Técnica de reversão de extensão ilíaca cónica de endoprótese: caso clínico
Introdução
Os aneurismas das artérias ilíacas isolados (AAII) são raros, correspondendo a
0,4 a 1,9% dos aneurismas aorto-ilíacos e a menos de 7% de todos os
aneurismas1-4. Estes aneurismas envolvem a AIC em 70% dos casos e em 50% são
bilaterais1. O envolvimento da artéria ilíaca interna (AII) ocorre em 10-30%
das situações e o atingimento da AIE é muito raro1. Afectam homens sete vezes
mais do que mulheres, com maior incidência em septuagenários e octogenários3. A
etiologia mais comum destes aneurismas é a aterosclerose, mas outras causas
incluem doenças do tecido conjuntivo, infecção, dissecção, arterite e trauma3.
Menos de 50% dos doentes são sintomáticos na altura do diagnóstico,
apresentando-se com quadros de ruptura, erosão ou compressão de órgãos
adjacentes a condicionar obstrução uretral, hematúria, trombose venosa ilíaca,
obstrução intestinal ou défice neurológico1-3. No entanto, a maioria dos
doentes apresenta-se com aneurismas assintomáticos, incidentalmente encontrados
ao exame físico abdominal, rectal ou pélvico ou detectados por métodos de
imagem1,3. O risco de ruptura aos 5 anos depende do tamanho do aneurisma e
varia de 14 a 70%, com taxas de mortalidade por ruptura de 60%3.
As indicações para tratamento incluem diâmetro superior a 3,5 cm e a presença
de sintomas ou ruptura1,3,5. O tratamento cirúrgico convencional manteve-se
durante muitos anos como o goldstandard, não obstante a morbi-mortalidade
consideráveis2-4,6. Todavia, a dissecção pélvica pode ser laboriosa, sobretudo
em doentes com pelve estreita, obesos e com aneurismas de grandes dimensões3.
As técnicas endovasculares surgiram como uma alternativa menos invasiva que
pode, potenciamente, diminuir a morbidade e mortalidade em comparação com a
cirurgia convencional3,6. Num estudo retrospectivo de larga escala de AAII
tratados por cirurgia aberta ou por via endovascular, a mortalidade foi
semelhante, mas com menor taxa de complicações para a correcção endovascular,
sugerindo que esta abordagem deve ser considerada como de primeira linha para o
tratamento de doentes com AAII, desde que anatomicamente adequados7.
É, por vezes, necessária alguma criatividade para aplicar os dispositivos
actualmente disponíveis a configurações anatómicas desfavoráveis, sobretudo
quando o risco cirúrgico é proibitivo para cirurgia convencional6. O tratamento
endovascular de AAII requer boas zonas de selagem proximal e distal4. A
bifurcação ilíaca é muitas vezes incluída no aneurisma e, portanto, o stent tem
que se estender para a AIE, geralmente de menor diâmetro que a AIC4. Neste
caso, a origem da AII deve ser excluída através da embolização com coils ou
plugs, a fim de evitar o desenvolvimento de endoleak tipo II3,8,9. Um desafio
técnico importante é a presença de discrepância de diâmetro entre a AIC e a
AIE, pela escassez de dispositivos cónicos invertidos (maiores proximalmente do
que distalmente)10,11.
Os autores adoptam uma técnica off-label para reverter uma extensão ilíaca
cónica de endoprótese no tratamento de um doente com AAII, no sentido de
colmatar as diferenças de diâmetros entre as zonas de ancoragem.
Caso clínico
Doente de sexo masculino, de 74 anos, com antecedentes de dislipidemia,
hipertensão arterial, doença coronária e DPOC graves (Fracção de ejecção
ventricular de 28% e FEV1 = 62%), insuficiência renal crónica (creatinina = 1,7
g/ dL) e aneurisma da AIC esquerda com 3,6 cm e extensão à bifurcação ilíaca
(AIC = 22 mm; AIE = 14 mm). Dadas as co-morbilidades do doentes, impeditivas de
cirurgia convencional, foi proposto para tratamento endovascular.
