Hormonas sexuais femininas e trombose venosa profunda
Hormonas sexuais femininas e trombose venosa profunda
Rita Ataíde Lobo, Fátima Romão
Serviço de Ginecologia/Obstetrícia, Hospital Garcia de Orta. Almada, Portugal
|RESUMO|
O tromboembolismo venoso é uma doença grave. Embora raramente fatal, leva
frequentemente a elevada morbilidade, associada à síndrome pós-trombótica. Como
factores etiopatogénicos da trombose venosa (TV) continuam-se a considerar-se
os clássicos da tríade de Virchow, descrita em 1895: estase venosa, alteração
de factores de coagulação, no sentido de hipercoagulação e lesão do endotélio
venoso. A incidência de trombose aumenta lentamente com a idade, sendo de cerca
de 160 por 100,000 habitantes/ano. Quando analisamos a incidência em mulheres
vemos que esta está aumentada, sobretudo na gravidez ' 60 por 100,000/ano ',
mas também em utilizadoras de contraceptivos orais combinados (COC) ' 15 a 25
por 100,000/ano ' e de terapêutica hormonal (TH) para tratamento da menopausa '
10 por 100,000/ano. Sendo o risco de morte súbita associado a complicações
major de 20% por embolia pulmonar (EP) e de 1-2% por trombose venosa. Os
moduladores selectivos dos receptores de estrogéneos (SERMs) são moléculas que
actuam ligando-se aos receptores de estrogéneos, induzindo uma acção metabólica
que pode ser agonista ou antagonista dos estrogéneos, consoante o tecido alvo.
Os mais utilizados, raloxifeno e tamoxifeno, estão associados a um aumento do
risco para tromboembolismo (TE) venoso de cerca de, três e sete vezes,
respectivamente.
Palavras-chave: Contraceptivos orais combinados, tromboembolismo
venoso,terapêutica hormonal para menopausa,SERMs
Female hormones and venous thrombosis
|ABSTRACT|
Venous thrombosis is a serious disorder. Although rarely fatal, often leads to
a disabling post thrombotic syndrome. The risk factors for thrombosis can be
divided into 3 groups of causes, according to Virchow (1985): reduced blood
flow, changes in the vessel wall, and changes in the composition of the blood.
The incidence of the disease slowly increases with age, and it is about 160 in
100,000 people/year. When we look at the incidence in women, it is easy to see
that it is higher in pregnancy ' 60 in 100,000/year; but it is also increased
in women that use combined oral contraceptives ' 15 to 25 in 100,000/year; and
hormonal therapy for menopausal symptoms treatment ' 10 in 100,000/year. The
risk of sudden death in association to major complications due to thrombosis is
of 20% in pulmonary embolism and 1-2% with venous embolism. Selective estrogen
receptor modulators, such as tamoxifeno and raloxifene, have antiestrogenic
effects on breast and endometrial tissue. However, these drugs have estrogenic
effects on blood clotting. They are associated with an increase of incidencence
of tromboembolismo of 3 and 7 times, respectively.
Key words: venous thrombosis, oral contraceptives, hormone menopause treatment,
SERMs
INTRODUÇÃO
A trombose venosa (TV) consiste na formação de um trombo no lume das veias como
consequência de uma alteração do equilíbrio normal dos mecanismos da hemostase.
Dado que do trombo venoso se podem destacar fragmentos, os êmbolos, que através
da corrente sanguínea, se podem alojar nas artérias pulmonares, provocando
embolia pulmonar; a trombose venosa é também designada de tromboembolismo
venoso[1]. Podem ser classificadas como superficiais ou profundas, conforme o
sistema venoso envolvido. Neste artigo vamos abordar apenas as tromboses do
sistema venoso profundo e embolia pulmonar (EP); nomeadamente a sua relação com
as hormonas sexuais femininas.
O tromboembolismo venoso é uma doença grave. Embora raramente fatal, leva
frequentemente a elevada morbilidade, associada à síndrome pós-trombótica[2].
Como factores etiopatogénicos da TV continuam-se a considerar-se os clássicos
da tríade de Virchow, descrita em 1895: estase venosa, alteração de factores de
coagulação, no sentido de hipercoagulação e lesão do endotélio venoso[1,8] |
TABELA 1 |.
| TABELA 1 | Factores de risco para Trombose Venosa Profunda
A incidência de trombose aumenta lentamente com a idade, sendo de cerca de 160
por 100,000 habitantes[1]. Quando analisamos a incidência em mulheres vemos que
esta está aumentada, sobretudo na gravidez, mas também em utilizadoras de
contraceptivos orais combinados (COC) e de terapêutica hormonal para tratamento
da menopausa | TABELA 2 |. Sendo o risco de morte súbita associado a
complicações major de 20% por EP e de 1-2% por TV[3].
| TABELA 2 | Incidência de TE venoso e complicações associadas por ano
CONTRACEPTIVOS ORAIS
Foram introduzidos no mercado em 1959, tendo sido associados, pela primeira
vez, a trombose venosa em 1961 quando foi relatado o caso clínico TE pulmonar
numa enfermeira medicada com 100 µg de mestranol para tratamento de
endometriose[4]. Os estrogéneos, quando usados como contraceptivo oral
combinado, aumentam o risco de trombose venosa, em 2 a 6 vezes[5-7]. Os
contraceptivos orais combinados contêm progestagénio para inibir a ovulação e
estrogénio para controlo da hemorragia de privação.
