Invaginação Intestinal por Metástases de Melanoma: a propósito de um caso
clínico
INTRODUÇÃO
O melanoma maligno é a fonte extra-abdominal mais frequente de metastização do
intestino delgado, com incidências que variam entre 35% - 50% [1].
Corresponde a 1-3% das lesões malignas do sistema gastrointestinal. É uma
patologia primariamente cutânea que tem a capacidade de metastizar localmente,
por invasão directa, ou para os gânglios linfáticos regionais. De grande
importância é o impacto das metástases à distância que têm sido relatadas no
fígado, ovários, útero e meninges. A metastização do melanoma maligno cutâneo
para o intestino delgado é comum (2-5%). O melanoma maligno é a causa mais
frequente de metastização gastrointestinal, sendo que o intestino delgado é o
órgão mais frequentemente atingido (50%), seguido pelo cólon (32%) [2].
Embora a metastização para o intestino delgado seja comum, só recentemente têm
sido relatados casos na literatura. Isto deve-se provavelmente ao facto de ser
uma situação frequentemente assintomática e apenas 1-4% dos casos serem
diagnosticados antes da morte.
O intervalo de tempo entre o diagnóstico da lesão primária e a presença de
metástases gastrointestinais pode variar entre dois a 180 meses [2].
Quando presentes, os sintomas geralmente são vagos e inespecíficos. A anemia é
detectada em 70% dos casos e a hemorragia digestiva alta está presente em 50%
dos doentes. Estes queixam-se mais frequentemente de náuseas e vómitos (41%),
dor abdominal (60%), perda ponderal ou podem apresentar oclusão intestinal
(47%) ou hemorragia digestiva (30%) [2]. A oclusão intestinal é tipicamente
secundária a invaginação jejunal ou ileal, no entanto a invaginação ileo-ileal
é uma entidade rara, com poucos casos relatados. Apesar dos casos de melanoma
maligno do intestino delgado com apresentação inicial de oclusão intestinal
fulminante, existem alguns casos publicados com sintomas intermitentes. Sinais
e sintomas de apendicite aguda e malabsorção e enteropatia perdedora de
proteínas também podem estar presentes. Uma massa abdominal pode ser
identificada em apenas 10% dos doentes.
Os doentes com história prévia de excisão de melanoma cutâneo e com
sintomatologia abdominal sugestiva de patologia neoplásica devem ser
investigados através de exames imagiológicos, endoscópicos e eventualmente
laparotomia/laparoscopia exploradora.
Embora o melanoma seja primariamente uma lesão cutânea, em 10% dos casos pode
haver uma fonte não cutânea (cavidade nasal, cornetos nasais, seios peri-
nasais, retina, ânus e leito subungueal). O conhecimento destas fontes não
cutâneas de melanoma é importante quando não existe uma lesão primária cutânea
evidente.
Ainda existe muita controvérsia sobre a classificação de melanoma primário do
intestino delgado, embora existam alguns casos raros descritos na literatura.
Existem alguns critérios de diagnóstico de melanoma do intestino, como por
exemplo os descritos por Blecker et al.: ausência de melanoma ou lesão
melanocítica atípica cutânea prévia ou concomitante, ausência de envolvimento
de outros órgãos e alterações in situdo epitélio gastrointestinal adjacente
[3].
No caso apresentado havia história prévia de excisão de melanoma cutâneo, bem
como lesões em outros órgãos.
A metastização do melanoma maligno para as supra-renais é bastante frequente,
podendo ocorrer em 50% dos casos [4]. A maioria das metástases de melanoma para
as supra-renais são clinicamente e analiticamente silenciosas, muitas vezes
apenas diagnosticadas por tomografia computarizada.
CASO CLÍNICO
Os autores apresentam o caso de uma doente do sexo feminino, 47 anos de idade,
raça caucasiana, natural e residente em Câmara de Lobos (Região Autónoma da
Madeira) com antecedentes de excisão de melanoma da face anterior da perna
esquerda em 2007 (Grau III de Clark, Grau IV de Breslow, e estádio IIB pelo
sistema TNM: T3bN0M0), seguida desde então na consulta de Dermatologia.
Apresentava anemia e hematoquésias em estudo há um mês, tendo efectuado
endoscopia digestiva alta e colonoscopia em 28/4/2011. A colonoscopia revelou
"dois elementos taciformes com conteúdo negro, sangrativos ao toque, um
ao nível do ângulo hepático do cólon e outro ao nível do cego" que foram
biopsados e enviados para estudo histológico.
