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EuPTCVHe1646-69182012000300008

EuPTCVHe1646-69182012000300008

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN1646-6918
Year2012
Issue0003
Article number00008

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Tumor Pseudopapilar do Pâncreas: relato de um caso

INTRODUÇÃO Os tumores sólidos pseudopapilares do pâncreas (SPT) são uma entidade internacionalmente aceite desde a revisão da classificação da OMS em 1996. São tumores raros, representando cerca 1-2% de todos os tumores primários de pâncreas. Podem igualmente ser classificados como neoplasia papilar cística, tumor sólido-cístico ou tumor de Gruber-Frantz.

A maioria destes tumores afecta mulheres jovens, na segunda ou terceira década, sendo raramente observados em crianças.

O quadro clínico mais comum é caracterizado por massa/tumefação abdominal palpável e dor abdominal inespecífica.

O diagnóstico do SPT assenta em elementos de ordem clínica e nos exames de imagem, tais como ecografia, TC, RMN, colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE), ecoendoscopia (EUS) e, em alguns casos, a biópsia guiada por ecoendoscopia (EUS-FNA). [1,3,5] O tratamento de eleição, na maioria dos casos, consiste na abordagem cirúrgica: pancreatectomia distal ou duodenopancreatectomia, para lesões proximais, por via laparoscópica ou laparotómica. Esses tumores têm um baixo potencial maligno e seu prognóstico é muito bom ao contrário de outros tumores do pâncreas.

CASO CLÍNICO Doente do sexo feminino, 47 anos, referenciada ao serviço de urgência em Maio de 2010 por apresentar dor abdominal epigástrica constante, com 15 dias de evolução, associada a anorexia e naúseas. A palpação abdominal não revelava massas palpáveis. Tinha recorrido ao seu médico assistente que solicitou ecografia abdominal onde foi documentada: "...Na região ventral do corpo do pâncreas, denota-se formação cística com cerca de 3 cm". Antecedentes pessoais de obesidade, histerectomia 4 meses (leiomiomas) e cesariana.

Na admissão de urgência efectuou estudo analitíco que não revelou quaisquer alterações. A TC abdominal revelou: "no corpo do pâncreas uma volumosa formação de aspecto cístico, com 9,5 X 4 X 5 cm. Apresenta-se como uma formação ligeiramente lobulada, heterogénea, com áreas fluídas de baixa densidade e outras mais densas; sem calcificações - massa cística de aspecto complexo".

Orientada para consulta de Cirurgia com persistência da sintomatologia tendo complementado o estudo diagnóstico com RMN abdominal onde se constatou: "volumosa formação nodular no parênquima pancreático, com 94 mm de maior diâmetro, localizada entre a cauda e o corpo, com áreas sólidas e líquidas no seu interior, a ponderar-se o estudo cito-histológico." (Figura_1).

Perante os aspectos imagiológicos acima mencionados, a doente foi proposta para tratamento cirúrgico. Submetida a pancreactectomia corpo-caudal com esplenectomia total em bloco por via laparotómica. Admitida na Unidade de Cuidados Intensivos no pós-operatório imediato (em virtude da agressividade cirúrgica) com alta desta unidade no dia. Evolução favorável durante o internamento com alta hospitalar ao dia pós-operatório sem registo de intercorrências. O exame histopatológico revelou "segmento pancreático corpo-caudal com 12cm, identificando-se na região mais proximal neoformação com 10cm de diâmetro, centralmente cavitada, com áreas sólidas na periferia e hemorrágicas, correspondendo a tumor sólido pseudopapilar do pâncreas, microscopicamente e limitadamente infiltrativo, sem outros critérios de malignidade. Exérese cirúrgica completa com positividade na imunohistoquímica para citoqueratinas AE1/AE3 e 8/18, vimentina, NSE e receptores de progesterona. (Figura_2).

DISCUSSÃO Em virtude do aumento da utilização dos meios auxiliares de imagem, a maioria das lesões císticas pancreáticas constituem achados incidentais (incidentalomas). [3] As lesões císticas do pâncreas podem ser congénitas, inflamatórias ou neoplásicas. Cerca de 90% das lesões neoplásicas englobam as neoplasias císticas serosas ou mucinosas. Os restantes 10% correspondem a outras lesões como SPT, tumor neuroendócrino, cistadenocarcinoma seroso e linfangioma. [1,3] O SPT é um tumor raro que afecta principalmente mulheres jovens. São tumores de crescimento lento, com comportamento indolente como se retratou no nosso caso.

Estes tumores estão normalmente localizados no corpo e cauda do pâncreas. A maioria atinge dimensões consideráveis, em média 6-7cm, altura em que manifestam sintomatologia, tal como dor abdominal (47%) e massa palpável (35%).

