Osteomielite fracturária do úmero tratada com fixador externo de Ilizarov
INTRODUÇÃO
As fracturas diafisárias do úmero representam aproximadamente 1% de todas as
fracturas. Resultam habitualmente de um traumatismo directo sob o membro
superior1,2,3. A avaliação cuidada do doente, com ênfase particular nas doenças
pré existentes é crucial para o correcto tratamento desta lesão.
Na impossibilidade de manter a redução adequada, ou na existência concomitante
de lesão vasculo-nervosa o tratamento cirúrgico é mandatório1,3.
A redução cruenta e osteossíntese com placa está descrita na literatura como
sendo uma técnica exigente, com bons resultados ( mais de 97%) e previsíveis4-
10. Está indicada inclusivamente no tratamento da pseudartrose do úmero. Estão
descritas na literatura taxas de infecção de <1% e de lesão iatrogénica do
nervo radial de cerca de 3%1,9,11.
Clinicamente um atraso de consolidação manifesta-se por: mobilidade junto do
foco de fractura, dor e sinais inflamatórios para além do tempo previsto para a
consolidação dessa fractura. Radiologicamente existe manutenção das linhas de
fractura, esclerose nos topos fracturários e um calo hipertrófico ou
inexistente. Um atraso de consolidação define-se como a persistência de
mobilidade no foco para além do tempo expectável para a consolidação daquela
fractura em particular.
No correcto tratamento de um atraso de consolidação com osteomielite assumem um
papel preponderante, por uma lado, a obtenção de estabilidade para a formação
do calo ósseo, e por outro, o desbridamento exaustivo de todo o tecido
necrosado e infectado, e de todo o material inerte.
CASO CLÍNICO
Doente do sexo masculino, 49 anos, sem antecedentes pessoais relevantes, não
fumador, sofre uma queda de bicicleta durante a sua prática desportiva com
traumatismo directo do membro superior esquerdo.
Recorre ao serviço de urgência onde realiza rx do membro superior (Figura_1).
Diagnosticámos uma fractura oblíqua curta da diáfise do úmero AO: 12 A2, sem
lesão vascular ou nervosa. Imobilizámos o membro com tala gessada braquipalmar
posterior e foram realizados os exames pré operatórios
Optou-se pela redução cruenta e osteossíntese rígida com placa e parafusos,
tendo sido utilizada a via de abordagem posterior. O Rx pós operatório revelava
redução anatómica da fratura, com manutenção do eixo do membro e com aparente
estabilidade (Figura_2).
O período pós operatório imediato decorreu sem intercorrências. Na 6ª semana
pós operatória surgiram os primeiros sinais inflamatórios na ferida cirúrgica e
um exudado seroso, com parâmetros analíticos de infecção negativos (PCR, VS e
leucograma normais). Colhemos amostras para análise bioquímica, cultural
bacteriológica e respectivo antibiograma e iniciamos terapêutica empírica com
Levofloxacina. Esta terapêutica foi posteriormente alterada para Flucoxacilina
dirigida após resultado da bacteriologia ( Staphylococus Aureus ) durante 6
semanas . Radiológicamente não existiam sinais deinfecção
A resposta à antibioterapia foi imediata com desaparecimento dos sinais
inflamatórios. No entanto, passados 2 meses, os sinais inflamatórios locais
reapareceram e sistémicos também (PCR 2,14 ). Imagiologicamente era evidente um
atraso de consolidação e falência de material de osteossíntese (Figura_3).
O doente foi re intervencionado, consistindo a cirurgia em :
-desbridamento da ferida e decorticação do foco de pseudartrose, lavagem
abundamente e remoção do material de osteossíntese
- Osteotaxia com fixador externo de Ilizarov (Figura_4).
Seguimos o doente em consulta, medicado com ranelato de estrôncio e cálcio
orais, sendo a progressão para a consolidação lenta mas sem recidiva .
No rx de controlo após 5 meses era já evidente a presença de algum calo ósseo,
e ao 1 ano pós-operatório este ainda não estava totalmente ossificado (Figura_5
A). Nesta fase, levantamos a dúvida quanto a progressão para pseudartrose.
Optamos por aguardar dada a ausência de queixas do doente, e, ao X mês, devido
a algum movimento associado aos pinos de fixação do fixador, optou-se por
retira-lo. Este procedimento foi realizado em 2 tempos: 1º, com o doente
acordado foi testada a mobilidade no foco, que era ausente, e sintomatologia
dolorosa, que não existia. Em 2º tempo foi então removido o restante material
com o doente sedado (Figura_5_B).
Figura_5
Posteriormente o doente iniciou gradualmente a sua actividade sem esforço.
O doente manteve-se sempre assintomático e aos 2 anos de pós-operatório
apresentava fractura consolidada (Figura_5_C).
DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
O atraso de consolidação e a infecção são, e continuarão a ser, um desafio para
o cirurgião ortopédico, mesmo num indivíduo saudável, não fumador, sem
antecedentes pessoais significativos.
Os princípios gerais do tratamento incluem: limpeza e desbridamento de todo o
tecido infectado e desvitalizado (incluído osso), tratamento adequado do espaço
morto resultante, antibioterapia adequada e estabilização do segmento afectado
com estabilidade suficiente para a ocorrência de consolidação. Pequenos
defeitos de comprimento podem ser aceites no úmero sem compromisso da função.
Um atraso de consolidação no úmero pode e deve tratar-se com a obtenção de uma
construção estável, providenciando ao osso as condições necessárias à obtenção
de calo ósseo.
O risco de tratar um atraso de consolidação com uma cavilha ou uma placa era,
neste caso, excessivo pela presença da infecção concomitante. O material inerte
serve como factor perpetuante da infecção e deve ser removido.
O sucesso do fixador externo de Ilizarov reside na presença de uma série de
factores biológicos e mecânicos com características únicas que utilizam uma
construção estável e dinâmica garantindo o sucesso do tratamento das fracturas
em território infectado12.