Prevenção da Sépsis Pós-esplenectomia: criação de um protocolo de vacinação e
educação do doente esplenectomizado
INTRODUÇÃO
No início do século XX, Morrise Bullockforam os primeiros a evidenciar a função
protectora do baço contra as infecções através de experiências em ratos
esplenectomizados.(1) Algumas décadas mais tarde, Kinge Schumackerreportaram
uma série de casos de infecções graves provocadas por bactérias capsuladas, em
crianças após esplenectomia.(2) Em 1981, nos EUA, Barron J. et alrealizaram um
estudo retrospectivo referente a 298 doentes adultos tendo identificado uma
incidência de 2,7% de morte por sépsis pós-esplenectomia, o que corresponde a
uma taxa 2700-vezes superior à incidência verificada de morte por sépsis na
população geral (0.001%).(3)
A sépsis pós-esplenectomia, ainda que rara, é por isso uma entidade que deve
ser prevenida pela elevada mortalidade associada. (1) Foram propostas várias
estratégias de prevenção desde as formas mais básicas de educação até aos
esquemas de vacinação e antibioterapia profiláctica. Contudo, a adesão a estas
medidas tem sido avaliada em alguns países e revela-se insuficiente.(4, 5, 6,
7) Portugal não parece ser excepção, mas não existem dados publicados que o
afirmem ou infirmem, assim como não existem protocolos disponíveis aplicáveis a
estes doentes. Existe apenas uma breve referência à vacinação no doente
esplenectomizado no Plano Nacional de Vacinação. Sentiu-se, assim, a
necessidade de criar um protocolo que possibilite uma melhor prática clínica,
impedindo que ainda existam doentes esplenectomizados sem qualquer medida
preventiva da sépsis pós-esplenectomia.
MATERIAL E MÉTODOS
Com o objectivo de criar um protocolo de vacinação e de educação do doente
adulto esplenectomizado, procedeu-se a uma revisão da bibliografia sobre o
tema. A principal base de dados utilizada foi o PubMedcom as palavras-chave
"postsplenectomy and immunization",tendo-se obtido um total de 53
artigos entre Janeiro de 1995 e Julho de 2013, dos quais apenas se consultaram
os considerados relevantes, excluindo todos os que se referiam apenas à
população pediátrica. Consultou-se também com as palavras-chave
"postsplenectomy and education" e "postsplenectomy and
antibiotic prophylaxis"obtendo-se 23 e 22 artigos, respectivamente, para
o mesmo período acima citado, com alguns artigos sobrepostos. Para complementar
a pesquisa, consultaram-se ainda a base de dados Google, o UptoDatee as
recomendações mais recentes do Centers for Disease Control and Prevention(CDC)
e da Direcção Geral de Saúde (DGS).
A partir da revisão efectuada da literatura, foi construída uma proposta de
norma de orientação clínica que inclui o protocolo de vacinação, um documento
informativo para o médico assistente e um cartão para o doente
esplenectomizado.
RESULTADOS. REVISÃO
O Baço e as suas funções
O baço, um órgão linfo-reticular, apresenta múltiplas funções que variam desde
a vida fetal até à vida adulta. A hematopoiese é efectuada durante a vida
intra-uterina, podendo voltar a ser despoletada por estímulos patológicos na
vida adulta.
Após o nascimento, tem funções vitais relacionadas com a imunidade, desde a
produção de células que compõem o sistema imunitário até à produção de IgM e de
substâncias - a tuftsina, as properdinas e outras opsoninas, que permitem
a optimização do sistema de defesa imunitária face aos microorganismos
capsulados. A opsonização, através das moléculas do sistema complemento ou das
moléculas derivadas do baço como as properdinas e a tuftsina, possibilita a
identificação das bactérias pelos macrófagos esplénicos e hepáticos e a sua
consequente fagocitose. (1) O baço assume uma importância fundamental nas
infecções pelas bactérias capsuladas, uma vez que a sua opsonização é
totalmente assegurada pelas moléculas produzidas pelo baço e não pelo sistema
complemento. (1) Para além deste mecanismo de acção, a resposta imunitária às
bactérias capsuladas ainda necessita da produção de IgM pela população de
células B memória, existentes na zona marginal esplénica.(1)
O baço tem também uma importante papel ao nível da "reciclagem" da
população eritrocitária, permitindo a remoção dos eritrócitos anormais
("filtering") ou envelhecidos ("culling") ou de
inclusões eritrocitárias ("pitting").(1) Ainda é capaz de remover
os parasitas intra-celulares como os Plasmodium.(1) Estes funções são possíveis
devido à conformação anatomo-funcional do baço: o sangue entra através dos
cordões esplénicos da polpa vermelha, passando através do epitélio fenestrado
até aos seios venosos, onde o fluxo é mais lento, o que permite a identificação
e a remoção dos eritrócitos anormais e das bactérias pelos macrófagos
esplénicos.(1)
Por fim, é responsável pelo armazenamento de um "pool"de
eritrócitos e de plaquetas, habitualmente libertados em circulação na presença
de determinados estados de stressfisiológico.(8)
Apesar das funções aparentemente imprescindíveis exercidas, é possível
sobreviver na ausência anatómica ou funcional do baço.