O etinilestradiol, utilizado nos COC, é uma versão sintética ligeiramente
diferente do estradiol que produzido pelo corpo humano, que é inactivo quando
tomado oralmente. Ao longo dos anos a dose de estrogénio foi progressivamente
diminuída, numa tentativa de diminuir os riscos associados ' tromboembolicos,
entre outros ', e a composição do progestagénio alterada, para diminuir os
efeitos androgénicos colaterais.
O primeiro contraceptivo oral nos Estados Unidos continha 150 µg de mestranol.
A dose foi inicialmente reduzida para 50 µg, depois 35 µg, e actualmente
existem marcas com 20 ou 15 µg. Vários estudos comparativos foram feitos com
comparação directa entre diferentes doses de estrogénio, correlacionando
diminuição do risco com doses mais baixas[9,10,11]. Nos estudos mais recentes
verificou-se que as utilizadores de COC com >50 µg de etinilestradiol tinham um
aumento do risco de 10 vezes, quando comparadas às não utilizadoras; ao passo
que as utilizadoras de COC <50 µg tinham um risco aumentado de 4 vezes[11]. Não
existem dados de estudos com COC de 20 µg ou menos.
Os mecanismos biológicos envolvidos no tromboembolismo relacionado com os
estrogéneos prendem-se com o facto de estes aumentarem os factores
procoagulantes da cascata da coagulação, nomeadamente: factor VII, X, XII e
XIII; e diminuírem os factores anticoagulantes, nomeadamente: Proteína S e
anti-trombina[8].
A alteração no progestagénio, ao longo do tempo, realizou-se a nível da sua
composição química, porque a dose necessária para inibir a ovulação mantém-se
constante[8]. Os progestagénios classificam-se em gerações, consoante a altura
em que foram introduzidos no mercado. Os de primeira geração incluem a
norestisterona; os de segunda geração incluem o norgestrel, levonorgestrel e
norgestriona; os de terceira geração são o desogestrel, gestodeno, acetato de
ciproterona e drosperinona | TABELA 3 |.
| TABELA 3 |
Até finais de 1995, o risco de tromboembolismo venoso esteve associado
exclusivamente à dosagem de estrogéneo; pensava-se que o componente
progestagénico não era relevante [11]. Nesta altura, surgiram 3 estudos,
publicados em simultâneo, que reportaram um aumento para o dobro de incidência
de trombose em mulheres utilizadoras de COC, com baixa dose de estrogénio mas
cujo progestativo era de terceira geração (desogestrel e gestodeno), por
comparação a COC com levonorgestrel (segunda geração)[13-15]. O risco associado
a COC com progestagénios de 3ª geração foi superior no período inicial de
utilização, com pico de incidência aos 3 meses, mas depois manteve-se constante
com o uso a longo termo. Um mecanismo biológico refere-se aos baixos efeitos
androgénicos associados aos progestativos de 3ª geração; o que resulta num
maior efeito estrogénico geral nos COC. Posteriormente, foi demonstrado que as
utilizadoras de COC com progestagénios de 3ª geração são significativamente
menos sensíveis à proteína C activada, assemelhando-se às portadoras
heterozigóticas para factor V de Leiden[16]. Além disso, as heterozigóticas
utilizadoras destes COC apresentavam resistência semelhante às homozigóticas.
Por este motivo, o risco absoluto de trombose foi especialmente elevado em
mulheres portadoras de factor V de Leiden, utilizadoras de COC de terceira
geração. Um estudo recente[17], comparou a acção nos mecanismos de hemostase,
de COC de 3ª geração VS 2ª geração. E confirmou aumentos dos níveis de
protrombina[18] e factor VII, factor VIII[19], factor X, fibrinogénio; bem como
o decréscimo dos níveis de factor V e proteína S[20]; assim como diminuição da
sensibilidade à proteína C activada.
