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EuPTCVHe1646-21222014000200004

EuPTCVHe1646-21222014000200004

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN1646-2122
Year2014
Issue0002
Article number00004

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Mosaicoplastia do capitato na carpectomia da fileira proximal

INTRODUÇÃO A carpectomia da fileira proximal (CFP) foi descrita em 1994 por Stamm e consiste na remoção da fileira procárpica, dando à articulação radiocárpica novas superfícies de contacto, nomeadamente, entre o capitato e a fossa semilunar do rádio. É aplicada no tratamento do colapso do carpo associado à pseudoartrose do escafóide (SNAC) e dissociação escafolunar (SLAC), doença de Kienböck e lesões periescafolunares. No entanto, as lesões condrais da cabeça do capitado e/ou fossa semilunar tradicionalmente contraindicam a utilização da técnica.

A mosaicoplastia, técnica descrita e utilizada maioritariamente em cirurgia do joelho para tratamento de lesões condrais dos côndilos, é um conceito que tem vindo a ser utilizado para outras superfícies articulares, incluindo o punho.

Perante um defeito condral localizado e contido na superfície articular do capitato, a reparação do mesmo pode permitir um alargamento das indicações da carpectomia da fileira proximal.

CASO CLÍNICO Um paciente de 66 anos de idade, reformado (antigo empregado de escritório), foi avaliado por dor e rigidez do punho direito associado à pseudartrose do escafoide com 20 anos de evolução.

Queixava-se de dor de características mecânicas, quantificável pela Escala Visual Analógica (EVA) em 7 pontos (máximo de 10) e uma limitação severa em todas as atividades que implicassem preensão e carga do punho.

As mobilidades do punho eram 45o de extensão, 40o de flexão e desvios radial e ulnar de 0o e 20o, respetivamente. A força de preensão encontrava-se limitada aos 20 Kg pela dor.

Radiologicamente apresentava uma pseudoartrose do escafóide associado a artrose radioescafoideia e escafocapitato, classificando-se como SNAC III (Figura_1).

Foi proposta uma cirurgia de resgate com decisão intraoperatória entre a CFP ou artrodese 4 esquinas.

Constatou-se, durante a intervenção cirúrgica, a presença de uma lesão condral tipo IV de Outerbridge da cabeça do capitato, ocupando todo o quadrante central, radial e dorsal com área de aproximadamente 5 x 7 mm. A fossa semilunar encontrava-se íntegra (Figura_2).

Procedeu-se à realização da CFP recorrendo a um "resurfacing" condral, pela técnica de mosaicoplastia, com um cilindro osteocondral autólogo do osso semilunar excisado.

O período pós-operatório decorreu sem complicações, tendo sido imobilizado com uma tala gessada durante 2 semanas e substituição por uma ortótese neutra do punho, com a qual permaneceu durante mais 4 semanas. Após esse período, iniciou a mobilização progressiva e início de carga progressiva a partir do momento em que a mobilidade se tornou indolor.

Com um seguimento de 13 meses, apresenta uma EVA de 2 pontos, amplitude de movimento combinado do punho de 60o, força de preensão de 28 kg e retomou as atividades de vida diária sem queixas. Radiologicamente não apresenta sinais de artrose radiocárpica e verificou-se integração do enxerto (Figura_3).

Nota Técnica Sob anestesia geral (podendo ser usada anestesia locorregional) e garrote aplicado no braço, utilizamos uma abordagem longitudinal dorsal alinhada com o 3o raio, sobre o tubérculo de Lister, com aproximadamente 8 cm. Após a dissecção dos planos superficiais com preservação dos ramos sensitivos dorsais, o retináculo é incisado sobre o 3o compartimento extensor, libertando o extensor longo do polegar radialmente. De seguida, é criado o plano sob o 4o e 5o compartimentos extensores, com identificação do nervo interósseo posterior, realizando-se a sua eletrocauterização distal.

A cápsula articular é abordada com um retalho trapezoidal de base radial utilizando como referências o ponto médio entre o tubérculo de Lister e a fossa semilunar, a tuberosidade do piramidal e o intervalo entre o escafoide, trapézio e trapezoidal, conforme preconizado por Berger6,13. O retalho apresenta um ramo proximal justa-radial, um obliquo entre os primeiros dois pontos de referência e um ramo distal transversal entre a tuberosidade do piramidal e o último ponto de referência (Figura_4). Essa abordagem permite a preservação dos ligamentos radiocárpico e intracárpico dorsais, mantendo assim estruturas fundamentais da estabilização do punho6,13.

Realiza-se uma libertação capsuloligamentar tangencial infracapsular, permanecendo o retalho com uma base radial.

Com as articulações radiocárpica e intracárpicas expostas, é realizada a inspeção da fossa semilunar e cabeça do capitato com manobra de tração e flexão do punho.

