Abordagem híbrida da doença aneurismática: caso clínico
Abordagem híbrida da doença aneurismática ' caso clínico
*
José Almeida Lopes, Daniel Brandão, Armando Mansilha
Unidade de Angiologia e C. Vascular Hospital CUF Porto
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|RESUMO|
Os aneurismas poplíteos e femorais são os aneurismas periféricos mais
prevalentes.
Os autores apresentam um caso clínico de um doente do sexo masculino de 61 anos
que num contexto de edema marcado do membro inferior direito, realizou
angiodinografia que confirmou a presença de flebotrombose poplítea direita
consequente a compressão motivada por um volumoso aneurisma poplíteo.
Dada a ausência de conduto venoso adequado, foi decidido tratamento
endovascular do aneurisma poplíteo, com colocação de endoprotese.
Posteriormente foi feita a correcção por via clássica de um aneurisma femoral
comum esquerdo, por colocação de enxerto de interposição.
Este caso clínico demonstra as diferentes possibilidades de abordagem
(endovascular e clássica) no tratamento da mesma entidade patológica, com
localização e circunstâncias diversas, no mesmo doente.
Palavras-chave: Aneurisma da Artéria Poplítea,Aneurisma da Artéria Femoral,
Abordagem Híbrida
Hybrid approach of aneurysmal disease ' case report
|ABSTRACT|
The popliteal and femoral aneurysms are the most prevalent peripheral artery
aneurysms.
The authors present a case report of a 61 years-old male patient, in a context
of marked swelling of the right lower limb. A duplex ultrasonography was
performed, which diagnosed the presence of a right popliteal phlebothrombosis
subsequent to compression caused by a large popliteal aneurysm.
Given the lack of adequate venous conduit, it was decided to perform an
endovascular procedure to exclude the right popliteal aneurysm with a covered
stent-graft.
Subsequently classic correction of the left common femoral artery aneurysm was
made, by placing an interposition graft.
This case demonstrates the different possible approaches (endovascular and
classical) to treat the same pathological entity, in different location and
circumstances, in the same patient.
Key words: Popliteal Artery Aneurysm, Femoral Artery Aneurysm, Hybrid Approach
INTRODUÇÃO
Os aneurismas poplíteos e os aneurismas femorais são os aneurismas periféricos
mais prevalentes.[1]
Os aneurismas dos membros inferiores (MIs) sintomáticos podem manifestar-se por
compressão de nervos e veias adjacentes (incluindo o desenvolvimento de
flebotromboses) ou como quadros agudos diversos resultantes de embolização
distal ou de trombose do saco aneurismático, sendo a rotura uma complicação bem
menos frequente.
A abordagem dos aneurismas poplíteos assintomáticos permanece controversa,
rodando em torno de diferentes fatores, como: O tamanho do aneurisma, o grau de
distorção da artéria poplítea, a presença de trombo intra-aneurismático e o
run-off arterial. Fatores esses que não parecem ser suficientemente robustos
para individualmente identificarem os aneurismas poplíteos de elevado risco.
Existe hoje em dia, dois tipos de abordagem para a exclusão dos aneurismas
poplíteos, a cirurgia clássica que visa contruir um bypass / enxerto de
interposição com consequente laqueação do saco aneurismático (que pode utilizar
quer um conduto venoso, quer um enxerto protésico) ou o tratamento com stent
coberto auto-expansível por via endovascular. Esta ultima abordagem, tem
emergido e demonstrado ser uma alternativa viável em circunstâncias várias,
nomeadamente quando a cirurgia clássica é dificilmente praticável.
Neste contexto os autores apresentam um caso clínico de um doente tratado por
via endovascular a um aneurisma poplíteo e por via clássica a um aneurisma
femoral.
CASO CLÍNICO
Doente do sexo masculino, 61 anos, sem factores de risco cardiovascular e com
história prévia de correção cirúrgica de varizes, iniciou quadro de dor e edema
do MI direito, tendo na sequência realizado noutra instituição uma
angiodinografia dos MIs que revelou a presença de uma flebotrombose poplítea
direita consequente ao efeito compressivo de um volumoso aneurisma da artéria
poplítea. Em resultado ficou sob hipocoagulação oral. Seguidamente realizou uma
angio-TC tendo confirmado a presença de um aneurisma poplíteo supra-articular,
de 4,6cm de maior diâmetro por 10cm de extensão longitudinal e ainda
demonstrado a existência de um aneurisma da artéria femoral comum esquerda tipo
1 (classificação de Cutler e Darling) de 3,3cm de maior diâmetro.
Três meses após o início das queixas, recorreu à nossa unidade evidenciando
desta forma, franca melhoria sintomática. Desta forma, procedeu-se à correção
do aneurisma poplíteo por via endovascular, dada a ausência de enxerto venoso
adequado.
Foi então feita abordagem femoral direita e foi colocada uma endoprótese de 5 x
150 mm (Gore® Viabhan®, Flagstaff, Arizona, EUA). O procedimento decorreu sem
complicações, tendo o doente tido alta no dia seguinte, duplamente anti-
agregado (Aspirina® e Plavix®) e mantendo os pulsos distais
Aos três meses realizou uma angio-TC que demonstrou permeabilidade e
integridade da endoprótese, bem como dos eixos arteriais a montante e a
jusante, não evidênciando fugas.
Posteriormente foi feita a correção cirúrgica do aneurisma femoral esquerdo,
por aneurismectomia parcial e enxerto de interposição da artéria femoral comum,
com prótese de politetrafluoretileno (PTFE) de 8mm (Maquet® Fusion®, Wayne, New
Jersey, EUA). A cirurgia decorreu sem intercorrências tendo o doente tido alta
hospitalar ao 3º dia pos-operatório, com ambos os pulsos distais palpáveis.
