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EuPTCVHe1647-21602012000100004

EuPTCVHe1647-21602012000100004

National varietyEu
Country of publicationPT
SchoolLife Sciences
Great areaHealth Sciences
ISSN1647-2160
Year2012
Issue0001
Article number00004

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Domínio Relações Sociais da Qualidade de Vida: Um Foco de Intervenção em Pessoas com Doenças do Humor Domínio Relações Sociais da Qualidade de Vida: Um Foco de Intervenção em Pessoas com Doenças do Humor Introdução Estamos num momento de grande viragem na forma como se equacionam as práticas em saúde mental e psiquiatria. Não existem dúvidas que a pessoa com doença mental foi muitas vezes e, por muitos de nós, esquecida e negligenciada e que não havia o devido interesse na investigação que envolvesse doenças mentais e pessoas com doença mental. Nos últimos anos a investigação tem crescido nesta área e a preocupação com a qualidade de cuidados prestados tem-se sedimentado sendo transversal a todas as áreas do conhecimento que intervêm na saúde mental e psiquiatria.

As doenças do humor, especialmente a depressão, revelam-se um problema grave, não apenas devido à sua alta prevalência (Diário de Notícias, 2010 - dados preliminares do Primeiro Estudo Epidemiológico Português apresentados em Março de 2010), mas principalmente às suas características clínicas incapacitantes (Gusmão, Xavier, Heitor, Bento, Caldas de Almeida, 2005). Por esta razão, facilmente se encara a necessidade de investigar o impacto dessas doenças na qualidade de vida relacionada com a saúde (QVRS) e consequentemente na qualidade de vida geral (QDV) dos indivíduos.

Qualidade de vida e doenças do humor No que respeita ao conhecimento sobre a QDV e doenças do humor, mais concretamente a depressão, parece haver consenso quanto à evidência de pior QDV de pessoas com doenças do humor quando comparadas com pessoas da população geral/grupos de controlo. Um estudo recente que procurou comparar a QDV entre sujeitos com depressão major, sujeitos utentes de serviços de cuidados de saúde primários e sujeitos da população geral, revela que os primeiros apresentam pior QDV em todos os domínios e faceta geral da QDV do WHOQOL-Bref (Gameiro, Carona, Silva, & Canavarro, 2010).

Ainda com o objectivo de avaliar ao impacto da sintomatologia depressiva na QDV dos indivíduos da população geral, Gameiro et al. (2008) concluíram que, conforme aumentam os níveis de sintomas depressivos, pior se revela a QDV, sendo o domínio relações sociais um dos três domínios que mais se mostraram afectados.

Numa revisão da literatura efectuada por Michalak, Yatham, & Lam (2005) que aborda a avaliação da QDV em sujeitos com doença bipolar, conclui-se que a QDV é marcadamente prejudicada em sujeitos com doença bipolar mesmo quando são considerados eutímicos.

Quando comparados sujeitos com doenças do humor e ansiedade, verifica-se que os sujeitos com doenças do humor são os que apresentam pior QDV (Rapaport, Clary, Fayyad, & Endicott, 2005).

Fleck et al. (2002) concluíram que ao associarem sintomas depressivos ao funcionamento social e à QDV, o funcionamento social é pior nas pessoas com sintomatologia depressiva do que nas pessoas sem essa sintomatologia.

Domínios e facetas da qualidade de vida A QDV é um conceito muito amplo que envolve múltiplas dimensões. Tendo em conta a perspectiva da Organização Mundial de Saúde e os instrumentos de medida genéricos que propõe (WHOQOL-100 e WHOQOL-Bref), a QDV é avaliada atendendo a vários domínios: domínio físico, psicológico, nível de independência, relações sociais, ambiente e espiritualidade/religião/crenças pessoais. Considerando que as doenças do humor têm repercussões em diferentes domínios da QDV e que cada domínio é composto por várias facetas, torna-se também importante perceber como variam essas facetas entre sujeitos com doenças do humor e sujeitos da população geral. O domínio em análise neste artigo é o Domínio Relações Sociais do Health Organization Quality of Life (WHOQOL-Bref) composto pelas facetas Relações Pessoais, Actividade Sexual e Apoio Social. Inicialmente pretende-se fazer uma abordagem à relação entre o apoio social, relações pessoais, actividade sexual e a doença mental e, num segundo momento, apresentar-se-á a metodologia, os resultados e sua discussão e as conclusões.