Inicialmente surgem como massas sólidas nas quais existem diminutos vasos que vão sofrendo alterações degenerativas na região mais distal, permanecendo proximalmente intactos, daí advindo o padrão pseudopapilar e espaços quísticos, tal como no caso.

O diagnóstico assenta nas manifestações clínicas e nos meios auxiliares de diagnóstico, como ecografia, TC, RMN, CPRE, EUS e, em alguns casos, a biópsia guiada por ecoendoscopia (EUS-FNA). [1,3,5] Na TC, os SPT surgem como lesões hipodensas, cuja parede fibrosa que se demarca do pâncreas normal circundante.

Estas lesões têm baixo potencial maligno. Muito embora os achados imagiológicos sejam suficientes para prosseguir para a abordagem cirúrgica, opta-se por realizar, em alguns casos, a EUS-FNA. Esta pode possibilitar o diagnóstico pré- operatório e auxiliar na via de abordagem cirúrgica a utilizar. Não obstante a essas vantagens, a taxa de falsos negativos na EUS-FNA é elevada devido à escassez da amostra celular, na maioria dos cistos, ou da sua diluição, como resultado da comunicação com os ductos pancreáticos. [1] Quando existe suspeita de malignidade localizada no corpo do pâncreas ou cauda, passível de cirurgia, a EUS-FNA não está recomendada. No caso clínico apresentado, optou-se por não efectuar EUS-FNA previamente à cirurgia. A análise bioquímica do líquido cístico muitas vezes é mais útil do que a análise citológica: doseamento de mucina, amilase e antigénio carcinoembrionário (CEA: o melhor teste para diferenciação de neoplasias serosas e mucinosas, elevado nas últimas).

Os "guidelines" vigentes preconizam o follow-up clínico e imagiológico (semestral ou anual) para os incidentalomas assintomáticos inferiores a 3 cm em virtude do baixo risco de malignidade oculta (3,3%). No entanto, a cirurgia é recomendada para uma lesão cística > 3cm, associada a um componente sólido num doente sintomático, ou se esta apresenta natureza mucinosa (consideradas pré-malignas). A abordagem cirúrgica também é preconizada se surgem sintomas ou se o cisto mostra um aumento progressivo no tamanho. [1,2,3] No caso apresentado optou-se pela pancreatectomia corpo-caudal com esplenectomia total em bloco dado o tamanho da lesão e sua localização.

Frequentemente nos tumores de maiores dimensões podem visualizar-se extensas áreas de necrose sendo que o tecido pancreático preservado pode ser encontrado na periferia do tumor, abaixo da cápsula fibrosa. Apresenta um padrão sólido monomórfico com esclerose sendo que centralmente se denota um padrão pseudopapilar.

A invasão vascular e perineural, o padrão de crescimento difuso, a necrose tumoral extensa, a atipia nuclear significativa e a alta taxa mitótica da peça cirúrgica são critérios de malignidade, salientando-se nesses casos a vantagem da abordagem multidisciplinar e o papel do tratamento adjuvante ou paliativo (doentes R1).

Os marcadores imunohistoquímicos preconizados como consistentemente positivos para o SPT são a a1-antitripsina, a1-antiquimotripsina, enolase específica dos neurónios (NSE), vimentina e receptores de progesterona. As citoqueratinas são detectadas em 30-70% dos casos. Tais achados poderiam inferir que o SPT tem origem nas células epiteliais primitivas do pâncreas, com predomínio de características exócrinas, mas com persistência da capacidade de dualidade de diferenciação (endócrina e exócrina). A presença de receptores de progesterona e predomínio no sexo feminino prende-se com o facto de ser um tumor hormono- dependente. A lesão descrita no nosso caso revelou microscopia e imunohistoquímica compatíveis com SPT sem cumprir critérios de maligni-dade.

Muito embora a morbi-mortalidade possa ser baixa em alguns centros, frequentemente as ressecções pancreáticas estão associadas a várias complicações. A taxa de complicação varia de 30% a 40% na maioria dos estudos.

Dentre as mais frequentes desta-cam-se a fístula pancreática, infecção da ferida e hérnia incisional. A taxa de mortalidade é de 2% a 5%. [1,2,4] Apesar do SPT ser localmente invasivo, raramente é metastático. O prognóstico é excelente, com uma taxa de cura de quase 100% os casos não metastizados. A sobrevida é longa, mesmo nos casos de doença avançada, em virtude do tratamento oncológico adjuvante e da abordagem multidisciplinar. [5] Conclui-se portanto que o SPT do pâncreas é um tumor raro, com predomínio em mulheres jovens sendo de crucial importância o seu diagnóstico. Muito embora a ressecção cirúrgica possa ser curativa, a incapacidade de diagnosticar atempadamente estes tumores pode atrasar o tratamento adequado, aumentando assim a morbimortalidade.


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