Laparoscopia no estadiamento do Carcinoma do Pâncreas
INTRODUÇÃO
O adenocarcinoma do pâncreas é a neoplasia pancreática exócrina mais comum e
representa cerca de 75-85% de todos os tumores malignos do pâncreas. [1] Ocupa,
mundialmente, o décimo terceiro lugar de incidência de cancro. [2] No entanto,
representa a oitava principal causa de morte relacionada com o cancro, nos
homens (138, 100 mortes anualmente) e a nona nas mulheres (127, 900 mortes
anualmente). [3] O prognóstico para os doentes diagnosticados com este
carcinoma permanece reservado, com uma taxa de sobrevida geral aos 5 anos menor
do que 4%. [1]
O único tratamento potencialmente curativo é a cirurgia de resseção tumoral,
mas só é possível em 15-20% dos novos casos diagnosticados. Esta neoplasia
caracteriza-se por rápida invasão local e metastização precoce. Cerca de 40%
dos doentes apresenta doença localmente avançada e igual número possui doença
metastizada. Desta forma, cerca de 80-85% dos doentes recebem tratamento
paliativo ou neoadjuvante. [1, 4]
Assim sendo, o estadiamento preciso é um passo crucial na determinação da
abordagem terapêutica mais adequada no carcinoma pancreático. [5-8] O principal
objetivo é identificar doentes com tumores potencialmente curáveis por
cirurgia, evitando uma intervenção cirúrgica desnecessária naqueles com tumores
incuráveis. [5] Contudo, apesar do avanço no estadiamento pré-operatório, cerca
de 10-48% dos doentes classificados como potencialmente curáveis na tomografia
computadorizada (TC) pré-operatória apresentam doença metastizada ou localmente
avançada que apenas será identificada no momento da cirurgia. [5, 8-14]
Desta forma, na tentativa de selecionar a melhor abordagem terapêutica e evitar
laparotomias desnecessárias, a laparoscopia de estadiamento foi proposta para
identifi de doença metastizada ou localmente avançada não identifi de outra
forma. [10, 14, 15]
Este trabalho tem como objetivo rever o papel da laparoscopia no estadiamento
no adenocarcinoma do pâncreas.
MATERIAL E MÉTODOS
Foi efetuada uma pesquisa bibliográfica na base de dados PubMed, utilizando os
seguintes termos MeSH: "pancreatic neoplasms",
"adenocarcinoma", "laparoscopy", "neoplasm
staging". Foram considerados todos os artigos publicados até Setembro de
2012, na língua inglesa ou portuguesa, abrangendo tanto revisões sistemáticas
como artigos originais. Foram selecionados os artigos que se enquadravam nos
objetivos do trabalho referentes a técnicas de estadiamento no adenocarcinoma
do pâncreas, em particular a laparoscopia. Foi considerada bibliografia
adicional por referência dos artigos selecionados inicialmente.
RESULTADOS
Técnicas de imagem
As técnicas de imagem desempenham um papel importante no estadiamento do
carcinoma do pâncreas sendo as mais utilizadas a TC, a ressonância magnética
nuclear (RMN), a ecografia endoscópica, a ecografia abdominal e a tomografia
por emissão de positrões (PET).
