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EuPTCVHe1646-706X2012000400006

EuPTCVHe1646-706X2012000400006

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN1646-706X
Year2012
Issue0004
Article number00006

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Doença aneurismática e tratamento híbrido: a propósito de um caso clínico

INTRODUÇÃO Os autores apresentam um caso clínico de um doente corrigido por via clássica a dois aneurismas poplíteos e por via endovascular a um aneurisma isolado da artéria ilíaca comum direita.

CASO CLÍNICO Doente de do sexo masculino de 63 anos, com antecedentes de dislipidemia e tabagismo, que recorreu à consulta de Angiologia e Cirurgia Vascular com quadro de de claudicação gemelar para curtas distância (20 metros) do membro inferior esquerdo, com várias semanas de evolução.

Efetuou angio-RM que demonstrou um aneurisma popliteo esquerdo trombosado, um aneurisma poplíteo direito (ambos com 14mm e idêntica anatomia), aneurisma sacular da artéria ilíaca comum direita (35mm) e ectasia da artéria ilíaca comum esquerda (18mm).

Realizou-se primeiro um bypass poplíteo supra-articular ' poplíteo infra- articular com grande veia safena invertida e homolateral no membro inferior esquerdo com a consequente exclusão aneurismática e num segundo tempo o mesmo procedimento para correção de aneurisma poplíteo direito. Em ambas as intervenções o doente teve alta ao dia pós-operatório, sem complicações e com pulsos tibiais posteriores palpáveis e amplos.

Posteriormente foi feita a correção por via endovascular do aneurisma sacular da artéria ilíaca comum direita, por colocação de uma endoprótese de 6mm x 120 mm (Bard® Fluency®,Murray Hill, NJ, EUA). O pós-operatório decorreu sem intercorrências tendo o doente tido alta no dia seguinte, mantendo os pulsos tibiais posteriores palpáveis e amplos.

A angio-TAC aos três meses mostrou completa exclusão do aneurisma ilíaco, permeabilidade e ausência de fugas da endoprótese colocada, bem como exclusão dos aneurismas poplíteos previamente corrigidos e permeabilidade dos enxertos venosos.

DISCUSSÃO As normais dimensões da artéria poplitea variam com o tamanho e género dos doentes desde 0,5-1,1cm,[1] a maioria dos aneurismas poplíteos ocorrem na sua porção média ou proximal, e devem ter 1,5 vezes o tamanho do segmento arterial normal adjacente.[1] Embora sejam raros, os aneurismas poplíteos representam cerca de 70% de todos os aneurisma periféricos. São quase exclusivos do sexo masculino (95-100%) e são bilaterais em 50% dos casos. Quando demonstrada a bilateralidade dos aneurismas poplíteos, 70% dos doentes apresentam também um AAA concomitante,[2,3] contudo a associação com aneurismas ilíacos isolados é desconhecida, muito provávelmente pela raridade da mesma.

As complicações isquémicas dos aneurismas poplíteos resultam de trombose do saco aneurismático ou de fenómenos embólicos para a circulação distal dos doentes sintomáticos. 40% apresentam manifestações de isquemia crónica, incluindo claudicação intermitente e isquemia crítica.[2,3] Este tipo de complicações trombo-embólicas apresenta uma incidência de 35% aos 3 anos, com uma taxa média de amputação major de 25%. Em doentes sem pulsos distais aquando da apresentação apresentam uma probabilidade de amputação major ainda mais elevada, podendo atingir os 86%.[2] Dada a elevada morbilidade referenciada, torna-se muito relevante detetar a patologia em análise o mais precocemente possível de modo a se proceder a atempada correção.

A decisão de intervir num aneurisma poplíteo exige ponderação dos riscos resultantes da cirurgia, contra os riscos da continuada vigilância. O argumento para a intervenção precoce quando estes são pequenos é baseado em vários fatores:[4-7] (1) taxas de patência dos enxertos e de salvamento do membro são geralmente superiores a 95% e (2) acarretam uma mortalidade peri-operatória em torno de 1-2%. Em contra-ponto as taxas de mortalidade podem ser três ou quatro vezes mais elevadas em doentes tratados com isquemia crítica.

