Treino de competências sociais - uma estratégia em saúde mental:
conceptualização e modelos teóricos
Treino de competências sociais ' uma estratégia em saúde mental:
conceptualização e modelos teóricos
Introdução
Aprender a relacionar-se e a comportar-se de forma positiva fazem parte de um
crescimento e desenvolvimento saudável. Esse relacionamento corresponde a um
comportamento social que engloba um conjunto de acções, atitudes e pensamentos
que a pessoa apresenta relativamente aos outros com quem interage, e em relação
a si próprio. O desenvolvimento do auto-conhecimento e da assertividade
correspondem a duas das competências comuns dos enfermeiros especialistas, no
domínio das aprendizagens profissionais conforme Regulamento das Competências
Comuns do Enfermeiro Especialista (no122/2011). Particularmente, no âmbito da
Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria espera-se que o enfermeiro
especialista seja um perito ao nível das relações interpessoais, uma vez que
utiliza esse saber e a si próprio como ferramenta terapêutica na interacção com
os outros. Entendemos ser indispensável aprofundar o conhecimento em enfermagem
que fundamente e oriente a prática clínica numa base sólida de intervenções
terapêuticas (Teixeira, Meireles & Carvalho, 2010) e nesse sentido
apresentamos, a partir de pesquisa bibliográfica, aspectos teóricos
relacionados com o treino de competências sociais enquanto método de
intervenção inserido nas terapias breves, já bastante utilizado na enfermagem.
Objectivos
Os aspectos relacionados com o bem-estar das pessoas são dos principais focos
de atenção dos enfermeiros. De entre outros, podemos afirmar que um
desenvolvimento adequado ao nível das competências sociais e emocionais e
consequentemente, o estabelecimento de relacionamentos interpessoais
satisfatórios, contribuem para uma melhor saúde mental, o que reforça a
importância do presente artigo que tem como objectivos:
- Descrever conceitos basilares, nomeadamente assertividade, habilidade social
e competência social como aspectos importantes a ter presentes na prática da
enfermagem de saúde mental;
- Apresentar alguns dos modelos teóricos que sustentam o treino de competências
sociais;
- Contribuir para fundamentar as intervenções dos enfermeiros, em particular,
dos enfermeiros especialistas em saúde mental e psiquiatria, orientando a sua
prática clínica.
- Fomentar a reflexão sobre a necessidade de se realizarem estudos no âmbito do
desenvolvimento de competências sociais/promoção da saúde mental, no sentido de
poder contribuir para o desenvolvimento do conhecimento em saúde mental.
Metodologia
Para a realização deste artigo recorremos sobretudo, à consulta de obras de
referência sobre a temática, no entanto a pesquisa bibliográfica recaiu também
sobre teses, artigos de revisão e artigos com resultados de estudos empíricos,
nacionais e internacionais. Para isso, utilizamos o motor de busca B-on em
variadas bases de dados, nomeadamente, EBSCO, Elsevier-Science Direct, Springer
Link, Taylor & Francis, ISI, Wiley. As palavras de pesquisa usadas foram:
social, skills, training, nursing, intervention. Também recorremos a documentos
legislativos, particularmente os respeitantes ao regulamento das competências
dos enfermeiros especialistas.
Foi utilizada uma metodologia descritiva com componente reflexiva.
Revisão Bibliográfica
Principais conceitos em treino de competências sociais
O estudo das competências sociais teve o seu início em 1949 com o americano
Salter, precursor da terapia comportamental, mas cujas ideias à época não
tiveram grande reflexo.
Posteriormente Wolpe em 1958, retoma as ideias de Salter e refere-se pela
primeira vez ao comportamento assertivo como sinónimo de competência social
(Caballo, 2009). Ao encontrarmos na literatura várias designações que podem
parecer similares ou por vezes sinónimos, importa clarificar os conceitos de
assertividade, habilidade (aptidão) social e competência social, à luz dos
estudos realizados e da investigação desenvolvida nesta área.
Assertividade/Comportamento Assertivo
Relativamente à assertividade, palavra que tem origem no latim assertus,
particípio passado do verbo asserere, que significa clamar direitos sobre algo,
reivindicar, afirmar, defender. A assertividade "(...) envolve o assumir de um
papel activo, ter uma atitude positiva, cuidar e não julgar os outros.