O risco de sépsis pós-esplenectomia
A ausência das funções esplénicas pode dever-se a várias causas desde a sua
ausência anatómica e/ou funcional, impedindo o seu normal funcionamento, até à
sua ablação cirúrgica na sequência de um traumatismo, iatrogenia cirúrgica ou
doença hematológica. Em centros de referência, a principal causa de
esplenectomia é a doença hematológica, imunológica ou oncológica, em cerca de
54%, por oposição aos 16% por trauma.(1, 7) No entanto, esta situação não é
semelhante em todos os hospitais.(1)
Sendo a imunidade uma das funções nobres do baço, obviamente que o doente
esplenectomizado ou asplénico ficará mais susceptível a infecções por qualquer
microorganismo, sejam bactérias, vírus, fungos ou protozoários. (2) Os mais
comummente envolvidos são as bactérias capsuladas: Streptococcus pneumoniae,
Neisseria meningitidise Haemophilus influenzaetipo b.(1, 2, 4) O S. pneumoniaeé
responsável por mais de 50% dos casos na maioria das séries publicadas.(2, 4,
7) O Haemophilus influenzaetipo b e a Neisseria meningitidissão a 2º e 3ª maior
causa de sépsis nestes doentes, respectivamente.(7) Há, no entanto, outros
microorganismos, menos comuns, passíveis de causar infecção grave por ausência
das funções esplénicas, como a Babesia, o Plasmodium, a Ehrlichiaspp, a
Bordetella holmessi, a Escherichia coli, a Pseudomonas aeruginosa e, mais
raramente ainda, o Enterococcus sp., o Bacteroides sp e a Bartonella sp.(1, 4,
7)
Na literatura em língua inglesa, usa-se com frequência a sigla OPSIpara
designar a sépsis fuminante, a pneumonia ou a meningite causadas principalmente
por Streptococcus pneumoniae, Neisseria meningitidise Haemophilus
influenzaetipo b, nos doentes esplenectomizados. Habitualmente, a
OPSIcaracteriza-se por um quadro clínico de febre, arrepios, mialgias, vómitos,
diarreia e cefaleias. Progride, em poucas horas, para uma situação de choque
séptico com anúria, hipotensão, hipoglicemia e, frequentemente, com coagulação
intravascular disseminada e hemorragia da supra-renal (Síndrome de Waterhouse-
Friderichsen), levando à falência multiorgânica e à morte.(1, 7) Outra
característica é tratar-se de uma situação séptica sem que se encontre o foco
infeccioso.(2)
A sépsis causada pelos microorganismos atrás referidos, ainda que rara (até
cerca de 2%), constitui uma condição letal em cerca de 50% dos atingidos,
ocorrendo a maioria das mortes num espaço de tempo inferior a 24h, constituindo
assim uma emergência médica.(1, 4, 9) Num dos maiores estudos (2795 doentes),
sobre a incidência de sépsis após esplenectomia, conduzido por Singere
publicado em 1973, encontrou-se uma incidência de 4.25% com uma taxa de
mortalidade de 2.52%, tendo-se concluído que o risco de mortalidade por sépsis
nestes doentes é cerca de 200-vezes superior à população geral .(7) No entanto,
nem todos os estudos mostraram incidências e mortalidade tão elevadas.(7)
Calcula-se que o risco de OPSI nos doentes esplenectomizados é superior a 50-
vezes o risco verificado na população com as funções esplénicas íntegras.(1)
As crianças são as mais susceptíveis, principalmente abaixo dos dois anos de
idade devido à imaturidade do sistema imunitário.(2)
O risco de sépsis ou de infecção grave ao longo do tempo também tem sido
objectivo de discussão. Nos estudos mais antigos, pensava-se que o risco estava
apenas aumentado nos primeiros anos após a esplenectomia.(4) Nas séries mais
recentes, a maioria dos casos ocorreu cerca de dez a trinta anos após
