Correção de aneurisma do tronco braquiocefálico, 10 anos após traumatismo
torácico fechado
Correção de aneurisma do tronco braquiocefálico, 10 anos após traumatismo
torácico fechado
*
José Almeida Lopes*, Benjamim Marinho**, Armando Mansilha*, Jorge Casanova**,
Joana Carvalho*, José Fernando Ramos*, Paulo Pinho**, Roberto Roncon de
Albuquerque*
* Serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular
** Serviço de Cirurgia Cardio-Torácica
Centro Hospital de S. João- Porto
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|RESUMO|
Aneurismas do tronco braquiocefálico são extremamente raros.
Os autores apresentam o caso clínico de um doente de 22 anos de idade, com
antecedente de atropelamento de alta energia há cerca de 10 anos por motociclo,
com traumatismo toraco-abdominal anterior, em quem foi acidentalmente
descoberto um aneurisma do tronco braquiocefálico com 52mm.
Para a exclusão do referido aneurisma o doente foi submetido com sucesso à
construção de um bypass aorta ascendente-carotídio-subclávio com prótese
bifurcada de Dacron® (14x7mm), com abordagem por esternotomia mediana, cervical
e supra-clavicular.
É feita uma revisão da literatura, sendo descritas e discutidas as
características clínicas, o tratamento cirúrgico e o mecanismo de traumatismo
torácico sobre o tronco braquiocefálico.
Palavras-chave: Aneurisma do tronco braquicefálico,Traumatismo torácico fechado
Correction of an innominate artery aneurysm, 10 years after a blunt chest
trauma
|ABSTRACT|
Innominate artery aneurysms are extremely rare.
The authors present a case report of a 22-year-old patient, in whom was
accidently discovered an innominate artery aneurysm of 52 mm, 10 years after a
blunt thoraco-abdominal trauma caused by a high energy running over by a
motorcycle. For the exclusion of the aneurysm, the patient was successfully
submitted to the construction of an ascending aorta-carotid-subclavian bypass
with bifurcated Dacron® graft (14x7mm), by means of a median sternotomy, right
cervical and supra-clavicular approaches.
Review of the literature, clinical features, surgical treatment and chest
trauma mechanisms over the innominate artery are described and discussed.
Key words: Innominate artery aneurysm, Blunt chest trauma
INTRODUÇÃO
Lesões do tronco braquiocefálico, quando descobertas, são detectadas numa fase
inicial após o traumatismo e são normalmente induzidas por traumatismos
torácicos penetrantes.
Os autores apresentam um caso clínico raro, de um aneurisma do tronco
braquiocefálico de grandes dimensões, num doente jovem, 10 anos após um
atropelamento com traumatismo torácico-abdominal fechado.
Os aneurismas do tronco braquiocefálico são potenciais fontes de embolização
quer para o território carotídeo, quer para o membro superior e portanto
necessitam de consequente exclusão.[1,2]
CASO CLÍNICO
Doente de 22 anos, sexo masculino, sem antecedentes médicos de relevo exceto
atropelamento de alta energia, por motociclo, com traumatismo da região toraco-
abdominal anterior e fratura femoral direita, há cerca de 10 anos. Recorreu ao
serviço de urgência de um hospital periférico por quadro de queixas álgicas do
hemitorax inferior esquerda do tipo constritivo, que agravavam com a
inspiração, tendo cedido à medicação analgésica instituída (Aspegic® 1900mg /
EV).
Durante o estudo da toracalgia o doente realizou um Rx do tórax postero-
anterior (PA) | FIGURA 1 |, que evidenciou uma massa hipotransparente no
mediastino superior.
| FIGURA 1 | Rx tórax PA.
Neste contexto, foi submetido a uma angio-TC torácica | FIGURA 2 | que revelou
volumoso aneurisma de 52mm de maior diâmetro, após a origem do tronco
braquiocefálico do tipo A (classificação de Kieffer[1]), com trombo intra-
aneurismático e com algumas calcificações parietais. O exame também demonstrou
não haver sinais de extravasamento de contraste ou outros sinais de
instabilidade da parede aneurismática, que comprimia e desviava ligeiramente
quer a traqueia quer o esófago contra-lateralmente.
| FIGURA 2 | Angio-TC torácica.
Foi então transferido para o Centro Hospitalar de S. João, estando o doente à
sua chegada assintomático, hemodinamicamente estável e não apresentando
déficits neurológicos. Apresentava pulsos palpáveis na carótida comum direita e
ao longo de todo o membro superior direito. Não existindo sopro audível sobre o
aneurisma.
Dada a sua estabilidade clínica, foi internado para vigilância, tendo ao 5º dia
de internamento sido submetido a cirurgia eletiva para correcção do referido
aneurisma por uma equipa conjunta das especialidades de Angiologia e C.
Vascular e de C. Cardio-Torácica.
