Cirurgia geral: o fogo de Prometeu
ARTIGO DE OPINIÃO
Cirurgia geral: o fogo de Prometeu*
General surgery: Prometheus fire
H. Bicha Castelo
Correspondência
Conta a Lenda que, na dura luta travada por Júpiter contra os Titãs houve um
que, agindo com astúcia e privilegiando o predomínio da razão, se diferenciou
dos restantes que tinham a força bruta como único argumento substantivo, se
aliou a Júpiter ajudando-o a ganhar batalha.
Esse titã era Prometeu que Júpiter recompensou, levando-o a ser aceite pelos
deuses e a entrar no Olimpo.
Talvez pela sua origem, Prometeu foi generoso para com o género humano, ao
ponto de roubar o fogo do Olimpo para o dar ao Homem.
Controlando o fogo, os Mortais passaram a ser capazes de dominar a natureza,
património exclusivo dos deuses.
Terá sido, eventualmente, aqui que o Homem foi adquirir os genes que integrou
no seu ADN a constante e, muitas vezes, ilimitada ambição para procurar
modificar a natureza, forçando a sua adaptação para a controlar e dela obter o
máximo proveito.
O CONHECIMENTO É O INSTRUMENTO DE QUE O HOMEM DE HOJE SE SERVE PARA ATINGIR
ESTE OBJECTIVO
Conhecimentoindispensável à Cirurgia e ao Homem que a praticapara quem, no
dizer de René Leriche, la Chirurgie c´est la Discipline de la Connaissence et
un Art.
A propósito de Arte e domínio da natureza, recordo Miguel Ângelo que, não
criando o már- more, dizia que apenas retirava o excesso, para libertar o que
estava Prisioneiro nos blocos que ia alisando, ideia não muito diferente da de
Paul Valéry quando diz que o Cirurgião deve ser suave e elegante como uma ave,
mas não como uma pena que não sabe onde vai cair.
Miguel Ângelo, não podendo criar nem alterar a essência da natureza,
modificava-a, adaptando-a para melhor a modelar e tornar mais bela.
Porém, por mais variadas, diversas e múltiplas que sejam as alterações que
tenha conseguido introduzir na Natureza, jamais o Homem a poderá governar e,
muito menos, dominar.
Continuando a Lenda, Jupiter decidiu castigar Prometeu, mandando que fosse
preso a um rochedo para que uma águia lhe devorasse o fígado.
Durante a noite o fígado crescia, para tudo se recompor e continuar.
Sabemos que é verdade que o fígado regenera e cresce, mesmo após grandes
hepatectomias, sendo igualmente verdade que a Cirurgia Geral, e por inerência
os seus Cirurgiões, não são hoje o que eram há anos atrás.
Não estou a pensar em Jean-Louis Faure quando, em 1925, diziaque " … la
chirurgie a été porté à un degré qu´elle ne dépassera plus …porque… tout ce qui
était anatomiquement possible de faire sur le corps de l´Homme vivant, a été
fait…".
Esta era a verdade no período final da Era Anatómica do Siècle d´Or de la
Chirurgie.
Muito rapidamente tudo mudou quando, logo em 1936, René Leriche inaugurou a Era
da Cirurgia Fisiológica e mudou o paradigma para o que ainda vivemos,
naturalmente que agora modelado pelo Saber, cinzelado pela biologia
molecularetemperado pela eficiência das novas tecnologias.
A lenda e o facto, servem-me de nota introdutória ao que entendi dizer-vos
hoje, a propósito da Cirurgia Geral, cujo Conceito, Perspectivas e Futuro é
tema central de continuado, repetido e actual, motivo de reflexão.
Permitam-me que realce duas notas.
A primeira para, com profunda gratificação, salientar que, mau grado as nossas
grandes fragilidades organizacionais, a Cirurgia Portuguesa está, por direito
próprio, na 1ª linha do panorama cirúrgico internacional.
A segunda, para salientar que as constrições com que, universalmente, nos
confrontamos nestes domínios, são recentes de apenas três décadas.