esplenectomia, ainda que num estudo de 2001, com 19680 doentes com uma média de
follow-upde 6.9 anos, a média de aparecimento da primeira infecção invasiva foi
aos 22,6 meses de pós-esplenectomia.(4) No entanto, há casos descritos de
sépsis fulminante cerca de 20 a 40 anos depois da esplenectomia.(7)
É de salientar que nos esplenectomizados por trauma, a incidência de sépsis é a
mais baixa, enquanto que o maior risco se verifica nos portadores de doenças
hematológicas.(2, 7) O facto que está na origem desta maior susceptibilidade é
o funcionamento debilitado do sistema imunitário.(2) Ocorre o mesmo mecanismo
nos doentes submetidos a quimioterapia, nos quais se verifica uma diminuição
dos níveis séricos de imunoglobulinas. (2)
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
Prevenção da OPSI
As estratégias preventivas da sépsis no doente esplenectomizado assentam em
três grandes áreas: vacinação, profilaxia antibiótica e educação.(7, 10) O
auto-transplante de baço é uma opção a considerar na esplenectomia por trauma,
possibilitando a preservação das funções esplénicas.(11)
I. Auto-transplante de baço(11)
Desde o século XIX que se sabe que o baço tem capacidade regenerativa e no
século XX, constatou-se que a esplenose após esplenectomia por trauma permitia
conservar as funções esplénicas. Na literatura, estão descritas várias técnicas
de autotransplante, em pedaços ou fatias após descapsulação do baço,
implantadas no tecido celular subcutâneo, no recto abdominal, no retroperitoneu
ou no grande omento. Esta técnica é preferencialmente realizada no grande
omento, com confecção de uma bolsa tipo "omelette". O grande omento
como é irrigado pelas artérias gastroepiplóicas permite um débito sanguíneo
pouco inferior ao da artéria esplénica. Para além deste facto, permite também a
drenagem para o sistema porta tal como é realizado pelo baço in situ. A grande
superfície de contacto com o auto-transplante e a rede vascular do omento
permitem uma rápida vascularização dos enxertos. Sazaki concluiu que a formação
da rede vascular dos enxertos inicia-se às 36h após transplante e continua a
desenvolver-se até às 72horas. No entanto, Weber refere que os doentes
recuperam mais rapidamente a sua função imunológica quanto maior a quantidade
de tecido transplantado. Assim, para se obter uma adequada função do tecido
esplénico, é necessário transplantar pelo menos 25% do baço. Pabst, assim como
Silveira e outros autores, conclui, por sua vez, que quanto mais finos e
pequenos forem os cortes, mais fácil é a sua regeneração, com alguns autores a
sugerirem que o tamanho ideal é abaixo dos 3 milímetros.
Apesar da preservação da função esplénica com o auto-transplante, vários
autores aconselham a não descurar os cuidados referentes à vacinação e uso de
antibióticos nestes doentes.
Schwartz refutou esta técnica nos seus estudos, ao concluir que esta não
restabelece a capacidade de defesa anti-pneumocócica. É criticado, no entanto,
por não detalhar adequadamente a técnica de auto-transplante que utilizou.
Resende et al refere que na actualidade ainda não existem parâmetros que
permitam a avaliação directa da função do baço. Existem apenas técnicas
cintigráficas e métodos indirectos de avalição da função esplénica. Estes
últimos mostram em vários estudos aparente cumprimento da função esplénica nos
indivíduos submetidos a autotransplante, tornando-a uma técnica válida nos
esplenectomizados por trauma.
