Carcinoma de células renais com invasão da veia cava inferior: a propósito de
um caso clínico
INTRODUÇÃO
O carcinoma de células renais é uma neoplasia que apresenta propensão à
extensão ao sistema venoso sob a forma de trombo tumoral, sendo o tumor maligno
mais frequentemente associado a trombose da veia cava inferior. Actualmente, a
única terapêutica com intuito curativo passa pela intervenção cirúrgica.
Neste trabalho descreve-se o caso clínico de um doente com carcinoma de células
renais, abordando-se aspectos da epidemiologia, patologia, diagnóstico,
classificação, prognóstico e tratamento cirúrgico, com ênfase na técnica
operatória e nas suas particularidades consoante o nível cefálico atingido pelo
trombo venoso.
CASO CLÍNICO
L.F., sexo masculino, 31 anos, casado, natural e residente em Lisboa, em saúde
aparente até Abril de 2008 quando iniciou um quadro de dor lombar à esquerda,
de tipo moínha, com irradiação ao flanco esquerdo, de intensidade moderada,
acompanhada de sudorese nocturna e de toracalgia esquerda à inspiração
profunda. Após 3 dias de evolução em que se verificou aumento progressivo da
intensidade da dor, a qual manteve as mesmas características, recorreu ao
Serviço de Urgência do Hospital de Santa Maria (14/4/2008).
O doente negava queixas gastrointestinais, urinárias, dispneia, tosse,
hemoptises, febre, astenia, anorexia, perda de peso.
Como antecedentes pessoais relevantes referia hábitos tabágicos, negando
hipertensão arterial ou patologia renal.
Os antecedentes familiares eram irrelevantes.
Ao exame objectivo encontrava-se vigil, orientado auto e alopsiquicamente,
eupneico, apirético e sem alterações da cor da pele, não se observando cianose
ou icterícia. Os sinais vitais encontravam-se dentro dos parâmetros normais.
A observação do pescoço e do tórax não mostrava quaisquer alterações. Os
movimentos respiratórios eram de tipo abdominal.
O abdómen apresentava mobilidade, conformação e distribuição pilosa normais
para o sexo e a idade e não havia sinais de cicatrizes ou de circulação
colateral visível na parede. À palpação superficial encontrava-se mole,
depressível e indolor, não se palpando massas. À palpação profunda encontrava-
se ligeiramente doloroso ao nível do flanco esquerdo onde se palpava uma massa
dura com cerca de 7 cm de maior eixo (vertical), mal delimitada, móvel em
relação aos planos superficiais e aderente aos planos profundos. Esta massa
apresentava contacto lombar existia sinal de Murphy renal à esquerda.
A observação dos membros inferiores não mostrava quaisquer alterações,
nomeadamente edema ou outros sinais de flebotrombose.
Analiticamente destacava-se Hb 14,3g/dL; leucócitos 9,36x109/L; creatinina
1,1mg/dL; ureia 28 mg/dL; LDH 862U/L; PCR 18,8mg/dL; urina II com proteinúria
de 75mg/dL, leucocitúria de 25cel/µL, eritrocitúria de 25 cel/ µL e nitritos
negativos. Efectuou radiografias torácica, abdominal e pélvica e ecografia
abdominal que não revelaram alterações significativas. A ecografia renal
revelou massa sólida com 10x8 cm ocupando os 2/3 superiores do rim esquerdo e
trombose da veia renal esquerda até à veia cava inferior.
Perante o quadro clínico apresentado, é decidido o internamento no Serviço de
Urologia tendo realizado os seguintes exames complementares:
> Tomografia Computorizada (TC) abdominal e pélvica, que mostrava infiltração
difusa do rim esquerdo por formação hipodensa e hipocaptante e extenso e
volumoso trombo da veia renal esquerda que atingia a veia cava inferior a qual
se encontrava permeável. Sem alterações da gordura peri-renal. | FIGURA 1 |
| FIGURA 1 | TC abdominal mostrando infiltração difusa do rim esquerdo e trombo
da veia renal esquerda com atingimento da veia cava inferior.
