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EuPTCVHe1646-69182013000400006

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National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN1646-6918
Year2013
Issue0004
Article number00006

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Editorial: Cirurgia do cancro da mama: mitos, controvérsias e mudanças de paradigma CADERNO ESPECIAL Editorial: Cirurgia do cancro da mama: mitos, controvérsias e mudanças de paradigma Joaquim Abreu de Sousa Serviço de Oncologia Cirúrgica. Instituto Português de Oncologia do Porto FG, EPE Correspondência

O tratamento do cancro da mama tem um objectivo tridimensional: óptimo controlo local e regional, óptimo resultado estético e máxima redução do risco de recidiva à distância. A cirurgia conservadora seguida de radioterapia é considerada a terapêutica apropriada para a maioria das doentes com cancro da mama em estádios iniciais e durante algum tempo foi consensualmente assumido um risco de recidiva local depois de cirurgia conservadora de 1% ao ano, no entanto, estudos populacionais e institucionais recentes demonstram que o risco de recidiva local depois de cirurgia conservadora é muito inferior ao estimado, não ultrapassando os 2 a 3% aos 5 anos. Não existe um limiar de risco de recidiva acima do qual a cirurgia conservadora seja uma contra-indicação absoluta e a decisão deve ser sempre individualizada. As técnicas oncoplásticas constituem uma alternativa efectiva para evitar as deformidades ou assimetrias associadas a grandes ressecções de volume ou a localizações difíceis e nos tumores de grandes dimensões o uso da quimioterapia neoadjuvante pode converter 1 de cada 3 doentes candidatas a mastectomia elegíveis para cirurgia conservadora.

A equivalência da cirurgia conservadora à mastectomia em termos de sobrevivência global está demonstrada mais de 20 anos em 6 estudos prospectivos randomizados 1-6, no entanto, a quantidade de tecido normal envolvendo o tumor que deve ser removido para minimizar a recidiva local continua a ser fonte de controvérsia. Cerca de 20 a 30% das doentes submetidas a cirurgia conservadora são reoperadas por margens consideradas insuficientes 7-8, e cerca de 50% destas cirurgias são efectuadas em doentes com margens negativas, para obter maior margem livre com a esperança de que uma maior margem reduza o risco de recidiva. Uma meta-análise de 21 estudos retrospectivos, publicada em 2010, avaliou o efeito da dimensão da margem na recidiva local em 14.571 doentes submetidas a cirurgia conservadora e demonstrou que uma margem positiva está associada a um risco relativo de recidiva de 2.42 (p<0.001), mas não encontrou diferenças com significado estatístico na taxa de recidiva local associada a margens maiores de 1 mm, maiores de 2 mm ou maiores de 5 mm 9. Estes resultados não são surpreendentes porque uma margem negativa não significa ausência absoluta de doença residual na mama. Mesmo a mastectomia, que em teoria asseguraria as maiores margens de ressecção, não elimina o risco de recidiva local, o que significa que a carga tumoral residual não é a única causa determinante da recidiva. A margem deve ser definida como negativa ou positiva para células malignas e eliminar arbitrariedades como "margem próxima" ou "margem insuficiente". Numa revisão de 200 casos de carcinoma ductal in situ, tratados no IPO Porto entre 2000 e 2005, foram identificadas na margem de ressecção lesões proliferativas de alto risco, como hiperplasia lobular atípica, carcinoma lobular atípico e hiperplasia ductal atípica em 26% dos casos, que se associaram a um maior risco de recidiva local 10. Ainda que não exista consenso sobre o que fazer com esta informação, se alargar a margem de ressecção ou efectuar radioterapia ou quimioprevenção, é fundamental uma mudança na forma como interpretamos a biologia, sendo imprescindível padronizar a definição de margem adequada, para um uso mais criterioso das reintervenções para alargamento de margens. O conhecimento da história natural do cancro da mama aponta para uma complexa interacção entre a recidiva local e o processo sistémico. Os ensaios clínicos realizados no último meio século demonstraram que a história natural da doença pode ser alterada por tratamentos eficazes que reduzem o risco de recidiva local e à distância, e como tal, uma verdadeira recidiva local não deve ser vista como um evento isolado, mas como reflexo de um fenómeno sistémico. Numa época em que o tratamento do cancro da mama é multimodal na maioria dos casos, minimizar a carga tumoral subclínica pode não ser crítica em determinadas situações. O esvaziamento axilar para doença micrometastática e doença macrometastática limitada tem vindo a ser abandonado por muitos cirurgiões. O impacto positivo do esvaziamento axilar na sobrevivência nunca foi demonstrado, que foi principalmente usado como procedimento de estadiamento. No entanto, as suas sequelas a curto e longo prazo sempre constituíram uma das mais preocupantes causas de morbilidade da cirurgia do cancro da mama. Por isso a biópsia do gânglio sentinela rapidamente se tornou parte integrante do tratamento conservador do cancro da mama, ao evitar o esvaziamento axilar numa grande proporção de doentes, proporcionando informação suficiente para o orientar o tratamento adjuvante.