Salvaguardar os seus direitos e, sem negar os dos outros, comunicar o que
pretende de forma clara directa, sem ameaças ou ataques" (Scott, 1996 cit. por
Riley, 2004, p.9). Alberti e Emmons (1983, p.18) definiram comportamento
assertivo como "aquele que torna a pessoa capaz de agir em seus próprios
interesses, a se afirmar sem ansiedade indevida, a expressar sentimentos
sinceros sem constrangimento, ou a exercitar os seus próprios direitos". Em
poucas palavras, ser assertivo significa afirmar por palavras o que quer, sente
e pensa sem se sentir mal por isso, deixando espaço ao outro para fazer o
mesmo. Castanyer (2004, p.21) considera que "o facto de uma interacção resultar
satisfatória depende de nos sentirmos valorizados e respeitados e isto, por sua
vez, não depende tanto dos outros, mas do facto de possuirmos uma série de
competências para responder correctamente e uma série de convicções (...) que
nos façam sentir bem connosco próprios". A autora relaciona a assertividade com
a auto-estima uma vez que quanto maior for o valor, o respeito e o carinho que
temos por nós próprios mais fácil é a relação com os outros, estando assim
associada a um desempenho social bem sucedido. No entanto não conseguimos ser
sempre assertivos em todas as situações e com todas as pessoas, pois nem sempre
temos a energia necessária ou o desejo de nos expormos ou de expressar os
nossos direitos. A assertividade ou comunicação assertiva é por isso uma
questão de opção e requer uma aprendizagem contínua e um treino sistemático
(Riley, 2004; Jardim, 2007). Na literatura, para além do comportamento
assertivo encontramos outros tipos de comportamentos comunicacionais que as
pessoas adoptam em determinadas situações e que podem também variar na mesma
pessoa: o comportamento agressivo, o comportamento passivo (ou não assertivo) e
o comportamento manipulador.
Para melhor ilustrar as características de cada um dos estilos comunicacionais
iremos descrevê-los tendo por base o comportamento observável (verbal, não
verbal e para verbal), os padrões de pensamento, os sentimentos e emoções e as
consequências de cada comportamento (Azevedo, 1999; Castanyer, 2004; Caballo,
2008).
Comportamento assertivo
- Comportamento observável não verbal: Postura direita e descontraída, ombros
direitos, movimentos casuais com as mãos, ar pensativo, sério, interessado,
atencioso, sorriso genuíno, mantém contacto visual.
- Comportamento observável para verbal: Voz clara, firme agradável, suave,
mantém o tom de voz, risos associados ao humor.
- Comportamento observável verbal: Gostaria; Quero; Penso; Sinto; Acho; Não
gosto; O que pensa?; Como poderemos resolver isto?; Concorda?; Compreendo;
Obrigada; (...).
- Padrões de pensamento: Conhecem e acreditam nos próprios direitos. Têm
crenças racionais. Não há espaço para dominação, dissimulação ou dependência.
Importa a resolução de conflitos através da negociação (ganhar/ ganhar).
- Sentimentos e emoções: Auto-estima saudável; Satisfação nos relacionamentos;
Respeito por si próprio; Sensação de controlo emocional.
- Consequências: Desarmam quem os atacar. Os outros sentem-se respeitados e
valorizados. Esclarecem equívocos. São considerados pessoas "boas" mas não
"tontas".
Comportamento agressivo
- Comportamento observável não verbal: Postura direita, tensa, rígida, ombros
para trás, queixo levantado ou para a frente. Rosto tenso, sobrancelhas
carregadas, olhos fulminantes e muito abertos ou semicerrados. Aponta com o
dedo, bate na mesa. Discurso preciso e calculado recorrendo a insultos ou
ameaças.
- Comportamento observável para verbal: Tom de voz alto ou baixo, áspero. Risos
sarcásticos. Interrompe o outro com frequência.
- Comportamento observável verbal: Vai porque eu quero; Não sabe; Deveria; Deve
estar a brincar...; Cale-se; Quem manda aqui sou eu; Tem que fazer senão...;
(...).
- Padrões de pensamento: "Agora só conto eu, o que tu pensas/sentes não me
interessa". "Se não for assim fico demasiado vulnerável". "De outra maneira
ninguém me respeita". Tudo se restringe a ganhar ou perder. Crenças
irracionais.
- Sentimentos e emoções: Ansiedade crescente, solidão, sensação de
incompreensão, culpa e frustração. Baixa auto- estima, sensação de falta de
controlo, irritação crescente que se estende a mais pessoas e mais situações.