>TC torácica, com aspectos sugestivos de tromboembolismo pulmonar e sem sinais
de metastização.
> Biopsia renal percutânea ecoguiada sugestiva de carcinoma primitivo do rim.
> Cintigrafia de ventilação/perfusão, que apresentava focos de sugestivos de
microembolia pulmonar dispersos bilateralmente.
Face a este quadro foi colocada indicação cirúrgica.
O doente foi operado em 21/5/2008 sendo efectuada laparotomia de Chévron. Após
descolamento do cólon esquerdo procedeu-se a nefrectomia radical e a ressecção
parcial em bloco da veia renal esquerda. Seguidamente, por descolamento do
cólon ascendente associado a manobra de Kocher, isolou-se a veia cava inferior
(VCI) e a confluência das veias renais (duplicação à direita). Após clampagem
da VCI efectuou-se venotomia longitudinal | FIGURA 2 | que permitiu observar a
protusão do trombo tumoral da veia renal esquerda para a VCI e a integridade da
restante parede deste vaso. Finalmente, efectuou-se a trombectomia da VCI e
completou-se a ressecção do segmento restante da veia renal esquerda
(encerramento directo do respectivo orifício na face lateral esquerda da VCI)
após o que se procedeu ao encerramento da venotomia anterior | FIGURA 3 |. Não
ocorreram quaisquer complicações operatórias.
| FIGURA 2 | Protusão do trombo tumoral na VCI.
| FIGURA 3 | VCI após encerramento da venotomia anterior.
O exame anátomo-patológico da peça mostrou: 1. peça de nefrectomia radical |
FIGURA 4 | com 806 g e 19x10x8 cm. Em superfície de secção, parênquima renal
quase na sua totalidade substituído por tumor- carcinoma de células renais,
células claras, grau 2 de malignidade nuclear (segundo Fuhrman). Linfangioses
carcinomatosas. O tumor invade a gordura peri-renal, não a ultrapassando.
Uretero livre de tumor. 2. fragmento de veia com trombo mural e infiltração
tumoral da parede. 3. trombo em organização e tecido tumoral necrosado. 4.
fragmento de glândula supra-renal, sem particularidades.
| FIGURA 4 | Peça de nefrectomia radical.
O doente iniciou seguimento em consulta de Oncologia, efectuando terapêutica
com Sunitinib e posteriormente com Everolimus.
Em Agosto de 2009 e na sequência de quadro de lombalgia intensa, realizou
radiografia de corpo, ressonância magnética nuclear da coluna dorso-lombo-
sagrada | FIGURA 5 | e cintigrafia óssea sendo diagnosticadas metástases ao
nível da coluna dorso-lombar (D11-L4), pelo que iniciou programa de
radioterapia que decorreu sem intercorrências.
| FIGURA 5 | RMN da coluna lombo-sagrada. A ' ponderação T1; B ' ponderação T2.
Em Outubro de 2009 foi identificado nódulo duro e móvel no testículo esquerdo
que o doente referia ter surgido cerca de 3-6 meses antes. A ecografia
testicular revelou nódulo sólido e heterogéneo com 1,8x1,3 cm no testículo
esquerdo. Não apresentava elevação de marcadores tumorais: a ' fetoproteína
7,5ng/mL; ß ' HCG <1U/L.
Em 28/10/2009 foi submetido a orquidectomia radical esquerda com colocação de
prótese testicular. O exame anátomo-patológico revelou achados compatíveis com
metástase de carcinoma de células claras do rim e margem cirúrgica do cordão
espermático com tecido de neoplasia.
O doente veio a falecer em 8/10/2010 com disseminação sistémica da doença.
DISCUSSÃO
Os tumores de envolvimento venoso são frequentemente malignos e podem ter
origem na parede da própria veia, estender-se para o seu lúmen sob a forma de
trombos ou resultar da invasão de neoplasias de orgãos adjacentes[1].