II. Vacinação
As vacinas recomendadas para o doente esplenectomizado são a anti-pneumocócica,
a anti-meningocócica e a anti-Haemophilus tipo b.(1, 4, 12-14) Em 2002,
Shatzconduziu um estudo sobre as práticas de 261 cirurgiões relativamente à
vacinação após a esplenectomia por trauma, concluindo que 99.2% vacinavam os
seus doentes, mas apenas 56.7% prescreviam as três vacinas recomendadas.(12)
A Direcção Geral da Saúde, em Portugal, tem apenas uma pequena nota no Programa
Nacional de Vacinação, recomendando a administração de vacinas anti-
pneumocócica, anti-Haemophilus influenza tipo b e anti-meningocócica nos
doentes com asplenia anatómica ou funcional, até duas semanas antes da
cirurgia, se electiva. (15)
i. Vacina da gripe
Para além das vacinas contra as bactérias capsuladas, já existem algumas
recomendações que apoiam também a administração anual da vacina anti-Influenza,
uma vez que a gripe sazonal constitui um factor de risco conhecido para as
infecções secundárias, nomeadamente a pneumocócica.(7, 14, 16)
ii. Vacina anti-pneumocócica
Actualmente, defende-se que a vacina anti-pneumocócica a administrar nestes
doentes, a partir dos cinco anos de idade, seja a 23-valente, protectora
relativamente a 23 serotipos pneumocócicos.(1, 4, 13, 14) Não anula o risco de
infecção grave/sépsis, mas reduz a frequência e a gravidade destes eventos.(1)
Apresenta a desvantagem de necessitar de um sistema imunitário maduro, daí a
sua não utilização em crianças, principalmente abaixo dos dois anos de idade.
(1, 4) Por outro lado, a vacina 7-valente, apesar de mais imunogénica,
apresenta menos serotipos e é, portanto, menos vantajosa no adulto.(1) Tem sido
apontado o seu futuro papel nos doentes que não respondam à imunização com a
23-valente, apesar desta prática ainda não estar aprovada.(4)
No estudo de Shatz, em 2002, este verificou que o momento considerado ideal
para a administração das vacinas pelos cirurgiões, variava entre o pós-
operatório imediato e os seis meses após.(12)
Nos EUA, foi estudado o momento ideal para a administração da vacina anti-
pneumocócica. Se a esplenectomia for electiva, a administração deve ser feita
catorze dias antes da intervenção.(1, 2, 4, 13, 14) No entanto, não há consenso
quanto ao momento ideal quando se trata de uma intervenção urgente, como no
caso das esplenectomias por trauma. Resolveu-se, então, estudar a resposta
imunitária à vacina 23-valente um, sete e catorze dias após a intervenção, em
modelos animais. (17) Concluíram que as concentrações de anticorpos não eram
significativamente diferentes, contudo a sua actividade funcional pareceu ser
superior quando a vacinação era feita catorze dias após a intervenção.(17)
Outro grupo publicou que as respostas em relação à produção de IgM e IgG eram
maiores nos ratos vacinados, mas sem diferenças relativamente ao momento da
administração (comparação feita entre o 1º, o 7º e 42º dia).(18) Em 2002, o
grupo que havia obtido uma melhoria funcional dos anticorpos ao 14º dia de pós-
esplenectomia, comparou também com o 28º dia, não tendo obtido diferenças
estatisticamente significativas.(19) Desde então, a maioria das
guidelinesinternacionais passou a preconizar que a vacinação anti-pneumocócica
seja feita ao 14º dia.(1, 4) No entanto, o CDC continua a defender que a
imunização seja feita o mais rapidamente possível a seguir à cirurgia.(7, 13)
Em doentes esplenectomizados com necessidade de quimioterapia ou radioterapia,
tem sido sugerido que a vacinação seja adiada seis meses.(4, 7)
A necessidade de realizar o reforço das vacinas é outra questão que tem sido
discutida. Segundo as guidelinesbritânicas, o reforço deve ser feito entre os
cinco e os dez anos após a primeira imunização, enquanto nas australianas
defende-se que seja feito aos cinco anos.(4) Nas revisões mais recentes, é
sugerido ainda que os doentes com idade superior a 65 anos façam outro reforço
quando atingem esta idade, se a última imunização tiver sido feita há mais de
cinco anos.(14) A monitorização seriada dos títulos de anticorpos seria a forma
ideal para determinar o momento adequado para revacinar estes doentes. No
entanto, esta metodologia carece ainda da determinação de um título de
anticorpos ideal, a partir do qual se considere que o doente está protegido da
doença pneumocócica invasiva.(4)
Em Portugal, estão disponíveis as vacinas 10-valente, a 13-valente e a 23-
valente.(20)
iii. Vacina anti-meningocócica
A vacinação anti-meningocócica também diferem entre os vários países.(14)
As guidelinesamericanas e australianas contemplam vacinas que não existem em
Portugal e, consequentemente, esquemas anti-meningocócicos diferentes. (1, 13,
14) Segundo o CDC, tal como a vacina anti-pneumocócica, a anti-meningocócica
deve ser administrada catorze dias antes da cirurgia, sempre que possível e,
quando submetidos a cirurgia urgente, deverão ser vacinados o mais rapidamente
possível, assim que a sua condição no pós-operatório o permitia.(13) Segundo as
guidelinesaustralianas, deve ser administrada ao 14º dia de pós-operatório, tal
como está recomendado para a vacina anti-pneumocócica.(4) A Sociedade Francesa
de Anestesia e Reanimação (SFAR), por outro lado, preconiza que, em caso de
esplenectomia urgente, a vacina seja administrada trinta dias depois.(21)
Em Portugal, existem a anti-meningocócica do grupo C (MenC) e a tetravalente
que protege contra os grupos A, C, W135 e Y (MenACW135Y).(20) A MenC é
altamente imunogénica, parecendo que uma única dose é suficiente.(1) No
entanto, o revacinação aumenta a resposta efectiva dos anticorpos.(1) O CDC
recomenda que seja efectuada cinco anos após a primeira imunização em grupos de
risco, enquanto a SFAR recomenda que seja administrada cinco anos depois em
qualquer doente esplenectomizado.(13, 21) A vacina tetravalente tem especial
importância nos doentes que viajam para países de alto risco em que a N.
