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EuPTCVHe1646-69182013000400004

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National varietyEu
Year2013
SourceScielo

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Tratamento pré-operatório do carcinoma do recto localmente avançado: Capecitabina versus Capox

INTRODUÇÃO O cancro colo-rectal (CCR) é, mundialmente, o terceiro tumor mais frequente nos homens e o segundo nas mulheres, com uma incidência estimada em Portugal de 2000 novos casos por ano1,2. Cerca de um terço correspondem a tumores do recto3.

O tratamento dos doentes com cancro do recto localmente avançado (CRLA), isto é, T3, T4 e/ou N+ é multimodal e geralmente consiste em cirurgia, radioterapia e quimioterapia4,5,6. Nos últimos anos, o aperfeiçoamento das técnicas de estadiamento e de cirurgia, como a excisão total do mesorecto (quando aplicável), e o aperfeiçoamento das técnicas de radioterapia levaram a uma diminuição significativa nas recidivas locais da doença4, para menos de 3%, mesmo em doentes com estadio clínico III5,7,8.

Estudos recentes, que culminaram no protocolo do grupo de estudos germânico colo-rectal (CAO/ARO/AIO-94), mostram que o tratamento pré-operatório com quimioterapia e radioterapia concomitante é significativamente superior ao tratamento adjuvante no que diz respeito a controlo local da doença, toxicidade aguda e tardia9,10,11. A quimioterapia e radioterapia, quando aplicadas antes da cirurgia, diminuem o estadio patológico T e N. Tal é conseguido pela redução da profundidade de invasão parietal pelo tumor e, numa percentagem variável, pode provocar o total desaparecimento de células neoplásicas viáveis, tanto na parede do recto como nos gânglios linfáticos peri-rectais. Estes efeitos de regressão histológica comparativamente aos estádios clínicos pré-tratamento têm sido usados na medição da resposta tumoral12,13,14. A regressão tumoral pode variar desde a não existência de evidência de efeito do tratamento até ao desaparecimento completo do tumor. O impacto que o grau de regressão histológica (GRH) tem no prognóstico dos doentes não está ainda totalmente esclarecido9,15. Das várias escalas de avaliação do GRH, uma das mais frequentemente utilizadas, foi descrita inicialmente por Dworak et al16 e consiste numa classificação em 5 pontos, em que o grau 0= sem regressão, grau 1= regressão mínima (tumor dominante com fibrose em 25% ou menos da massa tumoral), grau 2= regressão moderada (tumor dominante com fibrose em 26 a 50% da massa tumoral), grau 3= regressão boa (tumor com fibrose em mais de 50% da massa tumoral) e o grau 4= regressão completa (fibrose em 100% da massa tumoral, sem tumor viável). Na literatura internacional, o grau de resposta histológica completa (hRC) varia entre 4 e 38% nas diferentes séries17. Na análise comparativa dos ensaios clínicos fase II/III feita por Hartley et alem 2005, parece existir uma relação com a utilização de 2 agentes citostáticos (p=0.02) e com a dose de radioterapia utilizada (superior a 45 Gy, p=0.02) (8).

Os esquemas de QNA actuais assentam na combinação de 5-fluoruracilo (5-FU) associado a leucovorina concomitante com a radioterapia18. São vários os métodos de administração de 5-FU endovenoso (bólus, intermitente, contínuo) e a utilização do análogo oral - capecitabina - reporta igual validade19,20,21. Não existe evidência que suporte a escolha de um segundo agente citostático a utilizar, todavia, a oxaliplatina é um bom candidato pelas suas capacidades de radiossensibilizante e sinergia com fluorpirimidinas17,21. A combinação oxaliplatina com capecitabina e radioterapia tem sido testada nos últimos anos em diferentes regimes, designadamente: administração contínua de capecitabina (7 dias por semana) e oxaliplatina (dias 1 e 29)4; administração contínua de capecitabina (5 dias por semana) e oxaliplatina semanal (dias 1, 8, 22 e 29)22,23; administração descontínua de capecitabina (dias 1 a 14 e 22 a 35) e oxaliplatina semanal (dias 1, 8, 22 e 29)24,25.

O objectivo do presente estudo é o de estudar comparativamente a eficácia, o perfil de segurança e toxicidade de dois esquemas alternativos de QNA em combinação com radioterapia: capecitabina versuscapecitabina em associação com oxaliplatina.

MATERIAL E MÉTODOS Características do estudo, selecção de doentes e recolha de dados Retrospectivamente, entre Janeiro de 2007 e Janeiro de 2011, foram analisados os processos clínicos de 76 doentes do Centro Hospitalar Lisboa Central com o diagnóstico histológico de adenocarcinoma do recto. A avaliação pré-tratamento incluiu avaliação laboratorial e imagiológica com tomografia computorizada (TC) tóraco-abdomino-pélvica. A extensão loco-regional da doença foi determinada por ressonância magnética (RM) e/ou ecoendoscopia transrectal (EE), em cada doente.