Honestidade emocional.
- Consequências: Rejeição ou evitamento pelos outros, solidão. "Círculo
vicioso".
Comportamento passivo
- Comportamento observável não verbal: Postura contraída, ombros encolhidos,
muitos movimentos com as mãos. Rosto tenso, sobrancelhas levantadas, evita o
contacto ocular.
- Comportamento observável para verbal: Voz sumida e apagada, hesitações, pára
no meio do discurso, silêncios. Riso nervoso e forçado
- Comportamento observável verbal: Talvez; Quem sabe...; Desculpe, mas...;
Realmente, não é importante; Não se incomode; Não tem importância; Não vale a
pena...; Pergunto- me se poderíamos...; Não gosto de criar problemas...; (...).
- Padrões de pensamento: Evitam incomodar ou ofender os outros. Sensação
constante de ser incompreendido, manipulado, ignorado. Muita energia mental e
pouca exterior. Crenças irracionais.
- Sentimentos e emoções: Insegurança, sentem-se pessoas sacrificadas,
culpabilidade, ansiedade e frustração. Fuga, submissão e dependência em relação
aos acontecimentos e aos outros. Baixa auto-estima e desonestidade emocional
- Consequências: Perda de auto-estima e do apreço das outras pessoas. Pouco
respeitados, fazem os outros sentirem-se culpados ou superiores. Problemas
somáticos, ansiedade, depressão, acessos repentinos de agressividade. Solidão e
sensação de falta de controlo.
Comportamento manipulativo
- Comportamento observável: Tom de voz baixo, pouca clareza no discurso.
Incongruência entre a comunicação verbal e não verbal. Pressiona/força o outro.
Compara desfavoravelmente/evita indirectamente a tarefa. É mais hábil em criar
conflitos, do que em reduzir as tensões existentes. Apresenta discursos
diferentes, conforme o interlocutor. Não se aproxima quando há debate: fala
baixo e por "segredinhos". Consegue os seus objectivos sem se afirmar
abertamente. Explora as vulnerabilidades do interlocutor. Desculpas para obter
compaixão.
- Comportamento observável verbal: Nunca pensaria tal coisa...; Não diria a
mais ninguém...; Diz-se por aí...; Você é que sabe, mas...; Tenho muito gosto
em resolver isto se puder contar com...; Não foi bem isso que eu pretendi
dizer...; É só a sua opinião...; (...).
- Padrões de pensamento: Baixo respeito e desvalorização pelos outros.
- Sentimentos e emoções: Chantagem emocional, simpático em demasia, existe
alguma forma de lisonja, insinuação, chantagem, sarcasmo. Desconfia das
intenções do outro.
- Consequências: imediatas a perda de credibilidade e a longo prazo o fracasso,
pois perde a capacidade de estabelecer relações com os outros com base na
confiança recíproca.
De acordo com os estilos comunicacionais expostos, podemos afirmar que as
características da comunicação humana na relação interpessoal são os aspectos
que se destacam em cada um deles. Assim, para um comportamento resultar
assertivo é necessário colocar em prática várias habilidades que se enquadram
no âmbito da comunicação verbal, não verbal e para verbal uma vez que a
linguagem corporal fala mais alto. De acordo com os estudos relativos à
comunicação não verbal sabe-se que apenas conseguimos transmitir por palavras
7% dos pensamentos, 38% por sinais para verbais e 55% pelo corpo (Silva, 2002).
Daqui se infere a importância que tem o reconhecimento destes sinais no outro e
a tomada de consciência para o fazermos de uma forma assertiva.
