Vantagens da anestesia locoregional relativamente à anestesia geral na
endarterectomia carotídea
Introdução
O acidente vascular cerebral (AVC) representa um importante problema de saúde a
nível mundial e é das principais causas de incapacidade por danos neurológicos
na população adulta dos países desenvolvidos1.
A sua taxa de mortalidade varia entre 10 a 30%, nos afetados. Contudo, o risco
anual de reincidência de um episódio isquémico permanece elevado entre os
sobreviventes, enfatizando a necessidade de intervenção no sentido da
prevenção2.
O risco de AVC aumenta com a idade. O facto de nos últimos anos se verificar um
aumento da esperança média de vida com o envelhecimento global da população,
torna importante prevenir estes episódios diminuindo, assim, a incapacidade que
lhe está inerente1,2.
Mais de um terço dos AVCs devem-se a aterosclerose2. Os acidentes isquémicos
recorrentes são devidos, principalmente, a aterosclerose da bifurcação da
artéria carótida comum, responsável por 20% de todos os AVCs2.
A endarterectomia carotídea (CEA) é um procedimento cirúrgico preventivo que
consiste na remoção de uma placa de ateroma localizada na artéria carotídea, de
modo a reduzir os episódios de acidentes vasculares isquémicos cerebrais
embólicos e trombóticos3,4.
O risco de acidente vascular isquémico num doente com estenose
hemodinamicamente significativa da artéria carótida ipsilateral é muito
elevado; por isso a CEA é particularmente aconselhada se já houver antecedentes
de acidente isquémico transitório (AIT) ou AVC prévio5.
Nos casos de estenose assintomática, os benefícios são menores6.
Foram realizados vários estudos no sentido de estabelecer as indicações para
realização de CEA, tais como o North American Symptomatic Carotid
Endarterectomy Trial(NASCET), o European Carotid Surgery Trial(ECST) e o US
Veterans Administration Hospitals Trial(VA) para doentes sintomáticos; e os
estudos Asymptomatic Carotid Atherosclerosis Study(ACAS) e o Asymptomatic
Carotid Surgery Trial(ACST) para os indivíduos assintomáticos7-10.
Dadas as diferenças no que concerne aos critérios de aferição do grau de
estenose pelos estudos atrás referidos (NASCET e ESCT), foram analisados os
resultados doentes sintomáticos, que evidenciaram um benefício máximo com a
técnica cirúrgica nos casos de estenose superior a 70%11,12. Verificou-se em
certos subgrupos um maior benefício com
o procedimento: caso de homens, na presença de oclusão contralateral, de idade
superior a 75 anos, com sintomas hemisféricos, placa irregular e doença
intracraniana associada5.
Em relação aos estudos com indivíduos assintomáticos, o ACAS demonstrou
benefícios em indivíduos do sexo masculinos sem co-morbilidades significativas,
idade inferior a 75 anos, com estenose carotídea igual ou superior a 60%10,13.
O ACST, publicado em 2004, constatou a redução para metade (pela CEA) do risco
de AVC fatal, sendo que tanto os homens como as mulheres beneficiaram com a
cirurgia11,13. Contudo, o benefício em mulheres assintomáticas é
significativamente menor comparativamente ao dos homens, sendo que a técnica
deve ser apenas considerada em mulheres assintomáticas mais jovens. Uma vez que
há riscos associados, o doente só beneficia da CEA quando os riscos peri-
operatórios são reduzidos, isto é, quando a taxa combinada de morbilidade
neurológica, cardíaca e associada ao cirurgião for inferior a 2%, e quando a
sobrevida em cinco anos é boa13,14. As complicações neurológicas representam um
importante fator de risco peri-operatório, sendo que em 25% dos casos há
comprometimento cognitivo15. Assim, de modo a reduzir-se a incidência da
mortalidade e morbilidade da endarterectomia carotídea, têm sido tema de debate
entre anestesistas e cirurgiões, durante muitos anos, os riscos e benefícios da
anestesia geral (AG) e da anestesia locoregional (AL), de maneira a potenciar a
técnica1.