Meningitidis é endémica.(1, 4, 15)
iv. Vacina anti-Haemophilusinfluenzae tipo b
A vacina anti-Haemophilus influenzae tipo b também está recomendada, mas apenas
nos adultos esplenectomizados que não tenham sido previamente vacinados.(1, 4,
7, 15) Em relação ao momento de administração da vacina, o CDC aplica as mesmas
regras que aplica às vacinas anti-meningocócica e anti-pneumocócica.(13)
Contrariamente às outras vacinas, não está comprovada a necessidade de reforço
desta vacina.(1, 4, 15)
III. Profilaxia Antibiótica
Não há evidência para a utilização de antibióticos na profilaxia da sépsis pós-
esplenectomia, pelo que não há consenso entre as guidelinesdo Canadá, dos EUA e
do Reino Unido.(1, 10)
Entre as décadas de 70 e 90, foi demonstrada a eficácia do uso da penicilina na
população pediátrica. No entanto, para além da especificidade desta população,
ainda não se verificavam as resistências que se verificam na actualidade.(14)
Deste modo, o uso rotineiro da profilaxia antibiótica nos doentes
esplenectomizados não é recomendado na maioria dos países.(4, 7, 14) As
guidelinesbritânicas continuam a recomendar a profilaxia antibiótica baseada
nas penicilinas, já que se trata de um país com uma baixa taxa de resistências
a este grupo farmacológico.(4) Estes recomendam que a profilaxia seja efectuada
durante toda a vida do doente.(1) Nas guidelinesda SFAR, apesar da menor
evidência no adulto, também aconselham a antibiprofilaxia nos dois anos a
seguir à esplenectomia, prolongando nos casos de maior imunossupressão ou no
caso de haver sinais de hiposplenismo persistente (corpos de Howell-Jolly,
trombocitose).(21)
A actual eficácia dos antibióticos neste campo permanece desconhecida, não
havendo consenso na possível duração da profilaxia nem nos subgrupos nos quais
se poderia obter um maior benefício. Para estes factos, concorrem factores como
a pobre compliancecom o tratamento profilático e a hipótese do desenvolvimento
de resistências aos antibióticos.(1) Reconhece-se, assim, a importância de
conhecer as resistências locais aos fármacos usados na antibioprofilaxia.(4)
Apesar da inexistência de consensos, algumas guidelinesrecomendam que se faça a
profilaxia com 250 a 500 mg de amoxicilina ou 500 mg de fenoximetilpenicilina,
uma vez por dia.(1, 4, 14) Apesar da pouca evidência, recomenda-se que a
profilaxia diária seja considerada nas crianças com menos de 16 anos, nos
adultos com mais de 50 anos, nos doentes sobreviventes a um episódio de sépsis/
infecção grave pneumocócica e nos doentes muito imunodeprimidos, nomeadamente
os portadores de infecção HIV, os doentes com hipogamaglobulinémia, os
transplantados e aqueles com doença hepática avançada.(14)
IV. Educação e outras recomendações
Vários estudos têm comprovado que estes doentes, em mais de 84% dos casos, não
são adequadamente informados sobre a sua condição e os riscos associados,
nomeadamente o de sépsis, assim como dos seus sintomas e a sua rápida
progressão.(1, 4, 6, 7) É recomendado que sejam feitos folhetos informativos
para o doente e uma completa e conveniente informação para o médico de família
do mesmo.(4) Defendem também que seja recomendado que a informação seja
fornecida também a outros médicos e profissionais de saúde como por exemplo, os
médicos dentistas.(2, 21) A adequada informação destes doentes reduz
efectivamente as suas complicações infecciosas.(1, 21)
Os doentes devem ainda ser avisados da necessidade de maior vigilância dos
sintomas e sinais de infecção, principalmente os sistémicos como a febre, e da
necessidade de recorrerem ao seu médico assistente perante a suspeita de
infecção.(1, 7)
