Biópsia hepática percutânea em doentes oncológicos: a propósito de um caso
clínico
CASO CLÍNICO
Biópsia hepática percutânea em doentes oncológicos - a propósito de um caso
clínico
Percutaneous liver biopsy in oncologic patients- a case report
Lucas, Rita1; Amaral, Patrícia2; Ladeira, Catarina2; Lourenço, João1; Vieira,
Luís1; Oliveira Martins, Francisco2; Marques, Ângela1
1 Serviço de Radiologia - Hospital de Santo António dos Capuchos, CHLC,
Portugal
2 Serviço de Cirurgia Geral - Hospital de Santo António dos Capuchos, CHLC,
Portugal
Correspondência
ABSTRACT
The image-guided percutaneous liver biopsy is a useful tool which gives a
reliable histological diagnosis without surgical intervention. However it isn't
a procedure free of complications. In the particular case of patients with a
known oncologic context, accurate diagnosis and staging is essential for
selecting the appropriate therapeutic approach. In these patients, imaging
characterization should be preferred, however in cases where doubts persist we
can rely on the biopsy. This article presents a case of tumor seeding in the
needle path of a liver biopsy, in a patient with a recent diagnosis of
intraepithelial colon neoplasia, and detection of multiple hepatic lesions and
a pulmonary nodule in initial imaging staging.
Key words: Image-Guided Biopsy, Ultrasound, Neoplasm Metastasis; Liver
INTRODUÇÃO
A primeira referência na literatura à realização de uma biópsia hepática
percutânea remonta a 1923. Desde então esta técnica, pela reduzida morbilidade
e mortalidade, tornou-se uma prática comum, constituindo uma ferramenta válida
para obtenção de um diagnóstico histológico. É uma ferramenta de grande
utilidade na escolha do plano terapêutico, tendo em conta o diagnóstico
específico e respectivo estadiamento, e em muitos casos dispensa técnicas mais
invasivas[1].
Contudo, tal como em todos os procedimentos de intervenção existe uma taxa de
complicações associada e consequentemente a vantagem diagnóstica deve ser
sempre contrabalançada com as complicações possíveis da técnica e
comorbilidades próprias de cada doente.
Assim, a avaliação prévia de cada caso é essencial tendo em conta a anamnese,
necessidade e indicação para o procedimento, métodos alternativos de
diagnóstico, e estudos de imagem disponíveis.
CASO CLÍNICO
Homem de 73 anos, fumador, com diagnóstico recente de adenoma tubuloviloso do
cólon com displasia de alto e baixo grau por biópsia colonoscópica, realizou
Tomografia Computorizada (TC) toraco-abdómino-pélvica para estadiamento
inicial. Não foi possível administrar contraste iodado endovenoso por
antecedentes alérgicos ao iodo, tendo-se identificado três lesões nodulares
hepáticas hipodensas, mal definidas e um nódulo pulmonar único discretamente
lobulado.
Realizou então Ressonância Magnética (RM) abdominal que revelou três lesões
hepáticas focais hipointensas nas ponderações T1, hiperintensas em T2 e com
captação heterogénea do gadolíneo, fortemente sugestivas de depósitos
secundários (Fig.1).
Tendo em conta o elevado grau de suspeição das lesões hepáticas, a existência
de um nódulo pulmonar não caracterizado e a avaliação histológica do cólon sem
evidência de neoplasia invasiva, procedeu-se a biópsia hepática ecoguiada da
lesão mais acessível. A avaliação anatomo-patológica foi compatível com
metástase de adenocarcinoma mucinoso com origem no cólon.
Realizou quimioterapia neoadjuvante, tendo-se verificado neste período o
aparecimento de um nódulo palpável no hipocôndrio direito. Para avaliação da
resposta à terapêutica instituída realizou RM abdominal que revelou lesão
nodular na parede abdominal anterior, no local da punção da agulha de biópsia,
de características de sinal idênticas à da lesão hepática biopsada (Fig._2).
