Recomendações para o diagnóstico e tratamento do adenocarcinoma gástrico (Grupo
de Investigação de Cancro Digestivo)
GUIDELINES
Recomendações para o diagnóstico e tratamento do adenocarcinoma gástrico (Grupo
de Investigação de Cancro Digestivo)
Guidelines for diagnostic and treatment of gastric adenocarcinoma (Digestive
Cancer Research Group)
Donzília Brito1, Ana Raimundo2, Olga Sousa3, Helena Pereira1, Eneida Ribau4,
Luís Pedro Afonso5, Sónia Cabral6, Mário Dinis-Ribeiro7, Carlos Nogueira8,
Sérgio Barroso9, António Bettencourt10, João Gíria11, Henrique Ferrão12, Jorge
Penedo13, Daniel Cartucho14, Jorge Caravana15, Caldeira Fradique13, João Paulo
Guerra1, Jorge Guimarães1, Fernanda Sousa1, Rui Henrique5, Manuel Jácome1,
Maria Fragoso2, Pina Vaz16, Giovanni Corso17, Rui Quintanilha18, Paulo Costa19,
Lúcio Lara Santos20
1 Especialista em Cirurgia Geral - IPO-Porto;
2 Especialista em Oncologia Médica - IPO-Porto;
3 Especialista Radio-oncologia - IPO-Porto;
4 Especialista em Radiologia - IPO-Porto;
5 Especialista em Anatomia Patológica - IPO-Porto;
6 Especialista em Nutrição - IPO-Porto;
7 Especialista em Gastroenterologia - IPO-Porto;
8 Especialista em Cirurgia Geral - Centro Hospitalar do Porto;
9 Especialista em Oncologia Médica - Hospital do Espírito Santo, Évora;
10 Especialista em Cirurgia Geral - IPO-Lisboa;
11 Especialista em Cirurgia Geral - CUF Infante Santo;
12 Especialista em Cirurgia Geral - IPO-Coimbra;
13 Especialista em Cirurgia Geral - Centro Hospitalar Lisboa Central;
14 Especialista em Cirurgia Geral - Centro Hospitalar do Algarve;
15 Especialista em Cirurgia Geral - Hospital do Espírito Santo, Évora;
16 Especialista em Radiologia - Hospital de Braga;
17 Especialista em Cirurgia Geral - Instituto Europeo di Oncologia de Milano;
18 Especialista em Cirurgia Geral - Hospital Divino Espirito Santo, Ponta
Delgada;
19 Especialista em Radio-Oncologia - Hospital de Braga;
20 Especialista em Cirurgia Geral - IPO-Porto (coordenador)
Correspondência
INTRODUÇÃO
O Grupo de Investigação de Cancro Digestivo (GICD), com o objetivo de
sistematizar e harmonizar o conhecimento e atuação dos seus membros no que
concerne à patologia oncológica digestiva, decidiu realizar recomendações
recorrendo a especialistas nas áreas abordadas e a um painel de peritos.
Integrou ainda, nessas recomendações, toda a informação elaborada pela Direção
Geral de Saúde relativo a esses temas abordados.
PRINCÍPIOS
A decisão do tratamento no carcinoma gástrico depende do estádio da doença e
deve ser tomada por uma equipa multidisciplinar dedicada[1-4].
A cirurgia é o tratamento de eleição no carcinoma gástrico ressecável[4]. Nos
doentes com adenocarcinoma gástrico localmente avançado a sobrevivência global
é reduzida, mesmo com cirurgia com intenção curativa (R0)[6]. Nestes casos, o
tratamento multimodal sistémico peri-operatório tem um papel no aumento da taxa
de sobrevivência global e no intervalo livre de doença[7].
O tratamento do cancro gástrico deve ser realizado em centros com experiência,
considerando o volume de doentes tratados, e por equipas dedicadas[8,9].
DIAGNÓSTICO E ESTADIAMENTO DO CARCINOMA GÁSTRICO
O diagnóstico da doença inclui a história clínica com o exame físico, assim
como os exames auxiliares de diagnóstico. Nestes, devem estar incluídos o
hemograma completo, o ionograma, a glicemia, a albumina e as proteínas totais,
a função hepática e renal, o estudo de coagulação (tempo de protrombina e tempo
de tromboplastina ativado) e a endoscopia digestiva alta com biópsia[10]. O
relatório da histologia da biópsia deve ser realizado de acordo com as
recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS)[11].