Dada a ausência de dispositivos endovasculares adequados para o tratamento do
aneurisma em questão, segundo as IFU (instructions for use), foi utilizada a
técnica off-label de reversão de extensão ilíaca cónica de endoprótese. Foi
realizada a libertação extracorporal de extensão ilíaca cónica de endoprótese
Medtronic® 16 × 24 mm, reversão e reinserção no dispositivo de entrega 16F,
auxiliada pela aplicação sequencial de laços de seda 1, sob técnica estéril
rigorosa e cuidada, para evitar lesão da endoprótese (fig._1). O procedimento
decorreu sob sedo-analgesia e heparinização sistémica (100 IU heparina/ kg peso
corporal). O doente foi submetido a abordagem percutânea femoral bilateral. À
direita, foi colocada uma baínha 6F, seguida de crossover, cateterização
selectiva da artéria ilíaca interna (AII) e embolização proximal desta com
coils Terumo® (um de 8 e dois de 7 mm), para prevenir o desenvolvimento de
endoleak tipo II. Realizou-se a libertação da endoprótese pela abordagem
femoral esquerda ipsilateral após a reversão previamente descrita, permitindo
adequada compatibilidade de diâmetros: 24 mm proximal para a zona de ancoragem
na AIC de 22 mm e 16 mm distal para a zona de ancoragem na AIE de 14 mm.
Procedeu-se a angioplastia com balão das zonas de ancoragem. A arteriografia de
controlo mostrou bom resultado imagiológico, sem imagens de estenose, migração
ou endoleaks, com exclusão aneurismática (fig._2). Foi efectuado o encerramento
bilateralmente com dispositivos Perclose Proglide®, um à direita e dois à
esquerda, colocados no início do procedimento. O doente teve alta ao 2º dia
pós-procedimento, sem intercorrências. Um mês após o tratamento, apresentou
queixas de claudicação gemelar esquerda. A angio-TC de controlo mostrou
deposição de trombo intra-endoprótese, que condicionava, na origem da AIE, uma
estenose > 70% (fig._3). Foi submetido a colocação de stent expansível por
balão intra-endoprótese (Omnilink Elite Abbott®9 × 39 mm), sem estenose
residual e sem intercorrências (fig._4). Teve alta ao 1º dia, hipocoagulado por
1 mês.
Decorridos 6 meses após a intervenção inicial, apresenta-se sem queixas de
claudicação e sem endoleaks, estenoses ou outras complicações na angio-TC de
controlo (fig._5).
Discussão
No caso clínico apresentado, o aneurisma localizava-se no segmento proximal da
AIC, com colo com 22 mm de diâmetro e 18 mm de comprimento. Para obtenção de
boa zona de selagem distal foi necessária a extensão à AIE, com 14 mm. O
primeiro desafio técnico foi a exclusão da artéria ilíaca interna, para evitar
o desenvolvimento de endoleaktipo II. Várias técnicas de exclusão têm sido
descritas e no doente tratado optou-se pela embolização com coils. Quando
unilateral, a exclusão da AII é frequentemente bem tolerada pela manutenção de
fluxo sanguíneo a partir da AII contralateral6. Nesse sentido, a oclusão da AII
deve ser o mais proximal possível para preservar a colateralidade e minimizar o
risco de isquemia pélvica, que ocorre em cerca de 30%, dos quais 80% manifesta-
se como claudicação nadegueira, 10% como disfunção eréctil e 6-9% como isquemia
cólica5.
O segundo desafio relacionou-se com disponibilidade limitada de stents cobertos
ilíacos cónicos de grandes diâmetros. As endopróteses aorto-mono-ilíacas, as
endotróteses torácicas cónicas e os os stents cobertos devem ser considerados
em primeiro lugar para o tratamento de AAII, mas frequentemente são demasiado
grandes, demasiado longos, sobre ou subdimensionados4. Por exemplo, para este
doente, a endoprótese AUI Zenith Converter® 24*12 mm seria subdimensionada
distalmente.
Os stents cobertos cónicos revertidos de última geração Fluency Bard®
apresentam diâmetros máximos de 13.5 mm3. O iCAST Atrium® é um stent coberto
expansível por balão que pode ser dilatado até 14 mm, o que permite diâmetros
invertidos em casos selecionados3. No entanto, para doentes com ectasia (> 14
mm) ou aneurisma das artérias ilíacas comuns, não existe actualmente nenhuma
endoprótese disponível no mercado que possa acomodar grandes diferenças de
diâmetro3. O doente tratado tinha um diâmetro maior da AIC esquerda (22 mm) do
que AIE (14 mm), o que representava um problema para tratamento de acordo com
as IFUdos dispositivos disponíveis. A solução encontrada foi a aplicação da
técnica off label de reversão de extensão ilíaca cónica da endoprótese
Medtronic® de 24 × 16 mm, de modo a garantir adequada compatibilidade de
diâmetros proximal e distal por implantação ipsilateral. A utilização desta
técnica permite a exclusão de AAII em doentes com discrepância de diâmetros
entre as landing zones proximal e distal3. Foi descrita pela primeira vez em
2006 por Teijink e colaboradores12 e entretanto foi já aplicada com sucesso por
diversos autores3,4,6,13,14. A manipulação necessária para reinserir a
endoprótese no sistema de entrega é preocupante, pelo que é necessária uma
técnica meticulosa para evitar danos no dispositivo, que poderiam resultar num
endoleak tipo IV6.