De facto, foi apenas no início da passada década de 90 que o conhecimento e a
técnica começaram a fazer sentir a necessidade de reflexão para encontrar
objectivos e decisões que a dimensão específica e modo de exercício adequado da
Cirurgia Geral aconselhavam e deveriam impor.
Logo em 1991, em Editorial do British Journal of Surgery, James Johnson chamava
a atenção para a Specialization in General Surgery,concluindo que a Cirurgia
Geral tinha Futuro, mas o Futuro dependia de Especialização e de Sub-
Especializações.
E em 1999, Johanes Jeekel, numa excelentePresidential Adress publicada no
Annals of Surgery, chamava a atenção para os Crucial Times for General Surgery
que, se estavam a viver e a impor séria reflexa sobre desenvolvimento e futuro.
Contudo, aqueles tempos foram cruciais porque, abrindo a Caixa de Pandora,
iniciaram um longo período de reflexão que, ainda não terminado, permitiu
perspectivar a qualidade das questões que estão na base do problema.
Mais que um efectivo choque de divergências, o que estava subjacente na
aparente conflitualidade das preocupações veiculadas por ambas os Autores é a
natural diferenciação de inter-acções entre Essências, da Disciplina enquanto
Ciência, e a do Cirurgião, enquanto cultor do ofício.
Passou a defender-se que, ao contrário de gerais, os procedimentos deveriam
passar a ser cada vez mais específicos e diferenciados.
Assim, foram James Johnson e Johanes Jeekel que inauguraram a era política da
concertação estratégica que, dissecando o núcleo, escalpelizou a anunciada
extinçãoda Cirurgia Geral, mudando o centro do problema para o da
Diferenciação, cumprida através de Áreas Dedicadas e de Intervenção
Específica,ou seja, da Sub-Especialização,ao mesmo tempo que efectivava a
importância da Especialidade Mãe.
Com marcado impacto nos EUA, a controvérsia do problema assume expressão
universal e particular ênfase na Europa, face às diferenciadas atitudes
próprias das raízes culturais de cada País e Sociedade. Objectivo a diferença
com dois exemplos clássicos e bem elucidativos da questão: a excelência do
Modelo Francês,por assentar nasedimentação da evolução natural da cultura
dacompetênciae noméritodo desempenho e a Área da Cirurgia Vascular,
Especialidade autónoma em Portugal e que no Reino Unido persiste no âmbito da
clássica Cirurgia Geral.
Dir-se-á que o problema de hoje é o vivido há cerca de meio século com o
nascimento e autonomia das, hoje inquestionáveis, Especialidade Cirúrgicas, de
que, como exemplo, não referirei mais que a Urologia ou a Ortopedia.
Todavia, a evidente similitude quanto aos princípios esconde a enorme diferença
quanto aatitudes e consequências.
Interessante e a justificar um minuto da nossa atenção, é o modo inteligente e
pragmático como as Instituições Americanas têm vindo a equacionar o problema.
O American College of Surgeons considera a Cirurgia Geral como o core nuclear
das Disciplinas Cirúrgicas e o Cirurgião Geral … as a General
SurgicalSpecialistengaged in theComprehensivecare of Surgical Patients …,
colocando grande ênfase no Specialiste no Comprehensive.
O American Board of Surgery vai mais longe e define Cirurgia Geral como o core
central do conhecimento,atribuindo ao Cirurgião Geral a responsabilidade de ser
Especialista num extensíssimo conjunto de Áreas, elencadas à moda de Índice de
um Livro de Texto de Patologia Cirúrgica.
Face a esta enorme Área de Conhecimento que, em volume e qualidade, aumenta a
ritmos vertiginosos, começou a ser evidente a perda de interesse e motivação
pela Cirurgia Geral, com muitos Cirurgiões, particularmente os mais jovens, a
decidir optar, logo à Saída do Internato, por Sub-Especializações, na procura,
dos referidos procedimentos mais restritos e diferenciadose, por isso, mais
conceituados e remunerados.
Entre outras são apontadas como causas para esta desmotivação e consequente
desinteresse o volume de trabalho e a vastidão do âmbito técnico e científico
que é próprio da Especialidade.