Relativamente ao estadiamento do cancro gástrico deverá realizar-se com
tomografia computorizada (TC) torácica, abdominal e pélvica com cortes de 3 mm
[10,12]. Nos tumores localmente avançados na TC e/ou que sejam clinicamente
suspeitos de metastização à distância (cT3/4 e ou cN+), deverá completar-
seoestadiamentocomlaparoscopiadeestadiamento [13] e realização de citologia do
lavado peritoneal (Fig. 1 e 2)[14].
Definem-se tumores gástricos localmente avançados como: i) tumores com invasão
da serosa (cT4a); ii) tumores com invasão de estruturas adjacentes (cT4b); iii)
tumores com metastização ganglionar (cN+) e sem metastização à distância (cM0)
[10].
Os critérios que indiciam metastização ganglionar, com base nos exames
auxiliares de diagnóstico, nomeadamente: radiológicos (TC), ecoendoscópicos e
por laparoscopia de estadiamento são: a existência de pelo menos 1 gânglio com
mais de 3 cm ou 3 ou mais gânglios com mais de 1,5 cm[110].
Em casos selecionados, poderá incluir-se no estadiamento da doença a
ecoendoscopia alta (tal como nos tumores da junção esófago-gástrica e nos
tumores iniciais (cT1)[15-17]) ou a ressonância magnética abdominal. A PET-CT,
quando disponível, pode ser utlizada como instrumento adicional de
estadiamento. Apesar da sua baixa sensibilidade relativamente à profundidade do
tumor primário, da baixa resolução espacial na avaliação ganglionar
perigástrica e da dificuldade na diferenciação entre doença peritoneal de
pequeno volume e fibrose residual após tratamento neoadjuvante, tem um valor
preditivo superior ao TC na metastização ganglionar. A PET-CT tem também um
papel importante na avaliação da resposta ao tratamento sistémico neoadjuvante
e pode identificar cerca de 10% de metástases clinicamente ocultas em doentes
com carcinoma localmente avançado[18].
TRATAMENTO DO CARCINOMA GÁSTRICO
O tratamento do carcinoma gástrico depende do estádio clinico da doença podendo
envolver tratamento endoscópico, cirúrgico, multimodal e paliativo.
Para facilitar a decisão, as opções de tratamento serão estratificadas de
acordo com o estádio clinico da doença[10].
1. Estádio I (T1N0M0)
Se a endoscopia digestiva alta apresentar critérios endoscópicos de lesão
inicial (cT1) nomeadamente: lesões superficialmente elevadas (tipo I e IIa) ou
planas (IIb) com dimensões <2cm; lesões deprimidas (IIc) com dimensões <1cm; ou
um exame histológico de biopsias prévias mostrando carcinoma bem ou
moderadamente diferenciado poderá ser realizado tratamento local endoscópico
(ressecção endoscópica mucosa (REM))[19], dada a quase ausência taxa de
metastização ganglionar desse tipo de tumores[20]. Atualmente, esses critérios
foram expandidos, após a introdução da técnica de resseção endoscópica
submucosa (ESD)[21,23], em Centros com experiência, e incluindo assim:
carcinomas invasores bem diferenciados intramucosos, sem ulceração e
independente do tamanho; carcinomas invasores bem diferenciados intramucosos,
com menos de 3 cm e com ulceração; carcinomas invasores bem diferenciados
submucosos, limitados à submucosa superficial (< 500 µm) com 3 cm de diâmetro
e carcinomas indiferenciados, intramucosos, com menos de 2 cm e sem ulceração
[22, 109].
Nos doentes submetidos a ressecção endoscópica mucosa e cujo exame histológico
definitivo mostre: doença invasora localizada só à mucosa, ou não mais profunda
que a submucosa superficial (< 500µm); ou sem lesão invasora residual após a
REM, poderão ser mantidos em vigilância apertada, com endoscopia digestiva alta
3 a 6 meses após o procedimento e depois de 6 em 6 meses até aos 2 anos. Nos
doentes submetidos a ESD, além da vigilância endoscópica, recomenda-se a
realização de 6 em 6 meses de TC e ou ecoendoscopia alta, até aos 3 anos de
seguimento, para permitir a deteção de metastização ganglionar e à distância
[23,24].
Todos os doentes com carcinomas iniciais limitados a mucosa ou à submucosa
superficial, que não reúnam critérios de ressecção endoscópica ou que
apresentem após REM/ESD doença invasora residual, deverão realizar tratamento
cirúrgico radical[20-24].