Tem sido recomendado que aneurismas maiores que dois centímetros devam ser operados quando possível, embora esta recomendação seja frequentemente posta em causa, dada a ausência de evidência baseada num estudo prospectivo randomizado.

A indicação cirúrgica permanece uma decisão que deverá ser individualizada face ao doente e à situação clínica em questão.

Uma vez que o doente apresentava veia adquada para enxerto e atendendo a que a cirurgia aberta ainda permanece o gold standard para o tratamento dos aneurismas popliteos, nós optamos por esta abordagem, na correção do aneurisma poplíteo esquerdo. O aneurisma poplíteo direito por apresentar uma morfologia em tudo idêntica ao lado contra-lateral (lado trombosado) fez optar por igual correção.

O estudo da Clinica Mayo refere uma taxa de patência primária aos 5 anos de 85% (patência secundária 94%) para os enxertos venosos Vs 50% para os enxertos de PTFE (patência secundária 63%).[3] Na revisão sistemática realizada por Dawson et al, de 2445 aneurismas poplíteos na literatura, a taxa de patência aos 5 anos variou de 77-100% para enxertos venosos e 29-74% para enxertos protésicos.[2] contudo poucos autores que recomendam o uso primário de enxertos protésicos, especialmente se forem necessários segmentos curtos num contexto de excelente outflow.

Hoje em dia, existem estudos que embora pequenos, parecem querer mudar o rumo do tratamento tradicionalmente descrito dos aneurismas poplíteos, estudos esses que apresentam excelentes resultados a curto prazo em prol de procedimentos endovasculares.

O Texas Heart Institute avaliou 33 doentes com aneurismas poplíteos corrigidos por via endovascular e apresentou taxas de patência primária aos quatro anos e meio de 84,8%.[8] O único estudo randomizado existente (realizado com endopróteses Gore® Viabahn®) que avaliou a correção de aneurismas poplíteos por via endovascular versus cirurgia clássica, apresentou taxas de patência primária ao e ao ano de 87% e 80% para a cirurgia endovascular versus 100% e 80% para a cirurgia de revascularização (maioritariamente realizada com veia autóloga).[9] Aneurismas ilíacos (AI) isolados são raros, contabilizando-se em menos de 2% de todos os aneurimas intra-abdominais[10,11] e ocorrem em menos de 0,1% da população.[12] A etiologia primária é degenerativa, contudo aneurismas isolados das artérias ilíacas, também são causados por outras condições predisponentes, entre as quais infeção, lesão iatrogénica, disseção, trauma, síndrome de Marfan e outras doenças do tecido conjuntivo.[10,13,14] A distribuição anatómica dos aneurismas ilíacos tratados passa por ser 70% na AI comum, 20% na AI interna e apenas 10% na AI externa.[15] Os aneurismas bilaterais da artéria ilíaca comum estão identificados em cerca de 50% dos casos.[16] uma clara predisposição masculina que pode variar de 5:1 a 25:1.[1,17,18] Embora os relatos mais antigos sugiram que os aneurismas ilíacos possam em regra, ser sintomáticos[19], hoje em dia eles são na maioria das vezes identificados acidentalmente durante a realização de meios auxiliares de diagnóstico abdominais pelos mais diferentes motivos. Como resultado, são agora rotineiramente detectados um número crescente de pequenos aneurismas ilíacos assintomáticos.[20] Antes da era do uso generalizado de TC e RM, os maiores e isolados aneurismas ilíacos eram mais frequentemente encontrados aquando da rotura,[21] o que acarretava uma elevada taxa de mortalidade operatória.[10] A taxa de mortalidade operatória para a cirurgia aberta electiva a aneurismas ilíacos isolados permanece alta, podendo mesmo atingir os 10% na literatura recente, o que é significativamente maior que a cirurgia aberta para a correcção de AAA.[22] Tal como os AAA estes aneurismas são frequentemente assintomáticos, podendo romper, embolizar, trombosar e causar sintomas de compressão visceral ou neurológica. A mortalidade operatória do aneurisma ilíaco roto aproxima-se é de 33-50%[10], portanto a ação chave para prevenir a mortalidade associada aos AI, reside em identificar os doentes de risco de rotura e proceder à sua reparação preventiva.