Habilidade Social e Competência Social
No que respeita aos conceitos de habilidade social e competência social, são
muitas vezes definidos de acordo com a perspectiva teórica que lhes está
subjacente. Caballo (2009) e Gresham (1981; cit. por Del Prette & Del
Prette, 1999) são da opinião que o conceito de competência social é um
constructo amplo que engloba o conceito de habilidades sociais e o conceito de
comportamento adaptativo. Por outro lado, McFall (1982) defende que, habilidade
social e competência social são dois conceitos distintos que se articulam num
modelo mais abrangente. Importa referir que a dificuldade na definição dos
conceitos tem também a ver com uma grande diversidade de factores inerentes ao
comportamento social, nomeadamente a cultura, os padrões de comunicação (variam
em função da idade, sexo, educação e cultura), e o próprio indivíduo (crenças,
atitudes, valores, estilo próprio de interacção). Ou seja, dependendo da
presença de determinados factores (da situação particular no contexto
relacional) assim o comportamento da pessoa se considera mais ou menos adequado
socialmente, não existindo por isso, uma forma universal de se comportar
correctamente. "Assim, duas pessoas podem comportar-se de um modo totalmente
diferente em uma mesma situação, ou a mesma pessoa em duas situações similares,
e ambas as respostas serem consideradas com o mesmo grau de habilidade social"
(Caballo, 2008, p.364). Entendemos então, que a definição universal de um
conjunto de habilidades sociais, fundamentais e ajustadas, para além de ser
difícil, deve ter em conta a diversidade cultural em que o comportamento
considerado socialmente competente se insere. Prosseguimos na tentativa de
definir habilidade social e competência social.
Retomando a perspectiva de McFall (1982), o conceito de habilidade social
abarca dois pressupostos: por um lado, o de que o comportamento socialmente
habilidoso é inato, correspondendo a um traço da personalidade do indivíduo;
por outro, de que é adquirido, resultando de uma aprendizagem baseada na
experiência das relações interpessoais podendo até ser treinado. As habilidades
sociais dizem respeito à capacidade de comunicação e relacionamento
interpessoal, ao entendimento e compreensão dos sentimentos dos outros e à
cooperação em situações de grupo.
Para Argyle, Furnahm e Graham (1981 citados por Del Prette & Del Prette,
1999) a definição de habilidade social assenta num constructo descritivo, que
contempla um conjunto de aptidões ou capacidades específicas, presentes numa
situação de interacção pessoal, situação esta que para além da dimensão pessoal
abarca aspectos mais amplos como a dimensão situacional e os padrões culturais.
Também Gresham (2009, p. 20) considera as habilidades sociais "comportamentos
aprendidos e socialmente aceites que permitem ao indivíduo interagir
efectivamente com outros e evitar (...) comportamentos não aceitáveis que
resultem em interacções negativas". Caballo tem uma perspectiva um pouco
diferente ao definir comportamento socialmente habilidoso como "o conjunto de
comportamentos emitidos por um individuo num contexto interpessoal, que
expressa os sentimentos, atitudes, desejos, opiniões ou direitos desse
individuo de um modo adequado à situação, respeitando esses comportamentos nos
demais, e que geralmente resolve os problemas imediatos da situação enquanto
minimiza a probabilidade de futuros problemas" (2008b, p.365). É uma definição
que se aproxima mais do comportamento assertivo, no entanto, também identifica
um conjunto de aptidões como componentes do constructo das Habilidades Sociais
que denomina de 'Classes de resposta' ou 'Dimensões',
tais como: Iniciar e manter conversações; Falar em público; Expressão de amor,
agrado e afecto; Defesa dos próprios direitos; Pedir favores; Recusar pedidos;
Fazer obrigações; Aceitar elogios; Expressar opinião; Pedir desculpa;
Confrontar; Lidar com críticas.
Del Prette e Del Prette (2001, p.31) afirmam que o conceito de "habilidades
sociais refere-se à existência de diferentes classes de comportamentos sociais
no repertório do indivíduo para lidar de maneira adequada com as demandas das
situações interpessoais". Partilhamos assim a afirmação que um comportamento
social só pode ser identificado como habilidade social quando, na interacção
social o seu fim se destina à competência social (Gresham, 1983, 1986, 2002;
cit. por Mota, 2008).
A competência social para McFall (1982) é um conceito teórico de carácter
avaliativo que reflecte sempre um juízo (baseado em determinados critérios) do
próprio ou dos outros (pessoas significativas) acerca das capacidades
específicas (habilidades sociais) que permitem a uma pessoa executar com
competência determinadas tarefas sociais. Ainda nesta linha de pensamento Del
Prette e Del Prette (2001, p.31) consideram que a competência social tem
subjacente uma avaliação que "qualifica a proficiência de um desempenho e se
refere à capacidade do indivíduo de organizar pensamentos, sentimentos e acções
em função dos seus valores e objectivos articulando-as às demandas imediatas e
mediatas do ambiente". Também Gresham (2009) considera a competência social um
atributo avaliativo de um comportamento ou conjunto de comportamentos bem
sucedidos em interacção social que obedece a determinados critérios de
funcionalidade.