DISCUSSÃO
Os verdadeiros aneurismas da artéria femoral comum são extremamente raros.[1]
O pico de incidência ronda os 65 anos, têm uma relação entre o sexo masculino e
o feminino de 28:1 a 30:1, 50% são bilaterais, 50-90% tem uma um aneurisma
aórtico concomitante e 27-44% têm um aneurisma poplíteo[2,3] como o caso
apresentado. Dos aneurismas femorais 44-85% são do tipo 1 (envolvendo
unicamente a Artéria Femoral Comum).[2,3] Para a sua correção são comummente
usados enxertos protésicos, dada a sua elevada taxa de permeabilidade (patência
aos 5 anos de 85%) e uma maior correlação com os diâmetros arteriais. A taxa de
mortalidade é de 0-5%.[4] Condutos venosos são em regra apenas utilizados em
situações de infeção.[1]
Os aneurismas poplíteos representam 70% dos aneurismas periféricos. São quase
exclusivos do sexo masculino (95-100%), são bilaterais em 50% dos doentes e são
simultâneos com aneurismas da aorta abdominal em 36-54%.[5,6]
O risco de desenvolver complicações tromboembólicas ronda os 35% aos 3 anos,
com uma taxa de amputação de 25%.[5] Dada a elevada morbilidade referenciada,
torna-se muito relevante detetar a patologia em análise o mais precocemente
possível.
Tem sido recomendado que todos os aneurismas maiores que dois centrimetros
sejam operados quando possível, embora esta recomendação seja frequentemente
posta em causa, dada a ausência de evidência baseada num estudo prospectivo
randomizado. A decisão face à indicação cirúrgica permanece uma decisão que
deverá ser individualizada face ao doente e à situação clínica em questão.
Relativamento ao tipo de conduto adequado para a exclusão dos aneurismas
poplíteos, o estudo da Clinica Mayo refere uma taxa de patência primária aos 5
anos de 85% para os enxertos venosos, contra 50% para os enxertos de PTFE.[6]
Na grande série do Registo Vascular Sueco constituído por 717 doentes foi
relatada uma taxa de "limb salvage" de 89% com um follow-up até 15 anos, sendo
que a idade, a emergência do procedimento e o uso de enxerto protésico foram
identificados como sendo fatores de risco independentes que se correlacionam
com a necessidade de amputação.[7]
Na revisão sistemática de Dawson et al, de 2445 aneurismas poplíteos na
literatura, a taxa de patência aos 5 anos variou de 77-100% para enxertos
venosos e 29-74% para enxertos protésicos.[5]
Há contudo poucos autores que recomendam o uso primário de enxertos protésicos,
especialmente se forem necessários segmentos curtos num contexto de excelente
outflow.
Dada a ausência de conduto venoso adequado em consequência de cirurgia prévia
de varizes, a melhoria clínica, o fato de os enxertos protésicos apresentarem
taxa de permeabilidade claramente inferior aos enxertos venosos e o aneurisma
se estender ligeiramente proximal ao canal de Hunter, decidiu-se pela abordagem
endovascular em detrimento da abordagem cirúrgica posterior descompressiva
classicamente descrita.
O único estudo randomizado existente (realizado com endopróteses Gore®
Viabahn®) que apesar de pequeno (n=30) avaliou a correção de aneurismas
poplíteos por via endovascular em contraponto com a cirurgia clássica,
apresentou taxas de patência primária ao 1º e ao 4º ano de 87% e 80% para a
cirurgia endovascular vs 100% e 80% para a cirurgia de revascularização
(maioritariamente realizada com veia autóloga), concluindo que os doentes com
uma anatomia favorável, quando intervencionados por via endovascular, revelaram
resultados comparáveis aos da cirurgia clássica.[8]
O Texas Heart Institute avaliou 33 doentes com aneurismas poplíteos corrigidos
por via endovascular e apresentou taxas de patência primária e de patência
secundária aos quatro anos e meio de 84,8% e de 96,8% respetivamente.[9]
Face existir na literatura séries com excelentes resultados a curto/médio prazo
e face à crescente experiência nos tratamentos endovasculares, proporcionando
ao doente uma melhor recuperação, menos perdas hemáticas e um menor tempo de
internamento, embora com maior taxa de reintervenção, optou-se pelo
procedimento endovascular, colocando-se uma endoprótese.
CONCLUSÃO
Documenta-se assim o primeiro caso clínico de dois aneurismas periféricos
simultâneos corrigidos por via híbrida na nossa Unidade. Demonstrando uma
abordagem utilizada com cada vez maior frequência no tratamento de aneurismas
poplíteos e portanto alternativa quando não existir um conduto venoso adequado
ou disponível.
Este caso serve também simbolicamente, para apresentar como o estado da arte
atual da Cirurgia Vascular permite tratar a mesma entidade patológica por
diferentes abordagens (endovascular e clássica), em diferentes locais
anatómicos, no mesmo doente.
| FIGURA 1 | Angio-TAC 3D dos MIs
| FIGURA 2 | Aneurisma poplíteo
| FIGURA 3 | Exclusão do aneurisma poplíteo pela colocação de endoprótese de
5x150 mm (Viabhan protaten®). A) Aneurisma poplíteo em angiografia B)
Endoprótese colocada com exclusão do aneurisma C) Angiografia final com joelho
fletido a 90°
| FIGURA 4 | Aneurisma femoral comum esquerdo tipo 1