Recorreu ao Serviço de Urgência do Hospital Dr. Nélio Mendonça no dia 8/5/2011
por quadro clínico caracterizado por dor abdominal e vómitos com dois dias de
evolução. Ao exame objectivo apresentava-se apirética e hemodinamicamente
estável, com pele e mucosas descoradas, dor à palpação e timpanismo em todo o
abdómen, sem defesa ou dor à descompressão. A avaliação laboratorial revelou
leucograma normal, anemia (Hg: 8,1 g/dl, hematócrito: 24,84%) microcítica (VCM:
78,8 fL) hipocrómica (HCM: 25,9 pg) e elevação da proteína C reactiva (44,74
mg/L). Na avaliação imagiológica, a teleradiografia simples do abdómen em pé
identificou a presença de aerocolia e níveis hidroaéreos discretos. Optou-se
pela abordagem cirúrgica, em face da evolução desfavorável do quadro de oclusão
intestinal, apesar da terapêutica conservadora instituída, com agravamento do
estado geral e presença de SIRS.
A doente foi sujeita a laparotomia exploradora de urgência, tendo-se
identificado a presença de inúmeras lesões pigmentadas, distribuídas por todo o
intestino delgado, algumas delas condicionando invaginação jejuno-jejunal
(Figura_1). Apresentava uma lesão de características semelhantes ao nível do
ovário esquerdo e outras duas, de maiores dimensões, ao nível do cego e ângulo
hepático do cólon, que condicionavam oclusão quase total do lúmen. Procedeu-se
a hemicolectomia direita com anexectomia esquerda e biopsia excisional de lesão
do íleon. Período peri-operatório sem intercorrências. No internamento
apresentou cefaleias de repetição, motivo pelo qual foi solicitada tomografia
computorizada crânio-encefálica que revelou a presença de metástases cerebrais
bilaterais. A doente teve alta hospitalar ao 22º dia de pós-operatório.
A tomografia computorizada tóraco-abdomino-pélvica efectuada no pós-operatório
identificou a presença de metastização pulmonar bilateral, mamária esquerda,
suprarrenal bilateral, retroperitoneal e da parede anterior da bexiga.
O estudo anatomopatológico das peças operatórias revelou tratar-se de
metástases de melanoma maligno (Figura_2).
Após consulta de grupo multidisciplinar, foi submetida a radioterapia
holocraneana (entre 25/5/2011 e 15/6/2011) e realizou seis ciclos de
quimioterapia com temozolomida (100mg/d por cinco dias). Suspendeu a
quimioterapia por trombocitopenia e neutropenia.
Follow up de sete meses, com evolução desfavorável, tendo sido declarado o
óbito a 3/12/2011.
DISCUSSÃO
A invaginação jejuno-jejunal como forma de apresentação de melanoma maligno do
intestino delgado é uma entidade rara, no entanto com cada vez mais casos
clínicos descritos. Os autores apresentam um caso clínico de invaginação
jejuno-jejunal secundário a metástases de melanoma maligno com metástases das
supra-renais bilaterais, com lesão cutânea primária excisada quatro anos antes.
Embora não estivessem presentes as características típicas de metástases de
melanoma para as supra-renais (áreas de necrose e hemorragia central e natureza
lobular), a bilateralidade é muito sugestiva [4].
Apesar de existirem alguns autores que defendem que o melanoma maligno do
intestino delgado seja uma entidade real, não existem actualmente
guidelinesuniversais para o seu diagnóstico, e sugerir uma fonte primária
intestinal é no mínimo controverso.
O diagnóstico pré-operatório de metástase do intestino delgado de melanoma
maligno é muito difícil devido à apresentação tardia e sintomatologia
inespecífica. Os exames auxiliares utilizados para estabelecer o seu
diagnóstico ainda não são os ideais, com sensibilidades inferiores a 70% no que
se refere à tomografia computarizada, colonoscopia e endoscopia digestiva alta.
Com o advento da cápsula endoscópica e enterografia/enteroclise com ressonância
magnética é esperada uma melhoria da sensibilidade na detecção de melanoma
maligno do intestino delgado.
Embora os doentes com metástases gastrointestinais de melanoma tenham um mau
prognóstico, a maioria pode ter uma boa paliação dos sintomas através da
ressecção cirúrgica, com morbilidade e mortalidade mínimas. Têm sido relatadas
taxas de sobrevida de 28% aos cinco anos após ressecção cirúrgica de metástases
gastrointestinais de melanoma nos doentes com excisão bem sucedida da lesão
primária [5].