O meio de estadiamento mais validado é a TC, que permite avaliar a localização
do tumor primário, a extensão loco-regional, a invasão vascular e a
metastização à distância. [7, 16] A TC possui elevado valor preditivo de doença
incurável (90%-100%), mas menor valor preditivo de potencial curabilidade (76%-
90%). [17, 18] O uso de pelo menos duas técnicas de imagem é cada vez mais
consensual, sendo a combinação da TC com a ecografia endoscópica a estratégia
com melhor relação custo-benefício. [16, 18]
A ecografia endoscópica quando comparada com a TC, a RMN ou a angiografia,
demonstra maior precisão na avaliação do tamanho do tumor e do envolvimento
vascular e ganglionar. Contudo, não permite a deteção de metástases à distância
e a sua qualidade é operador-dependente. Poderá vir a ser aperfeiçoada através
de novas técnicas, como a ecografia endoscópica contrastada e a reconstrução 3D
adicional. [16, 19]
Permite, ainda, a confirmação histopatológica, sendo preferível a biópsia
guiada por endoscopia pois está associada a maior acuidade diagnóstica, maior
segurança e potencialmente menor disseminação peritoneal. [18, 19]
A RMN surge como uma alternativa à TC, com capacidade semelhante de predição de
envolvimento vascular e ganglionar. Alguns autores consideram que poderá ser
superior na deteção de pequenas metástases peritoneais e hepáticas mas utilizam
os dois métodos indistintamente. [18, 20]
O papel da PET permanece por esclarecer. A sua utilização deve ser considerada
para deteção de metástases extra-pancreáticas não identificadas de outra forma,
em doentes de "alto-risco", após TC pancreática protocolada. Não é,
por isso, um substituto da TC contrastada. [18, 21]
A radiografia ou TC torácica é normalmente recomendada na avaliação dos doentes
com carcinoma pancreático, ao contrário da cintigrafia óssea que revela pouco
interesse pois apenas em alguns casos está presente envolvimento ósseo no
momento do diagnóstico. [14, 18]
Laparoscopia de estadiamento
O avanço na qualidade de resolução das técnicas de imagem reduziu o benefício
da laparoscopia no estadiamento de doentes com carcinoma pancreático e tornou o
seu papel mais controverso. [11, 22, 23] Em estudos prospetivos, com amostras
de 104 a 1045 doentes, foi reportado um decréscimo de utilidade da laparoscopia
de estadiamento de 20%-45% para 1,8%-14%, após a introdução da TC com
multidetetores. [22, 23]
No entanto, os métodos atuais continuam a ser insuficientes para deteção de
pequenas metástases peritoneais e hepáticas. [10, 12, 16] A determinação da
potencial curabilidade do carcinoma pancreático continua, por isso, a ser um
desafio, pois cerca de 10-48% dos doentes classificados por TC pré-operatória
com tumor potencialmente curável apresentam doença incurável que apenas será
identificada no momento da cirurgia. [5, 8-14, 22, 24, 25]
A laparoscopia tem ainda um papel no estadiamento de doentes com carcinoma
pancreático potencialmente curável, com sensibilidade de 94% (93-100%),
especificidade de 88% (80-100%) e acuidade de 89% (87-98%) na deteção de
metástases peritoneais e hepáticas imagiologicamente ocultas. [5, 11, 22, 26,
27] Aumenta, por isso, a determinação de tumores incuráveis em 10-15% nos casos
classificados como potencialmente curáveis por TC pré-operatória. [11, 14, 19]
No entanto, a taxa de falsos negativos na identificação de metástases
peritoneais e hepáticas continua alta (16%-26%), mesmo em mãos experientes. [9,
26] A sensibilidade para identificação de invasão local é claramente inferior
(cerca de 58%). [19, 26] As principais limitações da laparoscopia são a
observação de metástases não superficiais e a avaliação da relação entre o
tumor e estruturas adjacentes. [19, 28]
Os benefícios da laparoscopia são bem conhecidos: diminuição da dor pós-
operatória, do tempo de internamento e recobro; melhores resultados estéticos e
menor morbilidade em relação à laparotomia. [9, 29, 30] A mortalidade e
morbilidade relatadas da laparoscopia de estadiamento estão entre 0-0,05% e 0-
3,7%, respetivamente. [9, 22, 26, 30, 31] As complicações devido à laparoscopia
incluem infeção local, hemorragia e lesão intestinal no momento de inserção dos
trocares. [29, 30] Em relação à laparotomia, a laparoscopia de estadiamento
diminui significativamente o tempo de internamento e tende a diminuir o tempo
até ao início de quimioterapia em doentes com tumor incurável. [26, 30, 32]
Embora a segurança oncológica da laparoscopia tenha sido questionada, não foi
relacionada com risco aumentado de recorrência ou de progressão peritoneal nem
influenciou negativamente o prognóstico ou sobrevida dos doentes com carcinoma
do pâncreas em que foi utilizada para estadiamento. [29, 33, 34, 35]
Ecografia laparoscópica
De forma a aumentar a acuidade da laparoscopia no reconhecimento de pequenas
metástases intra-hepáticas e de envolvimento vascular e ganglionar, alguns
autores propõem o uso da ecografia laparoscópica aumentando a acuidade
diagnóstica da laparoscopia em cerca de 12-14%[22, 27,] visto ter
sensibilidade, especificidade e acuidade geral de cerca de 100%, 91-94% e 95-
96% respetivamente.