Realiza-se a exérese sequencial dos polos proximal e distal do escafoide, e do semilunar e piramidal intactos de modo a constituírem a fonte de enxerto osteocondral. Devem ser tomadas precauções para não lesar as estruturas ligamentares volares do carpo.

De seguida, na presença de lesão condral do capitato, deve-se testar o contacto entre a fossa semilunar e o capitato. Na vigência de uma lesão superior a 3 mm de diâmetro na zona de contacto, deve-se proceder ao seu "resurfacing". Nós utilizámos uma régua cirúrgica para as medições, podendo no entanto ser utilizada uma broca de mosaicoplastia.

O cilindro condral é colhido do semilunar ou piramidal com brocas de mosaicoplastia ou através de simples confeção e regularização com pinça goiva.

É realizada uma regularização dos bordos e fundo da lesão com broca, em direção perpendicular à superfície condral (Figura_5). O enxerto é aplicado à mão e com percussão suave de martelo prevenindo a lesão condral do enxerto. De notar que não é necessário que as dimensões do enxerto preencham completamente a superfície da lesão, evitando assim uma lesão da cartilagem periférica do capitato e do próprio enxerto se a sua introdução decorre com uma fricção/ contacto sob grande pressão. Consideram-se toleráveis lacunas até 2 mm (Figuras 6 a 7).

Figura_7

Testa-se a mobilidade da nova articulação radiocarpica. Se existir conflito dorsal ou da estilóide radial, procede-se a ostectomias parciais dessas superfícies. O bordo proximal do retalho capsular é encerrado de forma laxa de modo a evitar contracturas e limitação da flexão. O retináculo é encerrado com a transposição radial do EPL e os restantes planos são encerrados. Não utilizamos drenos.

O punho é imobilizado com tala gessada durante 2 semanas, após o que se utiliza uma ortótese de imobilização em posição neutra.

A mobilização do punho é iniciada às 4 semanas e carga progressiva a partir da oitava semana. Preconizamos uma reabilitação mais tardia que numa CFP clássica devido à necessidade de proteção do enxerto osteocondral.

DISCUSSÃO A técnica de mosaicoplastia do capitato permite o alargamento das indicações de CFP em lesões osteocondrais contidas do capitato, com resultados sobreponíveis à CFP clássica.

Após 13 meses de seguimento, constatamos que a força de preensão melhorou significativamente (actualmente 28kg), com perda de amplitude global, mas ainda com arco de movimento de 60o, e retoma das atividades de vida diária com uma EVA média de 2 pontos.

Desde a descrição da CFP, vários estudos abordaram a biomecânica do punho após a cirurgia. Apesar da concentração de stress no capitato, devido à incongruência entre este e a fossa semilunar4,9, a nova biomecânica estabelecida envolve um duplo movimento de rotação e translação do capitato sobre a fossa semilunar5, mecanismo esse que provoca uma dissipação das forças de stress e é responsável pelo bons resultados funcionais da CFP, que apresenta taxas elevadas de sobrevivência a longo termo1,2,8,11. Esses resultados são semelhantes, mesmo em pacientes com lesões condrais menores que 3 mm de diâmetro11,14. Pacientes entre os 35 e 40 anos de idade foram apontados como fator de mau prognóstico1,8.

Dentro do conceito de "carpe banque" desenvolvido por Fucher e Salon12, a mosaicoplastia do defeito condral do capitato permite o alargamento da indicação da CFP. A longo prazo é expectável, tal como na técnica clássica, o desenvolvimento de artrose radiocárpica, no entanto sem correlação clínico- funcional1,2,8,11.

Embora exista apenas um estudo na literatura em que esta técnica de mosaicoplastia do capitato foi utilizada, com follow-up médio de 25 meses e com 8 pacientes, os autores obtiveram resultados funcionais sobreponíveis aos da CFP clássica5. Neste estudo apontam como contraindicação da técnica a presença de lesões condrais superiores a 10 mm, devido ao risco de fratura do capitato.

Apontamos ainda a presença de lesões quísticas do capitato como uma contraindicação, uma vez que põe em risco a integração do enxerto.

Os pacientes com um semilunar tipo II merecem uma avaliação cuidadosa, uma vez que, tal como descrito na literatura, existe uma maior concentração de stress no capitato7, que acompanhado por uma conformação geométrica de menor diâmetro, pode levar a uma fratura do enxerto e capitato, além do maior potencial de desenvolvimento de artrose radiocárpica sintomática.

É igualmente importante que o enxerto seja aplicado em impactação, uma vez que desta são eliminados os micromovimentos entre o enxerto e o osso nativo, promovendo a cicatrizarão subcondral e diminuindo a reabsorção óssea e a formação de quistos12.

A técnica de mosaicoplastia do capitato demonstra grande potêncial no alargamento das indicações da CFP; no entanto, estudos em populações mais alargadas e seguimentos mais prolongados são necessários para a confirmação dessa hipótese.


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