Nos tumores distais, isto é, em que a margem proximal do tumor é distal ao
ponto de DEMEL na grande curvatura ou a mais de 5 cm do cárdia na pequena
curvatura, deverá se realizar gastrectomia subtotal radical com linfadenectomia
D1. A linfadenectomia D1 inclui as estações ganglionares n.os 1, 3, 4, 5, 6 e 7
(Fig._3)[25,26].
Nos tumores proximais, em que a margem proximal do tumor é proximal ao ponto de
DEMEL na grande curvatura ou a menos de 5 cm do cárdia na pequena curvatura,
deverá ser efectuada uma gastrectomia total radical com linfadenectomia D1 (as
estações ganglionares n.os 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7) (Fig._4)[25,26].
2. Estádio IB-III
O tratamento cirúrgico dos doentes com invasão para além da mucosa e da
submucosa superficial implica a realização de gastrectomia radical com
lindadenectomia D2[25-29].
A linfadenectomia D2 inclui a remoção das estações ganglionares 1 a 12, na
gastrectomia total, e das estações ganglionares 1,3 -9, 11 e 12, na
gastrectomia subtotal[25-30].
Nos tumores localmente avançados deverá ser ponderado a quimioterapia peri-
operatória[7].
Na gastrectomia subtotal é feita ressecção de 2/3 do estomago com
lindafenectomia das estações ganglionares 1, 3-9, 11 e 12[25-30].
Na gastrectomia total a linfadenectomia total inclui as estações ganglionares
n.os 1-12 e se houver invasão duodenal incluir também a estação ganglionar n.º
13[25-30].
Relativamente às margens cirúrgicas de ressecção parece consensual na ESMO
Gastric Cancer Guidelines 2013, GIRCG/EUNE Guidelines 2012e na Japanese Gastric
Cancer Treatment Guidelines 2010, que uma margem macroscópica proximal entre o
tumor e a junção esófago-gástrica de 5 cm é suficiente para a decisão entre
gastrectomia subtotal e total, independentemente do tipo histológico[25-29,32].
Existem propostas de uma margem proximal de 8 cm nos tumores infiltrativos, mas
que não é consensual. De acordo com as Guidelines Japonesas nos tumores
iniciais ("Early Gastric Cancer") é suficiente uma margem de 2 cm e
de 3 cm nos tumores localmente avançados do tipo expansivo[25,26]. Na dúvida,
ou quando estas regras não se aplicam, deverá ser realizado um exame
extemporâneo da margem proximal com recurso a cortes de congelação[32].
Relativamente à margem radial deve ser considerada livre de doença se for > 1
mm. Pode ser necessário, para obter uma cirurgia de resseção R0, remover órgão
adjacentes com infiltração do tumor primário (baço, colon ou corpo e cauda do
pâncreas)[25-29]. Atualmente, não parece haver benefício na sobrevivência
global, no caso de ser necessário, adicionalmente, realizar
duodenopancreatectomia cefálica para se obter uma cirurgia R0, aumentando assim
apenas a morbilidade pós-operatória[29]. A esplenectomia deverá ser realizada
quando houver invasão direta do baço ou presença de adenopatias metastáticas
hilares[31]. É discutível em doentes com tumores da grande curvatura. A margem
distal deverá ser cerca de 2 cm para além do piloro[25-29].
A linfadenectomia recomendada é D2, devendo-se efetuar a excisão de um número
igual ou superior a 25 gânglios[33-39]. O número mínimo de gânglios excisados
para realizar um estadiamento patológico, de acordo com a American Joint
Committee on Cancer (AJCC), 7ª edição de 2010, é de 15 gânglios[33-39].
Nos tumores da junção esófago-gástrica (JEG) utilizamos a Classificação de
Siewert na orientação terapêutica cirúrgica[40, 41].
Nos tumores da JEG do tipo I, devido ao seu comportamento biológico semelhante
aos adenocarcinomas do esófago, preconizamos uma esofagectomia subtotal radical
por via transhiatal ou transtorácica com anastomose cervical ou intratorácica,
respectivamente[42,43]. Não estão provadas diferenças de sobrevivência entre
estes dois tipos de técnicas.
Nos tumores da JEG do tipo II, poderá ser realizada uma esofagectomia subtotal
radical ou esófago-gastrectomia (gastrectomia total com extensão ao esófago
distal), com controlo da margem proximal e linfadenectomia abdominal D2 e
mediastínica inferior[41]. O controlo da margem proximal deverá ser realizado
em exame extemporâneo com recurso a cortes de congelação.