A laparoscopia com ecografia é viável em mais de 94% dos casos; as aderências
peritoneais que impossibilitem o exame com o ecógrafo são a principal razão do
insucesso por razões técnicas. [9, 22, 31] Pode ser realizada num intervalo de
tempo aceitável, sem aumento significativo da morbilidade, mesmo com a
necessidade de disseção.[27] O estudo Doppler complementar pode, ainda,
auxiliar na determinação da permeabilidade vascular. [27] No entanto, quanto
maior a proximidade entre o tumor e os vasos adjacentes mais difícil se torna
avaliar a sua ressecabilidade pelo que, no caso de contacto próximo entre estas
estruturas, nem a TC nem a ecografia laparoscópica são conclusivas e a
laparotomia é a única solução. [19, 22]
Citologia peritoneal
Durante a laparoscopia pode ser realizada biópsia de lesões suspeitas e lavagem
peritoneal com recolha de líquido ascítico, se presente, para posterior
avaliação por exame citológico. [27] Há células malignas em 7 a 30% das
lavagens peritoneais efetuadas embora a sua importância clínica isolada
permaneça por esclarecer. [36]
O estadiamento TNM pelo American Joint Committee on Cancerassim como as
guidelinesda National Comprehensive Cancer Networkconsideram que citologia
positiva na lavagem peritoneal representa metástase à distância (M1),
indicativo de doença em estadio IV. [18, 37] A laparoscopia com lavagem
peritoneal pode, neste caso, re-estadiar como estadio IV cerca de 29% dos
doentes classificados imagiologicamente como estadio III. [38] A citologia
peritoneal positiva está relacionada, como variável independente, com pior
prognóstico e metastização precoce, e por isso deve ser considerada contra-
indicação para cirurgia radical de resseção. [36, 38, 39] De facto, doentes com
lavagem peritoneal positiva e sem metástases à distância, submetidos a resseção
cirúrgica, apresentam sobrevida significativamente menor comparativamente
àqueles com lavagens peritoneais negativas, e semelhante à dos doentes com
carcinoma do pâncreas em estadio IV. [39,40] Contudo, a quimioterapia
neoadjuvante, em casos de citologia positiva, poderá permitir resultados
semelhantes aos obtidos nos doentes com citologia negativa, para o mesmo
estadio, embora haja ainda uma curta experiência.[40, 41, 42, 43] De qualquer
forma, a positividade isolada da citologia peritoneal não deve representar
necessariamente uma contra-indicação cirúrgica. [41-44] A citologia
convencional depende do patologista e da celularidade da amostra, o que pode
comprometer a sua sensibilidade. [45] A reação em cadeia da polimerase-
transcriptase reversa foi proposta como forma de melhorar a sensibilidade de
deteção de micrometástases peritoneais. [45, 46] O mRNA que codifica o
antigénio carcino-embrionário (CEA) é o marcador mais sensível e específico,
positivo em 10% de doentes com citologia peritoneal negativa e sem outra
evidência de doença mestastizada. [46]
Em conclusão, o valor preditivo da citologia peritoneal como fator de risco
independente na identificação de doença incurável e na avaliação de sobrevida
mantém-se controverso. Ainda assim, a sua positividade para células malignas
está contemplada como doença metastática por guidelinesimportantes. [18, 37]
Desta forma, a lavagem peritoneal aumenta a sensibilidade da laparoscopia pré-
operatória, identificando uma percentagem adicional de doentes (8%) com
adenocarcinoma incurável por cirurgia. [9, 36]
Não há estudos sobre a relação custo-benefício deste suplemento,
particularmente quando o resultado é esperado para determinar a realização ou
não de resseção no mesmo procedimento.