Apoio social, relações pessoais e doença mental Diversas definições de apoio social têm sido descritas, contudo, na sua maioria, realçam diferentes aspectos funcionais e estruturais (Stroebe & Stroebe, 1995). Segundo Cobb (1976), o apoio social é definido como o conjunto de informações que leva o sujeito a acreditar que é tratado, amado e estimado e um membro de uma rede de mútuas obrigações. Na perspectiva deste autor, o apoio social facilita o enfrentamento às crises e mudanças existentes na vida e ajuda na adaptação. Parece haver relação entre o apoio social e os comportamentos que promovem a saúde e as relações sociais podem também desempenhar um papel fundamental para a auto-estima do sujeito (Stroebe & Stroebe, 1995). Ainda, para os mesmos autores, um dos mais fortes recursos de coping externos à pessoa é o apoio social. É também através do apoio social que as pessoas beneficiam no que diz respeito à saúde física e saúde mental (Lavall, Olschowsky, & Kantorski, L., 2009) e que reduzem sintomas psiquiátricos e hospitalizações (Huang, Sousa, Tsai, & Hwang, 2008).

A análise de estudos com animais diz-nos que a simples presença e o contacto físico afectivo com outro semelhante podem reduzir significativamente a reactividade cardiovascular (Lynch, 1970 in Stroebe & Stroebe, 1995). O Modelo dos Zeitgebers Sociais (Ehlers, Frank, & Krupfer, 1988) sugere que acontecimentos de vida podem ter o poder de desencadear um estado depressivo grave através das alterações dos ritmos biológicos, nomeadamente o sono, para além do próprio significado do acontecimento. No entanto, a instabilidade e o aparecimento de sintomas podem ser mediados e/ou influenciados por variáveis de natureza psicossocial e psicobiológica, entre elas o apoio social.

Actividade sexual e doença mental A literatura tem sido unânime relativamente ao impacto negativo da sintomatologia depressiva na actividade sexual. Quando comparados indivíduos (homens e mulheres) com depressão verifica-se que os mais deprimidos funcionam pior em termos de actividade sexual que os não deprimidos e à medida que aumenta a depressão diminui a funcionalidade sexual (Moeda, 2008).

Os resultados do estudo realizado por Kennedy, Dickens, Eisfeld, & Bagby (1999) indicam altos índices de diminuição de interesse sexual e função sexual em homens e mulheres durante um episódio depressivo major sem medicação antidepressiva e cerca de metade das mulheres e um quarto dos homens deprimidos não relataram qualquer actividade sexual durante o mês anterior à avaliação.

Segundo estudo realizado por Michael & O ́Keane (2000) a disfunção sexual ocorre na maioria das pessoas deprimidas e tem um grande impacto na qualidade de vida.

Objectivo Este estudo pretende analisar o comportamento das facetas do Domínio Relações Sociais do Health Organization Quality of Life (WHOQOL-Bref) entre sujeitos com doenças do humor e sujeitos da população geral.

Metodologia Para avaliar a QDV recorremos ao paradigma quantitativo de investigação. Este estudo insere-se numa investigação mais alargada e trata-se de um estudo comparativo entre pessoas com doença de humor e pessoas da população geral.

Como foi referido no objectivo deste estudo, neste artigo será apenas analisado o Domínio Relações Sociais da QDV, tendo em conta apenas os dados extraídos da aplicação do questionário de avaliação da QDV.

Participantes Participaram no estudo 39 sujeitos com doenças do humor que realizavam tratamento em regime de consulta externa (tratamento em ambulatório), num departamento de psiquiatria e saúde mental de um hospital da região norte e 39 sujeitos da população geral, sem doença mental diagnosticada. Ambos os grupos pertencem à mesma área geográfica (região norte ' Portugal). Foram escolhidos sujeitos da população geral com características semelhantes às dos participantes com doenças do humor, uma vez que estas variáveis, caso não controladas, poderiam, por si , explicar as diferenças entre os dois grupos.