Anestesia no contexto da cirurgia carotídea
Os grandes objetivos da anestesia são o controlo da dor, a manutenção da via
aérea, oxigenação e estabilidade cardiovascular criando boas condições
operatórias para a cirurgia, permitindo simultaneamente a monitorização
cerebral1.
O acesso cirúrgico à artéria carotídea pode ser feito através duma incisão
longitudinal ou transversal. A respeito da morbilidade e mortalidade, às
complicações da ferida no pós-operatório ou à lesão e comprometimento nervoso,
ambas as abordagens parecem ter os mesmos resultados. No entanto, a incisão
cervical longitudinal deve ser preferida uma vez que, perante uma placa
aterosclerótica de maior extensão, um alongamento proximal e distal do campo
cirúrgico é mais fácil perante esta incisão, bem como a implantação de shunts
se encontra mais facilitada16.
A técnica cirúrgica para a endarterectomia carotídea envolve a clampagema
montante e a jusante da área afetada na artéria para disseção da placa
aterosclerótica. Durante este procedimento, o hemisfério cerebral cuja
irrigação depende deste vaso encontra-se em risco de hipoperfusão e de danos
permanentes devido a eventual isquemia. Assim, aquando da clampagem, o fluxo
sanguíneo para este hemisfério é fundamentalmente garantido pela artéria
carótida interna contralateral e artérias vertebrais, via artérias comunicantes
anterior e posterior do polígono de Willis17.
De modo a reduzir os efeitos da hipoperfusão e de um eventual acidente vascular
cerebral nos intra e pós-operatórios, muitas vezes recorre-se à colocação de um
shunt entre a zona proximal e distal da área a tratar, o que faz com que o
fluxo sanguíneo nunca deixe de chegar ao hemisfério cerebral respetivo.
Contudo, deste procedimento pode advir um aumento da taxa de acidentes
vasculares microembólicos, para além do risco local por fragilização da parede
vascular, inerente à técnica, de dissecção da artéria carótida18.
O acesso à perfusão cerebral (medição da pressão de retorno na artéria carótida
ou medição do fluxo sanguíneo através de doppler transcraniano e
electroencefalograma) é essencial durante este procedimento e é indicativo da
necessidade ou não de shunt19. O facto de se realizar a cirurgia no contexto de
anestesia loco-regional (AL) permite recorrer ao shuntsó nos casos em que ele é
necessário, uma vez que o doente se encontra acordado e colaborante, permitindo
esta interação uma monitorização neurológica contínua. Isto revela-se uma
grande vantagem uma vez que reduz a necessidade de shunt para menos de 10%17.
Dados como a anatomia do pescoço, local da bifurcação carotídea, re-operação,
doença psiquiátrica associada, compreensão e cooperação por parte do doente,
tornam-se muito importantes na decisão de realização do procedimento sob
anestesia geral ou loco-regional, tendo sempre de ser tomados em consideração.
A meta-análise da Cochrane analisou a informação de 26 estudos não-randomizados
e 7 randomizados, concluindo pela existência de potenciais benefícios na
anestesia loco-regional, embora a evidência fosse insuficiente para justificar
tais conclusões. As diferenças a nível da taxa de mortalidade e ocorrência de
AVC não eram estatisticamente significativas. Por outro lado, a utilização de
AL estava associada à diminuição significativa de hemorragia local. No entanto,
o facto de se tratar dum estudo com pequena amostra, não permitiu que fossem
tiradas conclusões definitivas20.
Numa tentativa de responder a estas questões, o estudo GALA (General
Anaesthesia versus Local Anaesthesia for carotid surgery), o maior estudo
randomizado cirúrgico/ anestésico já efetuado nesta área, foi desenhado com o
intuito de determinar se o tipo de anestesia influencia a morbilidade e
mortalidade (particularmente por AVC), a qualidade de vida e a sobrevida sem
AVC e EAM no primeiro ano após a cirurgia. O estudo incluiu 3527 indivíduos com
estenose carotídea sintomática ou assintomática de 95 centros de 24 países
diferentes, entre 1999 e 2007, para os quais a endarterectomia carotídea, quer
sob anestesia geral quer local, se encontrava recomendada. Os resultados
obtidos relativos à taxa de mortalidade e ocorrência de AVC (outcomes
primários) não foram estatisticamente significativos21.