O volume de trabalho tem inerente o muito pesado período de formação,
particularmente o elevado esgotamento físico imposto pelos longos e repetidos
períodos de trabalho nocturno.
A tudo isto associaram-se as inevitáveis repercussões sobre a Qualidade de
Vida, pessoal e familiar, agravada, diria que naturalmente, com a feminização
da cirurgia.
Penso que esta questão da feminização da cirurgia não é alheia a esta situação
e gostaria de deixar uma nota pessoal a este propósito. Sendo que as mulheres
já constituem a maioria dos estudantes de Medicina, no mundo em geral e também
em Portugal, a feminização da cirurgia é um facto com data marcada. Será
importante perceber que assim será porque a cirurgia, de então, passará a ser
diferente. Necessariamente diferente, direi. Não sei em que sentido, espero que
para melhor, mas tenho a certeza que essa Cirurgia será diferentee que este
facto pesará muito na evolução e desenvolvimento de modelos, programas e formas
de pensar e fazer a cirurgia.
Igualmente importante é o muito vasto âmbito técnico e científico que o
desenvolvimento do Saber e das Tecnologias têm vindo a trazer para a nossa
prática clínica. Também este facto tem feito com que muitos potenciais
candidatos, pondo em causa as suas próprias capacidades e competências para
tudo abarcar com qualidade, se tenham vindo a afastar da Cirurgia Geral.
Por outro lado e não sem menor peso na decisão, todos estes aspectos são,
negativamente, potenciados e agravados pela diminuição do prestígio social,
profissional e remuneratório de que a Especialidade Mãe tem vindo a sofrer face
às Especialidades Cirúrgicas Filhas.
A dimensão da situação tornou-se objectivamente preocupante quando nos finais
dos anos 90, o Mapa de Vagas dos Internatos dos Grandes Hospitais
Universitários de Nova Iorque, Londres e Paris começaram a ser, não só
parcialmente preenchidos como o eram por Candidatos colocados progressivamente
mais abaixo no ranking de acesso.
A redução do número de Cirurgiões Gerais é significativa e ilustrada de forma
muito clara pela situação Americana, onde a Cirurgia Geral passou de 1ª opção
de 12,1% dos Internos em 1981, para apenas 6% em 2001, ou seja, uma redução de
50% em apenas em 20 anos.
Em Portugal, a situação é, em meu entendimento, mais delicada porque a formação
diferenciada nas várias Especialidades Cirúrgicas não passa pelo cumprimento,
diria que elementar, da Formação Nuclear completa do Internato de Cirurgia
Geral, mas sim por acesso próprios e períodos específicos de formação
limitativamente diferenciada.
Dir-se-á, contudo, que esta evolução, conceptual e metodológica, para a Sub-
Especialização, tendo causas complexas e multifactoriais, é consequência da
elementar interacção relacional entredireitos e deveres.
Direitos dos Doentes, a poderem beneficiar do melhor e mais avançado que a
ciência e as tecnologias lhes podem oferecer, e Deveres dos Cirurgiõespara, com
um robusto património técnico e científico, serem aptos e competentes para lhes
oferecer essa mesma qualidade.
Os doentes reclamam e o Sistema deve favorecer o acesso aCentros
Especializados,ondeEquipas Dedicadaspoderão oferecer melhores resultados em
áreas específicas, com menores índices de complicações, mais curtos períodos de
internamento e melhores índices de sobrevivência.
Contudo, como sempre acontece em todas as circunstâncias da Vida, não há
estratégias de mudança que, no âmbito dosprincípios, objectivos e resultados,
por muito fortes que sejam as suas potencialidades, estejam imunes a críticas,
limitações e inconvenientes.
Começando pelos CentrosEspecializados e de Referência direi que as vantagens da
sua criação são claras face às enormes potencialidades que advêm:
· Do favorecimento da eficiência e competências profissionais, positivo face à
explosão de conhecimento, técnicas e desenvolvimentos tecnológicos.
· Da limitação do número de procedimentos cirúrgicos efectuados por cada
Cirurgião que, contribuindo para o aumentado case-flow individual, reforçará
competências e excelência de resultados.
· Optimização da organização.