Os tumores da VCI são os mais comuns e podem ser classificados de várias formas
consoante o segmento envolvido, o nível da extensão cefálica do trombo
(semelhante à classificação dos carcinomas de células renais) e o tipo tumoral
[1] | QUADROS 1,2,3 |.
| QUADRO 1 |Classificação dos tumores da VCI em segmentos[1]
| QUADRO 2 |Classificação dos tumores da VCI em níveis[1]
| QUADRO 3 |Classificação dos tumores da VCI em tips (adaptado de [1])
O carcinoma de células renais (CCR), também conhecido como tumor de Grawitz em
alusão ao patologista alemão Paul Grawitz (1850-1932) e aos seus trabalhos
sobre tumores do rim, é o tumor maligno mais frequentemente associado a
trombose intracava, sendo também a neoplasia da VCI que mais frequentemente
requer intervenção cirúrgica[1,2] e o qual será discutido seguidamente por se
tratar da neoplasia apresentada no caso clínico descrito.
Epidemiologia
o CCR representa 2-3% de todos os cancros, sendo a lesão sólida mais comum do
rim (cerca de 90% de todas as neoplasias renais)[3,4].
Tem-se verificado um aumento da incidência mundial e europeia correspondendo a
incremento anual de 2%, com as taxas mais altas a serem registadas nos países
ocidentais[3].
O pico de incidência localiza-se entre 60 e os 70 anos, havendo uma
predominância de 1,5:1 do sexo masculino em relação ao feminino[3,5] e sendo
ligeiramente mais frequente na raça negra do que na branca[4].
Patologia
os tumores renais são, na sua maioria, de aparecimento esporádico. O tabagismo
é o único factor de risco comprovado, com aumento do risco relativo de 1,4 a
2,5 vezes. Outros factores de risco sugeridos são diálise de longo termo,
obesidade, terapêutica antihipertensiva, dieta hiperproteica, exposição a
asbestos e radiação ionizante, transplante renal e infecção por HIV[3,4,5].
Verifica-se hereditariedade ou predisposição familiar em menos de 4% dos casos
[6].
Alguns síndromes foram associados a uma maior incidência de CCR como a doença
de Von Hippel-Lindau, a esclerose tuberosa, o carcinoma de células renais
hereditário, entre outros.[4,5,6].
Trata-se de uma neoplasia com propensão à extensão ao sistema venoso sob a
forma de trombo tumoral, regra geral sem invadir a parede da veia, o que
facilita a sua remoção cirúrgica[4,7,8,9]. Ocorre atingimento das veias renais
em 15-20% dos casos e da VCI em 4-10%, o que se verificou no caso clínico
descrito. Neste último grupo o trombo estende-se à VCI infrahepática em 50% dos
casos, à VCI intrahepática em 40% e à aurícula direita em 10%.[1,4,8,10] O
trombo na VCI é mais comum nos tumores do rim direito devido ao menor
comprimento da veia renal deste lado[4].
Os locais mais comuns de metastização são: pulmão (69%), esqueleto (43%),
fígado (34%), nódulos linfáticos (22%), glândulas supra-renais (19%), cérebro
(7%) e finalmente tiróide, pele, bexiga (<1% cada)[4].
Diagnóstico
Clínica e laboratório
Muitas massas renais são assintomáticas e não palpáveis até um estadio muito
avançado da doença, sendo o CCR cada vez mais detectado incidentalmente por
métodos imagiológicos não invasivos (TC, RMN e ecografia) durante o estudo de
sintomas inespecíficos[3,4].
A tríade clássica de dor no flanco, hematúria e massa abdominal palpável é
rara, surgindo como forma de apresentação em apenas 6-10% dos casos[3,4] Cerca
de 25-30% dos doentes apresentam sintomas resultantes de doença metastática
como dor óssea ou tosse persistente. Outras apresentações incluem varicocelo e
edema bilateral das extremidades, que sugerem envolvimento venoso[2,3,4,11].