Relativamente aos tumores da JEG do tipo III, como biologicamente comportam-se
como tumores gástricos, recomenda-se uma gastrectomia total radical com
linfadenectomia D2[40,41].
Nos casos de tumores iniciais da JEG (cT1a) e ecoendoscopicamente uT1a, a
ressecção segmentar distal esófago-gástrica, e reconstrução com interposição de
um segmento de jejuno isoperistáltico, com cerca de 10 cm de comprimento
(Operação de Merendino), poderá ser uma opção cirúrgica[108].
A cirurgia laparoscópica gástrica deverá ser realizada em centros com volume e
experiência em cirurgia laparoscópica avançada[50]. Recomenda-se uma
experiencia acumulada de no mínimo de 30-50 cirurgias laparoscópicas por
cirurgião, e cerca de 10 a 20 cirurgias laparoscópicas por ano[53]. As
metanálises confirmam o benefício da gastrectomia subtotal laparoscópica,
relativamente, à diminuição da morbilidade pós-operatória e do mais rápido
tempo de recuperação[46-50], embora com algumas reservas aos resultados a longo
termo e à possibilidade de excisão de menor número de gânglios na
linfadenectomia[51,52]. Relativamente à gastrectomia total, ainda não é
consensual a sua realização e o tipo de anastomose esófago-jejunal[47]. O GICD
pretende desenvolver um programa no ensino da técnica e na formação de
cirurgiões na laparoscopia em colaboração com outros grupos dessa área. Assim,
recomenda-se a cirurgia gástrica laparoscópica em doentes com carcinomas
estadiados como cT1-2N0/N1 e que não tenham contraindicações absolutas para
esse procedimento[51, 25-29].
3. Tratamento Perioperatório
O tratamento sistémico perioperatório deverá ser considerado em doentes com
tumores localmente avançados[7,55]. Os carcinomas gástricos localmente
avançados são: i) tumores com invasão da serosa (cT4a); ii) tumores com invasão
de estruturas adjacentes (cT4b); iii) tumores com metastização ganglionar (cN+)
e sem metastização à distância (cM0)[10].
Os doentes com tumores localmente avançados que apresentem obstrução,
perfuração ou hemorragia grave não devem ser selecionados para quimioterapia
perioperatória, bem como aqueles doentes que apresentarem comorbilidades que
contraindiquem a realização de quimioterapia[7,55].
Com base nos exames auxiliares de diagnóstico (radiológicos (TC),
ecoendoscópicos e por laparoscopia de estadiamento), os critérios que indiciam
metastização ganglionar são os seguintes: a existência de pelo menos 1 gânglio
com mais de 3 cm ou de 3 ou mais gânglios com mais de 1,5 cm.
A quimioterapia perioperatória deverá incluir cisplatina e fluoropirimidina,
com ou sem epirrubicina[7,55]. Deverão ser realizados 2 a 4 ciclos pré-
operatórios e 2 a 4 ciclos pós-operatórios (no total de 6 ciclos)[56-60].
4. Tratamento Adjuvante
Quimioterapia Adjuvante
Na doença estádio patológico II e III, tratada por cirurgia R0 e com 15 ou mais
gânglios excisados, equacionar quimioterapia adjuvante baseada numa
fluoripirimidina[61-66]
Quimioradioterapia Adjuvante
Na doença tratada com cirurgia R1 ou cirurgia R0 com menos de 15 gânglios
excisados[68,70] equacionar quimioradioterapia (fluoripirimidina)[67,69]. A
radioterapia adjuvante tem em conta a extensão e a localização do tumor
primário, os gânglios envolvidos e o tipo de cirurgia realizada. A delimitação
do volume de radioterapia adjuvante é realizada através dos resultados da
endoscopia alta, da ecoendoscopia alta, da TC de estadiamento e dos clips
cirúrgicos colocados durante a cirurgia de resseção para delimitar o tumor/
leito gástrico e cadeias ganglionares. As áreas de inclusão da radioterapia
são: o leito cirúrgico tumoral/gástrico, áreas ganglionares de drenagem, de
acordo com a localização tumoral, anastomoses e os cotos. Na gastrectomia
subtotal, a inclusão do estômago remanescente deverá depender do balanço entre
o risco de recaída no estômago remanescente e a morbilidade nos orgãos normais
adjacentes. A dose total de radioterapia deverá ser no mínimo de 45 Gy, em
frações de 1,8 Gy, 5 frações por semana. Doses totais superiores estarão
dependentes das doses máximas e histogramas dose/volume dos órgãos em risco.