Laparoscopia de fluorescência
Na inspeção visual laparoscópica, pequenas metástases peritoneais podem ser
impercetíveis ou confundidas com tecidos normais circundantes, mesmo quando se
recorre a grande ampliação da imagem. [47, 48] Assim sendo, técnicas de
marcação tumoral podem revelar-se importantes na localização mais precisa quer
do tumor primário, quer de metástases. [47, 49, 50]
Alguns marcadores fluorescentes, como o ácido 5-aminolevulinico e o seu
metabolito protoporfirina IX, já foram aplicados à laparoscopia em humanos para
distinguir tumores (pancreático, esófago-gástrico, hepático). [51] No entanto,
o seu sinal é fraco (podendo requerer escurecimento da imagem de fundo) e não é
específico de tumores malignos (podendo marcar também lesões benignas),
necessitando de ser melhorado. [48]
A aplicação em humanos de modelos experimentais, nomeadamente de anticorpos
contra antigénios tumorais marcados com substâncias fluorescentes, como o CA
19-9 e o CEA, pode melhorar a deteção das lesões. [48, 52] A utilização de
anticorpos monoclonais e substâncias fluorescentes é segura e eficaz em
humanos, [47, 49] mas ainda não foi aplicada no estadiamento clínico. [49]
O CEA e o CA 19-9 são fortemente positivos em cerca de 98% e 85-94% da imuno-
histoquímica dos adenocarcinomas do pâncreas, respetivamente. Embora alguns
tecidos normais (pâncreas, estômago, ductos biliares) expressem pequenas
quantidades, a ligação do anticorpo monoclonal a tecidos não tumorais será
relativamente baixa e insuficiente para obscurecer o sinal de fluorescência.
[47, 49, 52]
A substância fluorescente deve ter uma forte intensidade de sinal mas também
uma duração estável. [47] O sinal fluorescente é absorvido e disperso pelos
tecidos adjacentes, o que pode comprometer a visualização de pequenas
metástases profundas em órgãos sólidos como o fígado. [47]
Para além do marcador com a correta intensidade de sinal, é necessário o
conjunto certo de instrumentos. Um laparoscópio de fluorescência deve maximizar
o sinal fluorescente do tumor de forma a facilitar a sua identificação mas deve
também fornecer uma nítida imagem de fundo dos tecidos adjacentes para permitir
a orientação espacial, o que adquire especial importância quando a técnica é
usada com fins terapêuticos. [48, 52]
Neste contexto, tumores primários ou metastáticos de difícil visualização pela
simples inspeção laparoscópica quando marcados com anti-CA 19-9 ou anti-CEA são
claramente distinguidosdostecidosadjacentes. [47, 49] A laparoscopia de
fluorescência pode diminuir a taxa de falsos negativos da técnica (em 18 a 26%
dos casos) já que permite a deteção de lesões tumorais menores do que 1 mm2.