Posteriormente, em 2008, uma nova revisão sistemática de Cochrane incluindo o
estudo GALA, concluiu que a probabilidade de AVC ou de morte era semelhante com
ambas as técnicas anestésicas. No entanto, a AL foi associada a uma redução
significativa da hemorragia pós-operatória22.
Vantagens e desvantagens da anestesia geral
A anestesia geral no contexto da endarterectomia encontra-se bem descrita e
documentada há já alguns anos23.
A grande vantagem desta técnica é o facto de a via aérea se encontrar
assegurada durante todo o procedimento cirúrgico, com controlo da ventilação e
da concentração de dióxido de carbono1. A manutenção da anestesia pode ser
feita com um agente anestésico volátil (sevoflurano) ou intravenoso (propofol)
e com um opióide de ação curta como oremifentanil. Esta combinação permite um
acesso rápido e precoce à função neurológica do doente, para além de diminuir,
em teoria, o metabolismo cerebral do oxigénio, conferindo um grau teórico
acrescido de neuroproteção, apesar de haver pouca evidência clínica destes
benefícios1,24.
Vantagens da anestesia locoregional relativamente à anestesia geral na
endarterectomia carotídea
Uma das principais desvantagens da AG é a necessidade de recorrer a métodos
indiretos para proceder à monitorização cerebral, como a medição de pressão de
retorno, doppler transcraniano, electroencefalografia, potenciais evocados e
INVOS. Para além dos elevados custos associados, todos estes métodos têm
sensibilidades e especificidades relativamente baixas comparativamente à neuro-
monitorização utilizada na AL com o doente acordado, para deteção de perfusão
cerebral inadequada e enfarte intraoperatório15,25,26. Os efeitos residuais da
AG num pós-operatório precoce podem mascarar os sinais e sintomas de eventuais
complicações neurológicas ocorridas durante a cirurgia. Isto faz com que o
reconhecimento dum novo enfarte nestes doentes, apenas é obtido após a
recuperação completa da anestesia19.
Sob esta técnica anestésica, o risco de hipotensão intraoperatória e
hipertensão pós-operatória com necessidade de medicação vasoativa, é aumentado.
A administração de volumes intravenosos em excesso faz com que haja necessidade
de algaliar o doente. A dor causada pela distensão vesical ou pela irritação a
nível do cateter urinário são causas de desconforto e de hipertensão no pós-
operatório1.
Em doentes mais idosos, a AG encontra-se associada a maiores riscos cardio -
respiratórios14.
As complicações associadas à técnica de anestesia geral, desde complicações
major da via aérea a complicações minor, incluindo cefaleia e irritação da
orofaringe, estão também presentes1.
Vantagens e desvantagens da anestesia locoregional
A grande vantagem de realizar a CEA sob AL é a capacidade de aceder rapidamente
à função cerebral do doente sem necessidade de utilização de aparelhos de
monitorização auxiliares, bem como a capacidade de autorregulação da pressão
arterial se encontrar relativamente preservada e haver uma menor necessidade de
recorrer a agentes vasopressores. A monitorização contínua é realizada pelo
cirurgião e pelo anestesista uma vez que o doente se encontra acordado e
cooperante durante a cirurgia. Esta avaliação pode ser oral através de
perguntas, avaliando a capacidade de resposta e, ou, pela capacidade de
compreender e executar uma ordem, por exemplo, através da movimentação dos
membros superiores e ou inferiores18. Qualquer alteração do estado de
consciência, do discurso ou da motricidade após clampagem, funcionam como
sinais precoces de perfusão cerebral inadequada19. Isto permite ao cirurgião
selecionar a utilização de shuntsde modo mais apropriado e menos frequente com
menores complicações hemodinâmicas.
Segundo o aludido estudo GALA, a diferença na utilização de shuntsé bastante
significativa: 14% vs. 43% respetivamente com AL e AG. Não obstante o shunt
proteger o cérebro de eventuais episódios isquémicos, contribui, por outro
lado, para o embolismo cerebral e ao lesar a parede arterial, promove a
trombose carotídea ou a disseção da carótida no pós-operatório27.