· E, consequência última dessa melhor eficiência e qualidade da resposta, o
aumentoorientado de procura pela Sociedade.
O terceiro destes pontos refere, justamente, a organização, questão nuclear da
qualidade e desenvolvimento do sistema administrativo do nosso País.
Disse o ano passado, neste lugar e condição, e reafirmo agora que, entre as
três Áreas qualificadoras da dimensão Social do Estado, é a Saúde que pode ser
apresentada como definidora da nossa diferenciação, em qualidade e eficiência,
técnica e científica.
Registe-se que insisto na qualidade e eficiênciae não me refiro a organização.
Criticamos o SNS porque é a nossa área, porque o conhecemos bem e porque
sabemos que poderíamos fazer mais e melhor.
Contudo, comparando-o com a Educação e, sobretudo, com a Justiça é inequívoco e
consensual que a nossa qualidade e eficiência é, na generalidade dos
parâmetros, um projecto de sucessoencontrando-se, em todos os campos de
análise, a grande distância dos anteriores.
É clássico dizer-se que o nosso problema é Organização. É-o, de facto, tanto em
substância como quanto ao modo de execução e ao rigor de regulação do modelo,
dos seus níveis e mecanismos de coordenação e controlo dos diferentes patamares
de decisão.
Não temo ser contraditado quando afirmo, numa construtiva atitude positiva que,
na generalidade do Sistema e Serviço Nacional de Saúde, a qualidade Técnica é
superior à da Gestão.
Mas se o Futuro da Cirurgia Geral depende de Especialização,a questão lógica
que se impõe é a de saber qual Especialização ?
É uma questão fulcral porque, o que numa análise simplista parece não
constituir mais que uma mera perspectiva retórica de um problema de resposta
imediata com base num exercício de elementar bom senso, transforma-se num tema
complexo e delicado quando se desce ao terreno da sua aplicabilidade concreta.
E, nesta dimensão, o que esse exercício evidencia é a delicadeza do problema
que, sendo complexo e não isento controvérsias, se não for correctamente
ponderado poderá vir a assumir dimensões gravosas em duas áreas críticas: na
Assistência de Proximidade e na Urgência.
Compreende-se que o problema não possa ser antigo, porque o que está
nuclearmente subjacente à questão são os níveis dos patamares do Conhecimento e
dos Saberes, com as suas complexidades que regulam, no porque e no como, o
Fazer, assim como as Tecnologias que, com as suas muito recentes explosões em
vários e diversos âmbitos, têm marcantes implicações em todas estas vertentes.
Então como compatibilizar interesses, dos profissionais e das Sociedades, e
recursos, humanos e financeiros, sendo inquestionável que a base do problema é
a qualidade ?
Procurando a resposta concreta à equação enunciada impõe-se regressar ao
problema base e procurara esclarecer se aCirurgia Geraldeverá ser entendida,
apenas, como uma Especialidade Formadora, ou deverá persistir na sua dimensão
plena de Especialidadeefectiva daPrática Clínica?
Que a Cirurgia Geral deve permanecer como onúcleo formador do core da arte
cirúrgica é uma decisão universal, consensualmente contextualizada pelo College
e pelo Board Americanos, poderemos admitir que estamos a falar de
Especialização enquanto Área Formadora.
E, se essas mesmas Instituições, defendem que a Cirurgia Electiva deve ser
assumida por Grupos Dedicados e Diferenciadas, organizadas em Sub-
Especialidades, ficando a restante actividade cirúrgica, quer na Urgência quer
nos County Hospitals, a cargo dos chamados General Surgery Specialists, não é
já de Especialização enquanto Área Clínica que falamos?
A resposta não é simples, porque estes General Surgery Specialists,estão aptos
a abordar com eficaz competência, a generalidade das patologias mais comuns,
tanto na perspectiva diagnóstica como terapêutica, justificando o enfâse que o
American Board coloca no que define por Specialists e Com- prehensive.
É crescente a convicção de que a Especialização de Áreas Dedicadas melhora a
qualidade da prestação de cuidados.