A cirurgia decorreu sem intercorrências, foi realizada por esternotomia mediana
com abordagens cervical e supra-clavicular direita. O controlo arterial foi
obtido por clampagem parcial da aorta ascendente proximalmente e da artéria
carótida comum e subclávia direita distalmente, foi então realizado a
construção de um bypass Aorta ascendente- carotídeo-subclávio com prótese
bifurcada de Dacron® (14x7mm) com consequente laqueação, descompressão e
aneurismorrafia | FIGURA 3 e 4 |. Nesta cirurgia não foi usado qualquer bypass
cardio-pulmonar, hipotermia ou shunt local. O fluxo de retorno da artéria
carótida comum era excelente e a pressão de retorno foi julgada ser adequada
para manter a perfusão cerebral.
| FIGURA 3 | Imagens intra-operatórias A) Anastomose aorta ascendente-protese
de Dacron® B) Anastomose carotídea C) Anastomose subclávia drt D)
Aneurismorrafia
| FIGURA 4 | Esquema representativo da cirurgia realizada.
Após a cirurgia o doente apresentou disfonia, realizou uma laringoscopia tendo-
lhe sido diagnosticado paralisia de corda vocal direita, documentando provável
lesão do nervo laríngeo recorrente direito.
A angio-TC pos-operatória | FIGURA 5 | revelou completa exclusão do aneurisma
do tronco braquiocefálico que se encontrava trombosado, com permeabilidade da
prótese bifurcada utilizada, sem evidência de compressão ou kinking.
| FIGURA 5 | Angio-TC pos-operatória, reconstrução tridimensional.
Sem mais intercorrências, teve alta ao 7º dia pos-operatório.
Ao 20º dia após a cirurgia, o doente apresentou uma frebotrombose femoro-ilíaca
esquerda (no local de cateter venoso central femoral prévio) acompanhada de
embolia pulmonar, tendo ficado hipocoagulado com varfarina e sujeito ao uso
diário de meia elástica compressão grau II.
Aos fim de 6 meses após a cirurgia o doente apresentava-se bem, sem disfonia
que tinha melhorado no final do 1º mês após a cirurgia, com bypass funcionante
e com recanalização parcial do sector venoso femoro-ilíaco esquerdo ao
ecodoppler.
DISCUSSÃO
Kieffer e colaboradores com uma experiência de 3 décadas, descreveram apenas 27
casos de aneurismas do tronco braquiocefálico, dos quais 6 eram aneurismas
degenerativos, e os restantes devido a doença de Takayasu (7), sífilis (5),
dissecção crónica (3), pseudo-aneurismas traumáticos (2) e iatrogénicos (1),
infecção (2) e doenças do tecido conjuntivo (Marfan) (1). Sendo os do tipo A
(aneurismas não envolvendo a origem do tronco braquiocefálico) como o aneurisma
aqui apresentado os mais raros, apenas 1 caso dentro dos 27 relatados. Estes
autores tiveram como complicações mais frequente, fenómenos tromboembólicos
quer para o membro superior, quer para a circulação cerebral e apenas relatam
rotura em 3 casos. A cirurgia é por estes autores recomendada nos doentes com
aneurismas saculares ou naqueles que apresentem aneurismas com diâmetros
superiores a 3 cm.[1]
Bower e colaboradores relataram a sua experiência cirúrgica na Clínica Mayo ao
longo de 40 anos com cerca de 73 doentes, dos quais apenas 4 eram aneurismas
verdadeiros. Recomendam a cirurgia a todos os doentes sintomáticos ou
assintomáticos, desde que aptos realiza-la de forma a evitar a história natural
que inevitavelmente leva a rotura ou tromboembolismo.[2]
Binet e colaboradores em 1962 foram os primeiros a descrever o mecanismo de
lesão de rotura da aorta torácica e dos seus principais ramos em acidentes de
carro de alta velocidade, eles postularam que uma força antero-posterior do
tórax diminui a distância entre o esterno e a coluna vertebral, deslocando o
coração para trás e para a esquerda. O doente hiperextende a coluna cervical e
gira a cabeça, o que coloca mais tensão sobre a artéria carótida do lado oposto
da rotação, resultando em uma avulsão da artéria braquiocefálica da aorta.[3]
O tronco braquiocefálico é o segundo local mais comum de lesão vascular no
trauma torácico, logo após a aorta descendente proximal e a lesão manifesta-se
normalmente logo na origem do vaso.[4]
Normalmente o resultado do traumatismo torácico leva à lesão da parede arterial
com formação de um pseudo-aneurisma, que se pode tornar sintomático anos após o
traumatismo.[5]
As lesões torácico-vasculares representam 20% do total de lesões vasculares e
deste grupo 71% que apresentam grandes lesões vasculares do desfiladeiro
torácico ou na base do pescoço morrem antes da chegada à sala de emergência.6
Mesmo depois de diagnosticadas, a mortalidade global ainda é de cerca de 30%.
[6,7]
CONCLUSÃO:
Os aneurismas pós-traumaticos do tronco braquiocefálico permanecem uma
complicação tardia e rara, estes doentes podem-se apresentar com uma variedade
de sinais/sintomas mesmo anos após o traumatismo: défices neurológicos ou
isquémicos, toracálgias, hemorragias, insuficiência cardíaca, disfagia ou
estridor.
Pelo seu potencial de devastação e de fatalidade, o traumatismo torácico
fechado deve ser abordado com alto nível de suspeição de lesão da aorta e dos
grandes vasos, que em raríssimas situações podem a longo prazo degenerar em
aneurismas, tendo sempre em consideração que a sobrevida destes doentes depende
grandemente do seu estado clínico na admissão, diagnóstico assertivo e pronta
resposta cirúrgica.