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EuPTCVHe1646-706X2013000200006

EuPTCVHe1646-706X2013000200006

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN1646-706X
Year2013
Issue0002
Article number00006

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Insuficiência renal induzida por contraste: estudo prospectivo

Introdução O tratamento da patologia vascular por via endovascular tem tido um crescimento exponencial nos últimos anos, sendo em muitos centros a principal forma de abordagem desta patologia. Nesse sentido, e dado que nos procedimentos angiográficos é utilizado contraste, que em maior ou menor grau tem nefrotoxicidade, propusemo-nos fazer um estudo sobre a incidência de insuficiência renal aguda induzida pelo contraste.

A nefropatia por contraste é a terceira causa de insuficiência renal aguda (IRA) hospitalar1­3, podendo corresponder a 11% desses casos1. Esta complicação aumenta a morbilidade, mortalidade, tempos de internamento hospitalar e os custos4.

A maioria dos artigos publicados são de estudos realizados em contexto de angioplastia coronária, tendo-se verificado que nos doentes que desenvolveram nefropatia por contraste, menos de 1% necessita de diálise5. No entanto, a mortalidade durante o internamento em indivíduos que vêm a necessitar de diálise pode atingir os 36% e a sobrevida a 2 anos ser de apenas 19%5.

Considera­se IRA induzida pelo contraste um aumento de 0,5 mg/dl na creatinina sérica (CrS) ou um aumento de pelo menos 25% em relação ao valor basal num período até 72 horas após o procedimento1­3,6. Os estudos demonstram que a creatinina começa a aumentar às 48-72 h e atinge o pico ao terceiro a quinto dia. Verifica­se o retorno ao valor basal, três a cinco dias após ter atingido o valor máximo1,7.

Existem vários tipos de contraste, sendo que na actualidade os contrastes não iónicos são os mais utilizados, e entre estes, os de baixa osmolaridade ou os iso-osmolares (menor toxicidade renal).

Nos doentes sem factores de risco para a nefropatia por contraste, esta ocorre em menos de 2% dos casos, sendo que em doentes com insuficiência renal crónica (IRC) e diabetes mellitus (DM) a nefropatia pode atingir valores de 50%7,8. A idade avançada (> 75 anos), a hipotensão, anemia, desidratação, cirrose hepática, estados hiperosmolares (ex: mieloma múltiplo) e toma recente de anti- inflamatórios não esteróides são outros factores que podem aumentar o risco1,9.

A fisiopatologia da IRA induzida pelo contraste é multi­factorial. Pensa­se estar relacionada com os efeitos osmóticos (aumento da osmolaridade urinária que diminui a filtração glomerular), hemodinâmicos (libertação de endotelina, adenosina e outros vasoconstritores que levam à hipóxia medular e necrose das células tubulares renais) e a toxicidade química directa sobre as células renais desencadeada pelo contraste1,4,9.

Com este trabalho pretende­se determinar a incidência de IRA induzida por contraste durante os procedimentos angiográficos, bem como identificar factores de risco para a sua ocorrência.

Materiais e métodos Realizou-se um estudo prospectivo dos doentes submetidos a procedimentos angiográficos de diagnóstico e/ou terapêutica, não dializados, internados no serviço de Cirurgia Vascular do Centro Hospitalar e Universiário de Coimbra­ HUC num período de 9 meses.

Em todos os doentes (n = 54) o meio de contraste utilizado foi o Ultravist 370® (iopramida) e foram submetidos a profilaxia da nefropatia com Bicarbonato de Sódio 1,4% (500 ml), a iniciar duas horas antes do procedimento e a continuar após o procedimento (velocidade de perfusão 1 ml/kg/h), e Furosemida 20 mg endovenosa. Realizou-se pelo menos um controlo analítico no dia anterior (previamente a iniciarem expansão do volume) e no dia seguinte ao procedimento.

Em 38 doentes foi possível ter mais que um controlo analítico após o procedimento.

Considerou­se IRA induzida pelo contraste um aumento da Creatinina sérica em pelo menos 0,5 mg/dl ou 25% do valor basal, ou uma diminuição da Taxa de Filtração Glomerular (TFG) em pelo menos 25%. Para o cálculo da TFG utilizou-se a fórmula de Cockcroft-Gault. Considerou-se ainda Doença Renal Crónica (DRC) e Insuficiência Renal Crónica (IRC) como TFG < 90 ml/min e < 60ml/min, respectivamente.

Para o estudo estatístico dos possíveis factores com influência no desenvolvimento da IRA por contraste (DM, HTA, DRC, IRC, volume crítico de contraste) aplicou­-se o teste não paramétrico de Kruskal-Wallis, e considerou- se como significância estatística p < 0,05. A análise de curvas ROC foi utilizada para tentar identificar um valor crítico de volume de contraste para indução de IRA Utilizou­se o programa R: An environment for statistical computing10.

Resultados No estudo foram incluídos 54 indivíduos, 47 do sexo masculino (87%) e 7 do sexo feminino (13%), com idade média de 62,5 ± 13,4 anos (tabela_1). Os doentes apresentavam peso médio de 74,2 ± 15,9 kg, altura média de 166,6 ± 7,9 cm e índice de massa corporal de 26,6 ± 5,08. Nestes últimos parâmetros, os indivíduos do sexo masculino apresentaram valores bastante superiores aos indivíduos do sexo feminino. A HTA estava presente em 46 doentes (85,2%), a DM em 13 (24,1%), DRC em 23 (43%) e a IRC em 10 (18,5%) (tabela_2). Globalmente, o volume de contraste utilizado foi de 234,8 ± 83,2 ml, sendo de 209,7 ± 56,8 ml e de 345,5 ± 93,1 ml nos doentes submetidos a procedimentos de diagnóstico e de terapêutica, respectivamente.