Foi efectuada ressecção da lesão primária do cólon e metastasectomia hepática,
tendo-se removido conjuntamente o nódulo da parede abdominal na região
subcostal direita, sendo a histologia compatível com metástase de
adenocarcinoma mucinoso do cólon com áreas de calcificação e ossificação
adjacentes - estadio histopatológico pT2N2aM1b (Fig._3).
DISCUSSÃO
Com a orientação da ecografia, o parênquima hepático pode ser avaliado em tempo
real e decidida a abordagem mais favorável para a realização de biópsia.
Classicamente, para diminuição das complicações hemorrágicas e de disseminação
extra-hepática (de patologia infecciosa ou neoplásica) recomenda-se a
interposição de uma margem de parênquima hepático são no trajecto entre o local
da punção e a lesão a biopsar.
Existem na literatura vários relatos de disseminação tumoral no trajeto da
agulha de biópsia percutânea. A revisão bibliográfica realizada em 2009 por
Cresswel apurou na literatura médica uma incidência relatada de sementeira
tumoral pós-biópsia variando entre 10 e 19%, embora em todos os estudos tenham
sido usadas séries com reduzido número de casos[2].
Contudo a incidência de disseminação de células tumorais é difícil de
determinar com precisão, por várias razões: 1) é difícil localizar a
disseminação em relação com trajeto da agulha de biópsia em órgãos ou tecidos
excisados cirurgicamente; 2) podem ser necessários longos períodos de tempo
para que as células disseminadas proliferem ao ponto de originar uma lesão
identificável; 3) o crescimento neoplásico por sementeira é difícil de
distinguir de recorrência[3].
Vergara sugere assim que se recorra à biópsia percutânea para o diagnóstico de
lesões hepáticas não esclarecidas em doentes não candidatos a ressecção
cirúrgica e para evitá-la se a cirurgia for uma hipótese terapêutica[4].
Por outro lado, se os avanços nas técnicas de imagiologia têm vindo a permitir
uma caracterização pré-operatória cada vez mais precisa das lesões hepáticas,
sobretudo na presença de avaliação combinada por ecografia, TC e RM, algumas
lesões continuam indeterminadas. Há ainda a considerar que, no contexto dos
doentes oncológicos, se todas as lesões focais hepáticas fossem assumidas como
metástases o diagnóstico correcto não seria obtido em cerca de 10% dos casos
[5].
No presente caso foi decidida em reunião multidisciplinar a realização de
biópsia hepática, pela sua fácil acessibilidade, pois na ausência de evidência
histológica de neoplasia invasiva e tendo em conta a existência de uma lesão
pulmonar não caracterizada, que poderia corresponder a um tumor síncrono,
tornava-se essencial a caracterização das lesões do fígado.
A lesão mais acessível por via ecográfica localizava-se no lobo esquerdo, muito
próxima da parede abdominal permitindo a realização de biópsia ecoguiada com
clara definição dos limites lesionais. Contudo, uma vez que esta lesão se
estendia até à proximidade da cápsula hepática, não foi possível encontrar uma
margem de parênquima são para interpor no trajecto da agulha, possivelmente
facilitando o desenvolvimento de uma lesão metastática no trajecto da agulha.
CONCLUSÃO
A biópsia hepática percutânea é um óptimo método de diagnóstico histológico
obviando na maioria dos casos a necessidade de biópsia cirúrgica. É um método
seguro e eficaz, devendo no entanto ser tidas em conta algumas complicações
potencialmente associadas a este procedimento, das quais a sementeira tumoral
no trajeto da agulha constitui um exemplo, aqui demonstrado.
Na abordagem de lesões hepáticas focais não esclarecidas em doentes oncológicos
deve ser dada primazia à caracterização imagiológica, o mais exaustiva
possível, com integração clínica e avaliação laboratorial. Contudo, quando são
esgotadas as ferramentas diagnósticas não invasivas e a natureza das lesões
permanece desconhecida justifica-se o recurso à avaliação histológica.