Instrumentos Foi aplicado a todos os sujeitos a versão breve do World Health Organization Quality of Life (WHOQOL-Bref ), versão portuguesa de Portugal (Canavarro et al., 2006; Rijo et al., 2006; Vaz Serra et al., 2006). Trata-se de um questionário constituído por 26 itens e que contempla quatro domínios (Físico, Psicológico, Relações Sociais e Ambiente) e uma Faceta de QDV Geral. A avaliação sócio-demográfica foi realizada com um Questionário de Dados Sócio- demográficos e a Classe Socioeconómica foi avaliada pelo Índice de Graffar. O protocolo inclui ainda um Questionário de Dados Clínicos no caso dos sujeitos com doenças do humor.

Procedimentos Todos os sujeitos assinaram consentimento informado no qual eram explicados os objectivos do estudo, o papel da investigadora e o cumprimento da confidencialidade. De seguida foi-lhes pedido que preenchessem os questionários, mantendo-se a investigadora disponível para o esclarecimento de dúvidas eventuais (assistido pela Investigadora). Em alguns casos, quando as competências de leitura eram limitadas, o questionário foi administrado pela investigadora, seguindo as recomendações contempladas nos procedimentos de administração do WHOQOL-Bref. Os dados foram recolhidos nos domicílios dos sujeitos.

Análises estatísticas O tratamento estatístico dos dados foi feito com recurso ao programa IBM SPSS Statistics, versão 19.0. Realizou-se uma análise estatística descritiva e inferencial dos dados com nível de significância de 0,05. Foi aplicado o teste t (teste t simultâneo para mais de uma média) para analisar a importância das facetas no Domínio Relações Sociais entre os grupos com e sem doença.

Resultados Quando analisamos as características sócio-demográficas verifica-se que em ambos os grupos predomina o género feminino, o estado civil casado/união de facto, a maioria possui entre um a quatro anos de escolaridade e a média de idades situa-se nos 52 anos. No que diz respeito à classe socioeconómica, medida pelo Índice de Graffar, a classe predominante no grupo de sujeitos com doenças do humor é a classe social Média-Baixa (48,7%) e no grupo dos sujeitos da população geral a classe social Média (64,1%).

Observando a Tabela 1 verificamos que os sujeitos com doenças do humor são aqueles que apresentam pior índice de QDV no Domínio Relações Sociais do WHOQOL-Bref, quando comparados com os sujeitos da população geral e a diferença encontrada é estatisticamente significativa.

TABELA 1 ' Comparação dos dois grupos no que respeita à QDV no Domínio Relações Sociais

As respostas dos sujeitos com doenças do humor e sujeitos da população geral às questões i) Até que ponto está satisfeito(a) com as suas relações pessoais? (faceta relações pessoais), ii) Até que ponto está satisfeito(a) com a sua vida sexual? (faceta actividade sexual) e iii) Até que ponto está satisfeito(a) com o apoio que recebe dos seus amigos? (faceta apoio social) estão apresentadas na Tabela 2. Cada resposta é classificada numa escala de Likert, onde "1" significa Muito Insatisfeito (M Ins.), "2" Insatisfeito (Ins.), "3" Nem satisfeito, Nem insatisfeito (N sat. N ins.), "4" Satisfeito (Sat.) e "5" (M Sat.).

TABELA_2 ' Distribuição das respostas dadas pelos sujeitos com doença e sem doença relativamente às facetas do Domínio Relações Sociais

A diferença de -,79 (Tabela3) observada nos dois grupos quanto à faceta relações pessoais é estatisticamente significativa. A comparação entre as médias mostra que os sujeitos com doenças do humor respondem mais negativamente à questão "até que ponto está satisfeito(a) com as suas relações pessoais?" do que os sujeitos da população geral. Observando a tabela de distribuição de frequências (Tabela 2) verifica-se que uma menor percentagem de sujeitos com doenças do humor está satisfeita com as relações pessoais quando comparada com a percentagem de sujeitos da população geral.

TABELA 3 ' Comparação dos dois grupos no que respeita às Facetas do Domínio Relações Sociais

No que respeita à questão "até que ponto está satisfeito(a) com a sua actividade sexual?" A diferença de -,90 (Tabela 3) observada nos dois grupos é também estatisticamente significativa. De novo, comparando as médias verifica- se que os sujeitos com doenças do humor respondem mais negativamente a esta questão do que os sujeitos da população geral (Tabela_2 ).