A síndrome paraneoplásica ocorre em cerca de 30% dos doentes sintomáticos,
surgindo habitualmente como hipertensão, caquexia, perda ponderal, pirexia,
neuromiopatia, amiloidose, aumento da velocidade de sedimentação, anemia,
alterações na função hepática, hipercalcémia, policitémia, entre outros[3,4].
Investigação imagiológica
A TC com contraste é o principal método imagiológico para a avaliação do
componente intra-abdominal dos tumores renais. A RMN geralmente só é usada
quando há uma contra-indicação à realização de TC, tendo uma capacidade de
estadiamento semelhante àquela, sendo também uma alternativa na avaliação da
extensão do trombo na VCI. A ecografia pode ser útil para avaliar a presença e
a extensão de trombos venosos, sendo também usada introperatoriamente em
nefrectomias parciais. A angiografia é útil para a avaliação pré-operatória no
esclarecimento das relações entre o tumor e o sistema colector, parênquima e
estruturas vasculares. A eficácia da Tomografia de Emissão de Positrões (PET)
está ainda por esclarecer[3,4].
Existe controvérsia quanto ao meio a utilizar na detecção de metástases
torácicas. A TC torácica é o método imagiológico mais preciso para este
objectivo e deve ser realizada quando o tumor primário é grande ou localmente
agressivo (estadios T2 ou mais elevados), podendo provavelmente a radiografia
torácica ser realizada em doentes com tumores primários pequenos (estádio T1),
em que o risco de metástases é menor[3,4].
A RMN cerebral e a cintigrafia óssea não são realizados por rotina nestes
doentes, mas justificam-se quando há clínica ou achados laboratoriais
sugestivos de metástases nestas localizações[3,4].
Biópsia percutânea
Não é habitualmente realizada, uma vez que geralmente o seu resultado não vai
alterar a indicação terapêutica. Deve, porém, ser realizada antes do início de
terapêutica sistémica e de terapia ablativa. Pode ainda ser considerada em
casos de suspeita de abcesso ou doença metastática[3,4].
Classificação e prognóstico
Os factores de prognóstico podem ser divididos em anatómicos, histológicos,
clínicos e moleculares[3].
Os anatómicos incluem: tamanho do tumor, invasão venosa, invasão da cápsula
renal, envolvimento da suprarrenal, envolvimento linfático e metástases[3,4].
Estes são a base da classificação TNM | QUADROS 4,5,6 |.
| QUADRO 4 |Classificação TNM de 2009, International Union Against Cancer
(UICC)[3]
| QUADRO 5 |Estadios TNM 2009, International Union Against Cancer (UICC)[3]
| QUADRO 6 |Sobrevivência por estádio TNM (adaptado de [4])
Esta classificação requer aperfeiçoamentos contínuos.
Em relação a pT3, os estudos sobre o valor prognóstico independente das
variáveis invasão da VCI e da veia renal indiciam que o este é pior quando o
trombo alcança a VCI do que quando se limita à veia renal, pelo que os dois
grupos de tumores foram separados na versão TNM 2009[3,4].
Entre os factores histológicos contam-se o Grau Fuhrman e subtipo histológico
[3,4].
O Grau Fuhrman é um factor independente de prognóstico[3] e baseia-se na
classificação histopatológica do núcleo. Divide-se em 4 categorias, sendo I o
tipo mais bem diferenciado e IV o mais anaplástico.
Os subtipos histológicos mais frequentes são: convencional ou de células claras
(80-90%), papilar (10-15%) e cromofóbico (4-5%). O primeiro tem pior
prognóstico do que o papilar ou cromofóbico, contudo, apresenta uma maior taxa
de resposta à terapêutica sistémica do que os outros tipos histológicos. O
cromofóbico tem o melhor prognóstico, sendo o menos agressivo[3,4,6].
Os factores clínicos incluem performance status, presença de caquexia, anemia,
contagem de plaquetas, hipercalcemia, velocidade de sedimentação[3,4,5].