Podemos então afirmar que de uma forma geral habilidade social é um constructo
descritivo, inclui uma série de respostas verbais e não verbais que influenciam
a percepção e a resposta do outro na interacção social. Representam a
capacidade de executar determinados comportamentos sociais que são importantes
para permitir à pessoa alcançar a competência social (Spence, 2003).
Competência social é um constructo avaliativo, multidimensional e interactivo
nas suas diversas componentes, que Vaughn e Hogan (1990) identificaram como
sendo as relações positivas com os pares, uma cognição social adequada à idade,
a ausência de problemas de comportamento e habilidades sociais eficazes.
De acordo com Caballo (2009), o termo social emprega-se com o propósito de
qualificar os conceitos de habilidade e competência, pois a conduta social
conceptualiza-se nas bases da reciprocidade, na influência mútua, na relação
interpessoal. Como somos tratados pelos outros é em grande medida o reflexo do
nosso comportamento para com eles.
Verificamos que a dificuldade em encontrar uma definição concreta para os
conceitos expostos advém, por um lado, da complexidade do próprio fenómeno
(habilidade e competência social), e por outro lado, da grande variedade de
abordagens teóricas que se reportam muitas vezes a diferentes aspectos dessa
mesma complexidade. Percebemos que a existência de um repertório de habilidades
sociais é importante mas não suficiente, por si só, para alcançar a competência
social, pois a definição de um conceito remete para a definição do outro.
Modelos teóricos em treino de competências sociais
O Treino de Competências Sociais (TCS) é uma forma de intervenção em situações
de deficits ou dificuldades interpessoais com o propósito de desenvolver o
repertório de habilidades sociais maximizando as relações positivas em situação
de interacção social. Baseados na perspectiva de alguns autores (por ex. Mc
Fall e Trower) Del Prette e Del Prette defendem que o TCS "carece de uma teoria
integrativa que não apenas reveja os diferentes constructos explicativos, mas
sobretudo que os integre de maneira sistemática, de modo a melhor articular os
fenómenos a que se reporta, tais como habilidades sociais, interacção social e
comunicação interpessoal" (2010, p.105). Assim, do contributo das diversas
áreas do conhecimento predominam duas importantes abordagens, a cognitiva e a
comportamental. Neste sentido iremos descrever sucintamente os quatro modelos
teóricos que nos parecem ser os mais importantes na tentativa de analisar o
campo teórico-prático do TCS. Estes modelos procuram uma explicação para o
défice ou para as dificuldades no desenvolvimento das habilidades sociais, bem
como a identificação de problemas e possíveis estratégias de intervenção.
- Modelo de Percepção Social de Argyle (1967/1994) ' De acordo com este modelo
o desenvolvimento das habilidades sociais é feito essencialmente, através de
processos cognitivos que procuram compreender o ambiente e o contexto social em
que o indivíduo se insere. Esta compreensão implica uma leitura e
descodificação correcta da situação/contexto social de modo a responder de uma
forma socialmente competente, ou seja, deve permitir uma selecção de
comportamentos de acordo com o contexto e a tomada de decisão de emiti-los ou
não. Quando existe uma falha numa destas etapas (leitura e/ou descodificação da
mensagem verbal e não verbal) e na utilização das normas e valores culturais
inerentes ao contexto social, a resposta dada, por ser baseada em equívocos,
pode ser dificultadora no estabelecimento de relações interpessoais ou ter
mesmo consequências negativas.
No TCS, o desenvolvimento das habilidades relacionadas com a percepção social
devem fazer parte dos objectivos do programa, particularmente o desenvolvimento
da perspicácia na descodificação dos estímulos do meio ambiente físico e da
situação social e na correcta identificação de papéis e regras sociais
culturalmente determinadas (Morrison & Bellack, 1981 citados por Del Prette
& Del Prette, 1999).
- Modelo do Condicionamento Operante de Skinner (1904- 1990) ' Insere-se na
abordagem comportamental e surge no seguimento dos estudos de Pavlov. Tem como
principal objectivo a manipulação do comportamento, isto é, parte do
pressuposto de que os comportamentos problemáticos ocorrem por ter havido uma
aprendizagem errada e que podem ser corrigidos através de experiências
apropriadas de aprendizagem (Townsend, 2002). Pavlov trabalhou o
condicionamento clássico que tinha por base as respostas involuntárias, Skinner
trabalhou o condicionamento operante que tinha por base as respostas
voluntárias. De uma forma simples, podemos afirmar que o condicionamento
operante considera que um comportamento pode ser trabalhado ou modificado
através da mudança das variáveis ou das condições que o rodeiam (Neeb, 2000).
