dor, como a infeção, o
descelamento, ou problemas mecânicos associados a mau posicionamento dos
implantes são as causas articulares mais facilmente identificadas pela
história, exame clínico e auxiliares. Contudo, em alguns casos, a causa da dor
não é facilmente identificada, representando um desafio diagnóstico para o
cirurgião.
As causas de dor associadas à presença de Ciclope do espaço intercondiliano[3]
e da articulação femuro-patelar [4,5] têm sido amplamente descritas na
literatura. No entanto, a dor no compartimento externo foi descrita apenas num
artigo[6].
CASO CLÍNICO
Doente de 71 anos, género feminino, que no contexto de patologia degenerativa
idiopática do joelho esquerdo, associada a desvio axial em varum, foi submetida
a ATJ esquerdo primária, cimentada, com um modelo de conservação do ligamento
cruzado posterior (TC Plus®, Smith & Nephew), sem substituição da rótula. A
evolução no pós-operatório imediato foi favorável. Na consulta de revisão às
seis semanas a doente estava praticamente assintomática e fazia marcha sem
auxiliares com arco de movimento 0 a 100º.
Aos 3 meses pós-operatórios referia dor na face antero-externa do joelho ao
nível da interlinha articular de início gradual e associada ao aumento da
mobilidade. A abordagem terapêutica inicial foi com anti-inflamatórios orais e
tópicos e uma série de tratamentos de Medicina Física e de Reabilitação.
Na reavaliação aos 4 meses, mantinha dor na face externa do joelho, associada
com os movimentos, que agravava com a extensão completa, sendo pouco
significativa em flexão.
Ao exame objetivo, apresentava o joelho não globoso, cicatriz mediana sem
sinais inflamatórios, palpando-se tumefação dolorosa na face externa do joelho,
ao nível da interlinha articular, móvel, que se tornava menos evidente com a
extensão do joelho. Amplitude articular de 0º a 120º, associada a dor na
extensão completa. Não existiam défices neuro-vasculares e as radiografias
evidenciavam bom alinhamento, sem sinais de descelamento ou alterações da
interlinha articular (Figura_1).
Os exames laboratoriais, nomeadamente hemograma, velocidade de sedimentação e
proteína C reativa revelaram valores dentro dos parâmetros da normalidade. Foi
realizada infiltração da tumefação e intra-articular com metilprednisolona.
Na avaliação aos cinco meses pós-operatórios, a doente relata um período
inicial de melhoria parcial com a infiltração, mas temporário, com
recrudescimento ulterior da dor, de características semelhantes. Foi solicitado
exame ecográfico para estudo das partes moles periprotésicas, tendo sido
relatadas características compatíveis com processo fibrótico. Devido à
manutenção do quadro doloroso foi proposta a realização de artroscopia para
tratamento de eventual conflito de partes moles no compartimento externo do
joelho.
A artroscopia articular realizada aos seis meses pós-operatório, confirmou a
hipótese diagnóstica, verificando-se a presença de resquício de menisco externo
na porção antero-externa da articulação (Figura_2_A e B), que se interpunha
entre o côndilo externo do componente artroplástico femoral e o polietileno no
movimento de extensão, sendo o conflito máximo alcançado com a extensão
completa do joelho. O polietileno e os restantes implantes não apresentavam
alterações.
O fragmento meniscal foi removido com a utilização de shaver (Figura_2_C e D),
e realizada lavagem articular.
O pós-operatório decorreu sem intercorrências e na consulta de revisão,
um mês após a artroscopia, aos 7 meses pós ATJ, a doente estava assintomática.
Na última revisão, seis meses após a artroscopia (um ano pós ATJ) a doente
mantinha-se assintomática, com um arco de movimento de 0-130º de flexão, sem
limitação funcional.
DISCUSSÃO
A ATJ é um procedimento cirúrgico de sucesso com resultados ótimos na maioria
dos doentes tratados por osteoartrose primária da articulação do joelho[1].
Contudo, num número pequeno, mas significativo de doentes surgem complicações
no pós-operatório que por vezes se prolongam no tempo, de difícil diagnóstico e
tratamento. As complicações de consequências mais graves, como a infeção, o
descelamento, ou problemas mecânicos associados a mau posicionamento dos
implantes são as causas articulares mais facilmente identificadas. A dor
inexplicável constitui um desafio diagnóstico e fonte de inquietação para o
médico e para o doente. No caso relatado a doente não tinha causa de dor
evidente. Utilizando o algoritmo diagnóstico proposto por Hofmann, Seitlinger e
Djahani[2], permitiu a exclusão de causas mais frequentes e lesivas e a
identificação de dor associada ao movimento de extensão completa do joelho. No
caso relatado, após investigação diagnóstica, a artroscopia do joelho permitiu
a visualização de um resquício de menisco externo que era pinçado entre o
côndilo externo do implante femoral e o polietileno. Uma vez que não existiu um
intervalo livre de dor desde a ATJ, considera-se que o resquício de menisco foi
devido à remoção incompleta do menisco externo durante a ATJ[7].
A artroscopia da cavidade articular protésica apresenta dificuldades técnicas
pela presença de componentes metálicos. Estas são devidas ao reflexo produzido
pelo metal, à perda de referenciais espaciais e ao espaço articular menor que o
habitual. Podem surgir facilmente complicações significativas associadas ao
procedimento como danos nos componentes ou no artroscópio. Como sugestões
técnicas sugere-se a introdução suave dos componentes e recorrer à utilização
de baixa intensidade luminosa.
Os autores consideram que em doentes com ATJ dolorosa, quando foram excluídas
causas mais danosas para a articulação, e na persistência de dor de causa
mecânica deve ser colocada a hipótese de conflito de partes moles. Nestes
casos, a artroscopia do joelho terá indicação como procedimento diagnóstico e
terapêutico, tal como reportado por Barr, Khanduja e Owen[6].