Alguns autores, como já referido, apesar de não defenderem o uso rotineiro de
antibióticos profilácticos, mesmo sem evidência científica, recomendam que os
doentes tenham esses mesmos antibióticos (os recomendados para a profilaxia) em
"stand by"para uso imediato em caso de sinais de infecção,
nomeadamente febre associada a outros sinais sistémicos.(4, 7, 21) As
guidelinesaustralianas aconselham que estes doentes tenham antibioterapia como
reserva para quando iniciam sintomas e sinais súbitos de infecção e não haja a
possibilidade de serem rapidamente observados por um médico.(4) As opções
recomendadas são as seguintes: a amoxicilina (dose inicial de 3 g, seguida de 1
g com intervalos de 8h); a amoxicilina associada a ácido clavulânico 500/125
mg, a cada 8h; cefuroxima 250 mg, a cada 12h; ou então moxifloxacina em doentes
alérgicos à penicilina.(4)
Outro aspecto que estes doentes não deverão descurar são as viagens para o
estrangeiro, principalmente para destinos tropicais pelo risco aumentado de
contrair malária, devendo fazer a profilaxia e ser informados das restantes
medidas profiláticas como os repelentes de mosquitos e as redes mosquiteiras.
(1, 7)
Devem ser alertados também para o risco aumentado de outras doenças infecciosas
como a babesiose ou a própria meningococcémia em destinos de maior risco, como
a África sub-sahariana no último caso.(4, 7)
Por último, devem estar alerta para a necessidade de recorrerem aos serviços de
saúde sempre que mordidos por cães ou outros animais para que sejam tratados o
mais rapidamente possível.(1, 4) Nestes casos, um dos principais
microorganismos responsável pela sépsis é o Capnocytophaga canimorsus.(22)
Como já afirmado anteriormente, um dos grandes problemas está relacionado com
os próprios médicos, que ignoram as recomendações que devem ser aplicadas e
dadas aos doentes.(1, 6) Neste contexto, verifica-se ainda a necessidade de se
fomentar uma adequada comunicação com os médicos de família que são um elo
fundamental na prevenção de complicações nestes doentes.(10) A formulação de
registos específicos tem demonstrado uma relação custo-benefício favorável
relativamente à prevenção e redução da mortalidade.(1, 5)
Por este motivo, decidiu-se criar uma guidelinepara o serviço, bem como um
documento para constar no processo do doente, com um duplicado para ser enviado
ao médico de família/médico assistente e um cartão informativo para acompanhar
sempre o doente, onde constam as principais recomendações nesta situação
clínica relativamente à prevenção da sépsis e da infecção grave.
Concluindo, sendo a esplenectomia inevitável em alguma situações clínicas, e
sendo a sépsis uma situação tão devastadora, torna-se imprescindível que seja
feita a sua prevenção nestes doentes. No âmbito da cirurgia geral, torna-se
essencial ter protocolos que uniformizem as práticas profilácticas e que evitem
que se encontrem doentes esplenectomizados sem qualquer medida, nomeadamente o
esquema de vacinação. Os doentes, os familiares que acompanham habitualmente o
doente e os médicos de família devem estar conscientes de que o risco de
sépsis/infecções graves pós-esplenectomia se perpetua ao longo de toda a vida
do doente. Por este motivo, criaram-se documentos para o doente e os
respectivos médicos assistentes, assim como se uniformizaram as práticas neste
serviço. No futuro, seria interessante avaliar a prática clínica após a
introdução do protocolo no serviço, verificando o seu cumprimento e o seu
impacto no aparecimento de sépsis. Devido à falta de um volume suficiente de
casos em cada serviço para proceder a esta avaliação, parece relevante criar um
registo nacional de doentes esplenectomizados.