A AL permite evitar as complicações típicas da entubação visíveis na anestesia
geral tais como irritação da orofaringe, náuseas, vómitos; por sua vez o
recobro operatório mais fácil resulta numa alta mais precoce, reduzindo custos
hospitalares. De facto, a AL mostrou ser uma opção com melhor relação custo-
eficácia por exigir menos cuidados intensivos, menor período de internamento e
consequentemente diminuição de custos quando comparada com a CAE em contexto de
AG27.
Os inconvenientes da AL relacionam-se com as próprias desvantagens inerentes ao
bloqueio utilizado e ao possível desconforto do doente: claustrofobia, sobre-
aquecimento, globo vesical, que causam agitação e inquietude.
A anestesia pode ser feita utilizando um bloqueio superficial e/ou profundo do
plexo cervical, visando a supressão dos ramos sensitivos entre os dermátomos de
C2-C5 e de alguns pares cranianos como o ramo submandibular do nervo facial, as
terminações da bainha da carótida do vago e o glossofaríngeo, frenando as
sensações ao nível do pescoço28. Mesmo bloqueios competentemente realizados,
com as diferentes técnicas, podem associar-se a dor uma vez que os nervos
hipoglosso, vago e facial também conduzem informação álgica e não são
bloqueados por nenhuma técnica convencional, sendo necessária a complementação
local pelo cirurgião com anestésico local. Para além da grande quantidade de
anestésico local necessária, deve ser tido em conta o eventual risco de injeção
inadvertida de anestésico intravascular durante as infiltrações17.
O bloqueio cervical profundo parecia ser a melhor alternativa pela complexidade
da inervação sensitiva da região do pescoço. O bloqueio pode ser efetuado com
três injeções em C2,C3 e C4 ou injeções únicas em C4. No entanto, podem advir
complicações sérias como bloqueio espinhal total, convulsão por injeção
vertebral inadvertida e paraplegia, injeção intravascular, subaracnoideia ou
epidural, com hematoma local, paralisia do nervo frénico ipsilateral, parésia
transitória do nervo laríngeo recorrente, síndrome de Horner e bloqueio do
gânglio estrelado1,29.
A técnica simples de bloqueio cervical superficial envolve injeções subcutâneas
de anestésico local a partir do ponto médio do bordo posterior do músculo
esternocleidomastóideo com o paciente em decúbito dorsal, em posição de
Trendeleburg leve com rotação e flexão do pescoço contralateralmente ao
bloqueio, deixando evidentes a veia jugular externa e o bordo posterior do
músculo esternocleidomastóideo30. As complicações associadas ao bloqueio
superficial são raras, mas podem ocorrer potenciais danos em nervos
superficiais, hematoma local além da injeção intravascular do anestésico1,29.
Estudos clínicos demonstraram que o bloqueio cervical superficial é semelhante
na analgesia, na satisfação do doente e no resultado clínico ao bloqueio
cervical profundo e à combinação deste na anestesia para endarterecomia
carotídea, constituído, portanto, uma alternativa mais segura neste tipo de
intervenções, no entanto, requerendo sempre uma equipa anestésica qualificada e
experiente nesta prática29-32.
Neste contexto anestésico, o doente tem de ser cooperante, capaz de permanecer
deitado e imóvel durante a intervenção. A administração de midazolam ou de
baixas doses de propofol, como agentes sedativos, pode mostrar-se útil,
atentando sempre no eventual risco da sedação excessiva1.
Evidência - AVC, EAM e mortalidade (resultados primários)
Na meta-análise de 2004 do grupo Cochrane20, os resultados em termos de redução
das taxas de AVC e de mortalidade, foram claramente favoráveis à AL em estudos
não randomizados (OR 0,39; IC 95%: 0,52-0,23) e em estudos randomizados (OR
0,37; IC 95%: 0,75-1,62)20. No entanto, pelo facto de a maioria dos resultados
advir de estudos não randomizados e retrospetivos, com seleção heterogénea e
seguimento variável dos doentes, com fatores de risco não ajustados, entre
outros aspetos, a validade destes resultados foi muito questionada do ponto de
vista científico18.