Discussão O fenómeno QDV aplicado a uma população com doenças do humor revela que estes sujeitos sentem dificuldades no Domínio Relações Sociais. Ao avaliar as diferenças entre as facetas desse domínio: relações pessoais, actividade sexual e apoio social entre os sujeitos com doenças do humor e os sujeitos da população geral, verifica-se que essas diferenças se reflectem essencialmente no que respeita às facetas actividade sexual e relações pessoais sendo essas diferenças significativas. Embora a diferença da faceta apoio social não seja significativa, ela revela-se com uma média mais baixa nos sujeitos com doença do humor.

Ao analisarmos estes resultados verificamos que o Domínio Relações Sociais merece ser alvo de atenção tendo em conta as suas importantes repercussões na saúde das pessoas. Estes resultados são apoiados pela evidência científica que confirma a existência de um impacto negativo da sintomatologia depressiva nas facetas em estudo, nomeadamente na actividade sexual (Kennedy et al., 1999; Michael & O ́Keane, 2000; Moeda, 2008). Apesar de sentir menos a diferença no apoio social quando comparada com a faceta actividade sexual e a faceta relações pessoais, este resultado não deixa de ser importante porque revelou ser, ainda assim, uma faceta onde os sujeitos com doenças do humor sentiam menor satisfação. Possibilita, desta forma, a percepção do impacto negativo que a doença do humor pode exercer no Domínio Relações Sociais tendo em conta a comparação entre os sujeitos com doença e os sujeitos da população geral. De facto, o apoio social e as relações pessoais têm sido merecedores de atenção da comunidade científica, porque os achados sugerem a sua forte influência na saúde das pessoas em termos preventivos, promovendo a saúde e a adaptação (Stroebe & Stroebe, 1995), na melhoria da sintomatologia depressiva e redução do número de internamentos (Huang et al., 2008) e na utilização de menos serviços dentro da especialidade médica de psiquiatria por pessoas com depressão, perturbação de ansiedade generalizada, perturbação de pânico e alcoolismo (Maulik, Eaton, Catherine, & Bradshaw, 2009).

Conclusões Os resultados deste estudo permitem a reflexão sobre um conjunto de implicações das doenças do humor no Domínio Relações Sociais. No que respeita à variável actividade sexual corrobora-se a opinião de Michael et al. (2000) que afirma a necessidade dos profissionais de saúde investigarem, na relação que estabelecem com os seus doentes, aspectos relacionados com a actividade e funcionamento sexual. A evidência científica sugere que pessoas com doença mental revelam que o apoio social reduz sintomas psiquiátricos e o número de hospitalizações e que a actividade sexual está comprometida em pessoas com sintomatologia depressiva.

Estes factos levam-nos a pensar sobre algumas medidas de intervenção clínica incluídas na prevenção, avaliação e acompanhamento/tratamento das pessoas com doença do humor. Apesar da vertente psicofarmacológica ser fundamental no acompanhamento clínico das pessoas com doenças do humor, parece importante que se considerem fundamentais as variáveis relações pessoais, actividade sexual e apoio social em todos os níveis de intervenção, visto serem fundamentais para a qualidade de vida das pessoas. Neste sentido, como refere Gameiro et al. (2010) as medidas de QDV na avaliação dos cuidados prestados poderão e deverão servir para reduzir a dissonância entre as estratégias e objectivos de intervenção e as necessidades e recursos dos indivíduos.

Por outro lado, o conhecimento que temos destas doenças e o contacto directo que tivemos com os sujeitos nos seus domicílios confirmam a necessidade de uma análise profunda e possivelmente uma atitude mais abrangente no que respeita ao acompanhamento clínico destas pessoas.

Reafirma-se Fontes (2007) que nos diz que, com as alterações previstas em termos de assistência em saúde mental e psiquiatria, se reconhece a importância do apoio social, das relações sociais e redes sociais no que diz respeito à reconstrução de um dia a dia muitas vezes perturbado pelo sofrimento e também como uma variável que interfere positivamente no tratamento, a partir de outros recursos oferecidos por outros actores sociais. De facto, como refere Freyre (2006) para se trabalhar em profissões de saúde é necessário ter um olhar mais amplo, desdobrado, um olhar que alcance as relações com as famílias, trabalho, amigos, aspirações e esperanças, e valorizar os aspectos que não são observáveis nas análises e nos raios X, pois estes "não acusam opressões, não acusam marginalização, não acusam desajustamento social, não acusam abandono" (p.30).


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