Poderá optar-se por técnicas conformacionais 3D ou outras técnicas de
radioterapia como IMRT (Intensity Modulated Radiation Therapy)ou VMAT
(Volumetric Modulated Arc Therapy)[28]
5. Doença Metastizada Estadio IV
Quimioterapia Paliativa
Para a ponderação da realização de quimioterapia paliativa versus tratamento
sintomático de suporte deverão ser consideradas as comorbilidades e o estado
geral do doente ("performance status")[79].
Na doença metastizada com recetores HER 2 negativos, o tratamento sistémico
paliativo de primeira linha deverá incluir platino e fluoropirimidina[71-78],
podendo ser equacionada adição de 3.º agente (epirrubicina ou docetaxel)
[73,74]. No tratamento paliativo de segunda linha, ponderar tratamento com
irinotecano[81-83] (pode ser acrescentado fluoropirimidina).
Na doença metastizada com recetores HER 2 positivos, o tratamento paliativo de
primeira linha deve incluir cisplatino, fluoropirimidina[71-78], e trastuzumab
[80]. No tratamento de segunda linha equacionar tratamento com irinotecano[81-
83] (pode ser acrescentado fluoropirimidina).
Radioterapia Paliativa
Os volumes de radioterapia serão adaptados à área sintomática (obstrução, dor,
hemorragia), devendo optar-se por esquemas hipofracionados[84,85].
CIRURGIA PALIATIVA
Os tumores localmente avançados iressecáveis, que tenham tido boa resposta à
quimioterapia sistémica paliativa, tornando-se potencialmente ressecáveis,
devem ser submetidos a cirurgia de resseção.
A cirurgia paliativa de resseção ou de derivação nomeadamente, a gastrectomia
paliativa, a gastrojejunostomia ou a jejunostomia de alimentação têm lugar em
casos de obstrução, perfuração e hemorragia dos tumores, se não foram passiveis
de serem resolvidas por outras técnicas/tratamentos menos invasivas(os)[85,86].
TÉCNICAS MINIMAMENTE INVASIVAS
Técnicas minimamente invasivas podem ser realizadas, em caso de obstrução
tumoral, como a colocação de próteses endoscópicas ou sondas entéricas[87,88].
No caso de hemorragia tumoral, poderá optar-se por tratamento endoscópico
local, radioterapia hemostática ou embolização vascular, por radiologia de
intervenção[87,88].
SINTOMÁTICO DE SUPORTE
Este tratamento está reservado para doentes com comorbilidades graves e/ou mau
estado geral (baixo "Performance status").
6. Seguimento
Não há evidência que um seguimento intensivo aumente a sobrevivência global
[89]. A maioria das recorrências (98%) ocorre nos primeiros 3 anos de
seguimento após cirurgia radical.
O seguimento de rotina deverá permitir a investigação e o tratamento de
sintomas, quer os relacionados com as sequelas dos tratamentos efetuados, quer
os relacionados com a eventual doença recorrente, devendo ser efetuada antes de
uma degradação significativa do estado clinico. Na doença avançada pode
permitir selecionar doentes para tratamento sistémico de segunda linha ou
inclusão em ensaios clínicos [89,90]. Na presença de sintomas deverá ser
realizado exame físico e exames radiológicos/endoscópicos para avaliação da
recorrência.
A investigação só deve ser efetuada se o doente for candidato a nova cirurgia
de resseção, no caso de recorrência loco-regional limitada (nomeadamente no
estômago restante) ou a quimioterapia/radioterapia paliativa[89,90].
7. Suporte Nutricional
Na avaliação do risco nutricional é recomendado a utilização do MUST
("Malnutricion Universal Screening Tool"), classificando o risco
nutricional em baixo (pontuação 0), médio (pontuação 1) e alto (pontuação ≥2)
[91].
Nos doentes com risco nutricional, deverá ser realizada uma consulta de
Nutrição antes de iniciar tratamento (seja cirurgia, radioterapia ou
quimioterapia), com avaliação do grau de desnutrição. Deverá ser instituído um
plano de cuidados nutricionais, encorajando o uso de suplementos orais, em
doentes que não conseguem assegurar as necessidades energéticas e proteicas com
a dieta oral[92,94,95,97,100]. Deverá também se equacionar apoios para ingestão
tal como sonda nasojejunal ou outros[99].
O doente é reavaliado antes de cada ciclo de quimioterapia e semanalmente
quando estiver a realizar radioterapia[101-103].