[49, 52] Foram descritos aumentos de sensibilidade até 100%. [52, 53] Este novo
método é transponível para a prática clínica, com capacidade de ampliação do
papel da laparoscopia no estadiamento do carcinoma pancreático. [52, 53]
Para além da laparoscopia de fluorescência, esta técnica pode ser utilizada
durante a laparotomia, com recurso a uma lanterna LED, [47] aumentando a taxa
de resseções completas e diminuindo a carga tumoral pós-operatória, em modelos
experimentais.[50]
Doença localizada
No sentido de evitar laparotomias desnecessárias, muitos centros incluem,
sistematicamente ou seletivamente, a laparoscopia pré-operatória na sua
abordagem a doentes com tumor imagiologicamente considerado potencialmente
curável. [8, 10, 12-14, 18]
Os defensores do seu uso sistemático consideram inaceitável a incidência de
metástases não identificadas imagiologicamente encontradas durante a
intervenção cirúrgica. [32, 54] Em 2010, foi publicada uma meta-análise na qual
se conclui que a laparoscopia de estadiamento oferece benefício significativo a
doentes com tumor pancreático potencialmente curável, na medida em que pode
evitar até 50% de laparotomias desnecessárias. Os autores defendem, portanto,
que a técnica deve ser utilizada sistematicamente na prática clínica de acordo
com um algoritmo criterioso. [26] No entanto, a maioria dos estudos da última
década não favorece esta abordagem e sugere o seu uso seletivo em doentes com
risco de doença avançada ou metastizada. [8] A utilização seletiva tem uma
melhor relação custo-benefício já que, perante a utilização de um método de
imagem de alta qualidade, apenas uma pequena percentagem de doentes beneficiará
deste procedimento. [31, 55] O estadiamento combinando a TC, a ecografia
endoscópica e a laparoscopia seletiva permite uma elevada taxa de resseções,
com consequente diminuição de intervenções cirúrgicas desnecessárias. [18, 19,
56]
Assim sendo, vários autores têm vindo a tentar identificar critérios pré-
operatórios que possam auxiliar na seleção de doentes de alto-risco de doença
incurável não identificada. [15, 57-61]
Critérios pré-operatórios
Há mais de uma década, Pisters et al.[28] consideraram como fatores de risco de
doença metastizada não identificada, a dimensão do tumor primário, a
localização no corpo ou na cauda do pâncreas, achados imagiológicos suspeitos
(ascite de baixo volume, sinais de carcinomatose, pequenas regiões hipodensas
no parênquima hepático não acessíveis por biópsia percutânea) e sinais clínicos
e laboratoriais (hipoalbuminemia e/ou perda de peso marcadas, aumento
significativo dos níveis de CA 19-9, dor intensa com necessidade de analgesia).
Slaar et al.[8] estudaram, num total de 385 doentes com ou sem metástases
encontradas intra-operatoriamente, a associação entre vários fatores e a
presença de metástases. A análise de regressão logística revelou os seguintes
fatores preditivos: tamanho do tumor primário na TC (odds ratio (OR) 1,43;
intervalo de confiança (IC) 1,16-1,76), perda de peso (OR 1,28; IC 1,01-1,63) e
história de icterícia (OR 2,36; IC 0,79-7,06). Em doentes com tumor ≥ 3 cm e
com perda de peso superior a 10 kg, ou em doentes com tumor ≥ 4 cm e perda de
peso superior a 5 kg, a proporção de doentes com metástases foi superior a 40%.
A laparoscopia pode, por isso, revelar mais interesse neste grupo de doentes.
[8]
Vários outros autores corroboram a utilização do tamanho tumoral (≥ 3 cm) como
preditor de doença incurável e critério de seleção para estadiamento com
laparoscopia. [14, 17, 30, 62] Também a perda de peso [19, 23], a dor na região
lombar [19], achados duvidosos na TC [17] e a idade do doente (> 65 anos) [63]
têm sido apontados nesta seleção.
A localização do tumor primário no corpo ou na cauda do pâncreas tem sido
associada com maior proporção de metástases intraperitoneais, provavelmente
pelo seu estadio mais avançado no momento do diagnóstico. [9, 32] Liu et al.