Entre os factores moleculares (em investigação) contam-se: anidrase carbónica
IX (CAIX), factor de crescimento derivado do edotélio (VEGF), factor indutor de
hipóxia (HIF), p53, E-caderina e CD44, não sendo usados por rotina na prática
clínica[3].
Cirurgia em CCR com trombo tumoral
Em tumores de células renais com trombo tumoral associado, a intervenção
cirúrgica com remoção do rim e do trombo tumoral é a única abordagem que se
mostra eficaz há mais de 30 anos[8,10].
A cirurgia pode ser feita com intuito curativo no caso de doença localizada, ou
para citorredução seguida de terapêutica sistémica no caso de haver metástases
à distância, actuando ainda como profilaxia da embolia pulmonar[8].
Numa das maiores séries publicadas que relata uma experiência multicêntrica na
Europa incluindo 1192 doentes operados entre 1982 e 2003, a taxa de
sobrevivência foi de 52 meses em doentes com trombos limitados à veia renal, de
25,8 meses quando o trombo atingia a VCI subdiafragmática e de 18 meses quando
o trombo se estendia acima da VCI[8]. Os resultados foram semelhantes aos
registados pela clínica Mayo que, com 540 doentes operados entre 1970 e 2000,
relatou uma sobrevivência aos 5 anos de 49,1% para trombos limitados à veia
renal e de 26,3-39,4% quando o trombo atingia a VCI[12,13].
Na prática clínica, a extensão cefálica do trombo vai condicionar a estratégia
cirúrgica, o que será discutido seguidamente.
A abordagem cirúrgica pode efectuar-se por laparotomia mediana, por incisão de
Chévron (subcostal bilateral) ou por incisão em T invertido, as quais podem
prolongar-se por esternotomia mediana ou toracotomia direita para aceder ao
coração e à aurícula direita[7,14].
Tipo I: trombo = 2 cm acima da veia renal
À direita realiza-se uma manobra de Kocher, expondo a veia cava e a veia renal
direita. À esquerda secciona-se o peritoneu posterior e o ligamento
esplenorrenal, deslocando o cólon descendente em sentido medial e inferior e o
pâncreas e o baço em sentido medial e superior (variante da rotação visceral
medial)[9].
Independentemente do nível do trombo, em doentes que não realizaram embolização
pré-operatória da artéria renal, esta deve ser laqueada em primeiro lugar[9].
Após a nefrectomia, procede-se à clampagem da VCI distal, da veia renal
contralateral e da VCI proximal e de seguida efectua-se a cavotomia com
extracção do trombo tumoral. Em raras circunstâncias, poderá estar indicada a
ressecção da VCI com interposição protésica[9,14]. Esta foi a estratégia
adoptada no tratamento do doente descrito.
Uma técnica alternativa, consiste em empurrar o trombo até à veia renal,
procedendo em seguida à clampagem[12]. O ostium é aberto e excisado após o que
se remove o rim e a veia renal e a cavotomia é encerrada. Esta técnica permite
evitar a interrupção do fluxo proveniente da veia renal contralateral mas
alguns autores[9]contra-indicam a manipulação do trombo na VCI não clampada
pelo perigo da sua fragmentação e embolia pulmonar.
Os trombos nesta localização não exigem mobilização hepática e as repercussões
hemodinâmicas da clampagem da VCI não são significativas[9].
Tipo II: trombo > 2 cm acima da veia renalmas abaixo das veias hepáticas
Quando o trombo se localiza na porção retrohepática da VCI, pode ser necessária
a mobilização do fígado para uma adequada exposição e controlo vascular.
A mobilização hepática é difícil e deve ser muito cuidadosa face à abundante
circulação colateral provocada pela obstrução crónica da VCI. Para o controlo
vascular são efectuadas a separação do fígado da veia cava inferior, a
laqueação de veias colaterais e a libertação da veia cava inferior e do
retroperitoneu na sua face posterior[9]. A clampagem sequencial envolve a VCI
infrarrenal, a veia renal contralateral e a VCI entre a origem das veias
hepáticas e o limite cefálico do trombo[12,14].