A validação da técnica de biópsia do gânglio sentinela no estadiamento ganglionar está suportada por inúmeros estudos prospectivos randomizados, que demonstraram resultados equivalentes ao esvaziamento axilar em termos de sobrevivência global e livre de doença, com uma elevada acuidade, uma baixa taxa de falsos negativos, a rondar os 7%, e uma taxa de recidiva axilar surpreendentemente baixa, inferior a 1% 11-12. Paralelamente à expansão da técnica o método de estudo do gânglio também mudou. Antes da era do gânglio sentinela cada gânglio era estudado com uma ou duas secções, actualmente o gânglio é completamente incluído com secções de 2 mm. Como resultado deste refinamento técnico é frequente a identificação de focos micrometastáticos (<2mm) ou células tumorais isoladas (ITC) cujo significado prognóstico é desconhecido. O IBCSG 23-01 foi um estudo de fase 3, especificamente desenhado para esclarecer se a não realização de esvaziamento axilar não era inferior ao esvaziamento axilar em doentes com micrometastização do gânglio sentinela.

Depois de um follow-up médio de 5 anos não se observaram diferenças na sobrevida livre de doença entre o grupo submetido a esvaziamento axilar (84.%) e o grupo não submetido a esvaziamento (87.8%). A taxa de gânglios não sentinela positivos no grupo submetido a esvaziamento axilar foi de 13%, mas em contrapartida a taxa de recidiva axilar no grupo não submetido a esvaziamento foi inferior a 1% 13. Este estudo confirma definitivamente a impressão de uma grande parte de cirurgiões, de que o esvaziamento axilar pode ser evitado em doentes com envolvimento limitado do gânglio sentinela, eliminando as complicações do esvaziamento, sem impacto na sobrevivência.

Por outro lado, o facto da metastização axilar estar limitada apenas ao gânglio sentinela em 60 a 70% dos casos, paralelamente à constatação da baixa incidência de recidiva axilar em doentes submetidas apenas a biópsia da do gânglio sentinela, comparada com o número presumível dos casos com doença axilar não ressecada, baseada na taxa de falsos negativos, indica que uma proporção significativa de casos não progridem para doença clinicamente relevante. Neste contexto, o American College of Surgeons promoveu um ensaio de não-inferioridade, prospectivo randomizado, denominado ACOSOG Z11, para confirmar se o esvaziamento axilar tinha impacto na sobrevivência global em doentes com gânglio sentinela positivo, submetidas a cirurgia conservadora e radioterapia14. Os resultados foram impressionantes e considerados o detonador de uma anunciada mudança de paradigma, e por isso geraram uma enorme controvérsia. Um cenário similar aos resultados dos primeiros ensaios prospectivos randomizados que na década de 80 demonstraram que a cirurgia conservadora era segura. Depois de um follow-up médio de 6,3 anos a taxa de recidiva ganglionar no ramo que efectuou apenas biopsia de gânglio sentinela foi de 0.9%, comparada com 0.4% no ramo que efectuou esvaziamento axilar, sem diferenças na sobrevivência livre de doença ou global. Várias fragilidades metodológicas foram apontadas ao estudo por sectores mais críticos e ainda que estes resultados não permitam uma mudança radical da prática clínica, uma vez que não são aplicáveis a doentes submetidas quimioterapia neoadjuvante, ou submetidas a mastectomia sem radioterapia, será sensato ponderar se a decisão de efectuar ou não esvaziamento axilar a doentes com gânglio sentinela positivo deva estar baseada em impressões individuais ou nomogramas derivados de estudos retrospectivos, ou em evidencias proporcionadas por estudos prospectivos randomizados.