A nutrição parentérica nos doentes em tratamento curativo deverá ser efetuado
em casos de desnutrição grave, sem via entérica disponível, e, em casos
selecionados, no pós-operatório[93,96,98,99].
No pós-operatório, os doentes com necessidade de suporte nutricional são
aqueles em que a ingestão alimentar por via oral é insuficiente, durante um
período superior a 7 dias, ou nos doentes incapazes de manter uma ingestão oral
> 60% das necessidades energéticas diárias, durante um período superior a 10
dias[93]. A nutrição entérica (NE) ou a combinação entre NE e nutrição
parentérica (NP) são as primeiras opções[96,98,99]. Não deverá ser realizada NP
por rotina no pós-operatório imediato de cirurgia major digestiva[99].
Nos doentes com necessidade de suporte nutricional no pós-operatório, a
nutrição entérica poderá ser administrada: por sonda distal à anastomose, se a
anastomose for proximal no trato gastrintestinal; por jejunostomia ou sonda
nasojejunal, em doentes submetidos a cirurgia abdominal major[93,99].
Deverá ser feito um plano nutricional na alta hospitalar com ensino e educação
alimentar. O seguimento do doente em ambulatório é igualmente fundamental, com
reavaliações periódicas de duas em duas semanas e se necessário com
periodicidade maior[96].
8. Anatomia Patológica
O relatório de anatomia patológica deverá incluir no exame de macroscopia: o
tipo de peça operatória; as dimensões da pequena e grande curvatura; as
dimensões das margens esofágica e duodenal e outros órgãos incluídos; a
localização do tumor; a configuração do tumor; as suas dimensões; a distância
às margens; a profundidade de invasão estimada; a restante mucosa; e os
gânglios linfáticos isolados, de acordo com as recomendações da OMS[104].
O exame de microscopia deve conter: o tipo histológico(de acordo com a
Classificação da OMS): adenocarcinoma papilar, adenocarcinoma tubular,
adenocarcinoma mucinoso, adenocarcinoma pouco coeso (inclui carcinoma de
células em anel de sinete e outras variantes), adenocarcinoma misto, carcinoma
adenoescamoso, carcinoma com estroma linfóide (carcinoma medular), carcinoma
espinocelular, adenocarcinoma hepatóide, carcinoma espinocelular e carcinoma
indiferenciado; otipo histológico de acordo com outras classificações, tais
como: Classificação de Lauren (adenocarcinoma de tipo intestinal,
adenocarcinoma de tipo difuso, adenocarcinoma de tipo misto e de tipo
indeterminado) e Classificação de Ming (expansivo ou infiltrativo de acordo com
padrão de invasão); o grau histológico: bem diferenciado (mais de 95% de
estruturas glandulares), moderadamente diferenciado (entre 50 e 95% de
estruturas glandulares) e pouco diferenciado (menos de 50% de estruturas
glandulares) nos adenocarcinomas tubulares ou papilares; a profundidade de
invasão(pT): limitado à lâmina própria ou muscular da mucosa - adenocarcinoma
intramucoso (pT1a), invasão da submucosa (pT1b), invasão da camada muscular
própria (pT2), invasão da subserosa (pT3), invasão da serosa (peritoneu
visceral), sem invasão das estruturas adjacentes (pT4a) e invasão das
estruturas adjacentes (pT4b); as imagens de invasão(vascular, linfática, venosa
e perineural); as margens cirúrgicas(proximal, distal, radial (omental), a
margem mais próxima e a distância do tumor à margem mais próxima); e os
gânglios linfáticos(n° de gânglios isolados (número total), n° de gânglios
metastizados (pN), tamanho da maior metástase e o crescimento tumoral
extraganglionar - Observado/Não observado). Os gânglios enviados devem
referenciados de acordo com as estações ganglionares.
No caso de ter sido efetuado, também se deverá incluir a resposta ao tratamento
neoadjuvante, através do grau de regressão tumoral[105,106].
Deve ser realizado doseamento do HER 2 nos carcinomas localmente avançados ou
metastizados[107].
Peritos consultores:
António Bettencourt, João Gíria, Henrique Ferrão, Jorge Penedo, Daniel Cartuxo,
Jorge Caravana, Caldeira Fradique, João Paulo Guerra, Jorge Guimarães, Fernanda
Sousa, Rui Henrique, Manuel Jácome, Maria Fragoso, Pina Vaz, Giovanni Corso,
Rui Quintanilha.