Se o nível do trombo é inferior ao fígado, é apenas necessária clampagem distal
e proximal da VCI, bem como da veia renal contralateral, sem recorrer à
mobilização hepática[9,14].
Depois de assegurado o controlo vascular, é realizada cavotomia e a
trombectomia.
Alguns autores[9]propõem a colocação de filtro na VCI abaixo das veias
suprahepáticas para prevenção de embolia pulmonar.
Tipo III: trombo ao nível ou acima das veias hepáticas mas abaixo do diafragma
A VCI retrohepática deve ser completamente exposta através da mobilização do
fígado como referido atrás. De seguida, efectua-se a manobra de Pringle, que
consiste na clampagem conjunta do pedículo hepático para controlar o fluxo
hepático de entrada. A veia cava infrarrenal, a veia renal contralateral e as
veias suprahepáticas são sucessivamente clampadas após o que se efectua a
cavotomia abaixo das veias hepáticas e a extracção do trombo[7,9,12].
Outra técnica preconizada[8,9] consiste em empurrar o trombo em direcção
caudal até que este se situe por baixo das principais veias hepáticas,
aplicando-se em seguida um clamp vascular por baixo destas veias. Com isto
consegue-se que as veias hepáticas continuem a drenar para a VCI, não
comprometendo o retorno venoso ao coração. Neste caso, o controlo ecográfico
intraoperatório facilita o reconhecimento do limite proximal e distal do
trombo.
Segundo alguns autores[9], as áreas femoral e axilar devem ser preparadas no
campo cirúrgico, para o caso de ser necessário recorrer a bypass veno-venoso.
Durante a ressecção do tumor, a oclusão da VCI pode causar alterações
hemodinâmicas graves. Para evitar que tal aconteça, Blute et al.[12] sugerem a
avaliação do efeito do cross-clamping da VCI antes de avançar para a cavotomia.
O efeito da clampagem total da VCI é obviamente mais relevante quando esta se
encontra permeável uma vez que nos casos de oclusão prévia a abundante
circulação colateral formada permite a tolerância à clampagem. No entanto,
neste último caso as complicações hemorrágicas a partir da circulação colateral
peri-cava são mais frequentes.
Em casos de intolerância à clampagem da VCI podem ser utilizadas técnicas de
bypass veno-venoso ou mesmo bypass cardiopulmonar com paragem cardíaca e
hipotermia profunda (18ºC). Contudo, devido aos riscos destes procedimentos, na
ressecção de tumores do tipo III são preferidas, quando possível, as técnicas
clássicas[7,12].
Tipo IV: trombo acima do diafragma
Na ressecção deste tipo de tumores preconiza-se geralmente a utilização de
bypass cardiopulmonar. Quando o trombo se estende acima das veias hepáticas, a
confirmação da extensão e mobilidade do trombo bem como a sua completa excisão
devem ser efectuadas com recurso a ecocardiografia transesofágica
intraoperatória[9].
Alguns autores[7,9] consideram não ser necessária esta técnica quando o trombo
é pouco procidente na aurícula direita e mostra consistência dura e homogénea,
podendo ser empurrado com o dedo até abaixo do diafragma, através de uma
atriotomia no apêndice auricular. Em seguida é aplicado um clamp na VCI justa-
auricular, permitindo a remoção do trombo através de uma cavotomia longitudinal
infra-hepática. Este procedimento acarreta o risco de fragmentação do trombo
que predispõe a embolias pulmonares [7,9]. No entanto, se o trombo não é móvel
ou é de grandes dimensões, não podendo ser empurrado, ou não é possível uma
adequada visualização da trombectomia, deve realizar-se bypass cardiopulmonar
[9].
Nas situações de Tipo IV em que a localização da extremidade cefálica do trombo
é intra-cardíaca a morbimortalidade cirúrgica alcança os 50%[9].