São três as componentes principais deste modelo: estímulo (qualquer
acontecimento que precede imediatamente o comportamento operante), resposta
(qualquer comportamento observável que possa ser estudado) e reforço (qualquer
acontecimento que aumente a probabilidade de repetição do comportamento),
podendo ser um reforço positivo (quando as consequências agradáveis de uma
resposta aumentam a probabilidade desta ocorrer novamente) ou um reforço
negativo (quando a remoção ou o afastamento de algo desagradável aumenta a
probabilidade da resposta ocorrer novamente). O reforço tem sido utilizado como
sinónimo de recompensa, no entanto, são termos distintos, uma vez que as
respostas são reforçadas e os indivíduos são recompensados. A punição é também
um elemento importante no modelo e é definida como a ocorrência de um estímulo
aversivo utilizada para enfraquecer ou suprimir uma resposta indesejada uma vez
que reduz a probabilidade da resposta ocorrer novamente (Kaplan & Sadock,
1990). Podemos concluir que neste modelo a ênfase é colocada nas consequências
da resposta como uma abordagem à aprendizagem de novos comportamentos. Skinner
foi influenciado pela Lei do efeito de Thorndike em que "a ligação entre um
estímulo e a uma resposta é fortalecida ou enfraquecida pelas consequências da
resposta" (Townsend, 2002, p.218). A modelagem e o reforço são as principais
técnicas utilizadas para a modificação do comportamento e englobadas na
metodologia do TCS.
- Modelo da Assertividade (Wolpe, 1976; Lazarus, 1977) ' Este modelo aparece na
linha teórica do modelo anterior e considera duas vertentes explicativas para
as dificuldades no campo do desempenho social. Por uma lado, a presença de
níveis elevados de ansiedade quando o desempenho social se associa a estímulos
aversivos, inibindo assim as respostas assertivas (condicionamento clássico),
por outro lado, um controle ineficaz dos estímulos no encadeamento de respostas
sociais determinando assim dificuldades ao nível do desempenho social
(condicionamento operante). Essas dificuldades advêm da ausência ou deficit de
habilidades sociais e estão relacionadas com uma aprendizagem pessoal não
assertiva devida a punição sistemática dos comportamentos assertivos,
insuficiência de reforço, recompensa pelo desempenho não assertivo,
desconhecimentos dos seus direitos e incapacidade para discriminar
adequadamente as situações em que deve emitir uma resposta assertiva
(Castanyer, 2004). Particularmente na situação da inibição mediada pela
ansiedade, Argyle (1967/1994) é da opinião que as situações que provocam mais
desconforto são o confronto de opiniões, falar com uma figura de autoridade,
falar em público, situações de grupo, expressar sentimentos, lutar pelos seus
direitos e encetar relações com elementos do sexo oposto (cit. por Del Prette
& Del Prette, 1999). Neste sentido o TCS deve estruturar as suas
intervenções sobre componentes emocionais e ambientais imprescindíveis para a
aprendizagem, consolidação e promoção de comportamentos interpessoais
assertivos.
- Modelo da Aprendizagem Social de Bandura (1961) ' A maior parte da
aprendizagem é feita através da observação dos outros significativos e das
respectivas consequências. A ênfase é colocada na interacção entre a situação
observada e os processos cognitivos do observador, tendo como consequência uma
aprendizagem cujos mecanismos reguladores são processos cognitivos. O factor
mais importante é a modelação, ou seja, para a criança e para o adolescente os
modelos de referência de interacção pessoal são respectivamente, os pais e os
pares, podendo as respostas sociais ser reforçadas ou punidas. Nesta
perspectiva, a prática e o reforço são dois elementos indispensáveis para
reproduzir comportamentalmente o que foi aprendido. Se por um lado os processos
cognitivos são essenciais na aprendizagem, a forma de esta ser validada é
essencialmente comportamental, surgindo então uma aparente contradição ao
modelo, que é harmonizada por Bandura (1977) pela formulação da Teoria da Auto-
Eficácia. Postula que apesar dos processos cognitivos serem essenciais para a
mudança, esta é mais eficaz se se verificarem experiências de sucesso no
desempenho. A expectativa de auto-eficácia diz respeito à crença acerca da
capacidade para desempenhar com sucesso determinado comportamento e é
considerada como o mecanismo central das acções humanas realizadas
intencionalmente. Problemas ao nível dos processos cognitivos (auto- avaliações
distorcidas, expectativas e crenças irracionais, pensamentos automáticos
negativos) vão reflectir-se no desempenho social. A aprendizagem através da
observação de modelos, nomeadamente a aquisição de habilidades de observação
(do comportamento do outro e de si próprio) e o desenvolvimento de processos
cognitivos e motivacionais devem fazer parte dos objectivos de um programa de
TCS, bem como a utilização de diferentes procedimentos como a reestruturação
cognitiva, a modelagem, o ensaio comportamental e o reforço (Del Prette &
Del Prette, 1999).