Posteriormente, o estudo GALA definiu, como resultados primários, a incidência
de AVC (incluindo enfarte retiniano), de EAM e de mortalidade, nos primeiros 30
dias após a cirurgia. De 3526 doentes selecionados, 1773 foram submetidos a AL
e 1753 a AG21.
A análise dos resultados mostrou que, na AL, as incidências de AVC, EAM e
mortalidade aos 30 dias eram respetivamente de 4%, 0,2% e 1,1%, ligeiramente
inferiores às correspondências incidências obtidas com a AG: 3,7%, 0,5%,
1,5%21. Aglutinando a incidência dos três eventos primários, 80 em doentes
(4,5%) sob AL tiveram um dos eventos, comparando com uma incidência
ligeiramente superior no caso de AG: 84 em 1752 doentes (4,8%)21. A diferença
entre as duas técnicas, não foi estatisticamente significativa, sendo preciso
realizar 1000 CEAs com AL (OR 0,94; IC 95%: 0,70-1,27) para prevenir 3 eventos
(IC 95%: -11 a 17)21. Contudo, no subgrupo de doentes com oclusão carotídea
contra - lateral, a diferença entre as duas técnicas foi clara embora, também,
não estatisticamente significativa a favor da AL (1,2%) versus AG (4,7%) (OR
0,47; IC 95% 0,20-1,15; p = 0,098).
Posteriormente, uma meta-análise na qual se incluiu o estudo GALA, concluiu não
haver evidência de redução da probabilidade de AVC, EAM ou mortalidade entre os
dois tipos de técnicas anestésicas durante a CEA25. Verificou-se a tendência
para menor mortalidade operatória com AL (OR 0,62, IC 95%, 0,36-1,07), mas nem
o estudo GALA nem a análise conjunta foram desenhados para detetar os efeitos
sobre a mortalidade de forma confiável. Para confirmar ou refutar os possíveis
efeitos sobre a mortalidade é preciso um estudo randomizado com uma amostra
substancialmente maior19.
É interessante notar que na análise de estudos não randomizados é consistente a
redução dos riscos de acidente vascular cerebral e morte operatória quando a
CEA é realizada com recurso à AL.
Instabilidade hemodinâmica
Durante a CEA os problemas do foro hemodinâmico são bastante comuns e
preocupantes. A autorregulação da pressão arterial após um AVC, a redução da
sensitividade dos baro-recetores pela ateroesclerose dos vasos e os efeitos
intrínsecos à cirurgia, anestesia, idade avançada, diabetes e medicação anti-
hipertensiva, contribuem para esta instabilidade19,33.
Há já alguns anos que estudos, não randomizados, têm comparado o efeito das
duas técnicas anestésicas (AL e AG) na variação dos padrões hemodinâmicos na
CEA34,35.
O controlo da pressão na artéria é mais difícil de conseguir durante e após
anestesia geral. Sob AL, há tendência, durante a clampagem, para hipertensão;
no período pós-operatório, a hipotensão predomina34,35. Em contraste, na AG, no
âmbito intra-operatório observa-se hipotensão relativa, seguida de hipertensão
no pós-operatório33, que pode persistir durante as primeiras 48 horas após a
cirurgia, o que implica um uso mais frequente de substâncias vasoativas36. No
entanto, embora a pressão arterial se encontre mais estabilizada e haja menor
necessidade de fármacos vasopressores na AL, a incidência de taquicardia e o
aumento dos níveis de catecolaminas no sangue são maiores em comparação com a
AG36.
Utilização de shunts
De acordo com o estudo GALA, a diferença na utilização de shunts sob AL e AG
foi notória, 14% vs. 43% respetivamente21. Diferencial idêntico mas
consideravelmente maior foi descrito no estudo de Sideso et al. (9,2% vs.
82,2%)37, bem como em Mansilha 2011 (shunt sob AL inferior a 3%)18.