Mas, qual será o impacto que uma decisão deste tipo, assumida de forma
intempestiva, absoluta e administrativa, mais que clínica, terá no todo
comprehensive da Cirurgia Geral?
A ser assim, nada mais restará que a fragmentaçãoda prática cirúrgica em campos
com fronteiras tão rígidasque, só por si, anulam a tão procurada qualificação.
De facto, a qualidade só será consistente quando traduzir a soma cooperativa e
integradora das partes e nunca da emergência isolada de uma, mesmo que de
excepção, em desfavor das restantes, ou, da gestão isolada de cada uma.
Apenas uma estratégia, clínica e organizativa, efectivamente integradora das
mais-valias acumuladas por cada uma das áreas dedicadas poderá trazer a
qualidade, a diferenciação e a referência que todos pretendemos e procuramos.
Regressando ao núcleo da questão, importa que se reflicta nas consequências que
esta, eventual,pulverização da Cirurgia Geral poderá ter nos Serviços Centrais
e, sobretudo nos Hospitais de Proximidade e na Urgência?
Com a expectável evolução demográfica das Sociedades, está por conhecer as
consequências que esta redução, em número e volume de trabalho, terá para
aqualidade diária dos Cirurgiões Gerais, não sendo poucas nem debaixo peso, as
vozes que temem algo de desagradável.
Contudo, atendendo a que esta parece começar a ser uma decisão universal, os
Crucial Times que vivemos neste domínio, não me parecem deixar lugar a muitas
alternativas.
É minha convicção que, com os cuidados antes enunciados, nos Hospitais
Centrais, nomeadamente Académicos, a dedicação diferenciadora não pode deixar
de ser a norma aplicada com particular atenção e cuidado.
Será de fácil conclusão que o seu cumprimento rigidamente imposto poderá ser
particularmente negativo, face aos eventuais conflitos próprios da Componente
Física do Homem não ser, muitas vezes, compatível com o tratamento por secções
e, sobretudo, porque os limites das patologias não serem compagináveis com
linhas de fronteira politicamente definidas.
Pelas prementes decisões que nos são impostas sobre Metodologias Funcionais e
de Organização, são cruciais os tempos que vivemos até porque é nosso dever não
permitir que as decisões não sejam clínicas, técnicas e científicas, além de
temperadas pelo mais elementarbom senso.
A SITUAÇÃO MAIS DELICADA SERÁ NA RESPOSTA À URGÊNCIA
Aqui, ou nos preparamos no sentido de seguir uma estratégia tipo General
Surgical Specialists, ou é possível que, num futuro não muito longínquo, venham
a ser os Cirurgiões Super-Especializados a exercer, na Urgência, a mesma
actividade dos actuais Cirurgiões Generalistas, agora ditos Indiferenciados.
No primeiro caso, impõe-se que não percamos tempo a desenvolver Programas
Específicos de Formação em Cirurgia de Emergência, necessariamente não apenas
Traumatológica, enquanto a delicadeza das consequênciasda segunda situaçãonão
parecem difíceis de antever.
O problema tem sido profundamente estudado no Reino Unido e muito bem
caracterizado pelo estudo liderado pelo Grupo do Queen Alexandra Hospital, de
Portsmouth.
Mostra esse estudo que os casos complexos, a exigirem intervenções imediatas em
horas incómodas, por Cirurgiões Especialistas de Orgão são, em média 56 por
ano, correspondendo a 1 caso por semana. Concluem que estas casos impõem a
necessidade de serem encontradas soluções pontuais para cada Região, sendo
necessária uma formação específica mais prolongada e profunda para os General
Surgery Specialists de Áreas Geográficas onde estes casos sejam muito mais
frequentes.
A Resposta à Assistência de Proximidadeserá, em meu entendimento, mais simples
porque dependerá apenas da Definição de uma Carta Hospitalar Portuguesa bem
pensada e adequada às Regiões, bem fundamentada em termos de Áreas de
Intervenção e funcionalmente bem integrada numa adequada Rede Nacional de
Referenciação.
Disse há um ano, nesta mesma condição e local, que urge caracterizar
Capacidades e Competências, Técnicas e Institucionais.