Foi discutida a indicação de tratamento neo-adjuvante caso a caso, em Unidade de patologia colo-rectal, composta pelas especialidades de Cirurgia Geral, Gastroenterologia, Imagiologia, Oncologia Médica, Radioterapia e Anatomia Patológica. Foi proposto tratamento neoadjuvante aos doentes com adenocarcinoma do recto com estadio clínico II/III5; performance status(Eastern Cooperative Oncology Group) ≤ 2; idade ≥18 anos; adequada função hematológica, renal, hepática e cardíaca (sem história significativa de doença cardiovascular).

Foram excluídos os doentes com evidência de neoplasia prévia nos últimos 5 anos, doença psiquiátrica ou co-morbilidade clinicamente significativa ou história pessoal de radioterapia pélvica.

O tratamento neoadjuvante consistiu em 5 semanas de Radioterapia na dose de 50.4/54 Gy em 25 ou 30 fracções concomitante com: (i) administração contínua de capecitabina (850 mg/m2 bi-diário, 5 dias por semana) (esquema CAP); ou (ii) administração contínua de capecitabina (850 mg/m2 bi-diário, 5 dias por semana) e oxaliplatina semanal (50 mg/m2, dias 1, 8, 15, 22 e 29) (esquema CAPOX). A cirurgia foi programada para 6-8 semanas após o fim do tratamento neo- adjuvante. A eficácia foi definida como a resposta do tumor ao tratamento neo- adjuvante, isto é pelo GRH. Por sua vez, o GRH das peças operatórias foi determinado pela percentagem de tumor viável versusfibrose, de acordo com a classificação de Dworak et al16. A toxicidade foi registada e classificada de acordo com os critérios de toxicidade do Instituto Nacional de Cancro (CT-INC) versão 4.0.

Análise estatística A análise estatística foi realizada com o software SPSS® (SPSS Inc, Chicago IL) e incluiu análise demográfica e análise univariada, com o recurso aos testes estatísticos Qui-quadrado e teste exacto de Fisher. O nível de significância abaixo de 0.05 foi considerado estatisticamente significativo.

RESULTADOS Foram incluídos 76 doentes, 67.1% do sexo masculino, com mediana de 69 anos (min=45; max=88) (tabela_1). A mediana da distância do tumor à margem anal foi 7cm (min=2; max=13). A localização mais frequente do tumor foi o recto inferior29 (48,7%). À data do diagnóstico, aproximadamente 2/3 dos doentes apresentava marcadores tumorais (CEA e CA19.9) dentro dos valores normais. A ressecção completa do tumor do recto (R0) foi documentada em 97% dos doentes.

O esquema de QRT-PO mais utilizado foi o esquema CAP, em 51 doentes (67,1%). O esquema CAPOX foi utilizado em 25 doentes (32,9%). A distribuição, em percentagem, de doentes em estádio clínico II e III foi semelhante nos dois esquemas de QRT-PO utilizados (p=0,875).

Globalmente, o GRH 4,3,2,1,0 foi alcançado respectivamente em 13.2%, 59.2%, 19.7%, 6.6% e 1.3% dos casos. A tabela_2 apresenta o GRH por cada esquema de tratamento, não se tendo observado diferença com significado estatístico entre CAP e CAPOX (p=0,130) (tabela_3). A análise univariada mostrou uma relação do sexo com o GRH (p=0,055), embora sem significado estatístico: ao avaliar independentemente os diferentes esquemas de tratamento, os indivíduos do sexo feminino responderam pior do que os homens ao esquema de tratamento CAP (p=0,046). Com a adição da oxaliplatina (esquema CAPOX), não se observa diferença estatisticamente significativa entre o sexo e resposta ao tratamento (p=0,299).

Na avaliação histopatológica, a caracterização ypTNM documentou em 40 e 50 doentes, um T-downstagingde 52.6% e um N-downstagingde 65.8% dos casos, sem diferença entre os dois esquemas CAP e CAPOX, respectivamente p=0,291 e p=0,818. O downstagingglobal (T e/ou N) ocorreu em 61 doentes (80.3%), A tabela_4 sumariza as toxicidades hematológicas e não hematológicas relacionadas com cada regime de tratamento (CAP vs CAPOX). Não foram observados toxicidades grau 4 nesta série. A toxicidade não hematológica grau 3 mais frequente foi gastro-intestinal com uma frequência global de 7% (3.9% com CAP e 11.5% com CAPOX). A toxicidade hematológica grau 3 mais frequente foi anemia com uma frequência global de 6%, apenas observada com o esquema CAP. A suspensão de quimioterapia por toxicidade foi necessária em apenas 8 doentes (10.4%), com uma mediana de interrupção de 7 dias (4-12 dias). Nenhum doente suspendeu radioterapia. A análise estatística entre toxicidades e RGH não evidenciou relação com significado estatístico, embora tenha mostrado uma tendência entre graus superiores de leucopénia e GRH maiores (p=0.074).