Uma das vantagens de realização de CEA num contexto de AL, relativamente à AG,
deve-se ao facto da opção de colocação de shunt ser feita de forma seletiva,
isto é, mais apropriada e menos frequentemente, resultando em menores
complicações embólicas ou cardiorrespiratórias, preservando a autorregulação
cerebrovascular21,25.
A utilização de AL pode ajudar na identificação mais precisa dos doentes que
realmente necessitam de colocação de shunts. O seu uso seletivo também pode ser
realizado em CEA sob AG, mas somente se os diferentes métodos indiretos de
monitorização contínua estiverem disponíveis. Para além de exigir equipamento
caro, requer pessoal especializado na sua interpretação, a fim de prevenir
falsos-positivos e/ou falsos-negativos25.
Uma recente revisão avaliou o papel da monitorização cerebral durante a CEA38.
A monitorização cerebral durante a CEA (eletroencefalograma, doppler
transcraniano, pressão de encravamento , evocados potenciais sensoriais e
INVOS) permite a deteção das principais causas de acidente vascular cerebral
peri-operatório, ou seja, embolia, hipoperfusão intra-operatória e síndrome da
hiperperfusão pós-operatória26,38. Embora alguns clínicos questionem a validade
da monitorização cerebral considerando-a um processo caro e demorado, outros
defendem que a sua utilização é essencial, uma vez que fornece informações
diretas sobre os novos défices neurológicos os quais, de outra forma, seriam
impercetíveis38. No entanto, quando comparados com a neuro - monitorização
utilizada na AL com o doente acordado, mesmo o sistema INVOS, único oxímetro
regional que permite a monitorização simultânea de quatro regiões cerebrais bem
como monitorização somática avaliando as reservas de oxigénio venoso em tempo
real, têm sensibilidades e especificidades relativamente baixa39. O feedback
imediato permite ao cirurgião corrigir prontamente qualquer alteração no intra-
operatório. Contudo, apesar de existirem diversas modalidades de monitorização,
nenhuma é, per si, definitiva, sendo necessária a combinação das diferentes
técnicas25.
Vantagens da anestesia locoregional relativamente à anestesia geral na
endarterectomia carotídea
Desde há anos, vem sendo relatado que, se após clampagem, não ocorrer isquemia
cerebral (por adequada circulação colateral pela artéria carótida contra-
lateral), a taxa de AVC é muito maior se houver colocação de shunt(8,8% vs.
2,1%, com e sem uso de shunts, respetivamente; P < 0,0001). Esta praxisfoi
confirmada recentemente quando doentes submetidos a colocação seletiva de shunt
por monitorização eletrofisiológica obtiveram uma probabilidade de desenvolver
AVC no peri-operatório reduzida em mais de 7 vezes (odds ratio [OR]: 0,05;
intervalo de confiança de 95%: 0,01-0,40, P < 0,01)40. A maioria dos doentes
tem uma circulação colateral adequada para tolerar até, pelo menos, 30 minutos
de clampagem de carótida unilateral sem sofrer danos por isquemia41. Nestes
indivíduos, a utilização de shunt não é apenas desnecessária como é um
importante fator de risco de AVC no pós-operatório41. A derivação seletiva pode
assim ser preferível, com base na monitorização hemodinâmica/eletrofisiológica,
perante uma artéria carótida interna lesada, na presença de estenose, de
oclusão da carótida contra-lateral, em doentes cujo risco de isquemia cerebral
seja considerável ou com história prévia de AVC41.
Custo-eficácia e duração do internamento
Sem prejuízo dos benefícios para a saúde pública, os custos inerentes à prática
clínica devem ser ponderados na decisão sobre qual a técnica anestésica a
adotar.
Com base em dados do estudo GALA, foi realizada uma avaliação económica com o
objetivo de comparar os custos da CEA sob AG com os do mesmo procedimento sob
AL, em doentes com estenose carotídea sintomática ou assintomática, para os
quais a cirurgia estava aconselhada40.