Embora não haja estudos que permitam, tal como no AAA, definir o limite exato a partir do qual um AI deva ser corrigido, a maioria dos autores defende o seu tratamento quando o maior diâmetro atinge os 3cm, dado o maior risco de rotura a partir destas dimensões.

Até recentemente a cirurgia aberta era considerada o gold standard para o tratamento, sendo, frequentemente exigente dado a sua localização pélvica.

[16,23] Vários relatos têm ajudado a definir mais claramente a história natural dos aneurismas ilíacos isolados. Kasirajan e colaboradores relataram que nenhum dos aneurismas ilíacos entre 2-2,5cm se expandiu num follow-up médio de 57 meses, mas que um risco significativo para a rutura existia em pacientes com aneurismas ilíacos maiores que 5cm.[22] Os autores sugeriram que o tratamento cirúrgico era apropriado para aneurismas maiores que 3cm. Santilli et al identificaram 189 doentes com 323 aneurismas ilíacos num relatório de um grande hospital (EUA Veterans Affairs hospital).[20] Os sintomas ocorreram em apenas seis doentes (3,1%), incluindo duas ruturas, todas com aneurismas maiores que 4cm. Aneurismas menores (<3cm) cresceram mais lentamente do que maiores (3 a 5 cm) (11mm/ano Vs 26 mm/ano). Os autores concluíram que (1) aneurismas ilíacos menores do que 3 cm pode ser controlada por vigilância ultrassonográfica anual, (2) aneurismas 3-3,5 cm pode ser monitorizada com vigilância a cada 6 meses e (3) aneurismas >3,5cm em doentes de baixo risco, considerados para cirurgia.

Sandhu e Pipinos relataram 473 aneurismas ilíacos isolados tratados por cirurgia clássica. 63% dos doentes eram sintomáticos, 31% em rotura.[24] Para uma cirurgia de emergência aberta, a mortalidade média foi de 28%, enquanto que para a cirurgia eletiva a média foi de 5%.

No artigo de 2008 de Huang Y. et al da Mayo Clinic, os autores concluiram que a taxa de expansão dos aneurismas da AIC é de 0,29cm/ano e que a hipertensão prediz um crescimento mais rápido. Como nenhuma rotura foi observada em 715 aneurismas da artéria iliaca comum que eram menores que 3,8cm, estes autores postulam que a reparação electiva de doentes assintomáticos parece ser justificado quando os aneurismas apresentarem diâmetros maiores que 3,5cm. A taxa de patência primária quer do lado cirúrgico quer do lado endovascular foi de 95% aos 5 anos e sugerem que resultados a 3 anos suportam o tratamento endovascular como tratamento de primeira linha para a maioria de doentes com anatomia adequada.[25] Resultados idênticos em termos de patência primária são também encontrados noutras séries.[26] A técnica endovascular usada com uma combinação de embolização com coils de ramos secundários e com o uso de stents cobertos tem o potencial de reduzir a morbilidade peri-operatória, especialmente em doentes de alto risco.[27] Embora nem todas as variações anatómicas permitam uma abordagem endovascular, tal como esta série atrás referida, outras séries sugerem os procedimentos endovasculares como modo preferencial de tratamento, com excelentes resultados iniciais e tem portanto recentemente emergido como uma alternativa viável e minimamente invasiva à cirurgia aberta (evitando a necessidade de disseção pelvica profunda), parecendo portanto ser cada vez mais razoável pôr em causa a tradicional referência dos 3cm descrita na literatura.