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES Actualmente é consensual no tratamento do cancro de recto localmente avançado a utilização de quimioterapia sistémica baseada em fluoropirimidinas associada a radioterapia pélvica. O objectivo é atingir a máxima regressão tumoral sem aumento de toxicidade. Vários esquemas de quimioterapia têm sido utilizados com este objectivo, embora a controvérsia em torno do esquema ideal se mantenha27.

São recentes os estudos que mostram que a utilização de quimioterapia oral com capecitabina mimetiza a infusão contínua como radio-sensibilizante, mantendo resultados semelhantes em termos de regressão tumoral e toxicidades27,28.

Apesar de ser considerada por alguns autores como o candidato ideal pelo efeito sinérgico que apresenta com as fluoropirimidinas21, nesta revisão, o benefício da adição da oxaliplatina ficou por demonstrar, indo ao encontro dos resultados de outros autores.

A administração concomitante de QRT atinge taxas de downstagingda extensão local do tumor e envolvimento ganglionar em torno dos 65%29. Neste estudo, o downstagingglobal (T e/ou N) foi de 80.3%, observando-se para T e N, valores de downstagingde 52,6% e 65,8%. Cinquenta por cento dos doentes atingiram estádios patológicos localizados (estadio 0-1), o que se compara favoravelmente com os resultados europeus com esquemas CAPOX, em que se utiliza a capecitabina na dose de 825mg/m2/bi-diário, superior às doses utilizadas nos estudos americanos22,23,30.

Interessantemente, apresentamos uma hRC de 13.2%, definida pelo grau 4 de acordo com a classificação de Dworak, e mais de dois terços dos doentes (72.4%) tiveram um GRH 3 ou 4, o que representa no seu conjunto um resultado encorajador, coincidentes com a literatura internacional recente, onde as taxas de hRC entre 10 e 30% têm sido reportadas com os diferentes esquemas de tratamento pré-operatório13,14,21-25,27. Embora o atingimento de hRC não seja o objectivo primário do tratamento neo-adjuvante, tem sido largamente utilizado nos diferentes ensaios clínicos para avaliar a eficácia do tratamento no cancro do recto. Apesar disso, a sua relação com a sobrevivência global destes doentes não está demonstrada21. Observou-se maior proporção de respostas completas com o esquema CAP, contudo, houve maior proporção de doentes com regressão histológica com o esquema CAPOX; do ponto de vista estatístico, sem diferença para nenhum dos esquemas utilizados.

Globalmente, a tolerância dos esquemas terapêuticos foi boa sem necessidade de interrupção dos mesmos numa percentagem significativa de doentes. Não foi documentada toxicidade grau 4 e a toxicidade grau 3 teve uma expressão inferior a 10% em ambos os esquemas de tratamento, em linha com os estudos internacionais21,24,25. Não foi observada relação estatisticamente significativa entre a toxicidade aguda e a resposta tumoral ao tratamento com nenhum tratamento neo-adjuvante. Os doentes que tiveram uma regressão tumoral graus 3 e 4 apresentaram tendencialmente maior toxicidade hematológica, particularmente leucopénia, embora também sem significado estatístico. A tese defendida por alguns autores de que a toxicidade aguda poder ter valor preditivo de resposta à terapêutica não é confirmada neste estudo retrospectivo.

Salienta-se uma associação entre o sexo e o grau de regressão histológica.

Tanto quanto é do conhecimento dos autores, não está reportado na literatura uma associação entre o sexo e a resposta a QRT. Todavia, é conhecida a resistência de alguns doentes aos fármacos derivados das fluoropirimidinas. A via da instabilidade micro-satélite (IMS) é uma delas, que consiste numa perturbação do sistema de reparação de ADN, tornando-se incapaz de reparar sequências erróneas de nucleótidos na cadeia de ADN31. A consequência desta incapacidade de função leva a resistência a fármacos específicos, como é o caso bem documentado do fluoruracilo (5-FU)32,33. Por outro lado está associada a prognóstico mais favorável, com aumento do tempo de sobrevivência global.

Admitimos que na série de doentes aqui reportada, a IMS possa ter influenciado os resultados obtidos, podendo ajudar a explicar a taxa de regressão tumoral nas doentes que fizeram apenas capecitabina. Tendo em conta que o reconhecimento da possível resistência ao FU pode influenciar as opções terapêuticas, estudos que avaliem o valor preditivo da IMS na resposta ao tratamento pré-operatório são oportunos.

Em conclusão, o esquema pré-operatório com RT e capecitabina isoladamente ou associado a oxaliplatina parece atingir resultados semelhantes em termos de eficácia e com perfil de segurança e toxicidade favoráveis. Mais importante, não foi identificado nenhum benefício da adição da oxaliplatina ao esquema usado com fluoropirimidina oral e radioterapia em contexto pré-operatório.


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