Reafirmo hoje que, esse rigor objectivo de análise não pode deixar de passar
por Processos de Acreditação, cumpridos através de Auditorias, necessariamente
Internas mas fundamentalmente, Externas que Acreditarão as Instituições e
Recertificarão os Cirurgiões,para Áreas Específicas de actividade clínica.
É inquestionável que a Cirurgia Geral não pode deixar de continuar a ser o
berço educacional e a guardiã da aprendizagem, investigação e assistência
clínica na nossa Área de Conhecimento e, assim, manter-se como Especialidade
enquanto Área Formadora. Todavia, é meu entendimento que, acautelando os
reparos, preocupaçãoes e estratégias anteriormente expressas, as capacidades e
competências da Cirurgia Geral enquanto Especialidade Assistencial, se não
reforçada, não poderá deixar de ser adequada e convenientemente valorizada.
Na génese destes problemas estão as actuais circunstâncias, de conhecimento,
desenvolvimento técnico e tecnológico, impõem uma profunda e realista atenção
ao repensar dos tempos e modos da formação continuada em Cirurgia.
Em diferentes Inquéritos efectuados, tanto nos EUA como no UK, os Internos
referem que o período de Internato é insuficiente para que adquiram experiência
bastante que lhes permita considerarem-se como Cirurgiões autónomos.
Tenho para mim,que as actuais 32 horas de trabalho semanal são claramente
insuficientes, para permitirem a exposição a situações clínicas muito
diversificadas e adequados tempos de formação técnica e treino, nomeadamente em
Bloco Operatório.
Entre as soluções em equação, encontramos a defesa do alargamento do período de
Formação, difícil, face aos actuais 6 anos de Internato, e a do treino em
Realidade Virtual com base em simulação computorizadaque, com provas seguras de
eficiência há muito comprovadas no mundo da aviação, poderá vir a suprir, com
grande eficácia, aquelas limitações.
A importância e delicadeza da situação impõe-nos que todos, Tutelas apoiadas
nas Sociedades Científicas, sejamos capazes de saber encontrar soluções válidas
para estas aparentemente inconciliáveis situações.
Maior diferenciação técnica e científica, bem avaliadas e auditadas,
favorecedoras da afirmação reconhecida de Centros Diferenciados e de Referência
em Áreas Especificas e, sobretudo, todos com competência bastante para
responder, com qualidade e segurança, aos nossos concidadãos tanto em Ambientes
Centrais, como de Proximidade e de Urgência, é condição para que todos, Tutelas
e Sociedades Científicas, temos de saber encontrar adequadas soluções.
Voltando às simbologias iniciais, direi que éeste bloco ainda disforme, denso e
pétreo, que teremos que ser capazes de polir paralibertar um Modelo
Organizacional que reformule o Sistema, reforce a capacidade intrínseca do
Serviço Nacional de Saúde, de modo a queos comuns dos Cirurgiõespossam receber
o Fogo que lhes restitua a motivação, capacidade e competência para bem poder
responder aos desafios que a Saúde dos nossos concidadãos nos impõem no dia-a-
dia.
Podem V. Exas., Senhor Director Geral da Saúde, pedindo-lhe que desta nota dê
devida informação ao Senhor Ministro e Senhor Bastonário da Ordem dos Médicos
contar com a total motivação, empenho e interesse da Sociedade Portuguesa de
Cirurgia para dar corpo a esta tarefa que o País nos exige.
Uma palavra última de cumprimentos muito efusivos aos Cirurgiões Portugueses,
registando com muito agrado a participação empenhada de todos os Serviços e
Centros Hospitalares no nosso XXXII Congresso Nacional de Cirurgia,
reconhecendo o trabalho desenvolvido e expresso através de Comunicações Orais,
Vídeos e Posters, que este ano ilustrando a nossa actividade global superam, em
número, todos os anteriores.
Correspondência
HENRIQUE BICHA CASTELO
henriquecastelo@sapo.pt
Data de recepção do artigo:
27/06/12
* Alocução do Presidente SPC. Sessão Abertura XXXII Congresso Nacional de
Cirurgia, 6 de Março de 2012.