A presença de um segmento (colo) não dilatado proximal da artéria ilíaca comum (70% a 80% dos casos) permite reparação unilateral.[28] Embora o local de implantação proximal possa não ser aneurismático, é frequentemente muito maior do que o local de implantação distal, caso em que reparação aneurisma ilíaco unilateral requer uma endoprótese crónica.[29] Esta diferença de tamanhos contribui para uma elevada incidência de trombose da endoprótese.[30] Apesar disto existe na literatura excelentes resultados a médio prazo após a colocação de proteses cónicas mesmo em circunstâncias em que a anatomia do colo não é favorável.[31] Não existe um critério formal sobre qual será o comprimento do colo ideal para a correção dos aneurismas ilíacos, mas vários autores aceitam que esta medida seja idêntica à reparação de aneurismas aórticos por via endovascular nomeadamente 1,5cm de comprimento mínimo, a artéria proximal não pode ser aneurismática (<14mm), deve estar livre de trombo, quer na artéria ilíaca proximal e distal. Doentes com colo curto, tendem a ter extensão do processo aneurismático para a bifurcação aórtica, podendo posteriormente necessitar de uma endoprotese bifurcada.[27,31] A presença de um segmento de artéria ilíaca comum distal não dilatada, permite preservação da artéria ilíaca interna. Mais comumente, o aneurisma ilíaca comum termina na bifurcação ilíaca, ficando a zona de ancoragem distal à origem da artéria ilíaca interna, perdendo-se o fluxo anterogrado para a AI interna.[27] O quadro de claudicação nadegueira (é o sintoma de isquemia pélvica mais frequente), pode ser observada em cerca de 10-50% das séries e é na grande maioria das vezes transitória.[32-34] existem próteses bifurcadas para a artéria ilíaca interna e portanto com fluxo anterógrado, evitando a necessidade das técnicas de embolização da artéria hipogástrica.[35,36] Esta técnica tem-se apresentado com uma elevada taxa de sucesso e baixa taxa de reintervenção a médio prazo e parece ser uma primeira escolha adequada, quando estamos perante um doente mais jovem e ativo.[37] Vários estudos têm comparado os resultados da correção endovascular, com a correção cirúrgica dos aneurismas ilíacos isolados,[28] porém não são grandes o suficiente para efetuar comparações significativas de mortalidade; ainda assim todos concluem que o tratamento endovascular esteve associado a (1) perda de sangue significativamente menor (<50mL Vs 318 mL), (2) menor tempo operatório (86min Vs 143min), (3) menor tempo de internamento (2,1 dias Vs 4,8 dias) e (4) menor taxa de complicações do que a cirurgia aberta, pelo menos a curto prazo.

[28-29] Apesar dos resultados encorajadores descritos na literatura demonstrarem boas taxas de permeabilidade a médio prazo, mais estudos e um tempo de follow-up maior, são necessários para comprovar a durabilidade da cirurgia endovascular.

Neste caso aqui descrito, por o aneurima e a zona de ancoragem não envolverem a origem da ACI não foi necessário realizar a embolização com coils da origem deste ramo, evitando assim as possíveis complicações decorrentes da exclusão da AII e portanto da diminuição do aporte sanguínio para a região pélvica.

CONCLUSÕES Os autores descrevem um caso clínico de um doente tratado na nossa unidade em que foi utilizada uma abordagem híbrida para tratamento de aneurismas em localizações distintas.

A maior particularidade deste caso passa pela raridade de tratar o aneurisma ilíaco isolado apresentado, com recurso às novas técnicas endovasculares. Que como é referido com cada vez mais frequência por um grande número de séries, começa a desempenhar um papel primário na decisão clínica do tratamento dos aneurismas desta localização.

| FIGURA 1A e B | Angiografia e Angio-TC revelando o aneurisma isolado a artéria ilíaca comum drt

| FIGURA 2 | Angiografia final do procedimento de colocação de endoprótese para correção do aneurima da artéria ilíaca comum direito

| FIGURA 3 | Angio-TC 3D aos 3 meses, demonstrando completa exclusão do aneurisma ilíaco direito, permeabilidade e ausência de fugas da endoprotese colocadadireito


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