Pepperlenbosch e colaboradores14 reportam os resultados a médio prazo do
tratamento de várias patologias aorto-ilíacas aplicando a técnica de reversão
de uma extensão ilíaca de endoprótese Zenith Cook®. Trataram 12 doentes com uma
taxa de sucesso técnico imediato de 100% e sem endoleaks.O tempo médio de
seguimento foi de 29 ± 9 meses, durante o qual registaram duas oclusões da
extensão ilíaca, um endoleaktipo II sem crescimento do saco aneurismático, um
óbito por ruptura de AAA aos 16 meses e um óbito por neoplasia aos 47 meses. Os
autores concluem dizendo que a técnica é exequível, com resultados a médio
prazo satisfatórios.
A cirurgia convencional dos AAII tem sido tradicionalmente associada com maior
morbidade e mortalidade3,6. A correcção cirúrgica convencional não constituía
uma opção para este doente que, pelas co-morbilidades (doença coronária e DPOC
graves), apresentava elevado risco cirúrgico. Foi escolhido o tratamento
endovascular pela menor invasibilidade e morbi-mortalidade operatória.
Os resultados a curto e médio prazo do tratamento endovascular de aneurismas de
artérias ilíacas são favoráveis6. Uma análise retrospectiva de 34 aneurismas
ilíacos tratados com stents cobertos relata uma taxa de sucesso técnico
imediato de 97,6%11. Parsons et al.15 relataram os resultados intercalares de
28 de aneurismas isolados das artérias ilíacas tratados com stents cobertos. A
taxa de permeabilidade primária aos 3 anos foi de 86%. A taxa de complicações
foi de 12%, incluindo embolização distal, complicações do acesso e isquemia
cólica. Curiosamente, apenas uma redução mínima do diâmetro do aneurisma foi
observada durante o seguimento em 90% dos aneurismas tratados. Os restantes
sacos não mostraram mudança de diâmetro, mas nenhum cresceu em imagens de TC,
durante um período de seguimento de até 4 anos (média de 24 meses).
Mais recentemente, Boules e colaboradores16 estudaram 45 doentes submetidos a
tratamento endovascular para correcção de 61 AAII. As principais complicações
perioperatórias incluíram uma trombose precoce do enxerto com conversão para
cirurgia aberta e um hematoma inguinal com necessidade de drenagem. As
complicações tardias reportam uma trombose do enxerto adicional e um óbito
tardio após amputação. Não houve registo de rupturas tardias durante um
seguimento médio de 22 meses (intervalo de 0-60 meses). A taxa de
permeabilidade primária aos 2 anos foi de 95% e em 88% dos doentes não houve
necessidade de intervenções secundárias.
Uma limitação do tratamento endovascular é a impossibilidade de aplicação a
doentes com sintomas compressivos provocados por um aneurisma ilíaco de grandes
dimensões, o que não se verificava3.
Conclusão
A introdução das abordagens endovasculares no tratamento da doença
aneurismática das artérias ilíacas amplia as possibilidades terapêuticas, o que
é especialmente importante em doentes com risco cirúrgico proibitivo, como no
caso clínico descrito6.
O tratamento endovascular de aneurismas ilíacos que se estendem à bifurcação
ilíaca muitas vezes obriga à extensão da landing zone distal à AIE, de modo a
obter uma zona de selagem satisfatória e a exclusão bem sucedida do aneurisma6.
A técnica de reversão de extensão ilíaca cónica de endoprótese, embora off-
label, é uma opção exequível e viável em doentes com aneurisma AIC e
discrepância significativa de diâmetros das landing zones proximal e distal,
que pode sem usada em cenários anatomicamente desafiantes3,4,6. Abordagens
criativas, tais como a técnica de reversão descrita, vão permitir estender os
limites do tratamento endovascular e ampliar o espectro de doença passível de
intervenção3,4,6.