[64] mostraram que neoplasias com esta localização, em comparação com as
encontradas na cabeça do pâncreas, têm o dobro de probabilidade de apresentar
metástases apenas identificadas durante a laparoscopia (53% versus 28%,
respetivamente).
Marcadores tumorais pré-operatórios
O marcador tumoral mais utilizado para o adenocarcinoma pancreático é o CA 19-
9, antigénio derivado de uma via de produção aberrante do sistema Lewis pelo
epitélio de órgãos digestivos. [65] Será indetetável apenas em doentes que não
exprimem nenhum antigénio Lewis (a, b). A maioria dos doentes com
adenocarcinoma do pâncreas serão, então, secretores de CA 19-9 e terão níveis
doseáveis. [15, 66, 67] O antigénio CA 19-9 está disponível há mais de duas
décadas mas o seu papel exato na orientação de doentes com carcinoma
pancreático ainda está por definir. [15, 66, 67]
Doentes com tumor curável no momento da exploração cirúrgica têm níveis médios
pré-operatórios de CA 19-9 de cerca de 70-131 U/ml enquanto doentes com doença
incurável possuem valores médios de 374-622 U/ml. [15, 57, 60] Um doseamento
sérico de CA 19-9 maior do que 150 U/ml tem um valor preditivo positivo de 88%
na identificação de doença incurável em doentes imagiologicamente classificados
como potencialmente curáveis. [57] Por outro lado, valores ≤ 150 kU/l têm um
valor preditivo positivo de doença curável no momento da avaliação
laparoscópica de 95%. [58] Outros autores propõem valores diferentes, entre 130
e 256 U/ml.[15, 60]
A integração do CA 19-9 na prática de estadiamento do adenocarcinoma do
pâncreas pode aumentar a utilidade da laparoscopia para 20-27%. [15, 59] Ainda
que os pontos de cutoffindicados sofram alguma variação (de 130 a 256,4 U/ml)
entre os vários estudos publicados, a maioria conclui que os níveis pré-
operatórios mais altos de CA 19-9 estão fortemente associados à identificação
de doença incurável não identificada, e assim, podem auxiliar na seleção de
doentes para estadiamento com a laparoscopia. [15, 57-61] Em doentes com
adenocarcinoma pancreático imagiologicamente definido como potencialmente
curável, o uso seletivo da laparoscopia de estadiamento de acordo com o tamanho
tumoral (≥ 3 cm) e o doseamento de CA 19-9 (≥ 150 U/L) diminui a frequência de
laparotomias desnecessárias em 15%. [30] Pode considerar-se como critérios pré-
operatórios mais importantes o tamanho primário do tumor (≥ 3 cm), a sua
localização no corpo ou na cauda do pâncreas e níveis séricos de CA 19-
9 elevados (≥ 150 U/mL). [17, 18]
Para além do adenocarcinoma do pâncreas, os níveis de CA 19-9 podem estar
elevados noutras condições não-pancreáticas (quistos ováricos, artrite
reumatóide, diverticulite), biliares (coledecolitíase, colangiocarcinoma),
pancreáticas benignas e lesões precursoras de malignidade (neoplasia
pancreática mucinosa intra-ductal, neoplasia pancreática intra-epitelial). [65]
Assim sendo, o doseamento de CA 19-9 tem limitações de especificidade pelo que
tem sido sugerido a alteração do ponto de cutoffdos 150 U/ml de CA 19-9 para
300 U/ml, na presença de icterícia ou bilirrubina sérica > 35 µmol/l. [58, 61,
66, 68] Com este ajuste, a utilidade da laparoscopia de estadiamento poderia
subir de 15% para 25% e a técnica poderia ser evitada em 55% dos doentes. [58]
No entanto, o valor do CA 19-9 tem sido demonstrado como fator independente de
prognóstico, quer em relação às bilirrubinas, quer em relação à localização do
tumor no pâncreas. [15, 63]
Os tumores localmente invasivos propiciam lesão tecidual adjacente que resulta
em resposta inflamatória local e sistémica, tornando mais úteis marcadores