Apesar da existência de vários modelos teóricos explicativos para a compreensão
das dificuldades interpessoais e possíveis intervenções pelo TCS, os estudos
teóricos devem prosseguir no sentido de aprofundar conhecimentos que permitam
ampliar o quadro conceptual. Del Prette e Del Prette (1999) consideram
necessária uma "teoria geral integradora que permita organizar os conceitos e
modelos num sistema internamente mais coerente" (p.41), destacando os autores o
paradigma interpessoal de Trower, uma vez que, "vincula os diferentes modelos
conceptuais a uma perspectiva antropológica de análise evolutiva das formas de
relacionamento da espécie humana" (p.40). Vislumbra-se assim o TCS como um
campo teórico-prático de grande complexidade considerando-se também a
necessidade da estruturação de um sistema de classificação das habilidades
sociais.
Análise Reflexiva
Os referenciais teóricos apresentados, nesta pesquisa, atestam a importância do
estabelecimento de relações intra e interpessoais saudáveis para um ajustamento
psicossocial e para o desenvolvimento da saúde mental na pessoa. Somos de
opinião que o conhecimento crescente sobre os factores de risco e de protecção
para comportamentos socialmente competentes pode contribuir para o
desenvolvimento de programas de intervenção em enfermagem de saúde mental, em
diversos contextos e em diferentes etapas do ciclo vital. Entendemos que estes
programas de treino podem ser implementados numa dupla vertente: na promoção da
saúde mental e na reabilitação, pela intervenção em doentes mentais (p.ex. com
esquizofrenia) no sentido de melhorar as suas competências sociais e
consequentemente o relacionamento interfamiliar (Dogan, Dogan, Tel, Coker,
Polatz & Dogan, 2004). Na preocupação de contribuir para a evolução dos
cuidados de enfermagem, os enfermeiros procuram uma formação académica
(graduada e pós-graduada) e profissional cada vez mais actual, o que lhes
permite produzir, divulgar e utilizar o conhecimento científico. Esta
necessidade vai ao encontro do que está referido no Plano Nacional de Saúde
(Ministério da Saúde, 2004, p.144) sobre a valorização das actividades de
investigação "(...) com especial enfoque nos enfermeiros (...)" considerando
assim a enfermagem como uma das áreas prioritárias de investigação. Os
enfermeiros especialistas em saúde mental adquirem as competências científicas
e técnicas que lhes permitem assumir um papel de relevo na concepção,
implementação e avaliação destes programas, sendo necessário ter sempre por
base, os contributos teóricos explicativos que sustentem uma abordagem
aplicada.
Conclusões
Em síntese, podemos dizer que competência social é um constructo teórico,
essencialmente avaliativo e que abrange as dimensões, individual e colectiva.
Concretiza- se no comportamento adequado a determinada situação, observando-se
apenas os seus efeitos e não a competência em si mesma. Dos quatro modelos
apresentados (Modelo de Percepção Social de Argyle; Modelo do Condicionamento
Operante de Skinner; Modelo da Assertividade e Modelo da Aprendizagem Social de
Bandura) não podemos afirmar que um é melhor do que os outros, até porque se
complementam em diversos aspectos, no entanto recomendamos que a escolha do(s)
modelo(s) a ser(em) usado(s) tenha(m) em conta os objectivos da investigação, o
contexto e as características das pessoas. A pesquisa demonstra que os modelos
teóricos permitem uma compreensão mais apurada no âmbito dos deficits ao nível
das competências sociais e são fundamentais para o avanço do conhecimento.