A variação absoluta da creatinina às 24 horas após o procedimento foi superior nos indivíduos do sexo masculino (0,11 ± 0,17 mg/dl), enquanto a variação relativa da creatinina (14,4 ± 16,4%) e da TFG (-11,1 ± 12,2%) foram superiores nos do sexo feminino (tabela_3).

tabela_3

A incidência de IRA induzida por contraste às 24h após o procedimento foi de 24,1% (13 doentes) quando se utilizou o critério de variação da creatinina sérica, e de 9,3% (5 doentes) quando se utilizou a variação da TFG. A incidência de IRA foi superior no sexo feminino com valores de 28,6% e 14,3%, respectivamente (tabela_4).

tabela_4

A Diabetes Mellitus (p = 0,049) e IRC (p = 0,013) tiveram significado estatístico na indução de IRA, não sendo possível identificar um valor crítico do volume para a indução de IRA (tabela_5). Também não se verificou nenhum valor crítico ao utilizar as curvas ROC para a relação entre o volume de contraste utilizado e o IMC, no que respeita à variação da TFG ou variação da CrS.

Nos doentes em que foi possível fazer uma reavaliação analítica posterior (38), a variação média da CrS relativamente ao valor inicial foi de 8,71% ± 13,49%, enquanto para a TFG foi de -6,2% ± 10,9%. Observou-se a irreversibilidade da insuficiência renal em 2 casos (5,2%) utilizando os dois critérios acima referidos (tabela_6). Em ambos os casos os indivíduos eram do sexo masculino, com HTA e sem DRC prévia ou DM. Nenhum doente necessitou de fazer diálise.

tabela_6

Discussão Os resultados do estudo demonstram que a população alvo dos procedimentos angiográficos são indivíduos, na maioria dos casos, com um ou mais factores de risco para a indução de nefropatia por contraste, pelo que os cuidados devem ser redobrados quanto ao volume de contraste utilizado. Verificámos uma dose elevada de contraste nos procedimentos, principalmente nos de diagnóstico, o que deverá ser uma situação a rever.

Tal como na maioria dos estudos publicados, a DM e a IRC foram os factores de risco que tiveram significado estatístico na indução de nefropatia por contraste. Nestas duas situações consideramos que deverá ser obrigatória a realização de profilaxia da nefropatia, uma vez que ficou demonstrado neste estudo, que mesmo utilizando o bicarbonato de sódio, a nefropatia por contraste ocorre com maior frequência nestes doentes. Poder-se-á questionar a necessidade de profilaxia nos doentes sem esses factores de risco, mas consideramos que em indivíduos do sexo feminino também deverá ser utilizado, dado que se observou o desenvolvimento de IRA às 24 h em cerca de metade dos casos.

Apesar de não ter sido contemplado no estudo a utilização de diferentes tipos de contraste, baseando­nos nos resultados da literatura que demonstram uma menor inicidência de nefropatia com a utilização de contrastes iso-osmolares, nos doentes com DM e IRC, estes deverão ser de utilização obrigatória, dado o risco acrescido de IRA.

A literatura mostra que a elevação da CrS ocorre até às 72 h após a administração do contraste. Neste estudo os resultados foram recolhidos às 24 h, pois a maioria dos doentes tiveram alta no dia seguinte à realização do procedimento. Mesmo assim, verificou-se uma incidência de nefropatia de 38,5% e 40% nos doentes com DM e IRC, respectivamente, pelo que somos da opinião que todos os doentes com estes factores de risco deverão fazer um controlo analítico às 72 h, mesmo que em ambulatório, dado o risco acrescido destes doentes virem a desenvolver IRA.

Relativamente aos doentes em que foi possível fazer um controlo analítico após uma semana, verificou-se a reversibilidade da insuficiência renal na grande maioria dos doentes. Curiosamente, e ao contrário do que seria de esperar, os dois casos em que isso não se verificou, foram em indivíduos do sexo masculino que não apresentavam DM ou IRC. Esta situação poderá estar relacionada com o número baixo de mulheres no estudo.

O estudo possui algumas limitações relacionadas com o baixo número de indivíduos do sexo feminino, a colheita analítica ter sido efectuada às 24 h e não às 72 h, o que pode ter originado uma subdimensionamento dos casos de IRA, e a ausência de grupo de controlo, o que permitiria retirar outras conclusões, nomedamente a verdadeira incidência da insuficiência renal sem a utilização de profilaxia.

Conclusões A incidência de nefropatia por contraste foi elevada apesar da profilaxia utilizada. A DM e a IRC foram os factores de risco com significado estatístico para o desenvolvimento de nefropatia. Mesmo assim, também é de salientar a maior incidência desta complicação em indivíduos do sexo feminino, o que nos leva a propor a utilização de profilaxia da nefropatia, pelo menos, nos doentes com estes factores de risco. A utilização de contraste iso­-osmolar e em menor quantidade, poderá melhorar os resultados, assim como a utilização do dióxido de carbono como meio de contraste nos doentes com função renal comprometida.

Com este estudo verificámos que a maioria dos casos de IRA pós-administração de contraste parece reversível.


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