inflamatórios como a Proteína C-reativa (PCR), a contagem de plaquetas e de
linfócitos, o que explica que doentes submetidos a resseção cirúrgica de
intenção curativa com baixos níveis de marcadores inflamatórios associados
tenham melhor sobrevida média.[61, 63, 66]
Doentes com tumor peri-ampular localmente avançado apresentam uma razão média
de plaquetas/ linfócitos superior igual ou superior a 150 e o uso integrado com
o CA 19-9 elevaria a especificidade deste de 73% para 96%. [66] A razão
neutrófilos/linfócitos tem alto valor preditivo positivo para irressecabilidade
(88,9%), podendo ter um papel no processo de estadiamento. [63]
A resposta inflamatória do doente deve ser aprofundada de forma a comprovar a
sua relação com a ressecabilidade e o prognóstico do adenocarcinoma
pancreático. [63]
Doença localmente avançada
A maioria dos artigos publicados no contexto de laparoscopia de estadiamento no
carcinoma do pâncreas concentra-se em doentes com tumor localizado, que
representam uma pequena percentagem desta neoplasia, com vista ao tratamento
potencialmente curativo. [54]
Em doentes com tumor localmente avançado o tratamento neoadjuvante, incluindo
radioterapia, para controlo loco-regional e tentativa de indução de regressão
tumoral que possibilite uma intervenção curativa pode ter um papel. [9, 64] No
entanto, 33-37% destes doentes têm doença metastizada oculta identificada pela
laparoscopia, tornando o tratamento inadequado e com morbilidade desnecessária.
[25, 32, 54, 64] Assim sendo, os doentes com tumor irressecável candidatos a
terapia neoadjuvante devem ser submetidos a laparoscopia de estadiamento que
permitirá a seleção do tratamento mais adequado. [25, 54, 64, 70]
CONCLUSÃO
Embora a TC se mantenha como o método com maior acuidade no estadiamento do
carcinoma do pâncreas, a laparoscopia deve continuar a ser considerada neste
processo. [11, 22, 26]
O seu interesse reside na deteção de pequenas metástases hepáticas e
peritoneais imagiologicamente ocultas, com acuidade de 89%. [27] Porém,
apresenta como principal limitação a avaliação de invasão local e de metástases
intra-hepáticas. [27, 28] O uso complementar da ecografia laparoscópica pode
auxiliar neste aspeto, aumentando a acuidade diagnóstica em cerca de 12-14%.
[27] Também a citologia peritoneal pode aumentar a sensibilidade da
laparoscopia, com identificação adicional de 8% de doentes com doença incurável
por cirurgia. [9, 36] No futuro, introduzindo a laparoscopia de fluorescência
na a prática clínica, neoplasias primárias ou metástases de difícil
visualização (com menos de 1 mm2) poderão ser claramente distinguidas dos
tecidos adjacentes, com aumento de sensibilidade da técnica. [52, 53]
O uso seletivo da laparoscopia de estadiamento em doentes com risco de doença
avançada ou metastizada não identificada, tem a melhor relação custo-benefício.
[30, 55] Os critérios pré-operatórios mais importantes são o diâmetro do tumor
primário igual ou superior a 3 cm, a sua localização no corpo ou na cauda do
pâncreas e os níveis séricos de CA 19-9 iguais ou acima de 150 U/mL. [17, 18]
O processo de estadiamento de doentes com adenocarcinoma do pâncreas combinando
a TC, a ecografia endoscópica e a laparoscopia seletiva permite uma elevada
taxa de resseções, com consequente diminuição de intervenções cirúrgicas
desnecessárias (Figura_1). [18, 19, 56] Nos doentes com tumor localmente
avançado irressecável deve considerar-se a realização de laparoscopia de
estadiamento naqueles em que a identificação de doença metastizada oculta possa
interferir na opção terapêutica. [25, 54, 64]