No que respeita a conduta clínica, a decisão sobre a escolha do método
contraceptivo deve basear-se na avaliação de todos os potenciais riscos e
benefícios, inerentes ao método e aos antecedentes pessoais (AP) e familiares
(AF) da mulher. Recomenda-se rastreio de trombofilias hereditárias em mulheres
com AP ou AF de TE venoso[35]. Mulheres com antecedentes pessoais de TE venoso
ou possível trombofilia hereditária, não devem utilizar qualquer COC oral. Os
COC de 3ª geração não devem ser prescritos a mulheres com outros factores de
risco para TE venoso: varizes, obesidade, presença de anticoagulante lúpico,
doença oncológica, imobilidade ou traumatismo[21].
No que respeita o uso de progestagénio isolado, em comprimido ou como
Dispositivo Intra Uterino medicado com levonorgestrel; não existe associação a
aumento do risco para TE venoso[22]. Pode, eventualmente, ser uma escolha de
contracepção, para mulheres, de peso normal, com predisposição genética a TE
venoso, que desejam fazer contracepção hormonal[23].
TERAPÊUTICA HORMONAL (TH) DA MENOPAUSA
A menopausa corresponde à data da última menstruação em consequência de
falência ovárica definitiva. O diagnóstico clínico ocorre após um ano de
amenorreia. Habitualmente ocorre entre os 45 e 55 anos. Com frequência está
associado a um conjunto de sinais e/ou sintomas (irregularidades menstruais,
calores, afrontamentos, sudorese nocturna, alterações do humor e do sono, entre
outros) que no seu conjunto caracterizam o "síndroma do climatério". A
terapêutica hormonal é utilizada na menopausa para tratamento da sintomatologia
vaso-motora decorrente da falência ovárica[24].
Neste sentido a TH pode ser efectuada com progestativos isolados, estrogéneos
isolados (em mulheres histerectomizadas), estroprogestativos cíclicos ou
contínuos (em mulheres com útero, para prevenção do carcinoma do endométrio) e
mais raramente androgénios[24]. O estrogénio utilizado nesta terapêutica é o
estradiol micronizado, mais semelhante ao que ocorre naturalmente, em doses
baixas; as vias de administração são oral, transdérmica e percutânea. O
componente progestagénico é o acetato de medroxiprogesterona.
O uso de TH na menopausa está associado a um risco de tromboembolismo venoso
duas a quatro vezes superior, relativamente a mulheres pós menopáusicas não
utilizadoras[25,26]. Este risco aumenta independentemente da via de
administração sistémica, da dose de estrogénio utilizada e ainda da utilização
ou não de progestagénio associado. Este risco é, contudo, muito reduzido, cerca
de 3 em 10,000 por ano, quando comparado ao risco de TE venoso em mulheres pós
menopáusicas sem TH, que é cerca de 1 em 10,000 por ano[27]. O risco de TE
venoso é superior no primeiro ano de utilização[28] e em alguns estudos, mas
não todos, limitada ao primeiro ano[29]. Este risco desaparece quando se
suspende a terapêutica. O aumento da incidência de TE venoso no primeiro ano
sugere que a TH para menopausa, assim como os COC, algumas mulheres têm maior
risco, provavelmente por anomalias protrombóticas subjacentes, não
diagnosticadas. A TH induz, no entanto, um estado de pró coagulação, com
aumento da trombina, diminuição do potencial fibrinolítico, ou uma resistência
adquirida à proteína C activada[30]. As mulheres com antecedentes pessoais de
TE venoso têm risco de recorrência quando submetidas a TH[31] e, da mesma forma
que as mulheres com história familiar de trombose idiopática, não devem ser
utilizar esta terapêutica antes de ser feito o estudo a sua coagulação. O risco
aumenta significativamente em mulheres com deficiência de antitrombina,
resistência à proteína C activada ou aumento dos níveis de factor IX[32]. Desta
forma, é aconselhável a pesquisa de trombofilia hereditária apenas em mulheres
com história pessoal ou familiar de trombose venosa; e evitar a sua utilização
a menos que esteja fortemente indicada (contra-indicação relativa).
| TABELA 4 |
MODULADORES SELECTIVOS DOS RECEPTORES DE ESTROGÉNIOS (SERMs):
São moléculas que actuam ligando-se aos receptores de estrogénios, induzindo
uma acção metabólica que pode ser agonista dos estrogénios (osso, endométrio e
sistema cardiovascular) ou antagonista (mama e miométrio)[24]. Os mais
utilizados são o tamoxifeno, para tratamento do carcinoma da mama, e o
raloxifeno, para tratamento da osteoporose e carcinoma da mama. Tal com a TH
para a menopausa, também os SERMs aumentam o risco de tromboembolismo venoso. O
aumento da incidência de eventos tromboembólicos é de cerca de três vezes,
relativamente ao raloxifeno; e de sete vezes no caso do tamoxifeno [33,34].
Esta incidência superior associada ao tamoxifeno prende-se com o facto de ser
utilizado em mulheres com factores acrescidos para TE venoso (doença oncológica
e cirurgia major).