Estabeleceram-se os seguintes parâmetros: tempo de cirurgia, elementos das
equipas anestésica e cirúrgica, conveniência e tipo de shunt utilizado,
anestésico representativo do regime praticado (outros fármacos, tal como
analgésicos, não foram incluídos no estudo, dado o seu baixo custo), tempo
total de permanência hospitalar e nas diferentes enfermarias, unidades de
cuidados intensivos (UCI) e de cuidados intermédios, bem como ocorrência de
AVC, EAM e morte, uma vez que influenciam o período de hospitalização40.
Depois de ajustados os custos e critérios de exclusão e correlação, o estudo
mostrou que um participante randomizado para AL tinha um custo-eficácia, em
média, £ 178 (aproximadamente 216 , ao cambio atual) menor comparativamente
com um doente randomizado para receber AG40. Esta grande diferença deve-se
essencialmente à menor necessidade de internamento em UCI após CEA (20,9% vs.
71,4%, em AL vs. AG, respetivamente, bem como as seguintes), à menor utilização
de shunt (14,3% vs. 42,9%)40.
Em termos de benefícios de saúde no curto prazo, ou seja, ganho de tempo livre
de eventos (AVC, EAM, incluindo enfarte retiniano e morte), a AL revela-se mais
benéfica embora estatisticamente sem grande significado40. Em média, foram
identificados menores custos com a intervenção, ligeiramente mais eficaz, no
âmbito de AL.
Delírio pós-operatório, função cognitiva e resultados cardiovasculares
A redução do fluxo sanguíneo devido à clampagem da artéria carótida durante o
procedimento cirúrgico e, a consequente lesão cerebral, é considerada a
principal causa de disfunção cognitiva pós-CEA. Porém, uma otimização da
técnica anestésica utilizada, bem como, uma adequada neuro-monitorização podem
resultar em menores incidências destes episódios15.
Um ensaio clínico prospetivo e randomizado foi realizado, com base numa análise
do estudo GALA, com o objetivo de investigar a influência da anestesia local
versus geral no desempenho cognitivo pós-operatório em doentes submetidos a
CEA15.
O estudo demonstrou que doentes de idade mais avançada, submetidos a CEA-AG têm
taxas de delírio e disfunção cognitivas aumentadas após a cirurgia,
comparativamente com os submetidos a AL15. O delírio pós-operatório, de maior
grau se o doente é submetido a cirurgia vascular e ortopédica, redunda em maior
mortalidade e morbilidade, atraso na recuperação funcional e inerente
incremento dos custos relacionados com o prolongamento do tempo de internamento
hospitalar15.
O aludido estudo GALA revelou, assim, um melhor desempenho neuro-cognitivo
subsequente à AL15. Assim, a realização de cirurgia com AL parece ter um efeito
protetor na disfunção cognitiva precoce no pós-operatório.
Como se descreveu anteriormente, doentes operados sob AG têm mais eventos
hipertensivos (pressão arterial sistólica > 180 mmHg)33. O aumento da pressão
arterial sistólica (> 150 mmHg) após CEA acarreta graves complicações,
destacadamente sobrepressão intra-craniana, hemorragia intracerebral e síndrome
da híper-perfusão cerebral33.
Conclusão
Os resultados evidenciados pelos estudos objeto deste trabalho não são
estatisticamente significativos. Porém, tal não significa que a técnica
anestésica utilizada na endarterectomia carotídea não seja importante para o
resultado da intervenção cirúrgica.
A CEA com AL parece predominar positivamente na comparação com a AG,
especialmente em doentes com oclusão carotídea contra-lateral.
Ambas as técnicas anestésicas são seguras. De acordo com as recomendações
publicadas pela ESVS2, deve ser determinada em conjunto pelo anestesista, o
cirurgião e o próprio doente, a técnica mais confortável a utilizar, dependendo
da experiência da equipa técnica, das preferências e co-morbilidades
individuais, desde que as taxas de mortalidade e morbilidade neurológica e, ou,
cardíaca, respeitem os valores limite atualmente aceites pela comunidade
científica (< 6% em doentes sintomáticos e < 3% em doentes assintomáticos).
Qualquer que seja a técnica anestésica escolhida, o fluxo sanguíneo cerebral
deve ser otimizado, o esforço cardíaco minimizado e o risco de isquemia
diminuído, através do controlo da pressão-perfusão.