O reconhecimento de que o cancro da mama constitui um grupo de doenças geneticamente diferentes alterou profundamente a abordagem da terapêutica sistémica, com o status hormonal e o status HER2 a surgirem como os primeiros determinantes do tratamento, independentemente da carga tumoral, o que supôs uma verdadeira mudança de paradigma. No entanto, o subtipo molecular de cancro da mama não é habitualmente considerado no processo de decisão do tratamento cirúrgico e os critérios de selecção continuam a estar baseados fundamentalmente na extensão da doença - tamanho do tumor; margens de ressecção; multicentricidade etc. Sabemos que as doentes com tumores com receptores de estrogénio (RE) positivos são habitualmente mais velhas e têm menor probabilidade de apresentar tumores de alto grau de malignidade e que as doentes com tumores com sobreexpressão de HER2 têm maior probabilidade de multifocalidade e apresentar tumores com um componente intraductal extenso. Os tumores triplos negativos têm menor probabilidade de metastização ganglionar que os tumores com RE positivos. Pelo contrário, os tumores HER2 positivos com receptores hormonais negativos têm maior probabilidade de apresentar mais de 4 gânglios metastizados16.

Uma crescente evidência científica indica que o risco de recidiva local também depende do subtipo molecular 17-20. As doentes com tumores do tipo luminal A (RE e/ou RP positivos, HER2 negativos) têm um menor risco de recidiva local, enquanto o maior risco é apresentado pelos tumores triplo negativos e HER2 positivos na ausência de tratamento com trastuzumab. Estes achados poderiam sugerir que estas doentes beneficiariam se fossem tratadas com mastectomia, no entanto as doentes com tumores triplo negativos e HER2 positivos também apresentam o maior risco de recidiva local depois de mastectomia e este padrão persiste mesmo depois de efectuada radioterapia. De facto, o estudo que incluiu o maior número de doentes com tumores tripo negativos e analisou o risco de recidiva em função tipo de cirurgia, foi publicado em 2011 e demonstrou que as doentes com tumores T1 e T2 N0 triplo negativos tratadas com mastectomia radical modificada tinham um risco aumentado de recidiva local, quando comparadas com as doentes submetidas a cirurgia conservadora, sem diferenças na sobrevivência global 21.

O tratamento das doentes com cancro da mama sofreu extraordinários avanços científicos nas últimas décadas, com uma sucessiva queda de mitos, graças a uma mudança qualitativa na compreensão da biologia do cancro. A cirurgia tem vindo a tornar-se mais individualizada com a percepção de que os resultados não são comprometidos com intervenções menos invasivas, mas o desafio, no futuro próximo, passa por incorporar no processo de decisão do tipo de tratamento cirúrgico biomarcadores que orientem terapêuticas mais eficazes e personalizadas. Se continuarmos a tratar a doença baseados em pressupostos do passado, sem a criatividade e a inovação necessárias para mudar alguns paradigmas, poderemos não ver respondidas algumas das controvérsias da actualidade.


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